Eu me chamo Natálio Laurindo Roncada. Nasci no dia 11 de março de 1946, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.
Esse meu interesse pela Petrobras já vem da época da campanha "O Petróleo é Nosso", da época do presidente Getúlio Vargas. Não existia televisão naquela época; no longínquo Rio Grande do Sul, meu pai era assíduo ouvinte de rádio e acompanhava os acontecimentos no centro do país. Eu tinha 8 anos quando foi criada a Petrobras, em 1954. O meu pai falou que eu deveria trabalhar na Petrobras, porque era uma das melhores empresas do Brasil e um dos melhores empregos da época. Após o segundo grau, fui a Porto Alegre cursar escola técnica.
A Refab estava em fase de implantação e foi aberto um concurso. Tinha 5.100 candidatos para 130 vagas. E eu fiz o concurso, fui bem sucedido e ingressei na fase de pré-operação da Refab, no dia 2 de fevereiro de 1968
Naquela época, a Petrobras tinha uma postura gerencial e de recursos humanos em que havia um cuidado muito maior com o efetivo humano e uma preocupação muito grande em dotar o pessoal de um treinamento adequado. O primeiro ano foi só preparação, teórica e prática, antes mesmo da gente conhecer a refinaria, que estava sendo implantada. A gente teve quatro meses de curso teórico sobre refinaria e depois estágios em outras refinarias. Hoje as coisas são mais dinâmicas.
Nós temos estatísticas de acidentes na empresa desde que ela foi criada. Onde os acidentes passaram de dois a três por ano para 10, 20, no ano 2001, chegamos ao recorde de 241 acidentes. Está certo que as instalações são muito maiores, vão crescendo todo ano. Mas eu atribuo também esse excesso de acidentes ao pessoal mal qualificado, principalmente pessoal terceirizado. E também à postura gerencial, que visando o lucro máximo, deixou um pouco de lado a preocupação com o trabalhador. Essa mudança se iniciou no governo Sarney, com importações de programas de maximização. Aumentou significativamente a...
Continuar leituraEu me chamo Natálio Laurindo Roncada. Nasci no dia 11 de março de 1946, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul.
Esse meu interesse pela Petrobras já vem da época da campanha "O Petróleo é Nosso", da época do presidente Getúlio Vargas. Não existia televisão naquela época; no longínquo Rio Grande do Sul, meu pai era assíduo ouvinte de rádio e acompanhava os acontecimentos no centro do país. Eu tinha 8 anos quando foi criada a Petrobras, em 1954. O meu pai falou que eu deveria trabalhar na Petrobras, porque era uma das melhores empresas do Brasil e um dos melhores empregos da época. Após o segundo grau, fui a Porto Alegre cursar escola técnica.
A Refab estava em fase de implantação e foi aberto um concurso. Tinha 5.100 candidatos para 130 vagas. E eu fiz o concurso, fui bem sucedido e ingressei na fase de pré-operação da Refab, no dia 2 de fevereiro de 1968
Naquela época, a Petrobras tinha uma postura gerencial e de recursos humanos em que havia um cuidado muito maior com o efetivo humano e uma preocupação muito grande em dotar o pessoal de um treinamento adequado. O primeiro ano foi só preparação, teórica e prática, antes mesmo da gente conhecer a refinaria, que estava sendo implantada. A gente teve quatro meses de curso teórico sobre refinaria e depois estágios em outras refinarias. Hoje as coisas são mais dinâmicas.
Nós temos estatísticas de acidentes na empresa desde que ela foi criada. Onde os acidentes passaram de dois a três por ano para 10, 20, no ano 2001, chegamos ao recorde de 241 acidentes. Está certo que as instalações são muito maiores, vão crescendo todo ano. Mas eu atribuo também esse excesso de acidentes ao pessoal mal qualificado, principalmente pessoal terceirizado. E também à postura gerencial, que visando o lucro máximo, deixou um pouco de lado a preocupação com o trabalhador. Essa mudança se iniciou no governo Sarney, com importações de programas de maximização. Aumentou significativamente a terceirização de serviço e foi crescendo sempre. Hoje, a Petrobras tem 37 mil ativos e 90 mil terceirizados. Esperamos até que o novo governo fique atento a isso, porque a indústria de petróleo é uma indústria muito perigosa e exige muita qualificação. O lucro é importante, mas não se pode deixar de lado segurança. A integridade física das pessoas e também das comunidades que rodeiam as unidades da Petrobras.
Eu estive em várias unidades. Estive um ano no Terminal de Tramandaí, no Rio Grande do Sul, era município de Osório, hoje é Tramandaí. Eu estive seis anos na Refap e 16 anos no Paraná, na Repar. Eu ingressei como ajudante de operador, um cargo que hoje não existe mais. A carreira de nível médio seria ajudante de operador, Operador 1, operador 2, operador 3, técnico operacional e supervisor de refinaria. Hoje os cargos mudaram de nome. E eu passei por todos, aposentei como supervisor de refinaria. Fiquei mais tempo na função de operador 3. Operador 3 gerencia um grupo de turno dentro dos cinco setores da refinarias. Setores-padrão, que são Utilidade, Transferência e Estocagem, Destilação Atmosférica, Craqueamento Catalítico e Desasfaltação. A maioria das refinarias têm esses cinco setores básicos e tem outras que têm outros setores também. Cada setor tem seu grupo de turno, que toca a refinaria 24 horas por dia.
Mesmo no tempo que eu trabalhava e que não dispunha de condições para ter uma atuação mais efetiva no sindicato, sempre enxerguei o sindicato como uma entidade, a minha entidade de classe. Em função disso, sempre dei importância ao sindicato. E o sindicato deve existir em um contexto de trabalhadores. Praticamente sou fundador do sindicato de Porto Alegre, lá da Refap, mas sempre de apoio, nunca tive uma atuação de diretoria. E aqui no Paraná, eu continuei com essa postura na conscientização do pessoal, da importância de participar do sindicato, de tomar decisões coletivas. Eu me aproximei realmente após me aposentar, até por uma questão de disponibilidade de tempo. Em 1995, após a nossa greve histórica, houve um esvaziamento do sindicato. Paralelo a isso, houve uma retenção de todos os recursos do sindicato pela justiça e virou um verdadeiro caos. Tinha contas para pagar, o pessoal descontente com o resultado do movimento.
Departamento dos aposentados
Eu ajudei a criar o Departamento dos Aposentados e hoje eu sou diretor, porque nosso estatuto foi modificado. Ele foi criado no tempo em que não existia aposentado, aqui no Paraná pelo menos. Hoje nós podemos colocar uma diretoria de 24 diretores, seis aposentados. A federação tem 13 diretores e uma secretaria só de aposentado. Não tem nenhum diretor. Tem um secretário, hoje é o Paulo César, curador da Petros. A representatividade dos aposentados está boa. Existe o empenho da federação dos sindicatos para resolver o problema dos aposentados, mas em termos de representação ainda está pequena.
Campanha de comunicação
O meu trabalho nessa secretaria começou a partir de 1995, a gente não tinha idéia da dimensão da importância que seria uma secretaria funcionando bem. No momento que ela funciona bem, o pessoal recebe informação sobre a fundação, sobre a empresa, sobre a própria legislação do governo, a Secretaria de Previdência Complementar. Divulga isso, o pessoal dá o retorno.
A gente observou a total desinformação das famílias de aposentados sobre seus direitos. O titular está bem informado, mas não repassa para a família. Em 10 casos de falecimento do titular, de oito a nove, a viúva não sabe o que fazer. Não sabe que tem que entrar em contato com a representante da Petros da unidade, solicitar pensão, solicitar pecúlio. Até na parte das primeiras necessidades, em termos de sepultamento. No momento em que a gente toma conhecimento de que um companheiro faleceu, a gente manda um representante do sindicato no próprio velório, se coloca à disposição dos familiares para qualquer ajuda, até financeira, através da Petros. E os convênios que nós temos. A própria Ambep tem um convênio funeral. Nós estamos em implantação de uma espécie de seguro funeral, que é muito importante. O pessoal, às vezes, não tem a idéia de como é importante colocar a família a par de seus direitos. Tivemos casos de viúvas cujo titular faleceu em junho e ela procurou o sindicato em fevereiro do ano seguinte. Após vender todos os móveis de casa para sobreviver, sendo que ela tem o direito de pensão. Ela ignorava totalmente esses direitos.
Então nós temos feito um trabalho muito grande em cima da família e da Petros. Quando aparece um programa como o PPV, Migração, procurar esclarecer bem. Nossa postura sempre foi não indicar um caminho, mas esclarecer para que a pessoa tome uma decisão consciente e escolha o caminho certo.
O nosso sindicato, eu diria que está, com 60% da capacidade dele voltada para a categoria. E os 40% restantes estão voltados para uma política mais ampla de trabalhadores, de outras entidades, de outras categorias. Nós temos um trabalho também muito bem-feito por um diretor, que é exclusivo na área de saúde. Temos o trabalho político junto à central sindical, à CUT e à própria federação. No caso dos aposentados, nós temos um conselho nacional que atua desde os problemas da Petros até a pauta de reivindicação dos acordos coletivos. Esse conselho tem dois representantes por sindicato em cada estado e mais um representante de alguma associação, como a Ambep - desde que essa associação trabalhe em conjunto com o sindicato.
Usamos recursos e tempo disponível do sindicato também para dar um apoio a várias outras entidades sociais. Nós temos um trabalho social, com entidades de apoio social, com o MST, com os carrinheiros, os catadores de lixo reciclável, consciência negra.
Departamento do aposentados
Os aposentados se organizaram em forma de departamento e secretarias com um trabalho voluntário para resolver os problemas dos aposentados dentro do sindicato. A diretoria tem dado cada vez mais apoio, existe uma orientação da federação em cima disso. Então, em 1995, devido a esse esvaziamento do sindicato, a gente se organizou num grupo no Paraná. A gente foi a campo buscar pessoal para participar do sindicato, inclusive nas áreas de lazer. O pessoal encheu o sindicato, mesmo que fosse de aposentados, para tirar aquele clima de velório que ficou. E foi um trabalho muito bem-feito. A gente continua até hoje.
A greve de 1995 foi um marco histórico dos nossos movimentos. Para o sindicato, politicamente, acho que houve um ganho. Mas naquele primeiro momento após a greve houve uma frustração muito grande da categoria. Porque foram 30 dias de tensão e 30 dias de perda de salário. Houve muitas demissões. Os sindicatos tiveram os recursos bloqueados. Existe um segmento da categoria que não foi afetado, que são os aposentados. Os aposentados nesses movimentos têm uma postura de apoio, já que o aposentado, por uma questão ética, não vota decisões de movimentos. Nós promovemos campanha de arrecadação de recursos para os ativos que ficaram sem salários.
Trabalhamos com o processo de anistia, mas já é um trabalho conjunto, porque a Secretaria de Aposentados não tem força política. Ela tem negociação com a fundação, com a Petros, mas não com a empresa. A empresa não quer conversa com aposentado. Então, no caso dos demitidos aqui do Paraná, nós tivemos nove, foi feita uma assembléia e nós assumimos o pagamento de salário deles. Até hoje nós temos dois que pagamos salário. São 8 anos e tiveram quatro que foram reintegrados. Teve dois que poderiam ser reintegrados, mas não tiveram mais interesse em voltar.
Quando eu ingressei na empresa, nos cursos de formação, os instrutores batiam muito nessa tecla: que, na indústria de petróleo o trabalho é perigoso, é um trabalho de responsabilidade. É um trabalho que exige uma boa qualificação. Exige até feeling. Citavam exemplos de acidentes fora do Brasil. Existia uma preocupação muito grande de que o empregado tivesse uma auto-estima, se sentisse bem. Vestisse a camisa com orgulho.
Quando ingressei na Petrobras e fui trabalhar no terminal, era uma cidadezinha litorânea com 15 mil habitantes, no verão chegava a 500 mil. O status que o operador do terminal tinha na cidade só perdia para o do prefeito, para o padre e para o médico. E aquilo não era um status que a cidade conferia, mas o trabalhador da Petrobras se sentia com aquele status. Tanto é que a roupa de guerra era o traje preferido. Eles usavam aquilo o dia todo. Iam para o barzinho de roupa de guerra e de capacete. Porque aquilo era um status dentro da comunidade. E as duas agências bancárias disputavam. O Rotary Club chamava a gente para as festividades. Existia a preocupação bem cristalina de que o trabalhador da Petrobras tinha que ser um trabalhador satisfeito. Um trabalhador até fora de série, acima da média.
Foi mudando aos poucos. Na primeira crise do petróleo, em 1973, já houve algumas mudanças. As mudanças realmente começaram a acontecer na abertura política, após o regime militar. Porque houve mudanças na postura gerencial, muitas delas baseadas em programas comprados. Cada cidade tem a sua realidade. Não pode generalizar. O que é bom para os Estados Unidos, às vezes, não é bom para o Paraná. E esses programas desciam da alta gerência. De cima para baixo e convocando todo mundo, gerando às vezes alguns conflitos. Deixando de lado a opinião do trabalhador e procurando atingir o objetivo do programa. E se intensificou violentamente com o neoliberalismo e a globalização. A coisa perdeu o controle a ponto de um trabalhador se aposentar porque não tinha mais ambiente no local de trabalho. Era comum, o pessoal chegar no sindicato e pedir a aposentadoria incentivada, antecipada, e nós orientarmos: "Mas vai ser prejudicado para o resto da vida. Fica mais dois anos, vai melhorar a tua condição." "Não tenho mais condições. Se eu ficar, eu fico louco."
Me aposentei em 1989 e já se percebia essa tendência gerencial, mas não com tanta intensidade.
É uma incoerência, e essa mudança gerencial que houve, principalmente após o governo Collor. Acho que houve uma omissão total dos gerentes da empresa de reagirem contra as mudanças, contra a globalização, que era um mal necessário. Mas que fosse feita de forma menos traumática. Isso aconteceu dos níveis mais baixos até o nível de superintendência.
Nós tivemos um superintendente que foi demitido no movimento de 1995, porque a alta gerência achou que ele não teve uma postura mais firme. Isso até é uma questão cultural dentro da empresa que o gerente sempre assumiu essa postura de que não pode participar de movimento. Mas ele é um trabalhador igual a outro. E isso eu não vejo muita perspectiva de mudar, a não ser, talvez, se o novo governo modificar alguns aspectos na gerência da Petrobras. Que dê a condição, dê a abertura para esse pessoal colocar suas opiniões, pode ser que mude alguma coisa.
A Petrobras, dentro dessa postura gerencial da globalização e neoliberalismo, está bem clara quanto ao aposentado. A Petrobras quer desatrelar o aposentado do ativo, porque esse vínculo existe através da fundação e da assistência médica. Foi tentado fazer a implantação do Petrobras Vida. A criação do Petrobras Vida tinha dois objetivos: Desonerar a empresa da fundação, ou seja, rasgar os contratos que existem da responsabilidade da patrocinadora-mãe que é a Petrobras. E outra desvincular o reajuste salarial dos aposentados com o dos ativos. A empresa reconhece que o salário dos ativos está defasado em mais de 30% e ela não pode fazer essa reposição, porque teria que fazer para os aposentados. Por isso, a Petrobras tem adotado essa sistemática de dar um aumento pequeno, que contemple os aposentados e os ativos, e buscar outro artifício para complementar o salário dos ativos, com os abonos. Começou em 1997, depois ela partiu para uma PLR, uma TL, e agora os últimos anos com a PLR. Até finalizar o governo Fernando Henrique, a postura da empresa com os aposentados era um descomprometimento total. Ela continua cumprindo as obrigações por força de contrato. Mas está fazendo todo o possível para anular esses contratos. A própria fundação está nessa situação por causa da empresa. Quando a Petros foi criada, a expectativa para o ano 2000 era de que a Petrobras tivesse 120 mil funcionários contribuindo com o fundo. Teve 80 mil na década de 1970. Hoje tem 37 mil e 90 mil terceirizados. Fora isso, tem umas dívidas que a Petrobras tinha com a fundação que pagou com papel podre. Ou as próprias aposentadorias antecipadas, que oneraram a fundação e não houve aporte de verba para isso da empresa. Esse posicionamento relação aos aposentados até o final do governo Fernando Henrique foi catastrófico. Agora, a esperança é que alguma coisa mude.
Este projeto "Memória dos Trabalhadores da Petrobras" me lembra os velhos tempos, onde o trabalhador era ouvido. Até ajudei o sindicato a localizar o pessoal mais antigo, que participou mais da vida da empresa. Eu espero que esse trabalho tenha o resultado esperado.
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