P/1 – Bom, Itamar, vamos começar com você dizendo o seu nome, local e data de seu nascimento?
R – Itamar Batista Gonçalves. O nascimento é 01 de abril, de 1963. O local do nascimento é Belo Horizonte na área industrial de Belo Horizonte, a área mais periférica, por coincidência eu nasci numa favela dessa cidade industrial em Belo Horizonte e que existe até hoje. Então aquela rodovia... Uma grande rodovia ela corta essa periferia para você acessar outros municípios etc. Ela que faz essa ligação, então eu quando vou para Minas, eu sempre observo e vejo que pouco mudou de 63 para 2004, embora eu estive lá em 2003.
P/1 – E a sua família era lá de Belo Horizonte? De onde veio?
R – Meu pai veio de uma cidade também mineira e o nome dessa cidade é Papagaio e minha mãe vem de uma cidade cujo nome é Ponte Nova, são cidades que estão próximas ali de Ouro Preto, Mariana naquela região.
P/1 – E eles foram para Belo Horizonte por quê?
R - Primeiro o meu pai ele vai para Belo Horizonte em busca de trabalho enfim ele é um pessoal que... Meu pai ele vem de uma família que tem as suas terras, mas que tem uma cultura, que trabalha na cultura de subsistência, então o que era produzido era consumido ali etc. Ele alça voos, vai para Belo Horizonte, em Belo Horizonte ele se engaja ele consegue emprego numa empresa metalúrgica, a formação dele desde então é como pintor, ele se especializa, vira um pintor industrial e ali ele... Isso em cinquenta e poucos, a minha mãe vai para Belo Horizonte com oito, nove anos trabalhar em casa de pessoas. Conta-se que essa pessoa tinha um vínculo com ela, tinha um grau de parentesco com essa pessoa que ela foi trabalhar, mas ela com oito ou nove anos vai ser babá das crianças dessa família, né? É uma família classe média e ela até fala que essa família é uma família de políticos lá, não sei se Vereador ou Prefeito, mas ela com nove anos vai tomar conta...
Continuar leituraP/1 – Bom, Itamar, vamos começar com você dizendo o seu nome, local e data de seu nascimento?
R – Itamar Batista Gonçalves. O nascimento é 01 de abril, de 1963. O local do nascimento é Belo Horizonte na área industrial de Belo Horizonte, a área mais periférica, por coincidência eu nasci numa favela dessa cidade industrial em Belo Horizonte e que existe até hoje. Então aquela rodovia... Uma grande rodovia ela corta essa periferia para você acessar outros municípios etc. Ela que faz essa ligação, então eu quando vou para Minas, eu sempre observo e vejo que pouco mudou de 63 para 2004, embora eu estive lá em 2003.
P/1 – E a sua família era lá de Belo Horizonte? De onde veio?
R – Meu pai veio de uma cidade também mineira e o nome dessa cidade é Papagaio e minha mãe vem de uma cidade cujo nome é Ponte Nova, são cidades que estão próximas ali de Ouro Preto, Mariana naquela região.
P/1 – E eles foram para Belo Horizonte por quê?
R - Primeiro o meu pai ele vai para Belo Horizonte em busca de trabalho enfim ele é um pessoal que... Meu pai ele vem de uma família que tem as suas terras, mas que tem uma cultura, que trabalha na cultura de subsistência, então o que era produzido era consumido ali etc. Ele alça voos, vai para Belo Horizonte, em Belo Horizonte ele se engaja ele consegue emprego numa empresa metalúrgica, a formação dele desde então é como pintor, ele se especializa, vira um pintor industrial e ali ele... Isso em cinquenta e poucos, a minha mãe vai para Belo Horizonte com oito, nove anos trabalhar em casa de pessoas. Conta-se que essa pessoa tinha um vínculo com ela, tinha um grau de parentesco com essa pessoa que ela foi trabalhar, mas ela com oito ou nove anos vai ser babá das crianças dessa família, né? É uma família classe média e ela até fala que essa família é uma família de políticos lá, não sei se Vereador ou Prefeito, mas ela com nove anos vai tomar conta das crianças dessa casa e os dois acabam se encontrando, enfim por uma situação eles começam a namorar e esse namoro já... Isso ela com vinte anos, dezenove vinte anos, na verdade ela era uma mão de obra não remunerada, porque a família alegava que ela tinha casa e comida. Então não é permitido estudo e todo tempo dela está dedicado a cuidar dessas crianças e quando ela sai dessa casa ela sai para casar e já sai... Ainda sem conhecer nada da vida. Minha mãe ela teve contato com o mundo externo quando ela sai para o casamento e para casar ela tem que fugir, então eles organizam todo um plano de fuga e os meus avós praticamente abriram mão, eles acharam que ali seria o melhor para aquela criança e praticamente abriram mão do acompanhamento da formação e do cuidar da minha mãe, então ela começa a ter uma vida externa quando ela encontra meu pai isso, entre aspas, porque meu pai quando eles casam ele está se engajando... Está iniciando a vida política dele, porque é um Brasil passando por um momento de efervescência muito grande, meu pai foi um dos quadros do PC [Partido Comunista], foi cooptado pelo partidão na empresa depois ele muda de partido, ele sai do partidão e vai fazer a militância na APES, ação popular e na própria política operária. Está mais digamos, à esquerda, naquele contexto, então também isso vai causar na nossa vida em... Quando eles casam no ano seguinte, eu já estou nascendo e minha mãe não sabia que essa atividade gerava filho, então ela vai descobrir ali nessa relação. Depois de um ano nasce... Eu nasci em 63 e meu irmão nasce em 64, já com o golpe e meu pai já com essa atividade, então ele está participando, ele era funcionário da Mafersa [Material Ferroviário S/A], porque nesse período tinha sido encampada ou assumida pelos operários, pelo grupo de profissionais dessa empresa que tinha ido à falência. Esse grupo assume a diretoria dessa empresa e faz com que eles organizem o movimento operário principalmente metalúrgico de Minas. Justamente aí tem o golpe e meu irmão está nascendo e com o golpe ele tem que sair tem esconder do Município, né? Tem que se esconder dos militares, foi quatro anos nessa atividade clandestina ali e aí a organização ajudando ele a se manter etc. Ele vem para São Paulo na frente e com o braço da organização que nos recebe aqui em São Paulo, foi o Eder Sader e o primeiro local que a gente fica aqui é na Quatorze Bis, na Praça Quatorze Bis ali na Nove de Julho, então nos ficamos um tanto... Minha mãe, eu e meu irmão, a gente ficou um ano sem contato com ele, quando ele veio para organizar as coisas saber onde a gente ficaria e tal, aí a organização desloca ele e tinha uma dúvida se ele ia para Osasco ou para Guarulhos, ele acaba indo para Guarulhos também para fazer o movimento sindical, mas isso é outra história eu estou dizendo como eu cheguei em São Paulo.
P/1 – Mas vamos voltar lá para Belo Horizonte, e aí como é que é? Eles casam e você nasce um ano depois, né? E depois logo vem o seu irmão é isso?
R – Em 64 vem o meu irmão, vem o golpe e meu pai passa por essas dificuldades, porque a empresa ela é... Os funcionários perdem essa empresa novamente que estava inclusive, segundo ele, estava conseguindo se organizar, estava sendo lucrativa, pelo menos melhorou a base de renda de cada um dos que estavam ali, mas aí com esse golpe essas lideranças que tinham em todos os movimentos sindicais passam a serem perseguidas e tal. Ele conta que no dia do golpe passava uma lambreta, então a gente seria, de fato, retirado, eu fugi numa lambreta e fiquei encucado e... Na verdade de Belo Horizonte eu saí com quatro anos, mais ou menos, em 68 ou 67 que eu vou sair de Belo Horizonte.
P/1 – Então você falou que quando você passa por lá você... Sempre que você vai a Belo Horizonte você passa por lá, o que você lembra? Lembra alguma coisa da sua infância? Como é que era a vida de vocês? Como é que...
R – Olha, eu lembro de figuras que me vêm a cabeça e depois eu já tentei conversar sobre isso, mas fica uma coisa tão distante, eu lembro de um senhor que vendeu um caminhão pro meu pai, um caminhãozinho, mas era um Ford 29 (risos) que foi exatamente esse período que ele sai dessa empresa acho que ele tenta fazer alguma coisa na área de transporte ou não sei se a foi organização subsidiou isso, enfim eu acho que era uma forma de se virar, eu lembro que era um senhor muito gozado porque ele tinha mania de conversar batendo o pé no chão, então ele ia falando e era terrível porque eu lembro que a gente morava numa casa de madeira que tinha um tablado enorme e ele ficava batendo assim, eu não sei o que me passava ou o que me passou durante a vida toda, já pensou pegar um tique desse? (risos). É horrível. Eu tenho uma coisa que eu descobri já adulto, eu sempre tive muito medo de rato, né? Eu tenho horror rato e cobra, mas um medo assim, uma coisa que me deixa arrepiado e a minha mãe conta que quando eu nasci a gente não tinha... Quando eles casaram foram morar nessa favela e lá era um quarto mesmo, móveis não tinha nada, enfim eles estavam no início de vida e tal, tinha uma cômoda e eu não tive berço, primeiro porque meu parto foi em casa e foi feito por uma parteira eu nasci de sete meses, né, antecipado e essa cômoda tinha a primeira gaveta que era em cima, e que era o meu berço que eles organizaram, era lá que eu dormia. No meio da cozinha ou da casa porque era um cômodo só meu pai então... Tinha um fogão que era um fogão a lenha e segundo eles esse rato tenta me pegar ou coisa assim, tem um barulhão à noite, eles veem que é um rato que está ali e aí eles correm para matar o bicho, né? Esse rato sobe, entra no fogão, meu pai conta que aí eles fecharam a saída do fogão e colocou fogo ou sei lá alguma coisa ele fez. Falou que o bicho gritava até e eu acho que é isso... Eu falei: puxa tem lógica, eu tenho essa história do grito é uma coisa que eu não sei explicar, é uma coisa que... Porque eu era bebê, né? Então não sei se... Mas quando minha mãe me contou essa história eu falei: puxa de alguma forma justifica, não sei por onde passa, mas que isso me chamou muito a atenção, isso eu já tinha quase trinta anos quando ela contou essa história, foi uma daquelas passagens que você... Mas é isso, acho que toda minha vida na verdade já foi em São Paulo, principalmente em São Paulo nós ficamos com essa mudança um ano, foi até acertar o município, nós fomos para Guarulhos e nós fomos criados em Guarulhos.
P/1 – Você e seu irmão? Tem quanto tempo de diferença entre vocês mesmo?
R – Um ano, ele tem quarenta anos e eu tenho quarenta e um.
P/1 – E aí como é que era lá? Os amigos?
R – Em Guarulhos?
P/1 – Você veio com...
R – Olha a infância foi bem... Porque quando meu pai vem para cá ele começa então a organizar um movimento aqui, em pleno regime militar, então tinham todos os cuidados, eram poucas amizades, isso para mim foi uma coisa que marcou muito a minha infância, embora eu sempre tenha sido muito sapeca, muito... Meu irmão ficou com uma coisa mais tímida, mas eu na escola, por exemplo, sempre aprontei, sempre dei muito trabalho em casa (risos). Sabe assim, saía para nadar em lagoa e aprontava mesmo, né? Mas tem isso, quer dizer é um período da infância, isso até os sete, oito anos então a gente teve pouco contato e tem uma coisa que eu acho que me marcou muito, é essa questão da sociabilização mesmo com as outras crianças etc. Porque eu tenho uma coisa de liderança, que é uma coisa que eu sinto hoje que é uma coisa muito... Eu fico olhando o futebol, por exemplo, não era porque eu tinha bola às vezes, nem tinha bola, mas eu sempre entrava destaque, eu que formava o time, então sempre foi isso, era uma coisa que não sei se é amabilidade ou que coisa que é... Eu não ficava por último, sempre estava à frente, né? E querendo fazer as coisas, não sei se tentando recuperar um tempo que eu não tive, nunca fiz essa análise, mas alguma coisa aconteceu nesse processo. Eu lembro que o meu irmão já teve a possibilidade de fazer um pré, aquela pré-escola e eu não fui, na nossa época era o jardim e ele tinha acesso aos brinquedos, né? A sociabilização com os outros, então eu achava aquilo fantástico, eu já estava fazendo a escola formal, o Ensino fundamental, eu que levava ele para o Jardim, às vezes eu dava uns ataques, eu entrava e começava a brincar. As professoras lá, as orientadoras, na época, toleravam, mas eu senti que foi um marco muito significativo para mim, primeiro porque você não podia sair na rua, a minha mãe quando ela chega em São Paulo tinha total horror porque na época eles procuraram meu pai em Belo Horizonte, quando ele sumiu eles procuraram e a gente inclusive ficou sem notícias mesmo porque tinha um risco total. A nossa família também estava em risco, não foi muito bem avaliado na época, a polícia entrou em casa, lá no barraco, né, e destruiu o barraco procurando documento, embora não tivesse, mas sabe aquelas coisas: amassa as poucas panelas que tem, quebra a cômoda que era o berço, então simplesmente destruíram, foi uma sorte a gente não estar em casa, mas ela foi muito pressionada, então a minha mãe quando chega a São Paulo, quando ela via um policial, chegava a se urinar, ela tinha uma coisa que ficou ali e foi tendo que ser trabalhado a Regina, sabe ela é mulher do Eder? Ela é Geógrafa, ela fez um... Ela é uma pessoa fantástica, ela que nos acompanhou e ajudou, foi levar minha mãe para a Psicóloga etc. e tal, né? Aqui em São Paulo já e ela que saía com a gente, minha mãe não conseguia pôr os pés na rua, embora ela não tivesse uma compreensão política, ela não foi uma militante, meu pai manteve a tradição machista e tal. Então ela não engajou, ela tinha pouca informação, então ela não ia ter o que falar e nós também na história, né? E na... Bom, perdi o gancho aqui, enfim eu estava falando dessa fase, então por conta de todo esse clima que foi criado a gente... No nosso período de infância tem isso, a gente não vai se relacionar com as pessoas, então quando eu fui para a escola diferente do que é comum, eu achei o máximo, eu queria mais era ficar na escola, era uma felicidade total porque na verdade era também uma forma de eu ter contato com as outras pessoas, com as outras crianças, sem contar que a gente, mesmo aqui em São Paulo, a gente não tinha televisão e talvez isso fosse uma coisa que aliviasse para o bem ou para o mal, mas que fosse uma opção toda essa... Eu lembro que dessa fase tinha algumas figuras, o Marino que é um dos quadros também desse grupo, aliás, ele é que foi um dos intelectuais da própria organização, ele era muito sensível. As reuniões de célula aconteciam na nossa casa porque era uma casa de operário num bairro simples, então era fácil justificar a vinda dos tios etc. a junção da família. Ele foi muito interessante porque esse pessoal eles davam muito... Portavam muito material para gente, então eu lembro até hoje assim Monteiro Lobato eu fui conhecer a partir daí, quando você está iniciando as leituras, né? Então eu lembro que foi esse pouco que acabou dando, né... Essa primeira atividade, as atividades de pintar foi tudo doado mesmo, foi recebendo esse material.
P/1 – E na escola o que te marcou mais? Essa relação tinha alguma criança, algum amigo que te marcou? Professor? Como é que foi a relação assim...
R – Eu lembro, eu tive uma professora com o nome de Lídia, ela era muito gentil, era uma pessoa muito carinhosa e eu lembro que não sei de onde, mas eu falei que eu estava sempre à frente, eu às vezes aprontava ela vinha e era um barato, porque tinha o castigo físico mesmo, né? Embora essa distância não seja tão grande, mas ela pegava a gente pela costeleta, então você imagina? Eu vivia com a costeleta doendo, mas eu tinha uma relação muito gostosa tanto é que eu cheguei a frequentar a casa dela, ela me leva e num determinado período ela fala que eu estou... Ela fica preocupada com a minha saúde, ela checava com a minha mãe alimentação e etc. Eu lembro que ela fazia suco de espinafre, dava sempre uma maçã para mim, enfim foi uma figura que ela tem um... E até hoje eu não sei o que foi o que aconteceu, nunca mais procurei, enfim perdi o contato, foi só nessa fase mesmo e eu vi algumas vezes já adolescente, mas me distanciei, eu lembro que não sei por quê... O que sensibilizou se era o grau de pobreza ou potência sei lá. Mas eu sempre fui muito carinhoso também com as pessoas que se aproximavam, desde adolescente eu tenho essa diferença, eu lembro que foi muito recorrente das pessoas colocarem dessa forma saber entrar e aí são valores que vem da família, então famílias mineiras são muito conservadoras, embora toda essa militância, mas minha mãe na questão do trato ela não admitia então e meu irmão assim toda... A forma de lidar com as pessoas isso sempre foi muito pesado.
P/1 – E a adolescência como foi?
R – Olha a adolescência ela foi muito breve, porque eu falei que eu sempre tive muita pressa e por essa condição mesmo... Para você ter uma idéia aos quinze anos, quatorze ou quinze anos eu comecei a fazer teatro e conheci um grupo com quatorze anos eu conheci um grupo que é o Grupo Núcleo de Teatro que na época era o Celso Frateschi a Lali o Reinaldo Maia que depois eu fui encontrar na Monte Azul, ele com teatro lá e ele trabalhou muito tempo na Funarte [Fundação Nacional de Artes] fez TV a Denise Del Vechio que na época já fazia TV e esse grupo vai como estratégia para as periferias, para os diversos municípios e com o pretexto do teatro, um teatro mais panfletário, enfim era uma forma de ter uma participação de mais jovens esse grupo... Então eles vão criando Casas de Cultura ou alimentando Casas de Culturas, o nosso caso era um grupo mais político, uma parte de pessoas ligadas a organizações que vão... E montam essa Casa de Cultura, na época a Casa de Cultura Paulo Pontes, isso para mim... Eu tinha até então uma vida, tinha a escola, tinha o futebol, tinha muito a rua, muito pipa, carrinho de rolimã, as brincadeiras e etc. e foi muito rápido, porque você imagina treze anos, quatorze anos na escola. Eu sempre estudei na escola pública toda a minha vida e com treze anos eu descubro esse grupo. Meu pai me leva numa apresentação, ia ter a peça e tinha essa Casa de Cultura que estava sendo formada e ele a conhecia, conhecia algumas figuras, como o Rodrigues, por exemplo, da oposição sindical que a gente chamava de Negão, é uma figura. Ele também depois de velho vai fazer Geografia na PUC [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo] é uma figura e o Rodrigues frequentava a minha casa, eu conheço o Rodrigues desde os seis, sete anos, mas era uma coisa distante porque você não sabia nomes, meu pai em vez de Antônio era Jair, então tinha essas coisas, né? Lá na Casa de Cultura a gente vai ter contato com essas coisas e eu fiquei encantado com aquilo. E a proposta era teatro e projeção de filmes, um espaço para as músicas regionais, então começa a pintar violeiro, sanfoneiro etc.etc. Eu “pô”, com treze anos aquilo para mim foi o máximo, que coisa, não tinha no meu imaginário isso. Aí começo a frequentar a Casa de Cultura, tanto é que a Casa de Cultura ficava... Devia ter o quê? Uns oito quilômetros de onde eu morava e eu fazia esse percurso a pé porque a gente não tinha grana etc. e tal e logo na sequência eu começo a fazer com quatorze anos, isso frequentando a Casa de Cultura, mas esse ano foi muito rápido porque eu me envolvi, era voluntário para tudo, tinha que buscar filme eu ia junto, tinha que distribuir panfletinhos eu estava distribuindo, ah tem essa parte desde os oito, nove anos panfletagem de madrugada em porta de fábrica eu sempre fiz com o meu pai e essa parte do... Então eu já tinha, mais ou menos, já conhecia o povo de certa forma, ali era um ponto de encontro porque a oposição sindical apoiavam todos, não questionavam, então independente da sua organização, a gente sempre encontrava esse pessoal, né? Com quatorze anos eu entro no Senai, então eu sou um eletricista formado pelo Senai, fiz o curso de dois anos, eu estava avançado na escola e não precisei fazer o... Você tinha também a possibilidade de fazer o Ensino Formal dentro do Senai e como eu estava um ano na frente. Então eu eliminei o ensino formal, fiz alguma base técnica e algumas disciplinas como Desenho Industrial que era fora da sala de aula e Educação Física etc. Mas o Senai ele era um curso de período integral de segunda a sexta. Então você fazia essa formação, essa especialização, esse curso de Eletricista, por exemplo, é muito interessante porque você faz o Instalador que é esse de residência e você aprende a fazer motor e aprende fazer os quadros, Eletrotécnica que são esses controles de ponte que anda fazendo e coisa e tal. Então era um curso bem interessante, antes do Eletricista, era o Ferramenteiro, então eram profissões assim que tinha tudo para... Como deu, né? Eu tenho colegas que se deram super bem, enfim... Mas aí tinha uma coisa muito importante nesse curso porque ele passou a me remunerar, embora eu também trabalhasse, não com frequência, mas eu com oito anos precisei ajudar em casa, fui numa oficina mecânica eu fiquei um ano sendo ajudante e o cara lá dava um real por dia ou no sábado, mas foi legal, porque eu tive uma idéia e...
P/1 – Tudo ali em Guarulhos?
R – Tudo em Guarulhos, mas assim é gozado porque já como criança essa preocupação, sabe? De manter a casa e tal. Teve uma época que eu tive uma briga feia com o meu pai, eu tinha, sei lá uns dez anos, e eu queria fazer carreto na feira e aí eu e um coleguinha a gente montou um carrinho todo... Imagina dez anos... Um projeto a ideia era boa, mas o projeto você imagina, né? E a gente foi escondido fazer o primeiro carreto na feira era muito comum não sei como é hoje eu não faço feira, mas era muito comum você ter a molecada com os carrinhos de rolimã, né, puxando na feira e tal. Trabalho duro e tal, por que... E a gente pegou uma mulher, a mulher colocou um monte de sacola no carrinho, os dois empurrando aquele carrinho na feira e chegou um determinado momento que aquele carrinho quebrou porque ele era tão mal feito e a mulher falou: “Eu não quero nem saber vocês vão ter que carregar” e os dois tiveram que carregar, ela pegou uma parte e a gente pegou a outra parte e largamos o carrinho por lá (risos). Mas aí quando o meu pai ficou sabendo ele ficou muito bravo e disse: “Você não vai fazer isso e tal” ele não conseguiu explicar o porquê ele achava que era vexatório, que era... Eu acho que nem era... Tinha a preocupação com o bem estar da gente, mas... Então eu sempre fiz essas coisas fui fazer... Trabalhei numa gráfica também, dos doze aos quatorze e foi muito cruel, porque eu via o meu... Primeiro que assim toda doação, a gente de fato era uma família muito pobre e meu pai com essa história da militância ele nunca aceitou cargo, nunca aceitou... Então ele sempre ficou no quadro mesmo de operário e ele como tinha também, me parece, uma orientação que você tinha que ser o operário padrão, ou seja, ser muito bom para você poder ser reconhecido e ser uma referência, de fato ser considerado uma liderança pelo seu trabalho e o reconhecimento como pessoa e etc. Então ele sempre foi muito provocado para os cargos de liderança na empresa e ele nunca aceitou, embora ganhar o dobro significaria muito para gente, isso sempre mexeu muito e eu fui então trabalhar com doze anos. Nessa gráfica era um trabalho que você ficava confinado, quer dizer, um espaço com as portas fechadas e aquelas máquinas, um espaço, um galpão pequeno com a porta fechada e eu ficava na verdade fazendo um trabalho de... Era um auxiliar de como é que chama? É a pessoa que monta as placas para serem impressas, vamos ver se eu lembro o nome dele, mas assim todo o trabalho de separar, organizar assim os tipos eu fazia todo esse trabalho, né, e aquele pó, porque é feito de... Ele é um material, é um mineral que eu não sei se é chumbo, acho que tem chumbo na composição dele, mas ele é um pó constante etc.e tal, então eu fazia isso na gráfica e ficava o tempo todo, era um trabalho em pé, fazia a limpeza da gráfica, fazia a separação desse tipo e fazia um trabalho de blocagem que é aquele cara que quando você monta um bloco de nota fiscal, por exemplo, você tem que intercalar as folhas, é esse cara que faz o corte das... Então você dá o padrão, as notas fiscais têm um tamanho, uma medida, então esse bloquista que corta antes para ir para a máquina aí tem o outro que monta a placa, o logotipo e tem o cara que faz a impressão que trabalha na máquina propriamente dita, mas eu era um... Fazia de tudo, então tinha a limpeza, tinha esse trabalho da blocagem e fazia o trabalho de rua banco essas coisas, né? Eu lembro que eu chegava a tarde e às vezes os meus amigos ainda estavam jogando bola etc. Dava aquela sensação, aí você fala é uma sensação de escravidão mesmo, de prisioneiro. O que me incomodava muito era não ver o sol, eu saía e não sabia se estava sol ou se estava noite, se estava frio ou se estava calor, entendeu? Porque lá dentro era uma temperatura só, então esse trabalho, esses dois anos foram horríveis e pessoas brutas, então não tinha... Já era um emprego de fato, então tinha o contracheque que foi o meu primeiro contracheque formal.
P/1 – Que idade mesmo você tinha?
R – Doze anos. Primeiro contracheque formal que eu recebo que vem como holerite mesmo, era um envelope amarelo datilografado com o meu nome e tal e o... Daí quando eu saí e eu prestei o Senai porque eu estudava a noite e trabalhava ali durante o dia. Eu prestei o Senai e foi uma questão de liberdade, porque eu já estava com quatorze anos, então já tinha outras idéias e o salário era maior do que essa jornada. Eu tinha uma jornada lá entrava às sete da manhã e saía as cinco, seis horas da tarde era um troço maluco e depois ia para a escola direto, eu entrava as sete na escola, então minha jornada terminava às onze da noite.
P/1 - Mas tinha o trabalho de fato de eletricista então?
R – Então esse na gráfica?
P/1 – Não no Senai?
R - O Senai então foi a minha libertação, porque eu estudava a parte teórica e Educação Física e tal no período da manhã que era extremamente prazeroso e a tarde era a parte prática que era parecido com empresa mesmo, mas sempre com aulas as disciplinas e aí eu tinha um... Eram onze disciplinas mais ou menos onze dez disciplinas tanto do lado teórico, quanto do lado prático e aí você ia para a oficina mesmo, mas aí numa relação aluno professor, seus amigos a cantina, então jogos foi extremamente prazeroso e aí eu acho que isso deu amenizada, eu estava me referindo a gráfica que foi para mim um martírio mesmo porque eu perdi o contato com todos os amigos, não tinha contato com pessoas da minha idade, eu só chegava no final da tarde ou encontrava na escola, mas na escola eu lembro que isso foi muito marcante, eu tinha colegas que já trabalhavam também na mesma situação e a gente dormia e dava nove horas a gente... Ou então ficava aprontando, bagunçando que era uma forma de se manter acordado e se dar conta. Então quando eu vou para o Senai, eu vou para um pelotão de elite, eu lembro que passar no Senai não era uma coisa simples, tanto é que meu irmão tentou dois anos depois entrar no Senai e não conseguiu. Vários amigos lá da região que eu morei não entraram, né? Tiveram seus destinos mudados, mas eu quando pintou essa ideia eu falei: é lá, essa é a salvação, era remunerado e eu tinha um vínculo empregatício. Então no Senai eram onze meses na aprendizagem, eu tinha depois um outro período que era na fábrica e aí eu ficava um mês na fábrica que era considerado estágio e aí na fábrica também era aquelas funções vai limpar não sei o que, o pessoal não dá muito crédito.
P/2 – O teatro você resolveu se dedicar mais ou era mais final de semana?
R – Então esse período todo de treze anos aos quatorze anos eu vou acompanhando isso ou à noite e principalmente sábado e domingo era na Casa de Cultura Paulo Pontes, você não me encontrava em outro lugar, né? E é lá que eu vou, então com quatorze anos, participar do primeiro grupo de teatro que chama Grupo Nó de Teatro, esse Grupo Nó existiu seis anos e a gente fez uma montagem única (risos), mas tal foi o sucesso, também passou por uma avaliação, “pô” nós saímos na folha de São Paulo no Estado de São Paulo recebemos prêmios etc., mas era uma peça do Celso Frateschi que a gente montou e não conseguia outra porque todo mundo tinha outra atividade, né, então, mas foi um grupo muito interessante, é um pessoal que hoje inclusive está no Treze de Maio, estão em outras organizações, aí no Centro Pastoral Vergueiro, eram pessoas dali então tinha... Era um grupo bem interessante e o teatro para nós foi uma forma também de fazer política. Eu na verdade estava curtindo tudo, mas o grupo acreditava nisso eu era o mascote daquele grupo e eu acreditava que era uma forma de participar, mas ninguém queria vínculo partidário ou estar de fato dentro de uma organização. E a gente tinha um projeto com favelas mesmo, bom aí na Casa de Cultura foi uma loucura eu fazendo Senai começo a receber um recurso maior, uma parte então vai para a família e a outra parte vai para estar podendo comprar um sapato, enfim ou estar indo em cinemas e etc. Mas aí eu começo a entrar mesmo nessa Casa de Cultura fico admirado com tudo isso e aí vendo filmes e vendo possibilidade de... E a gente já monta esse grupo de teatro e com esse grupo de teatro eu fiquei toda a adolescência com esse povo, então a gente ia para casa mesmo um do outro e dormia lá e tal, e aí nos primeiros problemas em casa a minha mãe não admitia e para mim foi coisa maluca.
P/2 – Itamar aí você fica até quantos anos no SENAI e grupo...
R – No SENAI eu termino com dezesseis anos e com dezesseis anos eu vou para a fábrica e quando eu cheguei à fábrica são coisas que na Casa de Cultura está tudo paralelo aí, mas na vida profissional quando eu saio do Senai aí, eu vou para a fábrica e eu fiquei alguns meses, uns três ou quatro meses na fábrica, tinha uma questão que o meu pai era identificado como um cara que estava querendo entrar para o Sindicato e ele trabalhava na mesma empresa, então já não era uma pessoa muito bem vista porque era um cara que estava organizando as pessoas para ganhar o Sindicato. Por outro lado tinha também eu... Quando eu ia de férias era uma coisa e quando eu fui ser funcionário da empresa você terminava o estágio se você tivesse uma pontuação X, sei lá, se você tirou a média sete, a empresa fazia uma avaliação e falava esse cara aí é importante a gente ter no nosso quadro e na verdade eu iniciei a minha carreira ali, eu fui e tive uma pontuação legal mantive a média, eles me contrataram e eu passei a ser um quadro da empresa...
P/2 – Que em presa que era?
R – O nome dela é Melte que hoje ela foi comprada... Eu já fui... Ela me contratou como Melte, mas na época isso eu não tenho muito claro, mas era Pascoal Thomeu, essa Thomeu comprou essa Melte e eu já estava pela Thomeu mesmo, Thomeu é uma empresa grande metalúrgica e trabalha com... E aí eu vou para essa empresa, passou um mês e quando você está fazendo estágio é uma coisa aí era a minha vida profissional e um mês lá dentro eu falei nossa é aqui que eu tenho que ficar? (risos). Era muito barulho e a elétrica é uma área interessante da empresa porque ela trabalha... Ela é retirada da... Ela fica no galpão um anexo na verdade do galpão maior, então o barulho nem é tanto, mas aquilo me incomodava muito e eu falei olha não vai ser aqui, eu lembro acho que de forma sacana mesmo chegou um cara e falou assim: “Você vai trocar lâmpada” agora eu não sei se vocês conhecem, mas o galpão de uma empresa eu não sei quantos metros tem, mas é muito alto e aí eu tive que pôr uma escada subir numa ponte rolante e na ponte rolante tem outra escada para trocar lâmpada eu falei: não vou fazer isso “Você não vai fazer?” Eu não vou fazer “Então volta para o seu setor” e aí passou isso já tinha uns três meses de empresa, aí coincidentemente passa um rapaz para fazer um trabalho dentro da elétrica porque a gente montava os painéis dessas pontes rolantes e esse rapaz vai fazer o trabalho lá e o pessoal para sacanear como ficava todo mundo... Lá na elétrica a gente tirava o capacete, enfim eram outras coisas, né? Esse rapaz vai lá e fica com o capacete e o pessoal passa vaselina no capacete do cara e gruda duas orelhonas de cartolina, foi uma coisa hilária porque o cara ficava abaixado e ficavam as orelhas aparecendo e todo mundo se matando de rir e entra esse engenheiro, o chefe e fala: “Foi você” e me demite na hora e tal, mas aí já estava caracterizado, primeiro porque eu não fiz o que eles queriam, porque eles queriam mesmo me sacanear e segundo acho que porque tinha essa relação com o meu pai também e aí eu saio já com total certeza de que aquilo não era para mim. Aí eu vou para... Eu estava com quê? Um pouco mais de dezesseis anos e essa altura o teatro já a toda, já bem engajado, já participava do movimento secundarista, a primeira organização do movimento secundarista em Guarulhos foi com esse grupo e principalmente que eu acabei saindo diretor da UNE [União Nacional dos Estudantes] a gente vinha para cá na época ali na Três Rios e já estava participando de uma organização, eu fui área de influência da Libelu na época, começando a ler Trotsky, sempre encantado com as coisas e tendo acesso a grandes figuras, né? Genuíno já naquela época, o Eduardo que hoje está na... Foi da PUC fez o Mestrado dele em História. Plínio Marcos, eu ia assistir debate com o Plínio Marcos, então a gente estava ali fazendo o movimento secundarista. Eu saí como diretor regional de Guarulhos nessa chapa que foi uma chapa que... Teve como cabeça de chapa o Carneiro lá, o Henrique Carneiro que era da Convergência Socialista foi uma dobradinha Convergência e Libelu nessa época cabeça de chapa, a gente compôs, nessa composição nós ficamos com um número de Diretores e eles com outro número, né? E nasce o movimento secundarista, eu lembro que em Guarulhos a gente saia com a urna na mão para a votação, fizemos a primeira passeata, eu fiquei assustado o tamanho. Por que nós fizemos uma primeira passeata? Primeiro porque estava em disputa, na verdade tinha que ser votado... A gente estava disputando a primeira diretoria, aí organizei uma passeata em Guarulhos e nessa passeata os caras viraram carros, eu falei: meu Deus, quer dizer... Contra as mensalidades, foi uma passeata contra as mensalidades dos colégios particulares, foi um troço que eu fiquei extremamente assustado porque o negócio podia ficar sério mesmo, né. Saindo então do Senai fui para essa empresa e da empresa eu vou para... Aí foi muito interessante, porque eu falei: bom eu vou trabalhar em escritório eu acho que escritório é que é o barato, e é lá que eu vou, aí eu procurei... Eu tinha uma namorada na época que a irmã dela trabalhava nas Casas Pernambucanas e a irmã dela falou: “Olha tem um lugar que tem vaga, você tem datilografia?”. Claro que tenho (risos). “Você conhece não sei o quê?”. Claro que conheço. E fui concorrer à vaga e o cara perguntava, o Gerente fez a entrevista e eu (risos) não sabia nada. Aí chegou um dia na segunda semana e o cara falou: “Oh meu” eu falei: “Está certo é que eu quero muito essa vaga, o senhor pode deixar comigo, eu tenho um mês eu vou estar”... E de fato, inclusive depois eu virei chefe da área administrativa da loja lá, mas também não fiquei muito tempo eu fiquei... Ah antes, então quando eu entrei nessa loja com dezessete anos a situação lá em casa já estava insustentável porque eu já estava dormindo muito fora de casa, comecei a namorar muito cedo e aí eu mudei mesmo, eu já estava com... Aí saí dessa loja onde eu estava, já aprendi datilografia, eu sabia rotina fiscal e etc. E já vim trabalhar em São Paulo entrei no Ministério da Fazenda, a gente trabalhava na parte de processamento porque também não exigia grande coisa. Deu para continuar estudando e continuar com outras atividades, enfim fui estudando e fui fazendo outras coisas. Mas assim então essa adolescência ela foi muito, foi tudo muito rápido, eu tenho essa coisa, parece que foi muito rápido essas coisas assim, poderiam ter sido mais calmas, eu acho que tinha uma coisa assim de afobação e acho que foi... Não curti e assim foi a vida toda, porque quando eu fiz a Universidade também não consegui curtir, enfim porque você está fazendo com outras coisas, né? Eu sempre achei que...
P/1 – Então como é que foi a sua entrada na Universidade? Com esse espírito seu de liderança esse ambiente de militância. O que você foi fazer?
R – Eu fiquei um tempo sem estudar, na verdade esse movimento secundarista prejudicou um pouco porque eu já trabalhava, estava no movimento secundarista, fazendo teatro não sei o que, né? Então eu chego à Universidade acho que com vinte e dois anos, vinte e dois ou vinte e três anos e assim eu não tinha muita saída. Quando eu vou para a Universidade eu não tinha como pagar e eu lembro que eu passei na PUC, mas não... Até fiz matrícula, fiz aquele que todo mundo faz, né? Fiz um ano lá e como bom negociador rolando a minha dívida, mas chegou uma hora que a situação não deu “Nós vamos te processar” nem rolou por ali, aliás, eu não sei como está hoje, eu sei que não fui processado, mas eu não tive como continuar não e...
P/1 – Você entrou em quê? Foi fazer o quê?
R – Lá Direito e depois eu vou para... Eu tinha na verdade um dilema que era Geografia e o próprio Direito, né, e na USP [Universidade de São Paulo] eu presto depois desse um ano, eu tinha feito o básico e tal eu vou prestar Geografia na USP.
P/1 – E por que você escolhe Direito primeiro?
R – Direito, na verdade era um projeto de sobrevivência, eu pensei eu nunca vou me dar mal no Direito, eu posso ir tanto para a área social já imaginava, já conhecia alguma coisa de Direito Humano ou de fato fazer um concurso ou escritório, eu nunca imaginei, mas sabe que para Banco poderia ter o curso de Direito. Para trabalhar ou numa empresa ou num Sindicato, então era sobrevivência, né? Mas também eu já quis fazer tanta coisa porque Direito, Jornalismo, História eu fui mudando, né? Bom, enfim eu prestei fui prestar USP passei e aí eu fui... Aí já estava trabalhando na Secretaria? Não foi no final do curso, eu começo a trabalhar, trabalhei um tempo como Geógrafo aí eu vou trabalhar na Secretaria do Menor e aí dá outra guinada na minha vida, mesmo na Secretaria do Menor, eu tento dar uma conciliada entre a Geografia e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a gente vai fazer um trabalho no Vale do Ribeiro, nasce o projeto, a gente consegue desenvolver um trabalho lá de planejamento e eu fico então com a parte do Estatuto da Criança e do Adolescente trabalhando com as Prefeituras através dos consórcios municipais lá, enfim, mas aí o curso foi um curso sofrido, a USP, eu não tinha... É uma coisa muito impessoal, né? Então você tem os créditos, você monta a sua grade, você se organiza e você tem que atingir a média. Então eu lembro assim que quando eu terminei o meu curso eu estava todo tranquilo porque tinha uma disciplina que todo mundo odiava e que ela era dada por um cara da Matemática, Estatística que era dado pelo pessoal da Matemática na Geografia, então ele saía da Matemática e ia dar na Geografia. Eu deixei por último como toda a minha turma, eu fui montando e vendo o que era mais agradável é claro que Humanas dominou e essas áreas da Geografia Física eu fui descobrir que não era nada disso eu falei: puxa quanto tempo perdi, porque eu adorava também, adorava trabalho de campo, pesquisa de solo. Então eu falei: puxa vida que absurdo tudo isso, mas tinha aquela coisa de que Humanas é que era o barato, então você discutia reforma agrária, tinha uma disciplina de economia, tinha disciplinas de urbana, Fisiologia eu falei: olha quanto tempo, né? Mas essa Estatística eu deixei por último e foi muito interessante, porque eu... Quando eu fui fazer eu não fiz com a minha turma não sei por quê. Foi montagem de grade, mas eu não fiz com a minha turma eu falei: faço isso de forma mais tranquila eu estou trabalhando me matando, enfim vou fazer isso depois. Aí quando eu fui fazer o curso, eles inverteram, vai ser lá na Matemática e juntavam as turmas, então geralmente o pessoal da Sociologia, o pessoal da Letras, o pessoal da Geografia e História faziam juntos e aí quando eu fui fazer eu estava na Matemática, na casa dos caras, é igual jogar no campo dos caras. No meu último ano só tinha essa disciplina eu falei: “pô”, mas é o último ano imagina, né, os caras estão loucos e vou para lá, menina fiz o curso e falei: ah, mas isso até que é interessante, aí ia numa aula ou outra, comprei apostila, era um livro publicado pelo pessoal da Matemática peguei o livro e fiz a prova final 0,3, ou seja, não acertei um exercício e os caras consideravam a vírgula, consideravam tudo, eu olhava aquilo e falava: não é possível e eu fiz assim você sabe quando você fica, não eu acho que cinco dá e quando eu olhei a nota, eu não acreditava eu falei: não Professor você tem ideia eu estou no meu último ano, essa disciplina não tem nada a ver “Como não tem nada a ver? Então você não entendeu nada mesmo do curso” aí eu tive que fazer novamente o outro semestre, só com essa disciplina, não colei grau e fui colar grau sozinho no outro semestre porque a minha turma toda foi embora e eu fiquei por essa disciplina. Mas também no outro ano eu estourei a boca e aí comecei a gostar da maldita da Estatística e eu falei: puxa até que faz sentido, quando você olha essas pesquisas eleitorais, erros, margem de erro, até que faz sentido o negócio eu quero usar isso para mim, né? E foi um barato, porque eu tive... Meu pai sempre um militante foi Vereador pelo partido, né? Eu fazia essas projeções com ele (risos) não, mas vocês não imaginam o que foi isso na minha vida, você está terminando isso significa aumento de salário, significa... E foi muito interessante, foi um aprendizado e eu tenho um filho hoje que adora Matemática.
P/1 – Então como é que foi? As namoradas?
R – Eu sou muito dorminhoco, então eu curto isso desde pequeno e eu... É um teste de resistência assim, mas é muito gozado isso, né? Esses dias a gente estava conversando isso que eu tenho acho que é uma forma de fuga mesmo, então quando eu fico doente ou se eu tenho um grande problema “puta” eu não tenho dúvidas tem pessoas que não dormem, se eu tenho um Seminário para fazer sabe o que eu faço? Sete horas da noite, oito horas durmo e no dia seguinte não quero nem saber, é gozado assim com qualquer problema, eu já separei, então nos estresses assim eu hiberno, é um barato e quando eu fico doente é a mesma coisa. Eu tive pneumonia etc. e tal, então... E fui descobrir depois que o troço já tinha ido e eu não tenho reações isso também é perigoso, porque eu desligo, eu simplesmente desligo e fico lá hibernando aí já acordo com outra... Não sei também se penso.
P/1 – Então retomando aqui a gente estava falando... Você está na Faculdade e aí como é que é? As namoradas? Você falou de um filho? Quando você casa ou não casa? Como é essa parte da vida aí?
R – Não, eu tive... Fiquei com uma namorada com dezessete anos, eu conheci devia ter o quê? Uns quatorze, mas eu sempre fui muito eu tinha assim o quê? Acho que uns quinze dezesseis anos eu comecei a namorar, com uns treze anos de levar em casa, mas aí já do colégio e tal. Quando eu tinha dezesseis anos, eu tinha uma namorada que tinha vinte e três que me levava para cima e para baixo e aí começa os conflitos em casa etc. e tal. Era próximo desse grupo nosso, enfim do teatro embora não fizesse parte da Casa de Cultura, mas era um pessoal que era conhecido da escola, de outras histórias, né? Ela... Essa pessoa eu fiquei um bom tempo com ela, não lembro agora ao certo quanto e depois essa primeira namoradinha a gente vai se encontrar aí com dezoito, dezenove anos e ela estava morando... Não porque ela foi uma pessoa que eu levei para o Movimento Secundarista e tinha ali um... Rolava uma admiração e também nem sabia ela tinha outro, enfim e a gente com dezenove anos se encontra, então ela já estava fazendo faculdade, ela fez Geografia também e ela fala: “Olha, eu estou saindo de casa, a gente está montando uma república” e etc. Eu falei: que excelente tem vaga lá? “Tem” eu falei: “Eu vou para essa república”. Foi uma sacanagem porque eram quatro meninas que estavam montando e eu cheguei ali para quebrar o barato, né? E aí nós ficamos uns dois anos. Mas foi bem legal porque era um grupo sério, sabia das responsabilidades, de bem com a vida, porque estava todo mundo iniciando, acho que o mais velho dessa república tinha o quê? Uns vinte ou vinte e um anos, mas todo mundo saindo de Guarulhos, né? A gente aluga então uma casinha na Zona Leste e o pessoal todo mundo trabalhando, certo? Eu nesse período estava trabalhando em Banco, eu fui bancário e aí nós ficamos morando lá e aí rola esse namoro, eu namorei com todas da república (risos), fui trocando. E aí nós conhecemos um grupo de pessoas que eram da Argentina, do Uruguai, enfim eram lideranças lá de organizações e que passaram por torturas, que estavam numa condição de refugiado aqui no Brasil e esse grupo aqui no Brasil passa a ser vigiado e eles propõem... Conhece uma das meninas da casa e eles propõem que a gente mudasse de casa. Eles moravam lá na Zona Sul em frete a Represa Guarapiranga que era uma bárbara casa, era mais ou menos o que a gente pagava aqui e a gente troca. Aí eu fiquei, mas que burrice você vê como tem que estar em cima mesmo e se os caras estavam sendo vigiados lá, quem passou a ser vigiados fomos nós, então tem essas coisas, né? E aí a gente vai para lá e depois dessa... Vai todo mundo, aí entrou outras figuras que aí já... A casa era muito grande, era um sobrado e tal. Aí a gente agrega outras pessoas, um ligado à música tocou com a Elis Regina não sei aonde violão, o outro dançava, aí já são outras pessoas e a gente já pleiteia um quarto para nós para ficarmos sozinhos e tal e dali a gente vai e passa a morar junto então. Nós ficamos muito tempo juntos e aí separamos.
P/1 – Aí tem um filho?
R – Não a gente era muito consciente, não queria mesmo achava que... Primeiro o estudo, depois você vai curtir um pouco mais a vida e tal e foi uma questão que pesou muito na nossa relação inclusive. Quando a gente se separou a primeira vez, eu conheci a mãe do Vinicius que também eu ainda estava na Faculdade e ela também fazia ECA. Nós namoramos uns seis meses, o Vinicius nasce dessa relação e o Vinicius quando ele nasceu eu nem sabia, eu fui saber somente depois. E aí fazer todo o registro porque essa pessoa termina a Universidade, volta para Vitória da Conquista, enfim quando eu fiquei sabendo, coloquei o meu nome, estabelecemos uma pensão e temos uma relação de amizade, né? Não era a pessoa também, nunca entendi a gente nunca conseguiu conversar e quando eu fiquei sabendo a única conversa foi bom, como é que vai fazer? Você não vai tirar ele de mim? Eu falei: “Não, eu não vou fazer isso, agora você vai ter que ver como a gente faz porque eu quero também ter os direitos e tal”. Aí quando ele era pequenininho eu nunca forcei muito a onda, então eu sempre fiz visitas e quando ele completou sete anos ou um pouco mais, aí ele começa a vir sozinho e é até hoje. Ela também por outro lado, essa distância, ele faz uma opção nas férias, mas desde então eu tenho todas as férias com ele. Então é uma forma de passar dois, três meses juntos, né? Essa... Quando ele era um pouquinho menor, a gente viajava mesmo, sempre priorizei ficar um período de férias às vezes saía de carro e a gente saía acampando naquela região. Hoje ele vem para cá e daqui a gente, quer dizer a muito tempo ele já vem...
P/1 – Hoje ele está com quantos anos?
R - Ele vai completar dezessete anos este ano, tem dezesseis anos. Enfim Vinicius nasce que dá uma mudada e aí você fala: puxa eu vou lá... Aí tem pensão, você estabelece essa relação e a princípio não quer, mas querendo ou não é para você, é para ele e vamos ver como faz isso, se achar que não tem como utilizar ou que não é necessário poupe, deixa numa conta, enfim administre e aí foi acertado e tal. Mas foi uma coisa que me marcou muito porque eu na verdade sempre gostei muito de criança e quando eu estava com uns vinte e um ou vinte e dois anos eu era louco assim porque achava o máximo mesmo e era muito próximo mesmo e a gente... E depois, é isso, a gente foi um pouco se perdendo e tal eu curtia muito, eu curtia mesmo, nas atividades com a criançada, eu que ia me vestir de palhaço e que fazia... Sempre fui muito próximo daí essa é uma parte. Separei-me e conheci essa outra pessoa, a gente também não fica junto. Eu voltei na relação que eu tinha e a gente ficou mais um período juntos e aí depois na primeira vez foi ela que propôs e na segunda fui eu que propus aí viramos amigos na verdade, e já não tinha mais nada. Hoje eu não tenho mais contato, já tem muito tempo, depois disso conheci pessoas interessantes, hoje eu estou morando... E foi uma coisa gozada, na verdade, casar no civil foi um casamento impar porque na época a gente estava montando um comércio, quer dizer não era eu que estava montando, mas precisava sacar você lembra dessa época? Você casava e sacava o CPF, não o PIS, e a gente queria esse recurso que também não era nada, mas o casamento foi assim casou eu e... Ela e a prima, a gente agendou no mesmo horário e aí um foi testemunha do outro não convidamos os pais e não era uma cerimônia... Tanto é que... Depois que a gente casou, depois de dois meses a gente estava separando e meu pai bravo e os pais dela bravos, eu tinha uma relação muito legal com o pai dela, também é operário e tal, era uma figura assim, violeiro esse cara, figuraça, mas muito bom e... Foi uma marca na minha vida essa coisa formal e tal, nunca rolou não é diferente do meu irmão, por exemplo, que faz todo um caminho na Igreja etc. e tal. A minha casa a gente sempre teve muita, sempre teve relação com os padres, né? A ala progressista, então tem uns padres aí porretas, né? Meu pai sempre foi muito próximo. O Eloi que hoje é o Prefeito de Guarulhos tem um grupo que meu pai pertencia, ele tem um Conselho Consultivo da Prefeitura de Guarulhos todo composto por padres da Igreja Católica, não sei se ele abriu para... Mas os padres mais engajados estão lá e estão opinando e tal. Mas enfim essa é uma parte, aí já tem opção profissional.
P/1 – Aqui e aí como você vai para a área da Infância e da Juventude?
R - Eu sempre fui muito sortudo, eu acho que com relação a emprego, ao trabalho eu nunca fiquei assim... Aquela questão da fábrica eu falei: “Oh, não é isso” aí achava que o grande lance era o escritório, fui para as Casas Pernambucanas e depois de um tempo eu já estava exercendo a chefia lá do Administrativo da casa. Depois disso cansou também, estava pequeno, a gente estava mudando para São Paulo e aí eu fui para Banco e dentro do Banco o trabalho de compensação essas coisas mais. E depois do Banco eu fui para esse trabalho no Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados] porque ajudou bastante com grana, enfim desse trabalho do Serpro aí eu comecei a ficar de fato incomodado com as coisas que eu estava fazendo eu queria... Buscando uma coisa mais de militante, eu falei: “Não é possível que eu...”. Eu já estava vendo colegas trabalhando em organizações, trabalhando em... Organizações de... A própria Libelu eu tentei ser funcionário da Libelu, entendeu? O Centro Pastoral Vergueiro eu fiz bico lá, fui digitador para você ter uma idéia, no Centro Pastoral Vergueiro eu tinha uma colega trabalhando lá na parte de sistemas era leve etc. e tal. Então eu falava puxa, mas eu quero dar uma guinada desse lado e aí eu entrei no Sindicato dos Bancários, meu último trabalho em Banco foi no Citibank tinha... Ele comprou o Crefisul pelo menos a parte financeira como é... De Financiários do Crefisul e a gente migra junto e dentro do... Então eu estava na verdade me preparando para ser um líder do... E ali já pensado mesmo, já com uma participação forte nos bancários toda essa turma aí o Gilmar, a Guchiquem, Berzoini e tal, a gente começa a preparar a minha entrada para assumir como diretoria pelo Diretório, no quadro como Diretor, mas pelo lado dos Financiários que não tinham representação no Sindicato e aí um pouquinho antes de você registrar chapa eu sou demitido, mas nem foi... Eles nem conseguiram descobrir tanto é que o Diretor depois descobriu que eu era vinculado ao Sindicato ficou de cabelo em pé, mas eu acho que não descobriram se vazou acho que... Porque a gente era muito discreto e o trabalho estava super consolidado, estava bem redondinho ali com o grupo. Bom, como eu seria o Diretor Financiário o Sindicato fala: então você foi demitido vamos fazer o seguinte: vem para cá. E aí eu fui trabalhar no Sindicato fazer o trabalho de assessoria política. As regionais elas tinham assessores políticos que era o trabalho da elaboração política mesmo, no contato direto com a categoria e de pensar o movimento, então se você fecha estratégias para fechar o fechamento dessas agências etc. e tal. E aí eu falei: puxa é isso, então eu quero e aí fui fazer esse trabalho no Sindicato aí já com esse grupo fiquei um ano no Sindicato nesse um ano gente procurou... Nós fizemos a primeira greve dentro do Sindicato, né, porque (risos) eu estou falando acho que sou meio inquieto (risos) é um barato. Eu conheci figuras fantásticas lá, assim um quadro de pessoas bem interessantes e tal. Mas esse um ano... O Sindicato para mim representava uma instância da Democracia, da participação popular e era esse trabalho de militância que a gente fazia para fora. E juntou ali um grupo muito forte que era eu, o Alemão, não que eu seja, mas o Alemão pelo menos e o Mirrara que eram quadros ali do Sindicato eram pessoas que pensavam de fato a política. E a gente queria mesmo, quer dizer tinha essa coisa da articulação da CUT [Central Única dos Trabalhadores] pela base e tal, mas a gente imaginava que acima de tudo isso estaria então a Democracia, a forma de participar e que o embate teria que ser um embate pelas idéias, né? Porque o inimigo era um só nesse período o Capitalismo selvagem, não sei o quê? E o mercado financeiro expoente maior de tudo isso. Mas no Sindicato a gente começa a perceber que não é isso, aí começa a existir uma briga porque o que a gente fazia era uma coisa muito qualificada, você não tem quadro, você não nasce assim e tal. Esse grupo de profissionais passa a exigir notícias, o Sindicato tem quatorze quilos de ouro, tem dinheiro aplicado não sei aonde porque você está na base então os caras vão te falando, né? E quando a gente sabe disso e a gente ganhando essa miséria aqui não, já estava na época mesmo do dissídio e a gente propõe então... Forma-se uma comissão e eu estou nessa comissão junto com o Mirrara e nessa comissão de funcionários, acho que foram dois anos de Sindicato porque o primeiro ano foi até legal o trabalho, no segundo é que a gente foi para o embate e aí nessa comissão de funcionários a gente fala: tudo bem nós aprendemos a negociar somos nós que fazemos a negociação com os banqueiros, então como é que a gente faz essa negociação em casa e aí a diretoria fala a gente não vai abrir mão, porque enfim é descabido isso que vocês estão querendo e aí... Mas com pessoas pouco qualificadas na direção e o Gilmar, o famoso Nego Velho, ele está na Presidência do Sindicato e aí ele chega para essa comissão e fala olha mulher não tem peito e homem não tem culhão para fazer greve no meu Sindicato ah é no seu Sindicato, então está bom. E aí essa comissão... A gente começa então a fazer um trabalho com as regionais e paralisamos o Sindicato e foi a primeira greve. Aí o Gilmar chama a gente para negociar e aí nós falamos com você nós não conversamos mais quem vai resolver essa parada agora é o Presidente da CUT na época o Jair Meneguelli. E a gente só vai conversar com ele “não, mas” não tem papo com você, pode ficar tranquilo isso não vai vazar nós temos um compromisso aí com a categoria não é com vocês, mas é com a categoria. E principalmente a Central única na época estava muito na mira imagina uma grave de funcionários da Central Única ia ser um escândalo então, isso não vai vazar, mas enfim chama o homem que a gente vai conversar. E a gente conseguiu o reajuste que queria, enfim o Meneguelli veio desfez e nós falamos está vendo como mulher tem peito e homem tem culhão no seu Sindicato e aí no dia seguinte terminou a greve a gente conseguiu ganhar e quando nós ganhamos e eu fiz uma carta de demissão falando os princípios meus são esses acredito nisso e o que demonstrou aqui o grupo do diretório... Teve muita baixaria, né, Diretores sacanas mesmo. Como não era nada do que a gente acreditava e aquilo me deixou muito triste aí eu fiz uma carta de punho aproveitei a máquina imprimi distribuí para os meus amigos, para a Regional, para uma parte da categoria o porquê de eu estar pedindo demissão eu não acreditava naquilo. Enfim era contra o que eu acreditava, os meus princípios etc. discordava, inclusive daquela forma e isso tinha me machucado muito, porque eu estava fora, né? E isso demorou umas duas semanas aí fizeram várias propostas, inclusive de assessoria mesmo da própria Secretaria da Executiva aumentava o salário e tal. Isso que se perdeu aqui não dá para reverter e tal. Continuei amigo das pessoas, o Gilmar me encontra até hoje, o Duchiquem eu não encontrei, mas ele também não era mais quadro na época a gente via às vezes, né? E dali eu fiquei sabendo que a Secretaria estava começando uma história lá com crianças e adolescentes eu falei “pô” deve ter alguma coisa, né? Vamos ver o que é isso e fiz o teste lá na secretaria e passei pelo processo seletivo e entrei para trabalhar com os abrigos para vitimas de violência doméstica. Foi interessante porque dentro da série também dos abrigos, eu fui também educador, eu entrei como educador, depois eu fui coordenador de casinha, depois fui fazer supervisão da coordenação também cheguei aonde já não tinha mais aonde ir dali eu conheci a Jô que é essa Geógrafa que eu relatei, né? Ela fez uma proposta, ficou sabendo que eu estava na Secretaria aí já foi na gestão... Isso já tinha passado muito tempo, eu tinha feito já uma Especialização em violência doméstica foi da primeira turma do Lacre, nós fomos os cobaias ali da Maria Amélia e dali... Aí eu estava tentando Mestrado lá na Geografia... Tem uma professora que é muito simpática a gente ficou muito amigos, né? Ela me apresentou a Jô, a Jô ficou sabendo que eu estava na Secretaria e um dia nos encontramos no elevador a casa, né? Aquela mulher cheia de mapa caindo e tal, eu disse deixa eu te ajudar e tal. Eu estava com a prima dela que é a Marisa e ela não sabia nem que a Marisa estava na Secretaria, nem que eu era amigo da Marisa e que por coincidência... Sabe aquelas coisas malucas assim e ela disse: “Eu não acredito, mas é muita coincidência” e aí eu estava indo numa reunião onde eu seria demitido porque mudou, lembra quando teve aquelas mudanças na Secretaria e etc? Então aquele grupo tinha mandado a gente nessa reunião com a Terezinha e era uma coisa para... E aí lá encontro, mas foi assim no elevador vocês não acreditam, no elevador encontro a Jô, na verdade a Marisa que era essa minha colega que também seria demitida, que foi ela foi chefe geral do programa... A Marisa foi chefe geral lá do programa abrigo e a gente estava lá para demissão mesmo. Uma turma tinha retomado, aí eles colocaram a gente nessa fila porque era uma audiência com a secretária, quando a gente entra no elevador assim a Marisa fala: “Jô” a Jô ficou olhando “Marisa” aí vi a mulher cheia de mapa lá e tal e a Marisa fala: “Esse é meu amigo Itamar” ela “Itamar? Amigo da Marangoni?”. Eu falei: é “Nossa” a mulher chega nesse dia, nessa reunião e fala assim: “Oh, Terezinha” a Terezinha França Secretária da época fala: “Terezinha, eu tenho uma pessoa aqui que eu sei que tem as dificuldades, mas a gente...”. Ela fez uma apresentação do que dava para um Geógrafo fazer ali naquela secretaria e faz uma proposta do Atlas “Eu sei que tem mais um Geógrafo na sala e me desculpem as chefias, mas eu quero esse Geógrafo trabalhando comigo” e aí me convocou na hora (risos) aí todo mundo olhou assim... Puxa eu nem conheço a mulher nem nada, mas vou porque estava na rua mesmo.
P/1 – Estava sendo demitido?
R – Aí fui, estava sendo demitido e aí a Marisa fica por mais um tempo então e o pessoal... A Marisa e a Jô ajudaram muito a gente ali, né? E foi muito interessante, aí nós fizemos esse trabalho, nós ficamos um ano e pouco trabalhando em cima de um Atlas que era uma proposta de planejamento, então de olhar, pensar o Estado ainda em territórios da territorialização mesmo e fazer uma proposta para o Estado. Aí saiu esse material foi o meu primeiro trabalho como Geografia de forma sistematizada. Dali, da Secretaria... Ah então aí mudou a gestão novamente etc. eu fiquei um tempo na Car e na Car também fiz um trabalho de Geografia interessante propondo novos escritórios de ação regional, fiz todo o desenho, aí foi com base no recorte técnico mesmo... Então, porque você começa a ver áreas de influencias de políticos, então por que tem o escritório lá? Porque o político está lá, entendeu? E isso onera o Estado e etc. e tal. Então a gente redistribuiu, eu cortei escritórios, aliás, sou odiado até hoje porque tirei cargo de diretor, mas era uma coisa em cima do técnico, olha a decisão não é minha está aqui a gente fez esse trabalho e de lá... Aí mudou a gestão e a pessoa que estava com a gente não teve mais como segurar e um belo dia eu fui demitido, aí eu falei: “Agora eu vou ver o que vou fazer, acho que vou realmente...”. Ah, aí fui demitido e fiquei um ano e eu fui dar aulas, mas aí eu não queria dar aulas no Estado... Eu lembro que um colega meu levou... Primeiro porque não pagava nada e aí já estava numa altura que não dava mais para sobreviver com qualquer salário e é muito degradante mesmo o salário do professor do Estado e aí um colega fala assim... Não, antes disso aí novamente eu saio com a pastinha debaixo do braço distribuindo currículo, mas não é qualquer escola também tanto é que eu fui... O Caravelas, por exemplo, depois eu fiquei sabendo que as meninas tinham relação, eu fui até a etapa final no Caravelas e elas tinham feito a opção por mim na disciplina lá na Geografia, né? Mas aí eu fui para a escola particular que foi muito interessante o contato com a molecada etc. e tal, embora para quem não tinha traquejo era um desgaste porque você se dedica muito e eu fazia as coisas muito certinhas era o primeiro período que estava montando etc. e tal e...
P/1 – Que escola que era?
R – Ah, eu não lembro agora... São Luís, mas não é esse colégio São Luís aqui era um outro na Zona Sul, mas que pagava um pouco acima da média, tanto é que foi muito legal porque eu dei aula em Osasco, eu não lembro mais o nome do colégio que era particular também, nesse da Zona Sul e os dois eu saí indicando pessoas... Os caras falavam “Você não vai sair” e ficavam pintando aquelas propostas “Não, fica! Vamos”... Sempre gostei muito da forma de se envolver com a molecada, eu sempre gostei muito mesmo de criança e o trabalho da Geografia na USP foi muito legal porque te dá essa visão do trabalho de campo, então não ficava em sala de aula, então tinha muito trabalho externo e a molecada... Às vezes, eu estava no pátio brincando com eles ali na areia ou na terra fazendo o que dava e eram escolas que não eram escolas megas, eram poucas salas, então tinha essa possibilidade. E o quadro muito bom também tinha outros, por exemplo, o cara da História estava na USP também, já terminando e a gente compunha as aulas juntos, então foi riquíssimo assim, né? E aí quando a gente foi sair, o pessoal fazia questionário, dava dicas e a gente muito tranquilo de peitar o próprio planejamento da escola porque eles estavam bem intencionados, faziam formação, por exemplo, com grupo, então as dinâmicas de grupo etc. Mas e aí? Qual o resultado? Qual o produto disso? Era esse menino da História que puxava e tal e foi bem legal, tanto que ficou aberto assim o pessoal “Olha, o dia que você quiser voltar está aberto”. Mas aí um dia desses eu estava com um colega e ele já estava trabalhando numa escola que era o Palmares, eu tinha também colocado um desafio era dar aula no Palmares, mas é muito chato, não sei o quê? Tem a dona não sei o quê. Aí ele falou você já foi à Fundação Abrinq acho que tem vaga a beça, já deixou currículo, nem falou tem vaga só falou: “Você já deixou o currículo lá? Eu deixei meu currículo lá, é legal você deixar o seu” quando eu vou deixar o currículo na Fundação Arinq, eu encontrei a Margit que é assim nunca... Eu fui à Fundação Abrinq na época que era ali no Alto de Pinheiros perto da Pan eu fui deixar o... Uma vez eu fui retirar as dez medidas, mas não entendia direito o que era aquilo, era um grupo de empresários, o que era aquilo, mas aí tem essa produção legal ela foi subsídio para gente e quando eu vou deixar o currículo lá encontrei a Margit e eu: “Pô, Margit e aí tudo bem?”, “Tudo bem, o que você está fazendo?” “Vim deixar o meu currículo” e coisa e tal. Passado... Acho que no mesmo dia me ligaram “Pô” você está... Mas eu estava com aula ainda, aí o Luís me liga dizendo: “Olha nós fechamos o processo seletivo, mas o que eu vi aqui me interessou muito, você topa sem compromisso fazer essa entrevista?”. Eu fui no dia seguinte fazer essa entrevista, passei por um processo seletivo, demorou mais de um mês o negócio e eu lembro que já tinha fechado a vaga, porque eu estava... A menina já tinha fechado essa vaga, ele voltou atrás e falou: “Não, eu estou dispensando a menina” já tinha passado, aí de fato feito todo o processo seletivo e eu acabei entrando. Foi muito gozado, porque quando eu entrei na Fundação eu tinha sei lá o quê? Tinha vinte pessoas se tinha, né? Então você dividia a mesa, era uma mesa não era por pessoa não, era para dois e os computadores era só o do chefe, então você ia lá fazer o seu relatório, isso há oito anos atrás e é muito interessante, né? Eu volto para a Academia, eu sempre faço isso, sempre procuro dar uma equilibrada, na época que eu estava na Secretaria eu estava tentando Mestrado, tinha desistido da Geografia porque eu achei que não ia dar... Se aquele era o meu caminho não vai dar para colar, aí fiz aquela Pós sobre violência doméstica contra criança e adolescente e aí na... E agora eu estou terminando o Mestrado na área da Criança e Adolescente, fazendo um trabalho, uma relação do que pegou e o que não pegou no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas como pano de fundo o Código do menor 27 e de 79 trabalhar essas... Que está super difícil, porque a gente não tem tempo nenhum, estamos tentando aí dar conta disso.
P/1 – Deixa eu te falar, são uma hora e a gente propõe interromper hoje, porque o André precisa ir embora e a gente vai marcar uma outra com você para você contar todo esse pedaço da sua vida aí na militância na infância e juventude e então como é que foi para você?
R – É esse o caminho?
P/1 – É esse o caminho.
R – Eu estou super à vontade aqui, bater um papo é muito gostoso.
P/1 – Como foi isso? Como foi participar da entrevista?
R – Super gostosa e eu não costumo falar tanto assim não.
P/1 – Mesmo? E sai com vontade de falar mais?
R – Não é gostoso você fazer essa... Nossa tem coisa aí que foi vendo aí e...
P/1 – Buscando coisas?
R – É. E você se vê, eu sou muito de sentir, de ter sensações eu tenho momentos muito alegres mesmo, essa parte de república foi muito gostosa. A época do teatro e essas loucuras todas que a gente foi se metendo, depois eu vou contar uma passagem para vocês... Eu conto já, eu tinha dezesseis anos, não, eu devia ter entre quatorze e quinze anos e eu tinha uma namoradinha que era um pouco mais velha que eu e eu tinha o quê? Uns dezessete anos e ela... A gente nessa Casa de Cultura projetava filmes e aí tinha um colega que faleceu, inclusive o Formigão que foi presidente do Sindicato dos profissionais da Educação, a pessoa que faz o administrativo da área de Educação, eu não sei como chama esse Sindicato depois que ele virou e tal, mas para mim ele era o formigão na época e ele falou: “Olha, eu estou indo buscar o filme que a gente vai projetar hoje à noite, você está a fim de ir?”. “Ah legal, vamos juntos” eu estava com uma namoradinha, ela falou: “Ah, eu também vou” e fomos e esse filme a gente foi buscar no... Quem alugava para gente era o teatro oficina o José Celso tinha uma parte lá de filmes etc. E aí a gente chegando à portaria e o cara fala bom “Olha, está rolando uma dinâmica, aí seria legal vocês participarem, é de graça e tal” e o Formigão “Pô, que legal”, o Formigão já tinha lá seus vinte e oito, vinte e nove anos na casa dos trinta e eu tinha quinze e a outra lá dezessete, dezoito anos, eu falei vamos entrar e a gente entra o pessoal na cena lá e tinha um grupo de espectador o... Que é a turma do José Celso que é mais maluca do que qualquer outra coisa, o Formigão a gente junto ali super e tal... Aí falamos o que pode ser isso, né? E quando a gente está entrando o pessoal inverte bom, vocês acharam que foi divertido ficar aí olhando, nós vamos inverter, vocês vão vir para cá, nós vamos ficar olhando vocês, eu estou chegando nesse contexto e a gente vai para o palco. Aí tudo bem, eu fico atrás e chegou uma hora que o pessoal começa a rolar um garrafão de vinho, todo mundo tomava esse vinho, chegou uma hora eles disseram agora todo mundo nu e eu falei a minha roupa ninguém tira (risos) na minha namorada ninguém mexe (risos) eu sei que não teve jeito e todo mundo ficou pelado, eu falei: “pô”. Eu fui buscar o maldito filme e eu falei: Formigão você nunca mais você me aparece com essa história do José Celso etc. Mas foi um barato porque depois a gente foi entender um pouco o que era e tal. A gente trabalhou muito na linha do Boal, do Augusto Boal e tal então... Com quatorze, quinze anos imagina?
P/1 – Então, obrigada, Itamar.
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