Projeto Museu Clube da Esquina
Depoimento de Maria Fragoso Borges
Entrevistada por Cláudia Leonor e Pablo Dauner
Belo Horizonte, 17/02/2004
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MCE_HV001
Transcrito por Bruno Weiers
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Bom, nós vamos começar nossa entrevista.
R - Vamos conversar, vamos bater nosso papo.
P/1 - Vamos bater prosa agora.
R - É, bater papo.
P/1 - Eu vou pedir pra senhora falar de novo o nome completo da senhora, o local e a data de nascimento.
R - Eu sou Maria Fragoso Borges, nasci aqui em Belo Horizonte, em quatro de abril de 1920.
P/1 - Olha.
R - Sou velha à beça. (risos)
P/1 - E o nome dos pais da senhora?
R - Carlos Joaquim Fragoso. A minha mãe, Raimunda da Conceição Fragoso.
P/1 - E o senhor Carlos, trabalhava com o quê?
R - O pai era da Polícia Militar. Ele morreu como major da polícia.
P/1 - E a mãe da senhora?
R - Minha mãe era costureira. Há muitos anos minha mãe costurava e morreu tem dois, três meses. Com 104 anos.
P/1 - É mesmo?
R - Morreu dia 28 de outubro, com 104 anos. Caiu, quebrou o fêmur e não aguentou a cirurgia.
P/1 - Olha só. E a senhora tem um apelido?
R - Tenho um apelido, é “Maricota”. Agora, se eu falar quem me deu esse apelido, foi o meu querido sogro. Morei algumas vezes na casa dele, e eu não tinha filho ainda. E ele me chamava: “Vem cá, Maricota. Vem cá Maricotinha.” Ele era muito carinhoso comigo, gostava demais de mim. E esse apelido de Maricota ficou. Foi ele que me pôs esse apelido aí, “Maricota”. (risos)
P/1 - E como a senhora prefere ser chamada?
R - Eu gosto de ser chamada de Maricota. (risos)
P/1 - Tá bom, então. (risos) E a senhora cresceu aqui no bairro de Santa Tereza?
R - Eu cresci no bairro de Santa Tereza e no bairro de Santa Efigênia. Mudança... Sabe como é, muda pra cá, muda pra lá. Então eu morei muito pouco aqui em Santa Tereza. Depois mudamos lá pra Santa Efigênia, moramos um pouco lá em Santa...
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Depoimento de Maria Fragoso Borges
Entrevistada por Cláudia Leonor e Pablo Dauner
Belo Horizonte, 17/02/2004
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MCE_HV001
Transcrito por Bruno Weiers
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Bom, nós vamos começar nossa entrevista.
R - Vamos conversar, vamos bater nosso papo.
P/1 - Vamos bater prosa agora.
R - É, bater papo.
P/1 - Eu vou pedir pra senhora falar de novo o nome completo da senhora, o local e a data de nascimento.
R - Eu sou Maria Fragoso Borges, nasci aqui em Belo Horizonte, em quatro de abril de 1920.
P/1 - Olha.
R - Sou velha à beça. (risos)
P/1 - E o nome dos pais da senhora?
R - Carlos Joaquim Fragoso. A minha mãe, Raimunda da Conceição Fragoso.
P/1 - E o senhor Carlos, trabalhava com o quê?
R - O pai era da Polícia Militar. Ele morreu como major da polícia.
P/1 - E a mãe da senhora?
R - Minha mãe era costureira. Há muitos anos minha mãe costurava e morreu tem dois, três meses. Com 104 anos.
P/1 - É mesmo?
R - Morreu dia 28 de outubro, com 104 anos. Caiu, quebrou o fêmur e não aguentou a cirurgia.
P/1 - Olha só. E a senhora tem um apelido?
R - Tenho um apelido, é “Maricota”. Agora, se eu falar quem me deu esse apelido, foi o meu querido sogro. Morei algumas vezes na casa dele, e eu não tinha filho ainda. E ele me chamava: “Vem cá, Maricota. Vem cá Maricotinha.” Ele era muito carinhoso comigo, gostava demais de mim. E esse apelido de Maricota ficou. Foi ele que me pôs esse apelido aí, “Maricota”. (risos)
P/1 - E como a senhora prefere ser chamada?
R - Eu gosto de ser chamada de Maricota. (risos)
P/1 - Tá bom, então. (risos) E a senhora cresceu aqui no bairro de Santa Tereza?
R - Eu cresci no bairro de Santa Tereza e no bairro de Santa Efigênia. Mudança... Sabe como é, muda pra cá, muda pra lá. Então eu morei muito pouco aqui em Santa Tereza. Depois mudamos lá pra Santa Efigênia, moramos um pouco lá em Santa Efigênia. Lá em Santa Efigênia me casei, foi lá que eu me casei, na Igreja de Santa Efigênia.
P/1 - E a senhora conheceu o Seu Salomão nessa época?
R - O Salomão o caso foi o seguinte: eu estudava na Escola Normal Modelo, e a irmã dele era da minha sala. Rodoalda, coitadinha, até já morreu. Muito minha amiga, e estudava na minha sala. Então nós fazíamos muito trabalho junto e até hoje usa isso, né? Fazer trabalho em conjunto. Uma hora eu ia pra casa dela, outra hora ela ia pra minha casa e eu o conhecia lá da casa dele. Mas achava ele super antipático e metido.
P/1 - Por quê?
R - Porque ele não cumprimentava a gente, simplesmente. Praticamente passava o dia na casa dele, se encontrasse comigo na rua não me cumprimentava. Então eu falava assim... Ela tinha o apelido de “Aldinha”. Eu falava: “Aldinha, seu irmão é um cavalo, hein? Não cumprimenta ninguém.” Eu tinha intimidade com ela, muita mesmo. “Não cumprimenta ninguém, não conhece ninguém na rua.” Aí ela falou: “Ele é só um garoto, não liga pra ele, não.” E ele tinha uma namorada, e essa namorada dele era vizinha lá deles e vizinha nossa, que nessa ocasião a gente morava lá em Santa Efigênia também. Não é bem Santa Efigênia, que agora Santa Efigênia é lá no alto, né? Eu morava na Avenida Bernardo Monteiro e eles moravam onde é o Hospital Otaviano Neves, então era perto. E eu e Aldinha continuávamos andando juntas, fazendo as coisas juntas. Ia para a padaria junto, comprava as coisas junto, passeava junto e tudo. E ele e a “metição” dele. E a moça morava por ali, e nós tratávamos de dente no mesmo dentista, porque meu pai era militar e o dela também, então lá na Rua Manaus tinha o dentista pros filhos dos oficiais. Então a gente ficava sentada lá no pico e ela contava dele e apelidou ele de “Salim”. Ela que apelidou ele de Salim e eu chamo ele de Salim até hoje. E ela contava lorota de Salim: “Porque Salim... Porque eu vou casar com Salim...” E foi um dia, ela chegou lá toda chorosa. Eu falei: “O que foi, Naci?” Ela falou assim: “Salim mandou uma carta horrível pra mim. Que não quer mais mexer comigo, não quer me namorar mais.” Eu falei: “Homem é assim mesmo, daqui a pouco ele volta.” (risos) Eu falei pra ela: “Daqui a pouco ele volta.” E, coincidente, era aniversário de uma sobrinha dele, a Divina. Essas datas eu não esqueço, outras eu esqueço mas essa eu não esqueço, dezenove de julho de 1937. E eu fui lá pro aniversário, aquelas festinhas dentro de casa, radiola antigamente tocando... Vocês nem lembram disso porque vocês não são dessa época. Era radiola, os rapazinhos de terno e tudo. Agora, os rapazes que nós tínhamos perto de nós eram os estudantes de medicina que moravam lá (_______?) na casa dos estudantes e moravam lá por perto. Mas eles eram terríveis, porque a gente era vizinho e eles sentavam naquele murinho da Faculdade de Medicina. A gente passava ali pra ir pra Escola Normal e eles mexiam com a gente, não respeitavam... Eles eram vizinhos e não respeitavam. Então estava todo mundo dançando e eu comigo: “Eu não vou dançar de jeito nenhum. Se a Mariana mexer comigo eu vou ficar com muita raiva.” E aí a minha sogra — coitadinha, já morreu —, ela estava sentada no quarto com uma filha dela conversando e eu fui. Entrei lá e fiquei conversando com ela, conhecia ela muito, e ela me chamava de Conceição, que era Maria da Conceição, né? Ela virou: “Por que você não está dançando?” “Eu vou contar pra senhora: a gente dança aqui hoje. Amanhã, na hora de passar pra ir pra escola, a gente vai ouvir tanta besteira que é preferível não dançar, ficar batendo papo aqui com a senhora.” Aí eu fiquei junto com ela. E, passado um tempo, uma meia hora, uma hora se tanto, o Salomão chegou da rua, ele não estava em casa. Chegou na porta do quarto da mãe dele e falou assim: “Tá batendo papo aí, Dona Paulina?” A mãe dele chamava Paulina. Ele disse: “Tá batendo papo aí, Dona Paulina, com a Conceição?” Ela falou: “Tô, tô batendo papo com a Conceição e tô achando um absurdo. Tá todo mundo dançando e a Conceição, uma moça bonitinha, aqui sentada que não dança com estudante. Você pode dançar com ela que você não é estudante.” Ela que me jogou no braço dele. Aí começamos a dançar e a tal de namorada estava lá. E, assim, encostada no piano que tinha na casa da minha sogra... Mas ela me fuzilava. Aí eu virei pra ele falei assim: “Ô, Salomão, eu achava melhor você parar de dançar comigo e dançar com a sua namorada porque se não eu vou cair dura aqui no chão do fuzilamento dela.” Ele disse: “Eu não tenho namorada.” Eu falei :“Você tem.” “Não, mas eu tinha, eu não tenho mais.” Eu falei: “É a Nacinha sua namorada, eu sei disso.” Ele: “Mas você deve saber que eu não sou namorado dela mais, eu já escrevi pra ela e não quero mais nada com ela.” “Eu achei isso bobagem, manda carta, depois revoga tudo.” Ele disse: “Não, com ela eu não quero mais nada.” “Então vamos dançar.” (risos) Continuamos a dançar. E continuamos a dançar, ele começou a conversar comigo: “Você fazia trabalho aqui com a Aldinha.” Falei: “Faço e falei muito mal de você. Falei mal de você porque você passa por mim na rua e não me cumprimenta.” “Ah, é porque eu não vi.” Eu falei: “Ah, deixa de ser besta! Que não viu, o quê. Você não cumprimenta porque é você muito metido, você acha que você muito bonito.” Ele era muito bonito, o rosto dele era muito bonito. “Você é muito bonito e acha que todo mundo está querendo fazer uma homenagem à sua beleza.” Foi mais ou menos assim. Aí começamos um namorico ali. Isso foi dia dezenove. No dia 23 tinha uma festa, mas era festa mesmo, com jazz tocando na casa da minha tia. O filho dela chamava-se João. Por sinal, era doido pra me namorar, ele era meu primo em segundo grau. Eu falei: “De jeito nenhum.” Aí eu convidei o Salomão: “Tem uma festa no dia 23, se você quiser ir lá, aparecer lá, é na casa da minha tia. Você vai, te apresento a ela e tudo.” Aí fiquei eu, esperando ele na varanda pra ver se ele vinha. “Não vou entrar lá sozinha, não conheço ninguém. Conheço os homens, que todos eram militares também, né, mas (________) eu não conheço, as moça eu não conheço.” Aí ele chegou. Toda hora o Joãozinho vinha me tirar pra dançar: “De jeito nenhum, tô com uma dor nas pernas danada.” Aí o outro irmão dele veio, o Darci: “Maria, por que você não dança com o João, hein?” Eu falei: “Eu não danço porque eu não tô querendo dançar, uai. Eu não sou obrigada a dançar, eu danço se eu quiser, ué. Não vou dançar com ninguém.” Ele falou: “Nem comigo?” “Nem com você.” Eu estava esperando. Na hora que o Salomão chegou, estava aquela música boa de dançar. Encontrei com ele na varanda e já saímos dançando. Mas eles me xingaram tanto: “Você estava era esperando namorado, por isso não quis dançar.” Falei: “Não, não sou namorada dele, não.” Aquele dia que nós começamos a namorar mesmo. Ele começou a me paquerar lá no Instituto, e aí começamos a namorar. Nós namoramos muito rápido porque meu pai era muito ranzinza, bravo... Que é uma coisa horrível. Então ele não ia à minha casa, não podia namorar, não ia na minha casa de jeito nenhum. Aí, de vez em quando, encontrava escondido. Papai começou a me vigiar. Papai me tirou da escola, ele ia pra porta da escola todo dia. Papai me tirou da escola e eu fiquei em casa, apaixonada, porque não encontrava com ele. Aí ele me tirou, mas eu tinha um compromisso dia sete de setembro. Eu era a única cantora da minha sala do Coral do Instituto, era eu. Então eu não podia faltar. Então eu tinha o compromisso de ir no sete de setembro. Onde é hoje a rodoviária, era um parque, uma coisa assim, a feira de amostras cheia de coisa, e lá que nós íamos representar. Aí eu fui pra lá. O papai nem pensou nisso. Aí nós nos encontramos e marcamos o encontro de uma vez. Ele falou: “Eu vou na sua casa qualquer dia dessa semana.” Agora... Os nossos pais eram muito amigos.
P/1 - Ah é?
R - É, o pai dele também era militar e eram muito amigos. Então, depois de ir em casa, ele foi com o pai dele, foi pra pedir o casamento. Namoramos um mês, se tanto. Foi pra pedir casamento. Papai consentiu porque conhecia a família toda, né? E em maio nós casamos, dia 21 de maio nós casamos. Foi muito rápido, né? Foi rápido demais. Tão metido que ele era, né?
P/1 - Foi uma paixão, né?
R - É, foi aquela beleza, né? E estamos até hoje aí, vamos fazer 66 anos de casado.
P/1 - Que beleza. Vamos voltar um pouquinho, algumas coisas que eu fiquei super curiosa. A senhora, quando estudava na Escola Normal... A quais os lugares que a senhora costumava passear, tinha praças, coretos? Tinha o footing de Belo Horizonte?
R - O footing de Santa Efigênia, aqui em Belo Horizonte tinha um footing na Avenida. Do lado de lá, que é do lado da Igreja de São José, era do povo mais alinhado. E do lado do (_______), era das empregadas. Era gozado, né? Mas era separado mesmo. Quem separou, não sei, mas era separado. Às vezes eu ia lá, mas era muito pouco, eu gostava muito de fazer footing aqui em Santa Tereza. Aqui na Praça e na Rua Mármore, até ali em cima que tinha footing. Eu encontrava muita coisa com o Salomão aqui. Porque minha avó morava aqui, eu mudei pra Santa Efigênia e minha avó morava aqui. Então eu vinha pra casa da minha avó, dormia na casa da minha avó e ia fazer footing, encontrar com o Salomão.
P/1 - Com as amigas?
R - E as amigas. Minha tia era nova e passeava muito comigo.
P/1 - Qual o nome dela?
R - É Guiomar. Ela passeava muito comigo. E foi assim. Lá em Santa Efigênia tinha um footing também na Avenida Brasil. Mas eu não gostava muito da Avenida Brasil, não, eu gostava mais daqui de Santa Tereza. Quando eu vinha pra casa da minha avó, eu gostava mais.
P/1 - E missa, a senhora frequentava onde?
R - A missa era aqui em Santa Tereza, eu cantava no Coral de Santa Tereza.
P/1 - Ah! A senhora estava me contando que a Igreja demorou muito tempo pra construir.
R - Nossa senhora! Mas muito tempo mesmo. Muito tempo mesmo. Eu casei, fiquei cinco anos sem ter filhos, tive um monte de filhos e a igreja nada de ficar pronta. (risos) Uma tristeza essa igreja, demorou demais, demorou muito mesmo. Eu passei aqui na Praça, em Santa Tereza, na Rua Mármore. A gente ia pra lá, pra cá... Aquelas bobajadas de adolescente. (risos)
P/1 - E a senhora fazia procissão?
R - Ah, ia, pois eu tinha que cantar, né? Eu cantava na Igreja de Santa Tereza.
P/1 - E como que a senhora aprendeu a cantar?
R - Hein?
P/1 - Como que a senhora aprendeu a cantar? Com quem? Assim... Foi naturalmente?
R - Com quem aprendi a cantar?
P/1 - É.
R - No Instituto de Educação, na Escola Normal Modelo. Porque nós tínhamos professoras de canto. Esqueço o primeiro nome dela... Não-sei-o-quê Vasconcelos... Não lembro mais. E ela dava aula de canto nas salas, dava aula de canto. E, antigamente, tinha aula de canto e de música. E esse meu primo que fez aniversário, o João, ele era músico e dava aula de música pra mim. E eu aprendi tanto música... Eu lia música como quem lê jornal. Eu pegava a pauta assim, ia cantando as notas como se lesse um jornal. Depois aprendi a tocar piano, toquei muito piano. Agora hoje não passa nada. (risos)
P/1 - Nessa época, que tipo de música que a senhora gostava?
R - Pra ouvir, eu gostava era de Orlando Silva, Carlos Galhardo... Quando eu casei, então, eu mais ele, nós noivamos ao som das músicas de Rosa, de Serra da Boa Esperança. E nós noivamos ao som das músicas. Ele escrevia as músicas, vinha e nós começávamos a cantar. Cantava, cantava, cantava e ia embora. Toda a vida eu cantei muito. Depois eu cantei na capela do Colégio Arnaldo. E lá na Rua Ceará, onde minha sogra morava, em frente tinha uma cantora de ópera. Eu esqueci o nome dela, mas totalmente. E ela ficava doida quando uma pessoa que conhecesse música, pra fazer a segunda voz com ela. Ela cantava no Colégio Arnaldo também. E ela ia lá em casa pra pedir ao Salomão se deixava eu ensaiar com ela, pra eu cantar com ela. Eu sabia ler a pauta e eu era a segunda voz. Sempre no coral da igreja, coral do Instituto, tudo. Então sempre eu vivi cantando. Noivei cantando e criei meus filhos cantando. Gostava muito de cantar. Agora, não, operei das cordas vocais e não tenho voz mais.
P/1 - Ah, espera que a gente vai falar dos meninos e das meninas. (risos)
R - (risos)
P/1 - Tem alguma pergunta, Pablo?
P/2 - Não.
P/1 - Então vamos lá. Bom, descreve pra gente como foi o dia do seu casamento. O que a senhora lembra?
R - Eu lembro muito do dia do meu casamento. Eu fui morar no barracão da casa da minha sogra. Esse barracão estava alugado. Não sei, ficou pronta a pintura, tudo, no dia do casamento. Então eu fui pra lá pra lavar as louças, as coisas pra guardar, né? Estava na hora de ir embora, porque tinha que aprontar, tomar banho, arrumar pra ir pro casamento. Salomão veio me levar e nós encontramos com a Nacinha na esquina, lá. Aí ela ficou resmungando, resmungando, ele nem ligou, foi embora. Quando ele voltou, ela esperou. Ela sabia que ele ia me levar em casa. Quando ele voltou, ela cercou ele. Ela disse: “Eu tenho fé que um caminhão vai passar em cima docê, que você não vai casar com ela.”
P/1 - Cruz credo. (risos)
R - É, que amor de doido, esse, né? “Tenho fé que um caminhão vai passar em cima docê, você não vai casar com ela.” Ele falou: “Eu tô com fé em Deus que eu vou casar e muito bem casado.” E aí ele não me contou, não. Não contou isso, não. Eu sei que, dentro da igreja, lembro que meu vestido tinha uma cauda grande, eu achava bonito ver a cauda saindo da cintura (aquela coisa _________ na igreja?), né? E o meu casamento foi um casamento chique porque o primo dele era músico da Sinfônica do Batalhão e ele pôs a Orquestra Sinfônica pra tocar no nosso casamento. E ficou muito lindo nosso casamento por isso. Ficou chique por isso. Muito lindo. E casamos e tal, fomos morar no nosso barracãozinho e fomos levando. (risos)
P/1 - Em Santa Tereza era o barracão?
R - Não, lá em Santa Efigênia.
P/1 - Santa Efigênia.
R - Era lá onde é o Hospital Otaviano Neves. Rua Ceará 186, até o número eles conservaram.
P/1 - E a senhora terminou o curso normal depois de casada?
R - Depois de casada. Terminei o curso normal. Eu era louca pra ter uma escola, não sei por quê. Tinha vontade de ter uma escola minha. De menino pequeno. Eu gostava muito de menino pequeno. E consegui. Graças a Deus, consegui. Mas isso deixa mais pra diante, né?
P/1 - Com certeza. (risos)
R - (risos)
P/2 - Com qual idade a senhora casou?
R - Que eu me casei?
P/2 - É.
R - Com dezoito anos. Fiz dezoito anos dia quatro de abril, casei no dia 21 de maio.
P/1 - Então, Dona Maricota, como é que era, assim, conciliar a vida de dona decasa casada, ter que arrumar a casa, fazer comida, fazer compra, com uma vida de estudante? Usar uniforme... Tinha que usar uniforme ainda depois de casada?
R - É, tinha. Usar uniforme. Mas eu fiz o seguinte: eu fiquei muitos anos. Quando eu me formei, eu já tinha os onze filhos.
P/1 - É mesmo?
R - É. Eu, na verdade, tive doze filhos. Um morreu ao nascer, no ventre. Morreu no ventre. Mas eu não me conformava de chegar nos grupos pra trabalhar como professora e ser substituta contratada. Eu não era formada e era considerada leiga. Tinha o curso inteiro e era considerada leiga. Falei: “Pois é, eu tenho que arrumar um lugar pra estudar uma hora, porque eu não aguento mais esse negócio de ser leiga. Não sou leiga. Eu fiz o curso inteiro, por que que eu sou leiga?” E aí me falaram que em Matozinhos tinha uma escola que a gente fazia um ano e formava. Essa época eu já morava no Levy. Levantava quatro horas da manhã pra fazer as coisas todas e pegava o ônibus de Três Marias às sete horas. Não, minto. De Três Marias às seis horas. Quando eram sete horas eu estava passando em Matozinhos. Aí tinha eu e tinha mais duas colegas que ficaram minhas amigas mesmo. Até madrinhas de casamento, muito amigas mesmo. A Irene e a Uda. Então nós íamos junto e voltávamos junto. A gente descia correndo porque a estrada era perto ali onde pegava o ônibus, então a gente estava escutando o sinal batendo. Se a gente perdesse aquele ônibus, não precisava nem ir porque não dava tempo. Então eu sofri muito com isso, sabe? Porque eu já era formada e eram todas aquelas mesmas leléias, toda vez a mesma coisa. Nós éramos pobres, não tinha dinheiro pra pagar a condução. Às vezes a gente comprava um pastel, que era um pastel grande assim, e dividia por três. A Uda era muito moleca, caiu uma carninha no chão, ela pegava e dizia assim: “Eu pego muito mais pesado que o micróbio, eu posso comer.” (risos)
P/1 - (risos)
R - Então nós levávamos a vida numa farra, nós três. Tudo nosso era feito junto. Todas nós éramos formadas. Então nós fazíamos tudo em conjunto. Eu, Uda e Maria Irene.
P/1 - E aí vocês estudavam até a hora do almoço, mais ou menos, e voltavam.
R - É, isso. Ficava esperando um ônibus de Três Marias que ia passar e nós saíamos correndo. Daí dois minutos passava o ônibus. Assim: “Lá vão as pobretona, em pé.” A Uda era muito moleca, sabe? Tudo dela era com muita molecagem. Até hoje ela é moleca. Ela dizia: “As pobretona! Lá vão as pobretona. Vão embora.” Era assim.
P/1 - (risos) Olha só! Então vamos falar um pouco dos filhos, né?
R - É, vamos.
P/1 - Vamos lá. Então o primeiro deles é Marilton?
R - Marilton.
P/1 - Vamos começar a descrever um pouco, assim, como a senhora vê cada um deles, depois a gente continua conversando.
R - Você quer que fala os nomes todos deles duma vez, primeiro?
P/1 - Marilton…
R - Marilton, Márcio Nilton, Sandra Maria, Sônia Maria, Sheila Maria, Salomão Borges Filho, Marcos Milton, Solange Maria... Depois de Solange, Sueli Paulina. Ela nasceu no dia que morreu, então eu pus o nome da sogra, Sueli Paulina. Marcelo Borges, e Mauro Nilton Borges.
P/1 - Que é o Nico?
R - É, o Nico. Todos os doze.
P/1 - Todos eles têm o nome duplo?
R - É, alguns. Por exemplo, os outros chamam e eu não. O Nico, por exemplo, eu xingo ele: “Você não chama Nico, não, menino, você chama é Mauro Nilton.” (risos) Eu já falei isso com ele. Eu falo assim: “O Nico, qualquer coisa. Por que você responde? Você não chama Nico. Você chama Mauro Nilton. Você chama...”
P/1 - E as meninas todas começam com S?
R - É, as meninas todas começam com S e os meninos todos com M, com exceção do Lô, que pegou o nome do pai.
P/1 - E por que a senhora escolheu?
R - Não sei por quê. Antigamente não sabia se ia ter menino, se ia ter menina, não usava essas coisas, né? Eu falei: “Se for ter menino agora vai ser o seu nome, não sabe.” Ele falou: “Pra quê?” “As meninas são tudo Maria, agora vamos ter um Salomão também aqui em casa.” E aí nasceu menino e eu pus o nome de Salomão.
P/1 - Ótimo. (risos) Você tem alguma pergunta? E como eles são? Assim... Como é era a convivência?
R - Graças a Deus, a convivência dos meus filhos é maravilhosa. Até hoje, ai daquele que pegar num dedinho dum filho meu. Eu tenho dez pra ir atrás pra achar ruim. Nossa Senhora. Eu criei a molecada — eu chamava de molecada — toda aqui. Então, nessa época, usava-se pôr a cadeira no passeio, a mãe sentava e os meninos brincavam de roda, brincavam de teatro, de tudo quanto era (_________?), tudo ali perto da gente, da casa da vizinha dali, da outra de cá, todo mundo daqui, tudo. Então era uso. De tardinha, assim, às cinco e meia, seis horas, estava todo mundo no portão. E os meninos brincavam na rua, que a rua não tinha trânsito.
P/1 - Não passava carro.
R - É, era muito difícil. Jogava bola, fazia tudo aí. E depois foi ficando muito difícil.
P/1 - E a senhora falou que demorou cinco anos pra ter filho?
R - É, levei cinco anos pra ter filho.
P/1 - E a senhora imaginava que ia ter uma família tão grande?
R - Pois é, ficava doida pra ter filho. Doida pra ter um filho. Aí, um belo dia, fiquei grávida. E eu fiz um trato com Nosso Senhor. Eu disse assim: “Se eu tiver um filho, eu vou ter quantos o senhor quiser.” Não vou evitar, não vou tomar remédio, não vou fazer nada.” Tive doze porque ele mandou doze. (_____________ E quase também fugida lá da cama de parto, não agüentava mais.?) Então é por isso que eu tive esse monte de filho. Eu passei cinco anos. No dia que fez cinco anos e dez dias, nasceu Marinho, no dia 31 de maio.
P/1 - Olha, que beleza!
R - Marinho é do dia 31 de maio. Nasceu aquele menino enorme, de cinco quilos, um monstro de menino. E era parteira, era em casa com parteira. E a parteira era da Santa Casa, da Maternidade da Santa Casa. E ela tinha feito os partos da minha mãe. Então ela falou assim: “Eu acredito, porque fui eu que aparei o menino.” Ela era alemã. “Eu acredito porque foi eu que aparei, porque se me contasse eu não acreditava. Um menino desse tamanho!”
P/1 - Nasceu criado quase?
R - Nasceu criado aquele bichão. O maior que eu tive foi Milton. Mas, Graças a Deus, a criação dos meus filhos foi assim. O Salomão me ajudou muito. Ele trabalhava, era soldado. Primeiro ele era soldado, né, quando eu casei com ele. Ele era sargento. Ele detestava a vida militar. Acho que foi por influência do pai, não sei. Aí ele fez concurso e passou no BASF, que era serviço público federal. Passou e foi nomeado para o Correio. Então ficou trabalhando no Correio. Mas ele me ajudava. Sábado e domingo ele me ajudava, punha os meninos pra ajudar, pra encerar a casa, dava banho nos meninos todos pra mim, enchia a banheira d’água, punha os meninos pra tomar banho, as meninas tomava banho de calcinha, era gozado demais. Ele dava banho, penteava o cabelo. Todo mundo corria dele pra pentear cabelo. Ele fazia assim, amassava o cara dos meninos... “Ô, mãe, você nos penteia? Papai, não!” Eu falava: “Eu não vou, estou ocupada.” E eu tinha muita alegria de ter muito filho.
P/1 - Vocês saíam todos juntos? Como é que era?
R - Saia tudo junto. Procissão de enterro, ia todo mundo junto, ia a meninada toda. Uma vez nós perdemos Sônia, porque era muito menino pequeno, né? Eu pegava um, Salim carregava outro e tal, e os pequenininhos ainda andando. Eu perdi Sônia. Quando chegou aqui na esquina, eu já morava aqui... Quando chegou aqui na esquina eu olhei assim: “Salim, tá falando um.” “Quem tá faltando?” “Sônia.”
P/1 - A senhora contava?
R - Eu contava. Eu contei: “Está faltando um.” Aí eu falei pra ele assim: “Segura.” Não sei qual é que estava no meu colo. “Segura que eu vou correndo lá na praça. Eu conheço muita gente da Igreja, eles podem ter visto, né?” E eu sai correndo, topei lá na praça. Quando eu cheguei lá na esquina da praça, tinha um bolo assim na praça, aquela porção de gente e uma criança chorando muito. Eu falei: “Só pode ser.” Mas quando eu cheguei lá veio um __________, era meu irmão. Meu irmão que achou. Luis achou e falou assim: “Achei essa menina perdida, posso levar pra mim?” Ele falou comigo. Eu falei: “De jeito nenhum, já vim aqui buscar.”
P/1 - (risos)
R - E a gente saía todo mundo junto. Tomava bonde todo mundo junto. O bonde era aqui atrás. E era final de linha de ______. Subia e descia no final, né? Então enchia dois bancos de menino. Passeava no parque, fazia piquenique no parque...
P/1 - Que delícia.
R - Fazia comida, levava toalha, levava coberta para forrar a grama pros meninos dormirem. Nós fizemos muito disso. Passeávamos muito com os meninos. Nós tínhamos muito gosto de ter os filhos que tínhamos. E temos até hoje. Você vê, não tem um filho que não chegue aqui e não beije eu e o pai. E abraça e beija eu e o pai. “A benção, mãe. A benção, pai.” Não tem um, não tem um. Outro dia saiu um, passou mal, meu marido chorou feito um... (risos) “Oh, meu velhinho.” É um amor louco.
P/1 - É uma família muito unida, né?
R - Muito unida, mesmo. Graças a Deus. Todo mundo é muito unido mesmo. Chega Natal aqui em casa, você pensa que é festa de muita gente, de muitas famílias, é só minha família aqui. Desocupa um bocado essa sala, eu faço novena de Natal, e depois o encerramento é no dia 24, né? O Telo é que toca as músicas, e todo mundo canta a novena, todo mundo canta... É uma beleza, só você vendo. Minha família é maravilhosa, graças a Deus. Dão trabalho porque todo mundo dá trabalho, doença, os meninos pequenos adoecem, e tudo, né? Mas...
P/1 - Adoecia tudo junto? Catapora?
R - Teve uma época que teve quatro ou cinco de sarampo. Eu falei: “Meu Deus! Vou botar a boca no mundo de gente agora.” E eu estava doente também.
P/1 - Meu Deus!
R - Eu estava doente também, estava de ___________ e ____________.
P/1 - Nossa!
R - A minha irmã que foi pra minha casa. Ela tinha só um filho. Ela foi pra minha casa pra poder ajudar a olhar os meninos.
P/1 - E no dia-a-dia, tinha alguém que ajudava a senhora a tomar conta?
R - Ah, isso todo mundo ajudava, de A a Z. Marilton, Márcio, todo mundo lavava vasilha, todo mundo passava pano no chão, todo mundo fazia tudo. “Eu não sou mulher, não.” “Eu não falei que você é mulher, não, falei? Falei que você vai lavar as vasilhas. Não falei que você é mulher, não. Não é só mulher que lava vasilha, não, homem também lava.”
P/1 - A senhora era brava com eles?
R - Era.__________ “Salim, fulano e fulano hoje aprontaram tanto que precisam levar umas correadas.” _______________ Chegava no quarto, fechava a porta, batia na cama e mandava os meninos gritar. Mas você pode com um trem desses? Criar uma família desse jeito?
P/1 - (risos)
R - E eles tinham medo de mim. Dele eles não tinham. Ele batia na cama com a correa. Pah! Pah! E mandava eles gritarem. “Toma, agora ta apanhando __________.” Depois eles contavam: “Papai bateu foi na cama.”
P/1 - Vamos dar uma paradinha. Ah... Tá uma delícia!
R - Ta gostando, bem?
P/1 - Tô adorando. A senhora quer uma água?
R - É?
(pausa)
R - Nós não chegamos nem na beirada do Clube ainda. Eu converso muito.
P/1 - Mas é ótimo.
R - Eu posso contar minhas odisseias, todo mundo ri.
P/1 - Mas é gostoso, né? Mas eu falo que esse é o melhor trabalho que a gente tem.
R - É, né?
P/1 - É.
R - Entrevista, né?
P/1 - Ganhar a vida pra ficar batendo papo assim, não é bom?
R - É, saber dos casos engraçados, né?
P/1 - Ah, eu adoro, é a melhor parte.
R - É bom mesmo.
P/1 - Você está gostando?
P/2 - Tô adorando.
P/1 - Nossa, tá uma delícia. Mas imagino como deve ser... Lá em casa são cinco, já é uma luta.
R - É muito difícil. Eu não falo que seja fácil, não.
P/1 - Mas é uma alegria.
R - Mas é uma alegria. É absurdo ________ eu tenho uma Nora, a segunda filha. “Eu jogo essa menina na parede porque a menina não me deixa dormir!” Eu falo: “Ô, meu Deus do céu, eu passava a noite inteirinha ninando meus meninos, tendo cuidado com eles, olhando, gostava daquilo, eu gostava e gosto, gosto muito.” A Solange, a minha filha que mora comigo e cuida de mim, porque ela hoje é meu anjo da guarda, né? Ela que cuida de mim, que me dá remédio, tudo. Eu tenho problema sério. Em outubro estive no CTI [Centro de Tratamento e Terapia Intensiva], estive muito mal. e quando eu entrei no CTI, eu perdi os sentidos. Então eles me quebraram todo desse lado aqui, ó. Aqui, está vendo o osso, aqui? É, me quebraram toda, estava tratando com um ortopedista e agora, a partir de amanhã, eu vou tratar também com fisioterapeuta, que o ortopedista mandou. Porque não tem nada pra fazer. Eu fiz tratamento pra recuperar os músculos. Nas costas, desse lado, os músculos acabaram todo, ficou só um buraco nas costas. Eu preciso de cuidar mesmo, sabe? Então ela é meu anjo de guarda. Graças a Deus, na hora certinha ela vem aqui. Às vezes a gente está sentada tomando sol e ela chega com um copo de suco e dois comprimidos. “Tá na hora, mãe.” E eu tomo. _________________ mas tá na hora? O meu médico. Eu tenho um médico, tem dezessete anos que ele é meu médico. Ele não conversa comigo, não. Ele conversa com ela. “A senhora erra tudo, deixa que Solange sabe fazer tudo.” Ela escreve tudo. Quando ela não pode, como foi da última vez, ela mandou tudo escrito pra mim. O remédio que eu estava tomando... E mandou pedir receita de mais não sei quantos remédios. Eu fiquei com uma raiva... E manda o papel pra ele. E ele pega e consegue todo o negócio _____ os dois. Sabe por quê? A roupa está super larga, eu emagreci dez quilos daquelas _______ que eu estava tendo. E diminui. A roupa está toda batendo no pé, vou ter que mandar consertar minha roupa toda.
P/1 - É, fica mais larga, ela cai, né? (risos)
R - Ah, eu não gosto de roupa cumprida assim, não.
P/1 - Não?
R - Não gosto, não.
P/2 - E a senhora está se sentindo bem, agora, né?
R - Hein?
P/2 - A senhora está se sentindo melhor, agora?
P/1 - Bom, vamos continuar a nossa entrevista, né?
R - Vamos.
P/1 - Tinha uma diferença na educação dos meninos e das meninas? O que a senhora…
R - Tinha. É assim: os meninos podiam ir lá em cima, na esquina lá de cima, naquele pedacinho de rua ________ ali, não passava nada ali. Então os garotos tinham sempre mania de jogar bola ali. Eles podiam ir lá. As meninas não podiam, de jeito nenhum
P/1 - Por quê?
R - Não, os meninos iam jogar bola, elas vão fazer o quê? Não, elas ficavam aqui. Então, elas, pra poderem fazer raiva nos meninos, quando eu falava assim: “Ô, Sônia, vá lá e chama o Marcinho que eu estou precisando dele.” Aí subiam as três. Eu chamava as três de “Bebé”. Sandra, Sônia e Sheila, porque a diferença era de um ano para cada uma. Então ia as três Bebé. “Marinho e Márcio, mamãe está chamando!” E voltavam desembestada correndo que elas não tinham _______. (risos)
P/1 - (risos)
R - Era uma tristeza. Agora... Ele me ajudou muito também, Marito, o mais velho. Meus filhos estudaram todos no Instituto de Educação. Fizeram jardim e primário lá. E aquele caminho do Parque, né? Tinha que trazer pra lá e pra cá. Ora eu, ora Salomão ia buscar. Marito também ia, mas ele não gostava, porque eles pintavam muito com Marito. Eles desciam, assim, no caminho do parque... O óculos de Sônia caiu dentro da lagoa do Parque na hora que eles estavam voltando da escola, vê se pode. Então não gostava muito que ele fosse buscar, sabe? Só quando eu estava sem poder ir mesmo que eu deixava ele buscar os meninos. Eu estava com aquele barrigão ________ no parque buscar os meninos. Eles estudavam lá. Mas teve um caso até engraçado. Marcinho chegou em casa e Marito que tinha ido buscar. E tinha... Qual que era mais novo? Marito, Márcio... Não era Sandra, não, Sandra está maiorzinha. Deve ser Sheila... O Lô... Acho que era o Lô. Os meninos chegaram, gostavam de contar novidade, os meninos, né? Aí foi Marcinho que contou. Falou: “Mãe, a senhora não acredita...” Eu falei: “O que aconteceu, meu filho?” “Marito pôs a Sheila no Espírito Santo.” E eu: “Nossa senhora! Onde é que dá esse Espírito Santo que Marito achou pra poder pôr Sheila?” “Marito pôs Sheila no Espírito Santo, mãe. Olha que absurdo.” Eu falei: “Meu Deus onde é que é o Espírito Santo, meu filho? Onde é que ele está?” Ele falou assim: “Pai, Filho e Espírito Santo, aqui.” (risos)
P/1 - (risos)
R - Gente, mas eu ri tanto. Ele até chorou de raiva de tanto que eu ria. Espírito Santo... Pôs a menina no Espírito Santo, pôs aqui em cima. Eram umas papagaiadas que eles inventavam. Aquilo a gente achava graça. E eu toda vida gostei demais de menino, toda vida gostei muito dos meus filhos. Olha, a hora que eu entrei no CTI... Falo isso a você com sinceridade, não é pra fazer graça, não. Eu estava lá no Hospital São Lucas, quem estava me acompanhando era Marcinho e Solange, depois tinha um homem e uma mulher, porque eu estava muito inchada e ninguém me aguentava, tinha sempre uns dois. Aí eu estava conversando com Marcinho sobre o Clube da Esquina, nós estávamos conversando sobre esse projeto que ele estava fazendo. Estava conversando com ele e tal, e de repente passei mal. Comecei a passar mal. O Zé Roberto chamou o Marcinho pelo telefone, lá em Mauá, e eu fiquei só com Solange. Aí Marcinho voltou e falou assim: “Então, mãe...” Querendo conversar sobre o que está fazendo, não sei o quê. E eu falei assim: “Ah, Marcinho... Ah, Marcinho... Ah, eu não falo mais nada.” Eu já estava cansada, cansada, cansada, cansada... Aí ele correu e chamou o médico. O médico chegou, estava com o estetoscópio aqui, tirou e falou: “Eu não vou ouvir a senhora, não, porque o estado da senhora é gravíssimo, eu vou levar a senhora para o CTI.” E a hora que eu fui entrando pro CTI, eu não falava, mas eu escutava tudo. Ele virou pra mim e falou assim: “A senhora está muito ruim, eu não sei se eu vou conseguir salvar a senhora.” E eu fiquei pensando: “Ô, meu pai, eu vou ter tanta saudade dos meus filhos.” Ó, o que eu lembrei: dos filhos. “Vou ter tanta saudade deles.” Eu gosto demais dos meus filhos, sabe? Eu tenho paixão pelos meus filhos. Eu pensei assim: “Oh, meu pai, eu vou sentir tanta saudade.” Que eu ia morrer, né? Ele falou. E foi aí que eu perdi os sentidos e não vi mais nada. Fiquei seis horas desacordada, não vi nada. Não vi nada que fizeram comigo no CTI. Anteontem, o Doutor Roberto me perguntou: “Eles puseram um negócio dentro da boca da senhora?” Eu falei: “Eu não sei, eu não vi nada.” “Ah, então ele sedou a senhora?” Falei: “Não sedou, não fez nada. Ele só falou comigo.” Ele ia tirar a minha camisola, que ele ia me... Esqueci a palavra... Fazer com o corpo todo... Ele ia fazer. E eu não vi mais nada. Quando eu voltei a mim, isso podia ser umas nove e meia, dez horas, quando eu estava conversando com o Marcinho e que entrei pro CTI. Quando eu voltei já era quatro e meia da manhã. Fiquei seis horas longe do mundo. Mas Deus não me levou porque eu estava com muita saudade dos meus filhos. (risos)
P/1 - (risos)
R - E eu pensando: “Ô, meu Deus, quanta saudade dos meus filhos.” Eu gosto, sabe? Gosto quando junta todo mundo. O café aí da tarde que é uma confusão. Você faz o café, o café acaba, você torna a fazer o café, o café acaba... É uma tristeza, sabe? Todo mundo passa, chega, toma café, vai embora, você nem vê ele. E essa confusão.
P/1 - Quando viu, já foi?
R - Quando viu, já foi.
P/1 - Então vamos falar um pouquinho de cada um deles? Descreva um pouco do temperamento, do jeito que a pessoa é. Como a senhora descreveria o Marilton, por exemplo?
R - Marilton era metido a pai dos meninos, porque era o mais velho, buscava os meninos na escola, e tudo. Então punha os meninos de castigo. Bater, não batia, não, mas punha de castigo, xingava.
P/1 - Ele era bravo?
R - Bravo com os meninos, gritava com os meninos. Agora, já Marcinho, não. Marcinho era mais era rueiro, sabe? Gostava muito de uma rua. Agora, se fizesse raiva nele, a roupa de Marcinho era impecável. Ele arrumava a gaveta dele lá dentro do armário, era impecável. Ai daquele que pusesse a mão naquelas roupas malditas lá.
P/1 - E do outro lado do armário?
R - Ai, ele sapateava, xingava... Marcinho era um tal sapateador, esse aí é igual meu pai. Meu pai ia xingar a gente, sapateava feito não sei o quê. Saiu igualzinho meu pai, sapateando parecendo doido, bailarino, e xingava. Marcinho era assim.
P/1 - E a Sandra?
R - A Sandra... A Sandra era pra ter nascido homem, porque era uma moleca.
P/1 - Acompanhava os dois mais velhos?
R - Hein?
P/1 - Acompanhava os dois mais velhos?
R - Se acompanhava. Precisava tomar uns tapas pra ficar de castigo, pra não ir atrás dos meninos. “Porque os meninos são homem, você é mulher, ________ dentro de casa.” Quebrou o braço de cá andando na beiradinha da casa, assim, ó. Em volta da _____, no murinho da casa quebrou o braço. A Sandra, agora, ajudava muito a criar os irmãos. Dava mamadeira, fazia mingau, dava mamadeira, dava banho nos meninos pequenos... Ela me ajudou muito a criar os meninos pequenos, me ajudou muito. Sônia: uma grande preguiçosa.
P/1 - É mesmo?
R - Tudo ela estava doente, não podia fazer porque estava doente. “Tô com dor de cabeça, tô com não sei o quê.” _____________ “Você faz, depois você deita a cabeça.” Mas ela sempre embromadora, sabe? Sem querer fazer as coisas.
P/1 - Era estudiosa?
R - Hein?
P/1 - Era estudiosa? Gostava de estudar?
R - Todos gostavam de estudar. Era bom porque todo mundo gostava de estudar. Mas ela não era muito, não, sabe? Gostava mais de ir pro colégio. Sandra e Sheila formaram no Instituto Cassiano, desde pequena, já formada. Já, Sônia, não. _________ não podia tomar bomba, né? Tomava bomba, tinha que sair. Ela tomou uma bomba e foi para o ngelo Roncalli, aqui na Chateaubriand, e formou ali. Todas as minhas filhas são professoras. E todas aprenderam a profissão comigo.
P/1 - Ah, é?
R - Eu ensinei a todas. Eu tive uma escola aqui nessa casa, né?
P/1 - Aham, a gente vai falar da escola.
R - É.
P/1 - É, mas calma.
R - Vai dar a hora, aí eu falo na escola. Então, na hora da escola... Que eu precisava falar que eu ensinei elas todas a ser professora. Era Sandra, Sônia e Sheila. Foram professoras aqui.
P/1 - E a Sheila, como que ela era?
R - A Sheila era uma sonsinha, não brigava com ninguém, não xingava ninguém, fazia as coisas que ela tinha que fazer. Então, a Sandra mais a Sônia xingavam ela: “Você é fingida. É só quando mamãe está perto que você é assim. Você é fingida.” Tá lá operada, coitada. “Você é fingida.” Às vezes ela deitava no beliche e a Sueli, que era mais nova ainda, né? Uma das mulheres foi vir a mais nova... E a Sueli estava pra coçar o pé dela. Sueli que, de boba, coçava. “Você é esperta demais.” Mas ela era muito um gênio mais brando, sabe? A Sheila tinha um gênio mais brando.
P/1 - E o Lô, como é que ele era?
R - O Lô era manhoso, chorão, chorão. Tinha uma poltrona de lado, assim... Se ele fosse contrariado em alguma coisa, ele chorava e esticava, esticava, esticava... Um dia ele furou a poltrona de tanto esticar. O Lô era muito manhoso, muito manhoso mesmo. Agora não é mais, mas era manhoso.
P/1 - E da onde veio esse apelido?
R - Hein?
P/1 - Da onde veio o apelido?
R - Lô?
P/1 - É.
R - É porque o Salomão, eu chamava Salim, né? E ele era Salomão também, e se eu gritasse “Salomão”, Salim respondia. Então eu dizia: “Salô!” Salô era ele, aí ficou Lô. Ficou Lô porque era Salô. Esse foi um verdadeiro apelido que eu pus. Foi esse, do Lô. E o outro, abaixo do Lô, o Lé, o Lé também fui eu que pus.
P/1 - Que é o Marcos Milton?
R - Marcos Milton. Porque o Lé, o meu sogro, morreu e ele nasceu daí a treze dias. E eu queria pôr o nome do meu sogro, que era José Joaquim, eu queria pôr o nome do meu sogro. E fiquei com medo de falar com Salim e ele lembrar aquilo tudo, aquela tristeza toda que nós passamos, tinha só treze dias, né? E ele queria também, mas achou que era egoísmo dele escolher o nome pro menino se era eu que escolhia sempre, só porque o pai dele morreu. Então não falou. Então ninguém falou e foi Marcos Milton. Até hoje eu chamo ele de José. Até hoje: “Ô, José. Vem cá, José. Tá chegando, José?” Ficou José pra mim. Aí ficou José, José ficou Lé. O Lé é por isso. Mas pra mim, eu chamo ele é de José. Não chamo ele nem de Lé, nem de Marcos. Eu chamo ele de José.
P/1 - Até hoje?
R - Até hoje. Ele, pra mim, é José. Eu chamo ele de José. Gostava muito do meu sogro, então eu chamava ele de José. Depois do Lé veio...
P/1 - Solange?
R - Solange. A Solange era a vítima dos irmãos.
P/1 - A das menores?
R - É, era das menores, os outros eram maiores já. A Solange morria de medo de qualquer coisa. Então meus filhos todos foram criados no berço. __________ na mão, todos criados no berço. E ele estava no berço e eles passavam uma régua assim, no berço patente, que tinha uma porção de gradinha. “Trrrrrrrrrr!” A menina ficava roxa: “Ahhh!” Eles faziam covardia com ela, jogavam barata morta no berço dela, faziam tudo quanto era covardia. A Solange foi a vítima dos irmãos. Ela era muito medrosa e eles faziam muito medo pra ela. E a Sueli, que vem depois da Solange, era marca Lô. Agora, tão engraçado ela ser marca Lô, porque eles nasceram no mesmo dia. O Lô é dez de janeiro e ela é dez de janeiro também.
P/1 - Ah, é?
R - É. E ela é marca Lô. Qualquer coisinha estrebuchava. Eu dizia: “Podia espichar até morrer, quando você morrer eu te enterro. Eu te garanto que eu te enterro.”
P/1 - Esperneava assim?
R - Ele bateu, era chutado. Agora, assim, a Sônia fazia birra então debaixo da cama, aí o pai dela jogava bacia d’água nela pra ela sair debaixo da cama, e ela não saia. Ele jogava água nela, aí ela saia.
P/1 - Só assim. (risos)
R - Era muita peruada aqui nessa casa, viu? Tinha muita peruada. Agora você... Que a última.
P/1 - O Marcelo.
R - O Marcelo... O Marcelo já ficou... Assim, eu nem lembro bem, porque ele já era o penúltimo. Já as meninas que cuidavam, davam banho, lavavam roupa, levavam pra ir pra escola e tudo, e ia... Muito malandro pra estudar, Marcelo. Malandro até não ter mais onde pra estudar, Marcelo. E o Mauro era o caçula, minha filha... Fazia tudo, Marito. Até hoje, Mauro tem 46 anos, acho. Quarenta e seis. Até hoje ele chega aqui em casa, tá aqui a bolsa de Marito em cima da mesa, ele abre a bolsa de Marito, tira dinheiro... Até hoje! Ele tá casado, pai de três filhos e faz isso. Marito dava a ele toda autonomia, podia fazer o que quisesse, qualquer coisa: “Ah, esse aí é meu filho.” Ele que criava, levava ele pra jogar bola, levava, olhava ele direitinho. Marito sempre fala que Mauro era filho dele, tratava muito bem dele.
P/1 - O apelido do Mauro é Nico?
R - Nico, mas eu não chamo ele de Nico, não. Chamo ele de Mauro. “Ô, meu filho, o nome que eu te pus é Mauro.” Agora todo mundo aqui em casa que pôs esse apelido nele, e todo mundo chama ele de Nico, até o pai dele.
P/1 - E da onde que vem o apelido?
R - Não sei. Não sei por que eles puseram nele o nome de Nico. Eu não, eu chamo ele é de Mauro. Até hoje eu chamo ele, e se ele me tenta muito eu chamo ele de Mauro Nilton, pra ele saber que é ele mesmo.
P/1 - É que a senhora tá brava. (risos)
R - Aí, eu estou brava, é Mauro Nilton. Ele já sabe, é ele mesmo, né?
P/1 - O, Dona Maricota, assim, uma coisa que o Marcinho comentou com a gente, é que a senhora era muito rígida com a língua portuguesa, não podia falar errado.
R - Como é que é?
P/1 - A língua portuguesa, tinha que falar correto.
R - Ah, mas o pai dele era jornalista, editorialista do Estado de Minas, 32 anos ele foi. Nossa, você imagina, tinha um erro de português... Até hoje, ele lê qualquer coisa e não lê com o intuito de ler, lê com o intuito de corrigir. Porque ele corrigia matéria no Estado de Minas. Ele corrigia as matérias, então ele não admitia. então os meninos são bons em português por causa do pai, não era por minha causa, não, porque eu não era tão boa assim em português, não, era muito boa em matemática.
P/1 - É?
R - Música, matemática... Mas em português eu não era, não. Mas Salomão… Eu tenho uma filha, aliás... Eu tenho uma filha… Não, eu tenho as três: Sandra, Sônia e Sheila. A Sandra é professora de português, coordenadora de português do Pitágoras. Ela é craque, craque mesmo. Se você quiser saber qualquer coisa, pergunta a ela, ela sabe tudo. E quando ela tem qualquer duvidazinha, ela vem e conversa com o pai dela. Chama os meninos, o pai, os filhos... Os netos chamam o avô de sábio.
P/1 - Ah, é?
R - É. “Vovô é um sábio, tudo que a gente não sabe, pergunta a ele e ele sabe.” (risos) “Vovô é um sábio.” A Sheila morava em Vitória, agora ela está morando outra vez. Morou aqui depois foi pra Vitória. Ela morava em Vitória e o mais velho dela, até já casou e tudo, ele ia fazer dever de casa era por telefone. “Ô, vô, isso assim, assim... O que é? Não sei o quê tem que fazer isso.” Aí Salim respondia pra ele. Acertado, né? Porque sabia que estava certo. Mas todo dia Leonardo telefonava para o avô dele pra fazer o dever de português certo. Tudo ele perguntava ao avô dele. Então, a Sandra mesmo falou comigo outro dia: “Papai é um sábio, né? Qualquer coisa que a senhora tiver dúvida, vai atrás dele.” Eu falo: “Procês. Pra mim ele não é sábio, não.”
P/1 - (risos)
R - Eu falo assim. Eu tenho ódio quando ele corrige qualquer coisa que eu escrevo. Eu falo: “Olha, eu não sou jornalista, não trabalho no Estado de Minas e não sou sua filha. Eu escrevo do jeito que eu quiser. E sou professora, você não é.” (risos)
P/1 - (risos)
R - “Não corrige nada que eu escrever.”
P/1 - Mas as meninas todas acabaram seguindo a profissão da senhora?
R - Todas são formadas, todas elas.
P/1 - A senhora queria isso? Era isso que a senhora sonhava pra elas?
R - Não. Aqui em casa foi tudo assim, muito aberto, sabe? Cada um ia fazer o que quisesse. Eu, pra mim, por exemplo, os meninos iam ser jornalistas, porque o pai era jornalista, né? Agora, as meninas, eu não gostaria muito que elas fossem professoras, é muito triste ser professora. Porque o negócio é o seguinte: se o menino sai bem numa prova, se ele faz aquela prova maravilhosa, bem, ele puxou o pai, puxou a mãe, puxou o avô, o tataravô. Agora, se ele erra tudo, a professora não ensinou nada. O problema é que a professora não tem valor nenhum. Mas elas todos quiseram ser professoras por causa da escolinha que eu tinha aqui.
P/1 - Então vamos falar da escolinha, né?
R - Vamos.
P/1 - Vocês moraram nessa casa em Santa Tereza até quando mais ou menos?
R - Até, deixa eu ver... Mauro tinha quatro anos... Em 1959? Acho que foi 1963 ou 1964, mais ou menos. E eu fundei a escola e mudei pro Levy, porque a minha casa foi transformada numa escola. Uma escola muito bem montada, porque veio inspetor da Secretaria de Educação, ela era registrada na Secretaria... Em 1949 ela era registrada na Secretaria. A inspetora escolar veio e eu trabalhava num grupo e trabalhava na minha escola. A inspetora escolar todo mês vai na escola.
P/1 - Ah, é?
R - E a minha inspetora, que também vinha todo mês aqui olhar os livros todos, olha tudo, olha os meninos, se está tudo certo... Até o quadro tinha o lugar certo de pôr.
P/1 - O quadro negro?
R - O quadro negro, é. Com a luz entrando à esquerda. O quadro, por exemplo, aqui, o quadro tinha que ficar ali, e ali a porta. O quadro tinha que ficar ali, a luz entrando à esquerda.
P/1 - A iluminação vem da esquerda?
R - É, pela porta. Então, as salinhas que eu tinha lá fora... Mas eu tomava aulas com a Dona Nazira e ela me ensinava: “Olha o quadro tem que ser com a luz da esquerda vindo da porta à esquerda. Não pode ser da altura não sei quanto.” Ela me ensinava tudo. Então eu não tive, por exemplo, as carteiras, mandei fazer as carteiras. Minhas carteiras estão até hoje aqui na igreja. Eu dei pra igreja, então eles tem catecismo, tem tudo, as carteiras estão lá até hoje.
P/1 - Carteira de madeira?
R - É. Não, eram carteiras mesmo. Carteiras duplas. Tinha carteira dupla com lugar pra pôr os objetos.
P/1 - Embaixo?
R - É, embaixo.
P/1 - E, duas coisas, como é que se chamava a escola? E, assim, como é que a senhora teve a ideia de montar a escola?
R - O padre que teve a escola, e de tanto que eu sofri como leiga, ______________ eu não sou leiga, eu posso ter uma escola. Eu posso dirigir uma escola. Porque a escola que eu trabalhava lá no JK, eu dirigia a escola, minha irmã era diretora da escola, era formada lá pelo curso de administração lá do Instituto de Educação. Mas ela também teve muito filho. E eu era auxiliar dela. Toda vez que ela ia ter menino eu ficava quatro, cinco meses dirigindo a escola, então eu sabia dirigir, não sabia? Eu dirigi uma escola do estado com quarenta meninos em cada sala e os meus aqui. Não, eram 115. Eu cheguei a ter mais de 120 meninos aqui. E todo menino era doido pela escolinha da Dona Maria. As mães passavam apertado sabe?
P/1 - É mesmo?
R - Era todo mundo doido com a escola, adorava a escola. Então a escola era registrada no INPS, vinha o inspetor do INPS [Instituto Nacional Previdência Social] olhar a escrita. Então era tudo muito legalizado, tudo. Eu tinha acho que umas duas ou três professoras que não eram de casa, pagava o INPS todo mês pra elas, pagava pra mim, que era dona da escola. E Sônia, Sheila e Sandra, não podiam, porque elas eram muito meninas ainda, a Sheila tinha quinze anos.
P/1 - Mas ajudavam.
R - Ajudavam, todas elas ajudavam os pequeninos. Então eu punha duas professoras na sala dos pequenininhos e a Sheila ajudava. A Sandra, não, a Sandra dava aula mesmo. A Sandra toda vida foi muito boa em português, ela estava estudando ainda, né. Mas toda vida foi muito boa em português. Dava aula, Sônia dava aula. Tive muito menino aqui nessa escola. Aquele chororó quando adoeci e falei que não ia ter mais escola. Entreguei os livros todos. Os livros todos da escola estão lá na Secretaria. Entreguei tudo, tudo.
P/1 - Como é que chamava a escola?
R - Nossa Senhora de Fátima. Mas eu tinha muito gosto com a escola, tinha bandeira na escola com o escudo, uma bandeira branca com listra azul e com o escudo grande escrito Nossa Senhora de Fátima. Aquela Nossa Senhora de Fátima que está ali que era da escola.
P/1 - A senhora é devota de Nossa Senhora de Fátima?
R - Hein?
P/1 - A senhora é devota?
R - Sou devota de Nossa Senhora de Fátima. Até hoje ela está aí. Eu acendo vela pra ela todo dia. Até hoje ela está aí. Tinha coroação dessa Nossa Senhora. Aí, quando era primeira comunhão dos meninos, preparava os meninos pra primeira comunhão, ia em procissão com Nossa Senhora, fazia um andor pra Nossa Senhora, levava pra igreja... Eu tinha muito gosto com a escola. Tinha muito gosto. Os meninos que saiam daqui iam direto pro colégio.
P/1 - Passavam no exame de admissão?
R - Admissão, era... Primeiro ano e quarto ano eram meus. Primeiro ano porque eu sou catedrática em alfabetizar. Eu alfabetizei os meus todos, né? E quarto ano, o momento exato pra poder ir pro colégio e ir logo pra admissão, né? Depois eu resolvi pôr admissão aqui e eu pus Marcinho como professor de inglês.
P/1 - De inglês?
R - É, Marcinho fala inglês, alemão, fala tudo, espanhol... Então ________ inglês. E pedi a Salomão pra dar umas aulas de português pra eles. Gente eu quase morri de rir. Você dava a ele o sumário: “É isso que eles vão ter que aprender.” Isso aqui era pra aprender em uma semana, duas semanas, né? Ele dava tudo num dia só.
P/1 - (risos)
R - Eu falava: “Você vai matar os meninos.” No outro dia eu tirei ele: “Os meninos vão morrer porque não vão conseguir. Vai acabar todo mundo fugindo da escola.” Agora, Marcinho dava bonitinho aula de inglês, os meninos adoravam a aula de inglês, parece que ele era muito bom. Então ele dava aula de inglês. Mas gostava de matar também, sabe? Gostava de matar aula. “Ah, hoje eu não posso.” Sabe como é que é...
P/1 - Aí deixava a senhora na mão?
R - Aí eu passava azedo, porque eu não sei inglês. Não falava de inglês, nada, nada... Não sabia nada de inglês.
P/1 - E como é que foi, assim, dentro da família essa organização? Sair de Santa Tereza pra poder instalar a escola e vocês se mudarem pro Edifício Levy?
R - Foi o seguinte, o que eu falei com os meninos, reuni todo mundo, foi: “Ó, vou fazer uma escola aqui e eu vou ganhar um dinheiro com essa escola. Seu pai ganha pouco, eu tenho que pagar colégio pra vocês. Nós vamos morar no centro e vocês não vão precisar tomar condução pra ir pro colégio, vocês vão a pé pro colégio.” Aí eles entenderam bem e gostaram. Eles adoraram o Edifício Levy. Teve gente que chorou até não ter mais onde, eles pediram o apartamento. Porque a bagunça era muita. Nossa Senhora. Aí você ficava doida, a dor de cabeça, mesmo. Porque o Marilton e o Marcinho já estavam rapazes, né?
P/1 - Quantos anos?
R - Marilton já devia ter uns dezenove, mais ou menos. Marcinho, uns dezessete. Ou Marilton uns vinte e Marcinho uns dezoito, uma coisa assim. E eles tinham pensão, nós morávamos no último andar, décimo sétimo andar. E tinha uma pensão, não sei se era no quinto andar, tinha uma pensão. E nessa pensão, o Bituca morava. Bituca morava nessa pensão. E aí Marcinho conheceu Bituca, Marilton... Aí ficaram amigo do Bituca, ficavam tocando violão nas escadas do edifício, violão na portaria do prédio e o porteiro gritando. Aí um dia chegaram lá em casa com o Bituca. Eu falei assim: “Vocês vão fazer o quê?” E eu tinha um excomungado de um piano Brasil lá em casa. Ô, piano ruim. “Nós vamos aprender a tocar piano. Bituca vai ensinar.” Eu falei: “Você sabe tocar piano?” Ele falou: “Sei, sei, sim. Vou ensinar os meninos a tocar piano.” Mentira pura, tudo mentira, tudo pra passar pelo buraco da agulha só. Tudo pra passar pelo buraco da agulha... Aí o Bituca todo dia estava lá em casa. Eu falei: “Mas vai ter aula todo dia?” “Não, mãe, ele está aqui porque nós estamos ensaiando uma música.” Aí já virou o ensaio duma música. E aí, no ensaio da música, o Bituca estava todo dia, dava aula de noite. E tinha hora, porque eu tinha muita menina, né? E cinco meninas dentro de casa... Eu não podia pôr um rapazinho dentro de casa que eu não conhecesse, fala a verdade. Então eu falei: “Eles ficavam até a hora de eu sair. A hora que eu sair, por favor, saiam todos.” E eu falava com os meninos: “E tranca a porta. Não quero ninguém de fora aqui em casa.” Ia pro grupo, dava minha aula, chegava cansada. E eu ia ao quarto deles pra ver se estava todo mundo certinho lá. Bituca estava dormindo na cama junto com Mauro e com Marcelo. O beliche era dos dois. Bituca estava ferrado no sono. Eu acordava ele, dava vassourada nele. Dava mesmo, dei muita vassourada nele porque ele era muito desobediente. Aí um dia ele falou assim: “Eu quero ser o décimo segundo dessa família.” Eu falei: “Então tem que obedecer às ordens da família. Você pode ficar aqui.” Ele era doido por Mauro, ele é até padrinho do Mauro. “Você pode ficar aqui, mas é pra ajudar a olhar, não é pra fazer bagunça, não. Pode tocar.” Eu não me incomodava que tocasse, cantasse, era indiferente. “Pode tocar, pode cantar, mas deixa as meninas dormirem, os pequenos dormirem, fecha as portas dos quartos pra não fazer barulho, deixa os pequenos dormir. E eu quero achar tudo normal aqui dentro de casa.” “Tá bom.” Saiu da pensão, meu filho, ficou lá em casa.
P/1 - (risos)
R - Igual um doido, ele bebia demais da conta. Um dia eu cheguei do grupo com os cadernos todos na mão, cansada feito não sei o quê, desci do ônibus, ainda tinha que andar um pedação. Quando cheguei na portaria, vi que ele estava segurando o edifício, com as duas mãos. Ele já estava morando comigo. Eu falei: “Bituca, o que você está fazendo aí?” “Dona Maricota, fala baixo, o edifício vai cair.” (sussurrando) Eu falei: “O edifício vai cair e você está deixando seus irmãos todos lá dentro?” “Mas eu não posso subir porque ele vai cair.” (sussurrando) “Olha pra cima pra você ver.” A gente olha pra cima e não parece que o edifício vai cair mesmo, né? Eu vi que ele estava ruim, né? Não adiantava discutir com ele, eu falei: “Ih, vai cair mesmo, Bituca, deixa eu te ajudar.” Pus os cadernos todos no chão, assim: “Bituca, eu estou achando que ele agora firmou.” Ele olhava assim: “Eu, não... Eu, não...” Eu falei, “Olha, Bituca, acho que agora ele firmou. Bituca, ele firmou, não vai cair mais, não. Não está balançando mais, não. Pega meus cadernos depressa, vamos subir depressa de elevador pra nossa casa.” Aí subimos. Chegou lá, e o Salomão já tinha chegado do Jornal. Colocou ele dentro da banheira e deu banho nele. Mas, olha... Deu tanto banho no Bituca, mas tanto banho... Que quando uma pessoa está daquele jeito, tem que dar é banho pra ver se melhora. E falava _____________ até hoje. Eu falava: “Bituca é um ordinário.” Eu passei aquelas roupas dele até enjoar. Não tinha obrigação de passar. Eu passava dos irmãos, passava o dele também, né?
P/1 - O décimo segundo, né?
R - É, às vezes, ele vinha com a roupa úmida. “Ô, Sheila, pelo amor de Deus.” Ela passava roupa muito bem. “Ô, Sheila, pelo amor de Deus, passa esse paletó pra mim que eu tenho show agora, ele está molhado.” Sheila falava: “Mas como é que eu vou passar uma roupa molhada, meu filho?” Aí ele dizia: “Você vai passando até secar.” Abusou... Bituca abusou, usou e abusou da minha casa, de mim, do meu marido, dos meus filhos todos... Ele usou e abusou. Muito mesmo. Depois eu mudei do Levy, fui pro Capri, porque eles pediram a casa. A bagunça de música... Eu não queria sair de lá porque era perto do mercado, pra mim era muito melhor, né? Aí arranjamos um apartamento no Capri. Bituca foi pra São Paulo. E nós mudamos pro Capri. E Bituca tinha medo do porteiro.
P/1 - Por quê?
R - Ele era tão preto quanto o Bituca, tão horroroso igual o Bituca.
P/1 - (risos)
R - E ele morria de medo do homem. “Parece um macaco, Dona Maricota, eu tenho medo dele me avançar.” Eu chegava do grupo, ele estava na esquina, ____________ ele parado ali com a maletinha dele, porque ele sabia a hora que eu chegava do grupo, né? Eu falava: “Você já chegou, Bituca? O que você fez em São Paulo?” “Ah, tá muito ruim lá, não sei o quê, não deu certo lá, não sei o quê...” Eu falei: “E por que você está aqui na esquina?” “Ah, eu não encontro aquele moreno de jeito nenhum. A senhora tem que me pôr lá dentro.” Aí eu abri com a minha chave a porta: “Anda, Bituca, logo com essa maleta, vamos entrar, vamos embora.” Aí, vai Maricota pro fogão fazer comida pra Bituca que estava branco de fome. Era assim, desse jeito. Me deu muito trabalho... Ele me deu muito trabalho, o Bituca.
P/1 - Vou voltar um pouquinho lá no começo do edifício Levy e conheceu o Bituca, né? Quem é que conheceu primeiro o Bituca?
R - Eu não sei se foi Marcinho ou se foi Marilton. Eu acho que foi Marilton. Mas quem ficou mais amigo dele foi Marcinho.
P/1 - E o Marilton já se interessava por música?
R - Marilton? Já tocava, já tinha um conjunto chamado Gemini 7. Eu levava as meninas no sábado no Círculo Militar. Marilton estava tocando, elas iam dançar e eu ficava sentada esperando.
P/1 - Ah, é?
R - Eu tinha muito jeito. _________ gostava de ir, né? Marilton era do tal de Gemini 7. Marilton já tocava. Marilton, quando ele fez um ano, ele ganhou uma gaita. Uma gaitinha assim, pequenininha. Ele tocava tudo naquela gaitinha. Tocava mesmo. Tinha um jeito fora de série pra música.
P/1 - Desde criança.
R - Desde pequenininho, de um ano. Era flautinha, era bandolim, a gente dava pequenininho, violãozinho... Ele tocava tudo. Tudo que desse a ele, ele tocava. Tocava as músicas todas. Toda vida teve muito jeito. Ele toca muito bem, mesmo. Mas ele não gosta de tocar aqui no Natal, não.
P/1 - Não?
R - Ele falava assim: “Isso é problema do Telo. Esse problema é do Telo, não é meu, não.”
P/1 - E aí teve uma hora que ele ganhou um cavaquinho? O Seu Salomão deu um cavaquinho pra ele?
R - Deu um cavaquinho pra ele e ele tocou tudo que ele sabia de música no cavaquinho. Ele, desde pequenininho, tinha o dom da música. Mas a minha mãe tocava bandolim e tocava flauta. Minha mãe... Um bandolim lindo. Eu lembro da minha mãe com aquela barriga, esperando meus irmãos, com o bandolim em cima da barriga. Eu falava: “Eu não aguento fazer essa mão que a senhora faz. Essa mão balançando, assim. Eu não aguento fazer isso.” Tocava flauta muito mesmo. Minha mãe tocava. Simão... Tinha esses dois parentes, que era meu tio, irmão do pai da minha mãe... Era o Simão.. Era da banda, meu avô era da banda de música, o pai da minha mãe. E tinha os filhos de Simão, os irmãos de João, todos eram músicos. Então a família [era] toda de músicos, sabe? E Salim tinha também o primo dele que era da Sinfônica. Mas era maravilhoso pra tocar. Até é irmão de leite de Salim. Quer dizer que vem da...
P/1 - Da família, tá no sangue.
R - Da família, é. Minha mãe tocava, minha tia tocava violão, elas faziam aquela farra com violão, com cavaquinho, bandolim, tudo. O povo todo gostava de tocar e fazer barulho.
P/1 - E, vamos fazer assim, quando eles eram adolescentes, a senhora achava que eles iam seguir a profissão de músicos ou a senhora achava que eles iam ter outra profissão?
R - Não. Eu achava que eles iam ter outra profissão. Marilton e Márcio começaram a trabalhar no Correio, Salomão trabalhava lá, o diretor do Correio, trabalhava na diretoria, e o diretor gostava demais dele. “Salomão, você deve ter algum menino na idade de entrar pro Correio pra ser mensageiro.” Ele botou Marilton e Márcio juntos. Trabalharam no Correio, mas eles eram malandros, não queriam nada, jogavam os telegramas fora, os meninos ordinários fazem... Mas eles trabalharam, trabalharam no Correio muito tempo. Agora, Marilton era mais trabalhador do que Márcio. Porque ele, antes do Correio, trabalhou na... Ô, gente, qual era o nome mesmo? Ele era boy numa firma grande. Agora eu me esqueci. E Marcinho gostava de estudar. Marcinho gostava de estudar. Marcinho largou a faculdade porque o professor faltava uma semana, às vezes, e mandava Marcinho dar aula pra ele. “Você dá isso, isso e isso, viu, Márcio? Você sabe.” Um dia ele ficou com raiva e falou: “Ô, mãe, a senhora quer saber de uma coisa? Eu não volto mais lá na faculdade, não.” Ele estudava na FAFICH [Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas]. “Por quê, meu filho?” “O professor ganha o dinheiro e eu dou a aula, que desaforo é esse? Não vou, não. E nem vou avisar ele. Vou deixar todo mundo sem aula.”
P/1 - (risos)
R - Marcinho foi assim.
P/1 - Agora, esse grupo de adolescentes, dezenove, vinte anos que se reunia ali no Levy... Como a senhora descreveria eles, assim, fisicamente? Tinha cabelo comprido, não tinha cabelo comprido, calça jeans...
R - Tudo parecia maconheiro! Ainda eu falava assim: “Vocês estão todos parecendo maconheiros.” Com aqueles cabelos emaranhado, tudo parecendo bicho. Cabelão esquisito. Não pode falar que ele é feio de jeito nenhum. “Maricota, eu não sou feio.” “Mas você lindo, você é belo, nunca vi tão lindo.” Eu falava pra ele. (risos) Mas era tudo assim, cabelão... Agora, Marcinho nunca gostou de cabelão, nem de roupa hippie, roupa rasgada, roupa feia... Não, ele sempre gostou de roupa arrumadinha. Tinha um ciúme danado das roupas, né? Ele sempre gostou de andar bem arrumado. Sempre gostou. Nunca deixou a roupa dele jogada, não deixava. Agora, Marilton era lambão, deixava tudo jogado. _____________ nem se fala, nem se fala...
P/1 - E, nessa época, como era organizado? Era o quarto dos meninos?
R - É, tinha o meu quarto, tinha o quarto das meninas, e tinha o quarto dos homens. E tinha o quartinho de empregada, que tinha uma cama de casal lá que era de Marilton, porque ele trabalhava de noite, então ele levava a chave da porta da cozinha, da área da cozinha, pra não incomodar ninguém. E ele dormia nessa cama de casal. E um dia aconteceu um fato muito engraçado. Não sei quem era, das meninas, que foi chamar Marilton pra ir trabalhar. “Vou chamar Marilton” (risos) Chegou: “Mãe, Marilton teve um filho.” Eu falei: “Nossa Senhora, que coisa horrível! Nossa Senhora, que coisa horrível!” Eu corri, fui lá ver o que era. Ela: “Não, sou médica.” E estava deitada junto com ele. “Não, sou médica.” Era prima da namorada dele.
P/1 - Olha!
R - E estava deitada lá em casa no cantinho de Marilton. Mas veja. “Marilton teve um filho.”
P/1 - (risos)
R - Ela: “Não, eu sou médica.” Em casa era lugar de todo mundo. A Martinha, como Marcinho gostava das coisas muito arrumadas, ela olhava o guarda-roupa dele assim. “Ah, eu vou vestir aquela camisa.” Eu falei: “Se Marcinho deixar. Porque depois ele vai xingar e eu não vou querer.” Ela falava: “Ah, Marcinho gosta de mim, ele deixa.” Ele ia lá, tirava a camisa, surrava a camisa, surrava, depois via que estava surrada pra entregar. “Marcinho, não vou deixar Martinha tirar mais nenhuma camisa aqui, hein? Você deixa ela tirar, ela não lava nem coisa nenhuma e entrega surrada pra eu limpar, lavar e passar.” Ele falava: “Deixa ela, mãe, ela gosta das camisas, deixa ela vestir. Ela gosta, deixa.” Ela também não saia lá de casa, Martinha.
P/1 - É? E que outras meninas faziam parte desse grupo?
R - As meninas? Elas não participavam muito do grupo. Participavam, assim, com Bituca no quarto tocando violão e elas cantando, entendeu? Assim elas participavam Quando ele tocava violão, elas cantavam. E a Sueli, Bituca perseguia a Sueli. Sueli tem ódio do Bituca. E ele falava assim: “Sueli...” Ele estava no piano e falava: “Sueli, vem cá, vou te ensinar a tocar a índia.” E aí começava a ensinar ela a cantar a índia. E aí ele ia mudando de tom... Ia subindo o tom. No fim ela esgoelava e não saía mais nada! Ela tem um ódio dele. Até chegando aqui em casa, ela tem apelido de Dodorte. Ele falava: “Vamos cantar a índia?” “Vai sobrar pouco, porque você não vai me fazer de boba mais, não. Eu não vou ser boba mais, não.” Ele adorava fazer Sueli de boba. Até hoje, se ele chegar aqui em casa, ele vai convidar ela pra cantar a índia. E ele vai mudando de tom, vai mudando de tom... E ela quase arrebenta o papo de tanto cantar. Quê mais?
P/1 - Bom, quando eles começaram a trabalhar como músicos mesmo, enfim, seguir carreira, a senhora acompanhava os festivais, as execuções?
R - Ah, acompanhava pros bailes. Teve um festival na Secretaria de Saúde, ali, aquela perto do Minascentro, que chama hoje, né? Teve um festival lá, muita gente dormindo. Eu fiz tanta faixa pra esses meninos... E fui pro festival, eles participando. Marilton ganhou de melhor intérprete. E foi aquela... Cada um ganhou uma garrafa de whisky. Aí, não sei quem inventou, não sei quem foi, eu já morava aqui.
P/1 - Já tinha voltado pra cá.
R - É. “Ah, vamos lá pra casa do Marilton? Vamos lá pra casa do Marilton?” E veio aquele povo todo com a garrafinha de whisky pra cá. Era um sábado e eu lembro que Salim tinha comprado muito peixe no mercado, no sábado, que era pra fazer no domingo. E eu estava me queixando aqui em casa. “Aqui em casa é restaurante, tem que fazer tudo em muito. Não sabe quantos que chegam pra comer.” Aí ficou sem pão, um tira gosto, não tem mais, estava só bebendo, né. Eu pensei, pensei: “Vou fazer o peixe, né?” Faço um pirão bem grande porque aí eles comem. Faço arroz, cozinho um arroz, um peixe ensopado, pirão.” E eles beberam até cair. Aquela menina, Beth Carvalho... Meu quarto esse tempo era aqui. Essa sala era dividida em dois, ali era o meu quarto, a cama era ali assim. A Beth Carvalho escorregou perto daquela janela ali e não saía de lá nem a pau. Já estava na hora dos meninos chegarem, de ir pra escola e ela não levantava de jeito nenhum. Mas ficou muita gente, os Golden Boys, os Valle... Tudo garoto na copa, na cozinha, comendo e bebendo. Teve uma hora que eu falei: “Agora vai todo mundo embora que meus alunos vão chegar. O que eles vão falar?” Aí eles foram saindo, foram embora, mas a Beth Carvalho ficou ali. Ficou ali, ficou ali até às tantas... Não tomei conhecimento dela mais, não. Aí ficou deitada, dormindo. Bebeu demais da conta, ficou ali _______. Essa casa era cheia de gente. Naná Vasconcelos chegava aqui em casa, amassava minhas panelas todas de alumínio. Aí eu xingava ele, falava assim: “Olha que som lindo, ó.” Batia numa. “Ó, que som maravilhoso.” Aí eu ficava com dó de xingar. Amassava tudo, ele chegava aqui amassava as panelas todas. Ele vinha muito aqui e amassava as panelas. Naná Vasconcelos... Era muita gente que saia daqui.
P/1 - Elis também vinha bastante?
R - Hein?
P/1 - Elis Regina?
R - A Elis, não. Elis eu conheci lá na EMI-Odeon. Nós estávamos gravando o disco dos Borges. Mas ela ficou tão doida comigo que ela me carregava. Eu falava: “Menina, você do meu tamanho... Você não é maior que eu.” Ela me carregava. “Ah, Dona Maricota, eu vou ser uma velha igual você, entrar pro estúdio com meus filhos também, cantar também, tudo.” Tadinha, né? Eu fui na casa dela, ela me pediu pra ir a São Paulo pra eu fazer uma visita pra mãe dela que tinha sido operada, e ela estava muito... Quando ela fez o show, o último show dela aqui, ela me pediu pra eu ir à casa dela. Que ela daqui ia fazer show no Rio. E ela estava preocupada com a mãe dela, que depois ela me telefonaria.
P/1 - Mas ela que ligava pra senhora?
R - Ligava pra mim. Ela era muito amiga de Marcinho. Ela olhava os meninos de Marcinho, Marcinho olhava os meninos dela... Ela era muito amiga de Marcinho e ficou muito amiga minha. Telefonava pra mim. O show dela aqui, eu ia mesmo, mesmo que eu não tinha _________, eu ia porque eu gostava dela, da música dela. Depois porque eu fiquei conhecendo ela lá. Ela cantou “Vento de Maio”, que é do Marcelo, né? Depois fez o show aqui _______. Eu gostava demais dela e eu estava viajando quando ela morreu. Eu estava no Rio Grande do Sul fazendo uma excursão. Eu tinha tanta pena, chorei tanto, meu Deus do céu. Nunca chorei tanto. A Solange __________ falar, e eu disse. Ela era fã incondicional, ela tinha todos os discos dela, todos os discos. Mas eu chorava. E eu não estava em casa, eles que me contaram. Ela sapateava em cima dos discos chorando, gritando... Ela era muito amiga dos meninos, do Lô, do Marcinho, Marilton... Deus não quis, né? O que se pode fazer? Em casa ela não chegou. Ela chegou a vir aqui em casa, mas nós não estávamos, tínhamos ido fazer piquenique no parque. Ela deixou um bilhete: “Maricota passeadeira, eu vim aqui, você não está aí. Elis.” Fiquei com tanta pena dela ter vindo aqui. Foi quando ela estava fazendo show aqui. Já estava aqui mesmo, em Belo Horizonte.
P/1 - Ela deu um pulinho aqui. Deixa eu perguntar uma coisa pra senhora: e quando o Bituca ganhou o festival, o primeiro festival que ele ganhou em 1970?
R - Eu estava lá.
P/1 - A senhora foi assistir?
R - Eu estava lá. Marilton cantou com Maria Alcina naquele festival. E eu fui. Eu tenho uma irmã que mora no Rio, eu e minha irmã. Mora no Rio. Nós fomos ao festival. Foi uma beleza, né? Agora, eu não contei, o quanto o Bituca... Ele vai ouvir isso? Quando ele falar, ele vai me xingar, eu xingo ele também. Enquanto o Bituca foi pobre, precisando de... Bituca, você sabe que ele casou, né? Ele casou. E me chamou pra ser madrinha do casamento dele. Eu e Salomão. Chegamos lá, quase na hora do casamento e encontramos com o Bituca onde ele marcou. Estava com uma roupa horrível, surrada. Eu falei: “Bituca, você não vai aprontar para o casamento, não? Está quase na hora.” Ele falou: “Eu já estou pronto.” Salim falou pra ele: “Deixa de ser moleque.” Salim xingava. Fomos naquela loja do Cal... Em Copacabana tinha loja do Cal. Entramos, compramos tudo, vestimos ele todo, sapatão, meia, terno, gravata, tudo, Salim comprou tudo na prestação lá do Cal. A gente fez tudo por ele. Enquanto ele era pobre, precisava da gente desse jeito, chegava com fome, a gente dava comida, morava na nossa casa, lavava roupa dele, passava a roupa dele, as minhas meninas eram o mesmo que empregada dele, pra lavar e passar roupa, né? Ele vinha toda hora aqui em casa, vinha toda hora, todo dia ele vinha. Depois que ele arranjou, mudou pro Rio, aí ganhou os festivais e foi ganhando fama... Ele teve um empresário, tal de Marcinho, acho que era Marcinho que ele chamava. Márcio, Marcinho, não sei. Tirou todas as amizades do Bituca, todas. Teve a capacidade de cortar tudo. Bituca não ligava mais pra ninguém. Bituca não liga pra Marcinho, não liga pro Lô, não liga Marinho, não liga pra mim. Eu tive no CTI, os meninos avisaram ele. Ele não mandou nem um telegrama pra mim. Ele não me visita mais. Ele me visitou... A última vez que ele veio aqui foi quando eu fiz sessenta anos de casada. Dei até uma festa e ele veio pra festa. Foi quando eu fiz sessenta anos? Foi... Quando eu fiz sessenta anos de casada, eu dei uma festa, ele veio aqui em casa. Tinha um buquezinho pra distinguir a família, que era muito grande. Ele disse: “Me dá o meu que eu vou sair daqui com o meu.” Eu falei: “Mas lá na igreja vai dar, Bituca.” “O meu eu quero sair daqui, vou entrar no hotel com o meu.” Aí tive que dar a ele e tudo. Foi a última vez que Bituca veio aqui em casa. E veio uma vez, sou muito grata a ele, quando a minha mãe fez cem anos. Ele não veio aqui em casa. Ele foi cantar com os Meninos de Petrópolis, ele mesmo que trouxe os meninos com ônibus, com tudo... Eu nem sabia que os meninos viriam. E cantou o “Panis Angelicus” na missa de minha mãe.
P/1 - É mesmo?
R - É. Lindo, lindo, lindo, lindo... Eu pedi a ele, eu também pedi... Eu falei: “Você canta pra sua avó que está fazendo cem anos.” Aí ele veio, cantou, trouxe os meninos e tudo. Então eu devo esse favor a ele. Esse favor eu devo a ele. Mas depois, acabou. Agora, falar que ele é o meu décimo segundo... Ee fica furioso quando eu falo que eu não tenho doze filhos. Ele quer brigar. Os meus filhos não fazem isso comigo, não.
P/1 - Vamos ver se agora, com o Museu da Clube da Esquina, a senhora dá uma bronca pessoal nele.
R - Pois é. Porque os meus filhos não fazem isso comigo, não. Eles viajam, telefonam, escrevem.
P/1 - É, precisa dar uma bronca nele.
R - É. Ele não escreve, não sabe se eu estou viva, se eu estou morta. Não liga pra Marilton, não liga pra Marcinho. Estou também com uma antipatia danada dele por causa disso. De vez em quando ele liga pra Lô, de vez em quando...
P/1 - Mas, diz que tinha um dia aqui que sentou, estava o Bituca e o Lô, as duas cadeiras aqui fora fazendo uma composição... Chegou Marcinho... Vê se eu não estou enganada... E aí acabou a luz, é isso?
R - Ah, não, isso foi lá na esquina.
P/1 - Ãh.
R - Você não sabe a história dessa esquina, não?
P/1 - Ah, eu quero que a senhora me conte.
R - Ta na hora da esquina?
P/1 - Pode falar.
R - Então vamos pra esquina. A esquina é o seguinte: eu voltei aqui pra minha casa e Bituca voltou também, né? E eles iam lá pra essa esquina aqui debaixo, tem até uma placa que a prefeitura pôs e tudo, né? Eles iam pra esquina lá debaixo e com giz eles riscavam assim: mesa 2, mesa 3, mesa 5... Sabe como é que é? E punham uns riscos assim, que eram as cadeiras. E não deixavam as meninas irem lá de jeito nenhum. Não deixavam. Ficava aquele monte de gente... Era Bituca, Marilton... Marilton, não. Marilton trabalhava de noite, não tinha tempo pra isso, não. É... Bituca, Marcinho, Lô, Lé, João Luís, o marido dessa minha filha que foi operada morava aqui, também não saia lá da esquina. E ficava surrando as calças naquele cascalho daquela esquina e tocando violão... E tocando violão... Então, as meninas, eles não deixavam ir. Porque eles falavam muita bobagem, não queriam deixar as meninas e as irmãs irem pra lá, né? E ficavam lá até tarde. Os vizinhos tinham ódio deles, ódio. Chamavam a polícia, tinha dia que chegava todo mundo correndo aqui: “O que foi que aconteceu?” Eu tinha que esconder eles todos e fechar a porta, pegar a vassoura e começar a varrer lá na frente, como se nada tivesse acontecendo. A polícia parava: “É aqui que tem uma rapaziada que toca ali na esquina?” Eu falei: “Eu, não, eu tenho uma rapaziada, mas tá todo mundo no colégio essa hora.” Tinha que mentir, né? Tinha todo tipo de gente, gente que nem conhecia, nem conhecia... Porque juntava todo mundo ali e eu nem conhecia. Aí: “Não... Aqui, não. Eu tenho muitos filhos, mas eles estão todos na aula agora. Só estão os pequenininhos em casa.” Mas isso foi muito tempo, muitas vezes. Chegava o camburão às vezes, sem eles pressentirem, queria prender, e nós íamos pra lá pra brigar, pra não deixar. Eles não estavam fazendo nada demais. Eles telefonavam, chamavam a polícia... Então, no dia da inauguração da placa, Marcinho falou, Bituca falou, Lô falou, Beto falou, todo mundo falou, né? Quando todo mundo acabou de falar, eu disse: “Então agora eu vou falar.” Estava cheio de gente, né?
P/1 - A vizinhança toda.
R - O prefeito, eu disse assim: “Agora quem vai falar sou eu. Vocês estão muito alegres todos com essa placa do Clube da Esquina? Eu também estou muito alegre com a placa do Clube da Esquina. Mas só eu sei o que eu passei com esse Clube da Esquina. Porque essa vizinhança toda que está aqui não gostava do Clube da Esquina, não. Chamava a polícia e jogava pedra nos meninos, jogava água... A vizinhança aqui não gostava do Clube da Esquina. Eles estão aqui agora porque é uma festa de prefeito, de vereador, então está todo mundo aqui, mas ninguém gostava. É isso que eu tenho a dizer. E eu estou muito feliz.” Ah ________ virou e falou assim: “Ah, eu nunca fiz gata pros meninos de Clube da Esquina, não.” _______ Aí o Sérgio de Castro veio de lá, me deu um abraço. “O melhor discurso que teve aqui foi o da senhora.” Que isso, vê se ________. Eu sofri com esses meninos aí, sofria mesmo, porque tinha que esconder, tinha que tirar... Às vezes alguém sabia que estava fazendo ronda a polícia, avisava e eu ia lá. Vinha tudo pra dentro de casa correndo. E ia todo mundo pra dentro, porque sabia que o negócio era feio. Punha no camburão mesmo e levava, né? Eles nunca, graças a Deus, foram no camburão.
P/1 - Ô, Dona Maricota, como é que surgiu esse nome “Clube da Esquina”?
R - Exatamente, foi eu que inventei esse nome. Ninguém fala desse Clube da Esquina sem me pedir licença. Porque eles iam pra lá e eu precisava dos meninos aqui em casa. Porque casa que tem onze filhos não tem empregada. Empregada não fica dentro de casa com essa meninada, né? Menino suja tudo, faz bagunça, né? Então eu vivia penando. Então eu queria um dos meninos, ou o Marilton, ou Marcinho, ou Lô, pra me ajudar com menino pequeno chorando. E eu fazendo as coisas. E nunca que eles estavam dentro de casa. Eu então falava assim, falava pra uma das meninas: “Vai lá naquele inferno daquele Clube da Esquina, porque aquilo é um clube do inferno, o Clube da Esquina.” Vai lá e chama o Lé e o Lô depressa, que estou chamando.” Aí eles vinham, que era pra olhar os pequenos. Eu não dava conta aqui em casa. Agora, não, que está bonito, tudo pavimentado, cheio de _________ cheio de ____. Mas aquilo era terra pura. Eu pus aqueles varais, assim, de arame, e não usava esse negócio de comprar fralda não. Era fazer fralda de murinho, né? Aquele fraldeiro pra eu lavar. E pendurava as fraldas no arame farpado, né? Punha lá e punha aquele pau pra suspender. Os cachorros chegavam lá, faziam assim com o pau e caia tudo na terra, tinha que lavar tudo de novo. Aí ia todo mundo de castigo. Ia todo mundo de castigo. Eu gostava muito do castigo. Um brigava com o outro, eu botava um sentado na frente do outro, olhando pra cara do outro. (risos) Eu gostava muito do castigo, gostava. Então o Clube da Esquina surgiu, fui eu que falei. Aquilo é clube que eles fizeram, eu fui lá e vi. O Lô, não sei quem, fez as mesas, numerou... Aí, pra esses gaiatos que passavam, eles vendiam as mesas. Sabe por quê? Pra ganhar um trocado, né? Vendiam as mesas e tocavam ali. “O maldito Clube da Esquina... Vai lá e chama eles pra mim.” Várias vezes eu apelidei o Clube da Esquina de “Maldito Clube da Esquina”. E eu que pus o nome de Clube da Esquina, porque eu vi que eles estavam querendo fazer um clube ali, com as mesas, com os bancos, né? Eu é que pus o nome de Clube da Esquina. Agora, a letra, o negócio de Marcinho, Bituca e Lô... Eles estavam lá na esquina, o Lô tinha tocado, feito a melodia, sei lá. Eu sei que era ele e Bituca, tinham feito a melodia, não sei o quê, e Marcinho achou bonita a melodia. Marcinho falou: “Eu vou fazer a letra desta música. Eu vou lá em casa e vou pegar um papel e um lápis, e vou fazer a letra pra essa música.” E veio correndo aqui em casa. Quando chegou aqui em casa, a luz acabou. Aí, eles pintavam muito comigo, eu era muito boba... “Mãe, me arranja uma vela, pelo amor de Deus.” Eu falei: “Quem é que está morrendo?” Diz ele: “É uma música que eu quero fazer, e se eu não fizer ela morre. Me arranja uma vela aí.” Aí, todo mundo de trás de uma vela, tava todo mundo no escuro dentro de casa. A meninada toda no escuro. “Vamos sentar aqui fora, a lua e as estrelas clareiam a gente aqui.” Aí eu tive, no escuro, que rebuscar meus guardados todos, revirar meus trem todo pra achar um toco de vela pra Marcinho. Aí eu fui com ele lá pra fora: “Agora a senhora segura a vela.” Eu sou idiota mesmo, fiquei segurando a vela. E ele escrevendo a letra, escreveu a letra todinha. Ele escreveu a letra todinha comigo segurando a vela. Ele fala que eu sou a iluminadora dele. (risos) Fiquei segurando a vela, que a vela era pequenininha, se pusesse em cima da mesa não clareava, tinha que ficar no alto. Então fiquei segurando pra ele assim, aí ele escreveu e foi pra lá. Eu falei: “Leva a vela pra vocês poderem cantar a música.” Na hora que ele chegou lá, a luz chegou. Foi engraçado mesmo esse negócio do Clube da Esquina, mais uma do Clube da Esquina... Se não fosse eu, não saía a letra. Se eu não achasse um toco de vela, não saía a letra, né? Saiu a letra por isso.
P/1 - Dona Maricota, e aí teve o disco dos Borges, né?
R - Teve o disco dos Borges, nós todos fomos pra lá. Todos, não...
P/1 - Para o Rio de Janeiro?
R - Não, mamãe ficou aqui com os pequenos. E eu fui, Marilton, Márcio, Sandra... Quem mais? Sandra estava dando aula, eu já tinha a escola. As meninas não forma não. E eu fui pra lá com os meninos, eu e Salim. Fomos nós dois juntos pra entrar no estúdio da EMI pra fazer o disco dos Borges, né? E fizemos o disco. Todo mundo cantou, eu cantei, Salim cantou, ________ cantou, ________ cantou, todo mundo cantou. Todo mundo. Como chama aquele Arantes?
P/1 - Guilherme Arantes?
R - Guilherme Arantes cantou, todo mundo cantou no disco dos Borges. Ficou muito bonito o disco, depois não foi adiante. Agora eles estão com a ideia de fazer o segundo disco dos Borges. Que bom, que nesse segundo eu nem canto.Não tem voz mais pra cantar.
P/1 - (risos) Ô, Dona Maricota, tem algum causo assim engraçado que a senhora acha que a gente tem que registrar, que eu não tenha perguntado? Tem alguma história?
R - Que eu lembro é esse do Espírito Santo, que eu quase morri de rir dos meninos... Que botou a menina no Espírito... Nunca vi ônibus com nome Espírito, esse eu me lembro. Era muita que trançava aqui... Eram minhas panelas, é a Beth Carvalho deitada ali naquele chão, não tinha ninguém que arredasse ela dali, todo mundo foi embora e ela ficou ali...
P/1 - Agora... Até hoje, todo mundo se reúne no Natal, né?
R - Hein?
P/1 - Todo mundo reúne no Natal, como é que é?
R - Natal, aqui, não falta nenhum. Todos os filhos, todos os netos, todas as noras e todos os genros. No Natal é todo mundo aqui. Aí a gente canta, reza, faz a procissão, faz tudo de acordo com o livrinho que eles vendem, né? Um canta, Marcelo toca o piano com a música, depois faz aquela farra, troca presente, não sei o quê, e depois vai pra copa... Aí fica até de manhã. Vai pra copa, pro quintal, quando não está chovendo. Esse ano choveu demais.
P/1 - Aí canta bastante?
R - É, aí faz as coisas. Eu não fiz nada, porque é proibido pegar numa colher. Então agora eu estou me dando ao luxo de ter duas empregadas. Me dando o luxo porque eu não posso fazer nada. Quem me dá banho é Solange, quem me põe na cama é Solange... Porque com esse negócio do CTI, me arrasou esse lado aqui, e eu não posso firmar essa mão aqui. Então como é que eu subo na cama? Como é que eu deito? Tem que firmar uma mão, né? Então eu não consigo, e o médico falou que meus ossos estão péssimos. Fiz uma radiografia sexta-feira, fui buscar ontem. Está péssima a radiografia. Está péssima mesmo. Aqui, essa...
P/1 - A clavícula.
R - Não é a clavícula, isso aqui no ombro está só comido. Perdeu acho que mais da metade da musculatura e nas costas está um buraco. Então agora eu vou começar a fazer fisioterapia. E não sei se eu vou agora, porque Sheila vem aqui pra casa. Ela vem essa semana e eu não posso ficar por conta da fisioterapia. Se bem que eles sabem, eu não posso pegar nem uma colher.
P/1 - É, mas quando a família reúne, todo mundo canta como antigamente? Fica cantando até altas horas?
R - Canta, senta no terreiro, canta... O genro, marido da Sônia, toca o cavaquinho, todo mundo canta. Aqui em casa é a casa da música.
P/1 - E os vizinhos não reclamam mais?
R - Não, não... Agora, não. Agora é Clube da Esquina. Agora vem gente aqui, pára carro, as pessoas de fila, ficam dando entrevista não sei pra quem com o Bituca aqui no jardim. Aqui ta sempre assim de gente. Ele sentado ali na beirada do jardim, Lô sentado na beirada do jardim perto dele, O Lô sentado no chão e um menino da Globo. Muito tempo já. A rua fica cheia. O Clube da Esquina tá lá na esquina. O dono do boteco da esquina ali — porque tem um boteco na frente —, ele morreu, mas ele foi meu aluno aqui na escola. E ele gostava demais de mim, ele cuidava da placa, limpava ela, não deixava ninguém mexer, e tinha um cuidado. Agora é a família dele que está lá. Não sei se eles têm o mesmo cuidado. Não chego mais nem no portão, né? Porque eu não ando sozinha mais.
P/1 - Ah, depois eu vou lá ver.
R - Ele cuidava de tudo, limpava, passava Kaol, limpava... Ele gostava muito de mim. Ele morreu do coração. Você está querendo dar uma paradinha, não está?
P/1 - Você tem alguma pergunta?
P/2 - Ela não explicou, na época da escola, por que a escola fechou.
R - O quê?
P/2 - A escola, por que fechou?
P/1 - A escola que a senhora tinha aqui.
R - A minha escola? Por que fechou?
P/1 - É.
R - Porque eu adoeci. Eu tive septicemia. Aí eu não podia de jeito nenhum. Fui pro hospital e tudo. E eu não podia fazer nada. Fiquei doente seis meses. Na época não tinha esses antibióticos fortes, bons, né? Então eu tomei aquele antibiótico, era de três em três horas, que tinha que tomar, né? E eu fiquei muito ruim. Meu marido: “De jeito nenhum, você não vai mexer com escola de jeito nenhum. Você não come, você fica a noite inteira pelejando, não vai mexer com escola.” Eu falei: “Então espera até o fim do ano. No fim do ano eu fecho, né?” Avisei as mães. Porque tem um aluno, que a mãe dele é vizinha de fundo aqui comigo, da rua de lá. Luizinho, hoje ele é engenheiro. Esse menino foi um problema pra poder sair da escola. Ele tinha passado pro quarto ano. Desde o jardim que ele estudava comigo. Os irmãos dele se formaram comigo. Mariovaldo e o Edimar. E ele... Eram três filhos, o Mariovaldo era engenheiro, o Edivaldo e o Luisinho... Mas ele disse que não ia pra outra escola de jeito nenhum, que desde o jardim, pequenininho ele era meu aluno. Ele me adorava. Aí a mãe dele arranjou e pôs ele no Grupo __________. E sabe o que aconteceu? Ele chorava tanto que a mãe dele tinha que ficar sentada naquele banco daquele jardim lá, o tempo todo da aula. E ele sentado perto da janela. Toda hora ele levanta e via a mãe dele. “Dona Maria, a senhora me deu um trabalho...” “Eu não, eu estou doente.”
P/2 - Aí vocês voltaram pra morar na casa?
R - Oi?
P/2 - Aí vocês voltaram pra morar na casa?
R - Aí, é... Não, eu morei na casa com a escola, depois fiz lá no fundo, eu fiz salas lá no fundo. Ocupava a casa e as salas eram da escola.
P/1 - Dona Maricota, a gente está acabando a entrevista. Vou fazer uma ou outra pergunta pra senhora pra gente acabar, né?
R - Pois não. Minha filha.
P/1 - Olhando pra trás, a gente já está conversando há quase duas horas, a senhora imaginava que aqueles meninos que iam lá no quarto, ficavam compondo, tocando violão... Que eles iriam tão longe como eles foram, que eles são referência mundial?
R - Não. Fiquei tão feliz, fico tão feliz. Adoro as músicas dos meus filhos. O Lô tem uma música do girassol, todo show que ele faz ele sabe que ele tem que tocar. Eu e minha irmã que adoramos as músicas dos meus filhos. O Marcelo agora... Que maravilha, ganhou o grêmio, né? Tem uma felicidade como se fosse ontem.
P/1 - É?
R - É, eu gosto, gosto muito. Porque puxou a minha família, eu cresci vendo a minha mãe tocando, meu pai tocava violão. Eu cresci vendo a minha mãe tocando bandolim, flauta... E, depois, os meus filhos estão seguindo os passos da minha família.
P/1 - Com certeza.
R - Na minha família mesmo, os meus irmãos, não tem nenhum músico, músico mesmo.
P/1 - Se a senhora fosse mandar um recado pra eles, um conselho hoje, pros meninos e pras meninas, o que a senhora falaria?
R - Eu falaria o seguinte:
(pausa)
P/1 - A senhora precisa tomar um remédio agora, o pessoal está me avisando.
P/2 - Já passou da hora.
R - Tá vendo porque eu não gosto de remédio... O que eu falei com vocês? O que eu falei com vocês? O que eu falei com vocês?
P/1 - Tocou um celular aqui.
R - O meu filho você está um artista assim! Por que você está tão bonito assim?
(pausa)
P/1 - Então, assim, pra a gente encerrar a entrevista... Que mensagem, que conselho que a senhora manda pros meninos, pras meninas e pra todos esses outros amigos deles que formam o Clube da Esquina?
R - Eu acho... Mando, primeiro, um recado pras mães. Um filho não é propriedade sua. Um filho é de Deus, então ele tem autonomia. Ele não pode ser criado que nem o marido. É médico, ele tem que ser médico de qualquer maneira, definitivamente. Toda a vida os meus filhos tiveram autonomia, fizeram o que quiseram dentro da ordem e do bem viver, do tratamento certo, mas todos fizeram o que quiseram. Nenhum foi obrigado a nada. Primeiro, eu dou esse conselho pras mães. Não obrigue os seus filhos a serem médicos, serem doutores, serem isso, serem aquilo, porque eles vão com má vontade, eles não querem. Agora, para os rapazinhos que estão começando agora, vocês comecem agora, mas não comecem em esquina, não. Não comecem em esquina.
P/1 - Pera aí.
R - Ah, tô pegando aqui no lugar errado.
P/1 - Eu seguro.
R - Tô pegando aqui o lugar errado.
P/1 - Eu seguro.
R - Não comecem numa esquina, que vão dar muito dissabor aos pais e vão passar muito aperto. Começa na garagem da sua casa, num quartinho desocupado. Toquem, porque tocar é divino. A música é divina. Aqueles que gostam de tocar, toquem mesmo, toquem, que eu acho lindo e maravilhoso. Qualquer música... Eu não gosto desses rap, não sei o quê, mas música... Com música... Música é divina, eu sou doida por música. Então tenham cuidado pra não ficar nas esquinas. Fiquem dentro, no quartinho dentro de casa, numa garagem dentro de casa, onde vocês tenham proteção, onde vocês tenham proteção contra os vizinhos. Porque não pense que todo vizinho é bonzinho, não. É bonzinho quando você está bem com ele. A hora que o seu filho começar a fazer bagunça na rua, você acha ruim. Então, um conselho que eu dou pra vocês. E outro conselho que eu dou para o Bituca. O conselho que eu dou para o Bituca é o seguinte: nunca despreze aquelas pessoas que te deram tudo, te deram amor, te deram paternidade, te deram paternidade, te deram tudo, comida, roupa, banho, tudo. Nunca despreze essas pessoas, porque elas vão ficar sentidas, como eu estou. Tenho dito.
P/1 - Obrigada. Maravilhoso.
R - Gostou?
P/1 - Adorei.
R - Falei o que precisava falar. Eu falei, eu vou falar do Bituca. Ô, gente eu falei muita besteira, fala a verdade?
P/1 - Não, eu estou emocionada.
R - Ô, Pablo, eu falei com você. Eu tenho o hábito de falar tudo, porque na escola todo ano tinha festa. E eu falava.
P/2 - Depois, no outro, dia nós vamos fazer o segundo tempo.
R - Você achou bom?
P/2 - Muito bom.
R - Gostou mesmo? Não é mentira, não? Não está querendo me agradar, não?
P/2 - Precisamos pagar um cachê pra senhora.
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