Projeto Memórias - Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de Renato Gomes Moretzsohn
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Claudia Resende
Rio de Janeiro, 24 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista VRD: 031
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Fernando Martins
P/1 - A primeira pergunta é o nome completo, data de nascimento e o local de nascimento.
R - ________ só isso? Não posso falar mais __________?
P/1 e 2 - Pode.
R - Você não vai querer saber da família e da ascendência?
P/1 - Vai.
R - Bom, o meu nome todo é Renato Gomes Moretzsohn, eu nasci em 28 de junho de 31. O local de nascimento é uma cidadezinha chamada Calambau lá em Minas Gerais, na Zona da Mata de Minas Gerais, deve ter uns mil habitantes, por aí. Eu nasci numa fazenda, meu pai era fazendeiro, e eu nasci nesta fazenda, meu pai atuava nela. É... pode ir falando, né?
P/2 - Por favor. Pode ir falando.
R - Eu vivi na fazenda até os sete anos. Quando eu tinha sete anos meu pai mudou para Viçosa que é uma cidade próxima à fazenda também e onde tem uma universidade rural famosa, considerada a melhor da América do Sul. Naquela época não era ainda a melhor da América do Sul mas já era excelente. Só tinha agronomia, o curso de agronomia, hoje é uma universidade completa lá. Então mudou para Viçosa para que eu e meus irmãos pudéssemos estudar, porque na fazenda não tinha como. Acabei sendo criado em Viçosa, vivi lá até... até completar o segundo ano científico, né, naquela época, eu não sei a que ano corresponde hoje no currículo escolar. Mas como eu tinha decidido fazer engenharia civil, então eu tive que ir para Belo Horizonte, porque em Viçosa não tinha. Hoje tem, mas naquela época não tinha esse curso, só existia o curso de agronomia. Então eu fui para Belo Horizonte em 49 mais ou menos. Foi uma guerra para entrar na universidade... na faculdade lá em Belo Horizonte porque naquele tempo o vestibular era muito pior do...
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Depoimento de Renato Gomes Moretzsohn
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Claudia Resende
Rio de Janeiro, 24 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista VRD: 031
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Fernando Martins
P/1 - A primeira pergunta é o nome completo, data de nascimento e o local de nascimento.
R - ________ só isso? Não posso falar mais __________?
P/1 e 2 - Pode.
R - Você não vai querer saber da família e da ascendência?
P/1 - Vai.
R - Bom, o meu nome todo é Renato Gomes Moretzsohn, eu nasci em 28 de junho de 31. O local de nascimento é uma cidadezinha chamada Calambau lá em Minas Gerais, na Zona da Mata de Minas Gerais, deve ter uns mil habitantes, por aí. Eu nasci numa fazenda, meu pai era fazendeiro, e eu nasci nesta fazenda, meu pai atuava nela. É... pode ir falando, né?
P/2 - Por favor. Pode ir falando.
R - Eu vivi na fazenda até os sete anos. Quando eu tinha sete anos meu pai mudou para Viçosa que é uma cidade próxima à fazenda também e onde tem uma universidade rural famosa, considerada a melhor da América do Sul. Naquela época não era ainda a melhor da América do Sul mas já era excelente. Só tinha agronomia, o curso de agronomia, hoje é uma universidade completa lá. Então mudou para Viçosa para que eu e meus irmãos pudéssemos estudar, porque na fazenda não tinha como. Acabei sendo criado em Viçosa, vivi lá até... até completar o segundo ano científico, né, naquela época, eu não sei a que ano corresponde hoje no currículo escolar. Mas como eu tinha decidido fazer engenharia civil, então eu tive que ir para Belo Horizonte, porque em Viçosa não tinha. Hoje tem, mas naquela época não tinha esse curso, só existia o curso de agronomia. Então eu fui para Belo Horizonte em 49 mais ou menos. Foi uma guerra para entrar na universidade... na faculdade lá em Belo Horizonte porque naquele tempo o vestibular era muito pior do que o de hoje, eu acho. Quer dizer, hoje tem essas provas de múltipla escolha, não sei, avaliam mais ou menos o conhecimento geral do candidato, né? Naquela época, você tinha quatro questões para fazer e só aquelas quatro questões, se desse azar de cair questões que você não estava preparado você estava lascado. Eu tive até um atrito muito sério num vestibular da escola lá porque o primeiro exame que eu fiz constava de provas escritas e orais. Então tinha que fazer uma média... cinco em cada matéria, a média entre escrita e oral tinha que fazer uma média cinco, e eu obtive média seis no geral, somando todas as notas finais, então a média seis para poder entrar na universidade. Então eu fui mais ou menos bem em todas as provas que eu fiz, no fim eu estava dependendo de uma nota de geometria, na oral de geometria, dependia dessa nota para que eu passasse no vestibular. Tinha um professor lá que era um sujeito meio esquisito, ele tinha muito... fez com muita gente isso, eu lembro que ele... eu fui fazer a prova oral com ele, sortia um ponto, tinha um negócio de sortear ponto, não sei o que, e mandou que eu demonstrasse um teorema, que até hoje eu sei do enunciado, e sei até a demonstração dele até hoje. (riso) Bom, eu fiquei aliviado, né? Caiu um negócio que eu sei fazer. Fui para o quadro, comecei a preparar a demonstração, só levantei _____ eu estava sentado, tinha uma mesa para ele, uma poltrona, ele estava sentado e o quadro era atrás dele. Ele estava sentado na cadeira, assim ele olhou para trás assim e falou: “Ah, isso não é demonstração para um moço que quer ser engenheiro. Essa demonstração ________ é outra. Eu gelei, eu falei: “Pô, pelo amor de Deus, eu vou lembrar outra demonstração aqui agora? Eu ____ “Que é isso, essa demonstração é do livro, do FC”, um livro ____ “está na sua frente, olha, você usa o livro, a demonstração é desse livro, por que que o senhor não aceita?” Não, essa eu não quero, arruma outra. Eu olhava para o quadro assim tentando, mas não adianta, nem em casa sozinho eu não conseguiria arrumar uma outra demonstração, ainda mais alí, em pé, dependendo daquela nota para passar. Argumentei, argumentei, e ele, assim, sarcástico, sabe como é: “Não, você não está querendo ser engenheiro, rapaz, tem que arrumar uma saída, não sei o que.” Eu fui ficando nervoso, vi que eu ia perder minha... meu vestibular por causa daquele negócio. Eram duas questões só na oral, quer dizer, uma eu já levava zero, pô, né? Na outra se eu fosse muito bem eu tirava dez, mas _________ eu já caía para cinco. Eu fui ficando nervoso, discuti, discuti, não teve jeito. No fim, rapaz, nunca... também não sou um ser violento, não, mas perdi a mão, enfiei a mão na orelha do sujeito. (riso) Era muito maior do que eu o cara, mas ele estava sentado e eu estava em pé, né? (riso) Mas dei-lhe uma porrada. (riso) Mas acho que todo mundo ficou ______ o primeiro soco, ganhei a luta. Todo mundo correu: “Segura daqui!” Perdi o vestibular, fiquei arrasado, meu pai ficou mais arrasado do que eu, voltei para Viçosa. ______ nem contei nada. Na chegada não contei essa história para ele. Ele ia falar que a culpa era minha, né? __________. Mas não tinha! Não tinha mais nada para fazer. Aí, apesar de Viçosa ter já uma faculdade, né, uma escola de agronomia, um curso superior e tudo, e tinha vestibular lá todo ano, mas é engraçado, a escola tinha, assim, umas 60 vagas. Apareciam 20 candidatos, então passavam os 20. Depois sobrava 40, fazia uma segunda chamada, costumava aparecer mais uns dois ou três, assim, para fazer, e sempre tinha vaga sobrando. Meu pai, coitado, ele... não é culpa dele, né, meu pai... ele... ele estava estudando, fazendo o correspondente ao científico da minha época, né, era complementar, depois do ginásio fazia três anos... ele estava se preparando para fazer... o plano dele era fazer o curso do Itamaraty, quer dizer, seguir carreira diplomática. Era colega de quarto do Artur Bernardes Filho, que era filho do ex-presidente Artur Bernardes, que também acabou fazendo o curso do Itamaraty. E estava tudo preparado para isso. Quando meu avô começou a dar sinais de problemas cardíacos e... ele tinha doze irmãos, o meu pai. O mais novo tinha três anos. Então o meu avô chamou o meu pai ali na fazenda e falou com ele, falou assim: “Olha, eu vou morrer qualquer hora, estou vendo que...” Naquele tempo, não sei ___________ Lá em Calambau hoje não tem recurso, não tem médico lá, rapaz, naquele tempo então. E falou: “Olha, eu estive pensando muito, eu vou morrer qualquer hora, o filho mais velho que é o Orlando já está em Belo Horizonte na faculdade de Direito, eu acho ruim, né, interromper o curso dele para ele voltar para que? O segundo filho é uma mulher, também não vou botá-la para dirigir a fazenda. O terceiro...” ia fazer, estava fazendo farmácia, se não me engano, não sei se em Ouro Preto, por aí. Mas era sempre doente, asmático, ele falou: “O Benedito não tem condição para cuidar da fazenda. Então vai ter que ser você. Você tem que parar o seu curso, vir para aqui, agora para já ainda aproveitar este resto de vida que eu tenho para você se inteirar dos problemas, e você vai assumir a fazenda a hora que eu morrer, e criar lá os seus irmãos todos”. Então o caçula tem três anos, pô. Bom, meu pai acabou fazendo isso, largou o curso dele, foi para a fazenda, assumiu a fazenda, criou os onze irmãos dele, todos eles têm curso superior, menos as mulheres, porque naquele tempo a mulher fazia normalista só, mas todas elas têm o curso normal. Criou os irmãos, tudo, mas ele ficou sem estudar, né, com isso ele ficou sem estudar. E ele... a reação dele quando eu perdi o vestibular foi um negócio meio... ele se sentiu assim... ele falou comigo, ele falou: “Você me desonrou aqui na cidade. Como é que meu filho perde um vestibular? Ele estava acostumado, coitado, a ver aquele vestibular ali de Viçosa que tinha 60 vagas para 20 candidatos, passava todo mundo. Lá em Belo Horizonte era completamente diferente, né? Você... tinham, sei lá quantos candidatos para 200 vagas, era uma guerra, como é hoje, mais ou menos a mesma coisa. E eu fiquei arrasado, sabe como é? Pô, que diabo! Justifiquei, falei, falei,_____ não teve jeito, ele ficou chateadíssimo mesmo. E eu fiquei lá em Viçosa, né, não tinha passado, acabei ficando lá em Viçosa, até o ano em que eu servi o exército, servi o exército lá em Viçosa mesmo. Mas ______ “E agora? Se eu voltar para fazer o vestibular de engenharia o ano que vem, eu não vou passar, pô, aquele cara está lá, ele era fixo na banca examinadora.___ Ele ainda vai me bater, ainda, além de me dar bronca, dessa vez ele me bate, ele era maior do que eu, pô. Pelejei, deixei chegar lá no fim do ano, criei coragem, ele era boa praça meu pai, não era sujeito difícil, não. No fim do ano voltei e falei: “Olha, pai, está chegando já dezembro, né, não está na hora de eu ir pensar no vestibular que eu vou fazer de novo?” E contei outra vez: “Lá em Belo Horizonte não dava. Deixe eu ir para o Rio de Janeiro fazer o vestibular no Rio?” Ele falou: “Negativo. Você está querendo é malandragem no Rio de Janeiro e eu não vou sustentar...” (riso) Acho que talvez até hoje em Minas ainda tenha esse negócio: que o Rio é um lugar de malandragem, né, de pessoal folgado, não está muito fora disso não, mas não era assim, né? “Não, no Rio não, você quer estudar vai estudar em Belo Horizonte, mas no Rio você não vai. Eu falei: “Como é que eu faço?” Fui para Belo Horizonte, pensei, conversei com meus irmãos, com meus amigos, com todo mundo, estava sendo inaugurado o curso de... das ciências econômicas lá em Belo Horizonte, devia ser a primeira turma esse ano. Eu falei: “Então vou estudar ciências econômicas, mas engenharia eu não volto não, porque eu não passo, não tem jeito, né?” Fui estudar ciências econômicas, fiz o vestibular, passei, fiz três anos de ciência econômica. Quando eu estava terminando o terceiro ano da ciência econômica, correu uma notícia aí, que a escola de engenharia tinha tirado esse professor da banca. Ele fez tanto isso, não era com todo mundo que ele fazia, mas sei lá, acho que com 5% dos candidatos ele fazia a mesma coisa que fez comigo. Ele fez tanto isso que houve reclamações _______ tirou ele da banca examinadora. Isso era começo de dezembro. Eu falei: “Pô, agora eu vou para a engenharia e passo naquele diabo daquele vestibular. Não fiz nem prova final na ciência econômica. Voltei para os livros, estudei aquela matéria tudo de novo. Tinha dezembro, janeiro e metade de fevereiro, porque o vestibular era na segunda metade. Aí fiz e passei, tive... deu tudo certo, entrei na escola. Me atrasou três anos a formatura, né, os três anos de ciência econômica que eu fiquei lá batalhando, tive possibilidade _______ esse professor tinha uma cadeira que ele dava aula no segundo ano do curso de civil, de engenharia civil. Eu falei: “Bom, eu não vou... era uma matéria... não era uma matéria importante para engenharia civil. Ninguém estudava a matéria dele, porque ninguém via muita aplicação para aquele negócio que ele dava. Eu fui um cara, acho que o único cara que estudou aquela matéria. Eu falei: “Eu não quero problema com ele, né, vou estudar esse negócio, na aula dele eu ficava igual um mudo lá, não conversava com ninguém, não olhava para o lado, não fazia nada, o ano inteiro eu me comportei na aula dele, né, assim, com retidão mesmo. Chega no fim do ano, na última prova mensal que eu fiz, eu precisava de oito talvez para passar por média, ele me deu sete e meio na prova e eu achei até que eu merecia oito. Pedi a revisão de prova, fui lá, foi a primeira vez que eu conversei com ele na escola foi esse dia da revisão de prova. Disse para ele: “Ô, professor, o senhor foi rigoroso demais, eu mereço oito, olha só”, né, mostrei minha prova. Ele não concordou: “Não, está mantido o sete e meio.” Eu falei: “Tá bom.” Com isso eu tenho que fazer uma outra prova final, né, não consegui a média, não vou passar sem esta prova final. Eu falei: “Esse cara está me aprontando alguma sujeira aí, né, sô. Pô, por meio ponto, é tão comum às vezes você pede meio ponto, o professor dá, só para você passar por média, né? Puxa, estudei a matéria dele inteirinha, inteirinha. Fiquei preparado mesmo, era uma prova escrita, uma oral, a final, né. Eu fiz a escrita, fui bem na escrita. Chega na oral, ______ “é na oral que a gente vai discutir, né? Então, vamos ver o que ele quer” Chegou na oral, ele me chamou para examinar, engraçado, eu levantei, cheguei na frente da mesa dele, ______ tinha também aquele negócio de sortear o ponto, né? Ele olhou, olhou para minha cara e disse: “Olha, espera aí um minuto.” Levantou, saiu da sala, foi lá e mandou o assistente dele me examinar, ele não quis me examinar. Ele tinha professor assistente. “Professor ____ você que é o Moretzsohn?” Eu: “Sou.” “Então sorteia o ponto aí e vamos examinar.” Eu fui bem, passei na matéria, depois ele foi lá, chamou o professor, ele voltou. Bom, acho que ele também não queria atrito nenhum comigo. Devia ser um negócio assim: “Eu vou mexer com esse cara não, porque não é uma boa.” Engraçado é que muitos anos depois eu já estava na Vale do Rio Doce, já dirigindo essas importações todas que eu fiz e tinha uma firma de engenharia também. E ele me procurou um dia, querendo serviço, precisando, a firma dele estava precisando de serviço. Quer dizer, ele ligou para a secretária, pediu para marcar uma hora, eu falei: “Não, marca, uma entrevista normal ________ depois eu fiquei esperando, falei assim: “Ih, rapaz, e agora?_____ Agora é a hora de chegar a minha forra” Mas não consegui não. Chegou, cumprimentamos, sentou, conversou, perguntou onde é que eu tinha me formado. Como se ele não soubesse. (riso) “Em Belo Horizonte mesmo.” Conversei normalmente como eu conversaria com qualquer representante de empresa, né? Não arranjei o serviço para ele não foi de má vontade, não tinha mesmo, na época estava tudo contratado. Não consegui. De vez em quando eu penso: “Acho que eu devia ter vingado aquele cara. (riso) Mas acho que negócio de vingança não leva a nada, né? Não liguei, não arrumei o serviço para ele, mas também não... acabou assim. A minha história ____ desse professor. Bom, a origem do meu nome, Moretzsohn, é um nome... a gente não tem certeza da origem. Há duas versões para esse nome de família, uma de um, dois prussianos, né, que naquela época era Prússia, hoje é Alemanha. Com esse nome, Moretzsohn, vieram para o Brasil, um foi para Minas, o outro foi para São Paulo, dois irmãos. Tem o ramo da família paulista e tem o ramo mineiro. É uma das versões de onde vem o... há pouco tempo lá em São Paulo eu entrei na livraria Saraiva e vi um volume imenso de um livro, dessa espessura assim, em pé num balcão, fui ler o livro. Era dicionário das famílias brasileiras, lançamento novo até da Saraiva, né? Eu olhei o livro assim, falei: “Deixa eu ver se tem Moretzsohn aqui.” Fui ler e tinha Moretzsohn. Lá tinha outra versão, dizendo que Moretzsohn são dois... dois não, um só, que veio da Rússia, de uma cidade chamada Moretz, lá na Rússia. Moretzsohn significa filho, né, de Moretz. Então um cara, um judeu russo que veio dessa cidade de Moretz trouxe esse nome para cá. Eu acho que é mais... eu sou mais pela versão de que veio da Alemanha, né, eu tive na Alemanha já algumas vezes, eu lembro que num... aqueles dias no hotel sem nada para fazer, né, de noite lá, frio terrível, eu lembro que eu peguei o catálogo e falei: “Olha, gente, vou ver se tem Moretzsohn. Tem umas três páginas de Moretzsohn no catálogo. No lado de colônia pelo menos tem. Mas eu não falo Alemão, não deu nem para ligar para ninguém. Também não tinha o que falar, né, vou ligar para um cara agora. (riso) Eu já sou da quarta geração desses (Ludwig?) Moretzsohn, né, veio para o Brasil, não teve mais relação nenhuma. Bom, eu não sei se...
P/1 - Essa família, como que ela se encontra em Calambau, quer dizer, como ela chega nesse lugar, na fazenda?
R - Bom, aí é um negócio... o meu avô, que era Moretzsohn, ele era filho único. O bisavô dele é que veio da Prússia, da Rússia para cá. E ele era filho único e o pai dele... ele estava estudando engenharia em Ouro Preto, já existia a escola de engenharia de minas em Ouro Preto, ele estava estudando lá, quando o pai dele morreu. Morreu e, é lógico, ele era o único filho, a herança toda do pai ficou para ele, diz que o pai era um bocado rico. Ele pegou tudo que tinha de herança, transformou tudo em dinheiro, mudou para Paris, teve uma vida de rei lá em Paris durante 15 anos, torrou tudo, voltou com uma mão na frente outra atrás. (riso) Aí casou com a minha avó, que era a dona da fazenda era a minha avó, não era... (riso) Então casou com a minha avó e começou a tocar a fazenda lá. Ele nasceu em Ouro Preto esse avó, quer dizer, estava ali perto, mais ou menos... Ouro Preto e Calambau, não é muito longe uma da outra não. Então casou, foi morar lá em Calambau. Eu e meus irmãos nascemos na fazenda, mas a fazenda pertencia ao município de Calambau, por isso somos nascidos em Calambau. É um nome meio esquisito, mas...
P/1 - Seu pai conheceu sua mãe lá?
R - Ah, o meu pai estudava em Viçosa, né, na época que ele parou de estudar ele estudava em Viçosa e minha mãe é de Viçosa. Ela tinha um bando de irmãs também, devia ter uma dez irmãs, por aí, todas elas muito bonitas. Outro dia eu vi um retrato da minha mãe com 18 anos, eu fiquei encantado com ela, como era bonita! E gozado é que é um retrato que... sei lá, deve ter uns 70 anos que esse retrato está rodando por aí e eu nunca tinha visto. Tirei... até fiz até questão. Trouxe o retrato. Estava com uma irmã que eu tenho lá em Brasília. Pedi o retrato, ela ficou preocupada, disse: “Você vai perder.” Eu falei: “Não perco, eu juro que eu não perco”_____ Para eu tirar uma cópia, né, aqui no Rio. Trouxe o retrato, antes de tirar a cópia eu perdi minha pasta com os documentos todos lá dentro e o retrato lá dentro. Os documentos até que eu não liguei muito, mas o retrato! Eu fiquei louco, viu. “Ih, perdeu! Mas foi no aeroporto que eu deixei a pasta, aquela pasta de mão, né, um negócio assim. Eu falei: “Com que cara que eu falo para a minha irmã, né, que eu perdi aquele retrato?” Mas tive que falar. Passaram uns dois meses, uma noite eu estava em casa, o telefone tocou, eu atendi, era um cara, falou que era chefe de limpeza da rodoviária, da rodoviária Novo Rio, né? E que tinha achado lá umas sacolas de plástico com um monte de documento de Renato Moretzsohn, não sei o que, então ligou para saber se era meu. Eu falei: “É, olha, eu que perdi minha pasta.” Ele falou: “Então vem cá que os documentos estão tudo... quer dizer... tem um monte de documento aí.” E estavam... o retrato estava lá, meus documentos estavam lá, meus cartões de crédito, talão de cheque, estavam tudo lá. O cara jogou tudo fora. Não estava a pasta. Ele ficou com a pasta, ficou com a... uma (HP12C?) que eu tinha, né, a calculadora dessas eletrônicas, uma caneta ______ de ouro, isso aí ele ficou, o resto, ele botou tudo numa sacola plástica de supermercado e jogou lá no banheiro da rodoviária. Mas mesmo assim, né, valeu, só de não ter levado meus cartões de crédito. Daí aquele negócio... até cancelar aqueles cartões todos já devia... dois meses depois, ué, podia ter feito compra à beça com o meu cartão, né? E o retrato voltou! (riso)
P/2 - Qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai é Saulo Moraes Moretzsohn e minha mãe é Mirka. Meu avô gostava de uns nomes assim, ela tinha uma irmã chamada Emerick, tem uma outra irmã chamada Milete, são uns nomes meio diferentes, né, que ele usou. Um irmão dela chamada Nilon. Não sei se é de náilon, (riso) mas escreve como escreve náilon, mas o nome dele é Nilon. Mas eram uns nomes meio esquisitos. Bom, _____ porque toda garota que eu dava o nome do pai, nome de mãe, falava: “Espera aí que eu tenho que soletrar tudo. __________ normalmente é difícil escrever. Ainda Mirka. Saulo também, você fica: “Paulo? Como é que é?” Mas é Saulo Moretzsohn e Mirka Moretzsohn.
P/2 - Seu Renato, como era essa casa na fazenda, onde o senhor nasceu?
R - Era um negócio fantástico, a casa está lá até hoje. A casa foi construída no século XVIII por um português que... aquele negócio: o imperador ou o governador de Minas, eu não sei... deu essa terra para esse português, né, deu essa fazenda, que não era fazenda, era uma área lá de terra, deu essa área de terra para o português, ele que formou a fazenda. Construiu essa casa. A casa é toda construída de madeira de lei. Está lá até hoje, perfeita, quer dizer, perfeita assim: a parte madeirão está perfeita. A parede é daquele tipo pau-a-pique, né, que fazia muito no interior de Minas, quer dizer, então estraga, cai reboco, tem que ter uma manutenção constante para não acabar. Mas eu sou encantado com a casa é o seguinte: as tábuas do assoalho são tábuas assim de 1 metro de largura, coisa que a gente não vê hoje. A mesa de jantar da fazenda era uma mesa de jacarandá com 1 metro de largura, tem uma largura normal de mesa assim de jantar, era uma tábua só de jacarandá. Existe até hoje, está na casa de um tio mais novo, né, o irmão mais novo do meu pai acabou ficando... pediu para os outros irmãos e ficou com essa mesa, ainda tem ela lá em Belo Horizonte. Mas eu fico encantado, eu gosto muito, assim, dessas construções antigas, né, então. A fazenda tem 80 metros de fachada, tinha, assim, 40 quartos na fazenda, um banheiro só, e mesmo assim esse banheiro meu pai fez quando ele casou. Ele levou minha mãe para lá e ele fez um banheiro, quer dizer, antes disso não tinha nem banheiro na casa. (riso) Mas eu acho linda a casa.
P/2 - E o senhor passou a infância lá?
R - Passei a infância lá.
P/2 - Como é que era, quantos irmãos o senhor tem?
R - Eu tenho mais quatro... tinha mais quatro irmãos, dois irmãos e duas irmãs, os dois irmãos já morreram, um era engenheiro, morreu num acidente, vivia lá em Tocantins. O outro era advogado e morreu de problema cardíaco. Mas uma infância ótima lá na fazenda, mamãe era uma excelente cozinheira, eu fico pensando: “A gente conversa __________ porque quando _____ na infância, você tem uma fome desesperada, tudo é bom, tudo é gostoso, né?” Mas não é não, ela cozinhava muito bem, realmente ela... ela morava em Viçosa e a universidade lá de Viçosa foi construída por Artur Bernardes, que foi presidente do Brasil numa certa época, a data que ele foi eu não sei, 1920 e tantos, uma coisa assim. Ele era lá de Viçosa, ele resolveu fazer em Viçosa uma universidade, era o que ele ia fazer de benefício para a cidade, e foi um grande benefício. Então ele mandou contratar nos Estados Unidos um reitor de universidade aposentado para vir no Brasil e para ele implantar a universidade no Brasil. Então veio o Doutor Peter __(Hopes?), um americano aposentado já, viúvo e com uma filha solteirona, que era a Clarice (Hopes?). Mas ele implantou ______ a universidade os dois prédios principais da universidade num projeto tipicamente americano. Tenho impressão que ele pegou um projeto _________ e trouxe e construiu aqui no Brasil. Não tem nada a ver com a arquitetura brasileira daquela época. São prédios bonitos, mas é um projeto tipicamente americano. E ficou muito bem implantada a universidade tanto que é a melhor da América do Sul até hoje. E como minha mãe morava em Viçosa e ele foi para lá com essa filha dele que já tinha... na época já era considerada solteirona já, ela fez amizade com a minha irmã, tinha dez irmãs, né? Então fez amizade... com todo mundo da cidade, mais talvez com a família da minha mãe. E com isso minha mãe aprendeu muito, quer dizer, mesmo cozinhar, ela sempre fez pratos, assim, diferentes de culinária mineira, ou de culinária brasileira, tudo aprendido com essa Clarice (Hopes?). Então, qual a infância da gente? Pô, infância na fazenda, ou seja, né, tendo uma fazenda para brincar a vontade, não sei o que, não precisa mais nada. Naquela época não tinha televisão, a gente não tinha nada a ver com essas histórias extra-terrenas de hoje. Foi ótima a infância, até os sete anos eu morei lá.
P/1 - E o que que representou essa ida para Viçosa? O senhor lembra dessa mudança, como é que foi?
R - Eu lembro. Não fomos muito satisfeitos, na verdade, porque eu e meus irmãos, ao mudarmos para Viçosa era novidade, né, mudar para uma cidade. Aquele movimento de cidade, porque era uma cidade pequena Viçosa, mas de qualquer jeito tinha movimento, para quem estava vindo da roça, né, da fazenda. Nós custamos a adaptar um pouco na cidade, quer dizer, aquele negócio de bicho do mato, né, desconfiado, qualquer menino vinha mexer com a gente a gente queria sair na briga já, porque, né? Tinha dia que estavam era gozando a gente, ué. Mas a adaptação também não foi difícil, não. Tinha minha avó, com as minhas tias todas lá, a maioria delas ainda era solteira e tal. Foi razoavelmente bem.
P/1 - E em casa, Seu Moretzsohn, como é que era, quem exercia mais a autoridade, seu pai, sua mãe, tinha um pouco isso na sua casa?
R - Ah, tinha. Meu pai era um cara calmo à beça, boa praça à beça, não era rigoroso. Acho que ele era o certo, né, não era... aquele negócio de... chamar atenção por chamar a atenção, não é? Eu vejo muito isso hoje em casa dos meus amigos, o menino vai pegar um copo... “Larga isso senão isso quebra!”. O menino tem que aprender a pegar num copo, se ele não pegar não vai aprender nunca. Porque meu pai não era desse tipo, raramente ele perdia a esportiva com a gente, apesar da gente cometer fora igual todo adolescente faz, né, mas ele... tudo dele era na base da conversa, minha mãe era super rigorosa, ave maria! Quer dizer, era brava, né, mas era de uma mulher brava, né? Mas também foi boa, né, não era brava a ponto de... meu pai por exemplo nunca bateu em nenhum de nós, pô, né? É difícil ver naquele tempo um pai que não batia, era tão comum, para qualquer coisinha enfiava a mão no filho, né, lá em casa num... apesar de ter cometido falhas graves, ele nunca encostou a mão em ninguém, nunca bateu em ninguém. Minha mãe tem uma mania de puxar a orelha, dar beliscão, aqueles negócios que mãe faz que é um negócio irritante, né, mas foi normal, a infância foi normal de nós todos, foi...
P/2 - Seu Renato, e quando a família vai para Viçosa, seu pai continua mexendo com a fazenda ou outra atividade?
R - Continuou com a fazenda. Porque ele não tinha outra atividade, ele parou de estudar praticamente no ginásio. Ele continuou com a fazenda, mas Viçosa está a 30 quilômetros... a fazenda está a 30 quilômetros de distância de Viçosa. Então ele ia segunda-feira, naquele tempo era cavalo, né, não tinha... o Brasil não tinha carro, só mesmo quem fosse muito rico para ter um carro importado. Ele ia para lá na segunda-feira, ficava a semana toda, voltava no fim de semana, passava o fim de semana em casa, às vezes passava uma semana nesse intervalo ___? Porque fazenda também não é um trabalho... a fazenda... a renda da fazenda vinha de plantações de café, de milho, de feijão. Tinha um pouco de gado lá, mas não era muita coisa não. Principal mesmo era agricultura. Isso não exige também presença, na hora de plantar tem que estar lá, na hora de colher tem que estar lá, mas nos intervalos... Sempre passava... algumas semanas ele passava em casa. Depois nós mudamos ainda para Belo Horizonte, e ele continuou com a fazenda, aí ficou pior para ele. Mas aí também já tinha carro para ir à fazenda, mas mesmo assim. A estrada era terrível, até hoje a estrada é terrível. Aquela região foi esquecida mesmo, viu? Mas eles contam lá que uma certa época... quer dizer, Calambau, quando eu nasci lá, pertencia a Piranga, que é uma cidade, né, de... quer dizer, era distrito de Piranga. Hoje Calambau já passou à cidade. Mas uma certa época aí o governo de Minas era o secretário de viação e obras públicas, que usava naquele tempo, que era mais ou menos secretário de transporte, uma coisa assim, foi um cara de Piranga que foi convidado pelo governador e foi ser um secretário, um político, né? Então ele voltou a Piranga e lá na recepção que fizeram para ele ele falou que queria fazer um benefício para Piranga, e falou: “Vocês pensam aí, vocês reúnam, discutam o que vocês querem, eu posso fazer... trazer a ferrovia” que acabava em Lafaiete, e acaba até hoje em Lafaiete, “posso conseguir que o governo traga aquele canal ferroviário até Piranga”, para ter um meio de transporte. Porque Piranga também naquele tempo só se fosse de helicóptero, na época de chuva para você sair de lá era terrível, não tinha jeito. Quer dizer, a ferrovia acho que seria um grande benefício, né, tinha um transporte permanente, não interrompe com chuva nem nada. Ele falou: “Pode ser ferrovia até aqui, pode ser...” sei lá, deu umas outras, “mas eu não quero agora _______, vocês reúnam aí durante a semana, a hora que vocês chegarem a uma conclusão um ou alguns de vocês vão lá em Belo Horizonte, e vocês falam o que vocês querem que eu vou trabalhar no sentido de conseguir isso para Piranga. Depois de algum tempo, os representantes de Piranga foram lá _____ e falaram assim: “Olha, nós pensamos o seguinte: nós queremos que calce a cidade, as ruas da cidade.” Que não era calçada, né, naquela época. Ele falou: “Pô, mas calçar a rua, vocês não querem... eu pensei que vocês iam querer uma ferrovia, sô.” Eles falaram: “Ah, não, nós até pensamos muito em ferrovia, discutimos muito, mas todo mundo está achando que se fizer uma ferrovia para lá vai levar mulher de zona para lá e isso nós não queremos.” (riso) Calçaram a cidade, um calçamento esquisito, em que a água corria no meio da rua, a rua era assim, olha, e ____ a sarjeta no pé do meio fio, hoje, (abaulada?) assim, e a água de chuva corria no meio. Eu lembro que eu fui lá uma vez, eu ainda era adolescente, saí com um primo lá de carro, quando ia cruzar com os carros ficava com medo de batê-los, duas coberturas dos carros, né, por um inclinava para cá, o outro para lá! Quando você estava sozinho você punha um pneu de cada lado e andava mais ou menos reto. Mas quando ia cruzar com outro, pô, tinha que fazer assim! Não dava certo mesmo. Está lá. Já desmancharam esse calçadão ___ não existe mais hoje, já consertaram. Mas Piranga ficou com rua calçada e sem ferrovia, e sem estrada para lá. Até hoje não tem asfalto lá. Então, choveu... Eu lembro da preocupação de meu pai, meu pai colhia os gêneros na fazenda e tinha que vender antes da época de chuva. Chuva lá em Minas, a estação de chuva começa em novembro, dezembro, janeiro é que chove, né? Então o preço... ele não podia esperar o preço melhorar para vender a produção dele. Ele tinha que vender antes, porque começou a chover acabou, ninguém entrava na fazenda mais, não tinha também como vender porque um caminhão não ia lá nunca buscar a gente de jeito nenhum. Atolava até... Isso atrapalhava a vida dele, né, quer dizer, ele acabava vendendo às vezes mal o que produzia, porque também deixar para vender em março do ano que vem, aí já dá caruncho, come, estraga, rato, né... tem uns negócios que o cara... naquele tempo então era muito mais difícil evitar do que hoje. Mas ficou com a fazenda, a fazenda até hoje é da família.
P/1 - Até hoje?
R - Até hoje, é. E agora sobrou para mim olhar a fazenda. (riso) Não entendo absolutamente nada daquilo, mas... hoje sou eu e minhas duas irmãs, são casadas as duas irmãs, mas... quer dizer, elas não vão mexer com a fazenda, uma mora em Brasília, a outra mora em São Paulo, e eu estou aqui no Rio, levo cinco horas de carro daqui até a fazenda, porque é longe à beça, não é fácil. Mas tem 20 empregados, tem empregado na fazenda que é mais velho que eu e nasceu lá na fazenda, uai. Quer dizer, ele é mais dono daquilo do que eu... da fazenda do que eu. Então tem que ir lá, tem que pagar os empregados, tem que providenciar o que que eles precisam de semente para plantar, tem que _____ isso aí que eu estou fazendo. Dá um prejuízo tremendo, não consigo uma boa produção, mas tem que ir levando, né, não posso também abandonar aquelas famílias lá. Como eu estou aposentado já, não é? Tem tempo para fazer isso. Cansa, né? Viajar cinco horas de carro. E ele ____ é mais velho, só tenho que telefonar por causa dele, está chovendo? Se estiver chovendo não precisa nem pensar em ir não porque não chega lá não. Porque talvez com jipe hoje você chega, um jipe, com tração nas quatro rodas, uma coisa assim, você consegue chegar lá. Meu pai teve um jipe durante muitos anos, hoje eu não vejo mais jipe! Porque tem esses modernos agora aí, né, como é que chama... esse da Mitsubishi, um (Havana?), Mitsubishi, que tem tração nas quatro rodas _____, que também... Pô, mas aí é um dinheirão para pegar um carro daquele para ir lá para ______para produzir nada! Não vale a pena. (riso)
P/2 - Seu Renato, na sua família teve uma formação religiosa?
R - Ah, tenho. Super católica. Não sei se __ certo a super católica, mas era católica. Minha mãe era rigorosíssima com esse negócio. Ela não podia perder missa aos domingos de jeito nenhum, enquanto nós estivemos lá em Viçosa, acho que não perdia uma missa. Depois que vim para Belo Horizonte, fui para Belo Horizonte estudar, eu e meus dois irmãos, os três, fomos mais ou menos na mesma época para Belo Horizonte para estudar. De vez em quando a gente ia em casa, né, nas férias a gente ia em casa. A gente chegava lá em Viçosa, mamãe ____: “Meu filho, você vai ter que aproveitar para confessar e comungar.” (riso) Ficava martelando, já não voltava para Belo Horizonte sem confessar e comungar, não voltava de jeito nenhum. Ela forçava a barra até a gente fazer isso. Então, a educação religiosa foi rígida mesmo _______. Não é que a gente seja... nenhum de nós é católico, assim, muito não. Muito rigoroso não. De vez em quando perde missa, (falha?) a missa. Apesar da educação toda ter sido assim, eu não sei, não ficou muito na gente isso. Todos continuam católicos, né, todos. Mas sem um rigor muito grande. Minha mãe está viva até hoje, tem 92 anos, coitada, está ______,já não conhece a gente mais _. Então não ___. Se conhecesse também _______ “Você foi à missa?” (riso) (PAUSA) Bom, acho que foi uma vida normal, né, infância, juventude normal que nós tivemos. Foi boa, apesar de meu pai não ser rico, ele não conseguiu enriquecer com a fazenda, é difícil! Naquele tempo já era difícil, hoje então nem se fala, né? Mas conseguimos dar um padrão de vida muito bom, procurava sempre ter o melhor em casa, né, nenhum de nós tem nada a reclamar, nada disso, nós todos achamos que a nossa infância e adolescência foi ótima, foi... ih! Tinha certas restrições, é lógico, não podia gastar muito dinheiro porque não tinha o dinheiro, mas também não chegou a marcar ninguém. A gente vê muito falar em trauma de infância, esses negócios. (riso) Nenhum de nós tem trauma de infância. Acho que foi tudo bem, bom para a gente.
P/1 - E a escola?
R - Hein?
P/1 - O Período escolar?
R - Escolar... lá na fazenda, eu saí da fazenda com sete anos, e eu sou o terceiro filho. Então a minha mãe dava aula para a minha irmã Maria Inês, que era a mais velha, ela dava aula para o Roberto, que era mais velho do que eu, e para mim. Eu fiz um ano de aula com ela lá na fazenda, que ela já ensinava a gente, procurava ensinar a gente a ler e a escrever, até a gente mudar para Viçosa. E eu acho que eu fui... ela ensinava bem, porque eu cheguei em Viçosa, aí foi nos matricular no grupo escolar da cidade lá, fui matriculado, e eu notava que eu era melhor do que os outros alunos, eu estava mais bem preparado do que os outros alunos, ali, entrei no segundo ano primário lá em Viçosa. Tanto que a professora... o grupo escolar acho que até hoje é assim: uma professora para todas as matérias, né, aquele negócio... era uma professora, uma senhora que dava aula para a gente, depois de uns dois meses de aula ela sugeriu, foi, procurou a minha mãe, falou que eu estava muito bem preparado para ficar ali perdendo tempo naquele segundo ano, naquela matéria que ela tinha que dar, ___: “Eu vou sugerir ao diretor passar o Renato para a terceira série.” Mesmo ele tendo cursado só dois meses aqui. Minha mãe aceitou, ela foi e me passou para a terceira série. Deu umas aula particular para me ensinar conta, acho que conta eu não sabia ainda, tinha que fazer, no segundo ano é que eu ia aprender a somar, multiplicar, dividir, esses negócios. Ela deu umas aulas particulares para mim, me passou para a terceira série. Quer dizer, fiz isso, depois fiz o curso ginásio lá em Viçosa, o ginásio usava os professores da universidade, também davam aula no ginásio. Então tinha aquele ___ de professor, no colégio de Viçosa, que eles chamavam. Então tinha um bom curso ginasial, até ir para Belo Horizonte, né, para... porque o outro irmão, um irmão foi fazer direito, lá em Viçosa não tinha, teve que ir para Belo Horizonte. Eu fui fazer engenharia e meu outro irmão também foi fazer engenharia. Então nós três tivemos que ir para Belo Horizonte. Aí, acho que eu tive mais sensibilidade talvez que os meus dois irmãos, que eu falei: “Poxa, é duro para o papai sustentar três marmanjos aqui em Belo Horizonte.” Eu falei: “Pô, eu preciso arrumar um emprego.” Para ajudar, né? Esse negócio de receber mesada todo mês dele, eu achava aquilo... Ele mesmo nunca reclamou, nem nada, não. Mas eu procurei emprego e o único emprego que eu arrumei foi polícia. Eu entrei como guarda civil na polícia, passei depois para investigador policial, fiz um concurso, passei... E trabalhei dez anos em polícia.
P/2 - Dez anos?
R - Dez anos. Que ajudava a aposentar, contava para a aposentadoria.
P/2 - E fazendo a faculdade e trabalhando?
R - Fazendo a faculdade e trabalhando. Ê! Eu acho que uma das... eu sempre lembro isso e já contei isso na minha família, não conto mais porque todo mundo também já sabe. Mas acho que a maior alegria... é difícil medir assim a maior alegria, acho que todas as alegrias que a gente tem são boas, né? Mas a que mais me tirou, assim, do sério foi quando eu saí da polícia, logo que eu saí da polícia. (riso) Eu estava no quinto ano da escola de engenharia, no meio do ano já, falei: “Gente, eu já preciso começar a ganhar emprego de engenharia, no fim do ano eu formo, o que que eu vou fazer, eu não vou ficar nesse...” O salário da polícia era uma vergonha, acho que até hoje é, né? Eu sei que na época eu recebia 1.200... moedas, dinheiro, por mês, que era pouco, dava para mim ir ao cinema, dava para mim pagar minha república, fumava, eu já fumava, tinha dinheiro para cigarro, mas era pouco. O salário era muito pequeno. Eu sei que me veio essa preocupação, que eu precisava de já pensar em arrumar um emprego numa empresa de engenharia, né, para não, depois de formado, na minha turma tinha 200 formandos. Formar 200 de uma vez em Belo Horizonte, naquela ___ para sair todo mundo procurando emprego, não ia ter emprego para todo mundo, né? Então comecei a ler jornal, classificados, aqueles anúncios classificados, até que um dia eu vi um “anunciozinho” pequenininho assim: “Companhia Vale do Rio Doce tem vagas para estudantes de engenharia no quinto ano para trabalhar na seção técnica.” E dava lá o endereço, lá em Belo Horizonte. Eu nem sabia o que que era a Vale do Rio Doce. A Vale do Rio Doce naquela época era pequena, nem era conhecida.
P/2 - Que ano isso?
R - 60, 1960. A Vale nessa época produzia acho que uns 2 milhões de toneladas por ano. Eu nunca tinha ouvido falar na Vale do Rio Doce. Mas fui lá, né? Peguei o “anunciozinho”, vi o endereço, fui lá. O superintendente que tinha lá em Belo Horizonte era um sujeito fantástico, não sei, super educado, delicado, me recebeu, para falar a verdade eu nunca tinha procurado emprego, também foi a única vez que eu procurei emprego na minha vida, foi essa. Cheguei, falei: “Olha, eu vim por causa desse anúncio aqui, eu estou no quinto ano da escola de engenharia, então estou interessado em conseguir emprego aqui de auxiliar técnico.” Aí a recepcionista saiu, foi chamar um cara lá administrativo, o cara chamou, ficou, assim, meio assustado com a minha presença, depois é que eu entendi por que. Aí foi lá, entrou numa outra sala, falou com o superintendente, que era o cargo maior da Vale que tinha em Belo Horizonte, era esse superintendente. O sujeito me chamou na sala dele! Pô, eu era um estudante ainda de engenharia, né? E me recebeu muito bem, pô, ele ficou numa alegria, chamou o administrativo. Ele falou: “Não falei com você?” Ele falou: “Ô Moretzsohn, eu estou precisando de um auxiliar técnico aqui dentro de uns seis meses, falei com esse cara pra arrumar para mim, ele falou: “Deixa comigo que eu arrumo.” Até hoje não arrumou. Eu falei com ele: “Põe anúncio em jornal, rapaz, que aparece você!” E ele não punha. Está vendo? Botou três dias no jornal já apareceu o Moretzsohn aqui, sô. Isso falando e o administrativo ali do lado, sô. Ih, ele ficou entusiasmado, acho que o entusiasmo dele... (riso) e o susto do outro foi: “Diabo, eu pus no jornal e apareceu ______, o cara não...” “Bom, como é que é, você pode vir, quando é que você pode vir?” Eu falei: “O senhor precisa de mim, eu venho, né?” Ele falou assim: “Você pode começar amanhã?” (riso) Eu falei: “Bom, eu acho que posso, agora depende, eu vou lá pedir demissão na polícia, acho que eles me dão a demissão na hora que eu pedir, né, se me derem a demissão amanhã eu estou aqui.” Eu estava louco para perguntar qual era o salário, sabe como é, o cara não falou nada de salário, mas ele tinha sido, assim, tão delicado, tão gentil, que eu achei que era grosseria eu perguntar para ele qual era o salário, fiquei sem jeito de perguntar para ele. Aí ele falou com esse administrativo, falou assim: “Olha, faz isso: leva o Renato lá, dá para ele aquela lista de documentos que ele tem que providenciar para ser admitido aqui na empresa”. Perguntou: “Você tem carteira - trabalho?” Eu falei: “Não, não tenho.” Nunca precisei ter a carteira - trabalho. A polícia, o Estado não tinha isso, nunca teve, acho que até hoje não tem carteira - trabalho no Estado, né? Ele falou: “Você precisa de carteira - trabalho, você precisa de não sei o que, certificado militar, não sei mais o que...” Falou: “Bom, dá a lista para o Moretzsohn, aí você pode vir começar amanhã que depois eu te admito com a data de amanhã.” E falei: “Tudo bem.” Aí fui para lá, junto com o administrativo, aí pensei comigo: “Esse administrativo, esse cara aqui é pé de chinelo.” Aí criei coragem, perguntei: “Escuta, qual é o salário, hein, para esse lugar aí?” Ele disse: “Olha, rapaz, eu tenho uma tabela de salário aqui, espera aí que eu dou uma olhada.” Abriu as gavetas lá, _______ tirou uma folha de papel, olhou assim: “É auxiliar técnico, né, que você vai entrar?” Eu falei: “É, uai.” Ele olhou, olhou, falou assim: “Doze mil.” Eu falei: “Não, está errado. Não é isso.” 12 mil por mês, ______, “eu ganho 1.200, pô, (riso) como é que eu vou ganhar 12 mil?” Falei: “Não. Dá licença, o senhor deve estar errado, eu quero ver, deixa eu olhar.” Peguei uma régua grande mesmo (riso), botei em cima, e era 12 mil mesmo. Eu quase desmaiei. Nunca vi tanto dinheiro na minha vida. E essa que foi, eu estava dizendo, a maior alegria, uma das maiores alegrias que eu tive na vida foi... realmente foi um susto passar de 1.200 para 12 mil! (riso) Foi um negócio fantástico! Entrei no dia seguinte, o ambiente de trabalho era excelente, o trabalho era... era um trabalho na área de engenharia, pô, nunca havia tido, porque eu trabalhava na polícia. Em setembro houve um aumento, deve ter passado para uns 15 ou 18 mil, chegou em dezembro, eu lembro que eu estava numa prancheta lá trabalhando, o pagamento naquele tempo era feito assim: era um envelope com todo o dinheiro dentro do envelope, né? Não tinha esse negócio de pagar em banco, depois passava a usar. Então, veio o pagamento, veio o cara lá com a sacola lá, enfiou a mão lá e tirou três envelopes, mas cada envelope era um negócio desse tamanhozinho, botou assim na minha mesa: “Assina aqui, olha.” (riso) Eu falei: “Esse negócio aqui, que negócio é esse, pô? O meu é um só, tem três aqui!” “Não, olha aqui, está tudo com o seu nome, olha: Renato Moretzsohn, Renato Moretzsohn, Renato Moretzsohn... assina aqui.” Assinei os três (no princípio?), mas saí, fui lá na administrativa: “Rapaz, erraram o meu pagamento, olha, botaram três pacotão de dinheiro na minha mesa lá.” Ele falou: “Não, rapaz, a Vale em dezembro ela paga três salários. Ela dá dois salários de gratificação, como ela deu lucro, ela dá dois salários de gratificação, você recebeu do mês e mais dois de gratificação. Três salários! Puxa!”
P/2 - Bons tempos.
R - Fui contratado, fui o cara que saiu mais bem empregado daquela turma, fui eu. Mas naquele tempo tinha muita oferta de emprego. Eu lembro no quadro da escola tinha proposta da Petrobrás, chamando a gente para trabalhar, mas eu fui ver. Bom, aí, terminou o ano, eu passei para engenheiro, esse superintendente me chamou, falou assim: “Olha, você está formado, se você quiser continuar na vaga eu posso te promover a engenheiro aqui da empresa.” Eu falei: “Eu quero sim, uai. Não quero nem saber de outra coisa.” Aí eu fui ver lá qual era o salário de engenheiro, era 33 mil o salário de engenheiro. Eu fui ver o da Petrobrás, era 31 mil mais ou menos, os outros... era o melhor salário que tinha... quer dizer, __ que estavam no quadro da escola. Olhando todas as propostas que tinham no quadro da escola o maior salário foi o meu. Este de 33 mil que ________. No fim para mim foi bom, passei minha vida toda trabalhando na Vale do Rio Doce, até aposentar. Não fiquei rico, mas de salário também... mas tive, assim, sempre tive um padrão de vida bom, né, criei minha família toda dentro de um padrão de vida bom, o salário dava para isso. Esse meu irmão engenheiro que morreu, ele trabalhava numa empresa privada, dessas empreiteiras de terraplanagem, e ele era diretor da empresa, ganhava bem à beça. Eu lembro até que nós dois, ____ uns dez dias antes dele morrer nesse acidente, a gente estava na casa de mamãe conversando sobre um assunto de trabalho, não sei o que, eu lembro que eu comentava que ele ganhava muito mais do que eu. Ele falou: “Bom, eu sei que eu ganho mais que você, mas você tem um conforto que eu não tenho. Você está lá, no seu trabalho, né? Eu não, eu viajo por esse Brasil todo de teco-teco, vou lá para o Amazonas, ver serviço, tem concorrência... Onde ele tinha concorrência ele tinha que ir ver o serviço que era, né, e participar da concorrência para a firma dele. E acabou morrendo num acidente lá num teco-teco lá na Amazônia. O avião parou o motor, o piloto estava em cima do rio, falou: “Olha, eu vou descer no rio, não tem jeito de evitar isso.” Ele morreu afogado, acabou morrendo afogado. Ele e outras pessoas que estavam no avião. Mas é gozado a gente discutir isso antes, né, assim, pouco tempo antes desse acidente. Mas para mim acho que foi bom, fiquei a vida toda, tive vários convites para sair, para ir para empresas, essas empreiteiras de terraplanagem, essas coisas, mas nunca aceitei não, sempre continuei na Vale até aposentar e acho que, para mim eu fiquei satisfeito. Minha vida profissional na Vale foi uma vida boa. Eu sempre tive posições de destaque, vamos dizer, dentro da empresa. Formando... quando o superintendente me falou que podia me passar para engenheiro, ele me falou: “Tem um negócio____aqui em Belo Horizonte eu não tenho lugar para engenheiro. Tem lugar ou em Itabira, onde eram as minas, são as minas de minério da Vale do Rio Doce até hoje, né, em Itabira, ou em (Sá Carvalho?), que era um trecho ferroviário que estava sendo construído lá também da Vitória-Minas, ferrovia da Vale. Eu falei: “Pode mandar para onde você quiser”, “eu quero é ficar na Vale, ainda mais com esse salário beleza que estão me pagando aqui”. Aconteceu mais um negócio engraçado, foi isso: que ele falou: “Não, então escolhe aí.” “Bom, então Itabira.” “Não conheço Itabira, não sei o que que é isso, é uma cidade a 100 quilômetros de Belo Horizonte, né? Naquela época... hoje ela melhorou muito, naquela época era uma cidadezinha muito pequena, muito... mas de qualquer jeito eu sei que vida de engenheiro de obras você acaba indo para lugares... “Então tá bom, então você vai para Itabira...” e na semana seguinte ele falou: “Bom, você vai para Itabira, você se apresenta lá...” tinha um escritoriozinho da Vale lá, “você procura fulano, fala que você vai trabalhar... eles já estão sabendo, já avisei que você vai está lá. _____ uma sala, o engenheiro lá te põe a par do serviço, aí começa a trabalhar...” “Tudo bem, mas em Itabira, onde é que eu vou morar? Tem lugar para morar lá nessa cidade?” Ele falou: “Não, não rapaz, tem mesmo, tem, você chega lá você pergunta onde é que é a casa de hóspede da Vale do Rio Doce. A Vale do Rio Doce tem uma casa de hospede lá, você vai lá, chega na casa de hóspede, tem um mordomo lá, você fala com ele: “Olha, eu vim para ficar aqui, tem ordem para me hospedar aqui, arranja um quarto aí para mim, um apartamento para mim ficar. Cheguei da (vila?), perguntei onde é que é a casa de hóspede, me informaram: “É ali, vai lá, não sei o que...” Ela está lá até hoje a casa. Vocês foram (aí na vila?) já?
P/2 - Ainda não. Nós iremos.
R - É a fazenda da Conceição. Era uma fazenda feita pelos ingleses, porque mineração em Itabira começou com uma firma inglesa, né, que tirava ouro lá em Itabira, apesar de ter só quase montanha de minério de ferro lá, tinha ouro também, ainda tem ouro até hoje. Essa firma inglesa foi para lá para isso, para tirar ouro. Então fizeram essa casa, essa fazenda, que a gente chama de fazenda não sei por que, mas é uma casa de fazenda, muito simpática, atrás da casa tem um cemitério pequenininho, sei lá, de dez sepulturas, que era dos ingleses, né, de vez em quando morria um inglês daquele, ou qualquer coisa assim, era enterrado lá. Cheguei da vila ______________________ cheguei lá, veio o mordomo me receber, de paletó, gravata borboleta (riso), né, todo... um tal de Benedito __. Eu disse: “Olha, Benedito, eu fui mandado aqui pelo superintendente de obra para me hospedar aqui, disse para você arrumar um apartamento para mim que eu vou ficar aqui.” A casa é uma maravilha, tem lareira, sabe como é? Mas o tratamento da casa, né, o Benedito arrumou um apartamento, era um apartamento imenso, um apartamento com banheiro, água quente à vontade, Itabira é frio para diabo! E toda tarde eu chegava do serviço, assim seis horas mais ou menos eu chegava, ele estava lá, com aquele paletó branco, gravata borboleta, e vinha com um carrinho, assim, cheio de garrafa de uísque escocês, de gim, (____), (cherri?) espanhol, cheio de castanha de caju, não sei mais o que, eu falei: “Rapaz, eu tirei foi na loteria! (riso) Chegava na hora do jantar... __ era estatal, a Vale, apesar de ser... é uma estatal muito bem administrada, sempre foi. Mas eu sempre achei que aquela casa de hóspede o cara era um exagerado. Era eu sozinho que tinha na casa de hóspede, pô, vinha um lombo desse tamanho todo dia no jantar, um lombo desse tamanho assim, quer dizer, eu comia um pedacinho assim. Também eu ____ lá ________, eu não estava nem preocupado, eu não tinha nada a ver com isso, que a administração lá que dava. Mas todo dia, rapaz, eu chegava imundo de poeira, né, trabalhando em rodovia, pô. Vinha o carrinho com uísque, com gelo, com tira gosto, com não sei o que. Eu lembro até que uma vez eu comentei... os fins de semana eu passava em Belo Horizonte, lá em casa eu comentei, falei: “Gente, eu tirei na loteria. Estou com um salário de 33 mil. Fui para Itabira, moro numa casa com lareira, que é coisa de... bom, eu nunca tinha visto uma lareira de perto, né? Tem lareira, eu mando acender aquele diabo daquela lareira, o cara vai, acende, eu fico lá (esquentando o fogo o dia inteiro?), né? Uma comida excelente, bebida das melhores qualidades tem lá o tempo todo, né? Outro dia esteve lá o ministro de Minas _____, foi o primeiro ministro de Minas _____ no Brasil, João Agripino, era um nordestino. Outro dia chegou o ministro lá hospedado na casa, ficamos nós dois!
P/1 - Hospedados na casa! (riso)
R - Fiquei seis meses lá, nessa casa. Quer dizer, de janeiro a junho. Quando chegou em março, mais ou menos, o presidente nessa época era Jânio Quadros, já, né? Ele nomeou o Doutor Eliezer Batista presidente da Vale do Rio Doce, foi a primeira vez que (___) assumiu a presidência da Vale, depois disso já assumiu várias vezes. Então ___ mudou, é lógico, ele mudou a estrutura daquela superintendência toda e botou gente de confiança dele em todos os lugares, ele como presidente. Em Itabira tinha uma superintendência, que era das minas, ele mudou. _ Primeiro ele mudou de Belo Horizonte, que era o superintendente de obra, departamento no qual eu trabalhava. Tirou esse superintendente delicado, educado, que tinha me recebido lá, tirou só porque não era cara conhecido, de confiança dele, colocou um dele no lugar desse sujeito. E ele foi a Belo Horizonte, eu fiquei conhecendo ele logo no primeiro... ele tomou posse no rio num dia, no dia seguinte ele foi a belo Horizonte, deu posse para um outro superintendente de obra lá em Belo Horizonte. Falou assim: “Agora nós vamos para Itabira que eu vou dar posse ao novo superintendente das minas lá em Itabira.” E os novos superintendentes das minas ele tinha trazido junto com ele. Era o Raimundo Mascarenhas e um engenheiro civil baiano. Acho que não era civil, não. Mas não era... engenheiro de minas ele não era. Mas era de confiança do _____, trabalhava lá em Vitória com ele e tudo. Naquele tempo, havia umas duas panelas de engenheiro no país que era... eu falando em panela, assim, eu sei que se algum deles ouvir essa conversa, eles não vão ficar satisfeito, mas eles se protegem muito, sabe como é? Quer dizer, se põe um... eu lembro uma vez que eu fui em Brasília apresentar um projeto de uma usina de pelotização, acho que é lá no... num órgão do governo, acho que era (Concider?), que cuidava de toda siderurgia brasileira, e o chefe desse órgão era um engenheiro formado em Ouro Preto. Eu cheguei no órgão, mas parecia a faculdade em Ouro Preto lá dentro. Todos os engenheiros eram formados egressos em Ouro Preto. É isso, onde vai um, eles não deixam um cara de Ouro Preto ficar sem _____, se tiver um sem emprego, e eles, também são uns engenheiros bem formados, né, a Escola de Minas é excelente, quer dizer, todo tempo você acha engenheiro de minas ocupando posições importantes no país, e o de Ouro Preto que tiver sem emprego procura esse cara, ele arruma emprego para ele, se protegem muito. Por isso que eu falei panela. Então lá em Itabira era assim: os engenheiros de minas eram todos formados em Ouro Preto. Devia ter uns dez ou doze lá em Ouro Preto. Tinha engenheiro civil lá em Itabira também, isso eu fiquei sabendo depois, na época eu não sabia, mas os engenheiros de minas consideravam que o engenheiro civil é encarregado, não é engenheiro, engenheiro eletricista não é engenheiro também, é eletricista só. Eles achavam que engenheiro, pelo menos eles tratavam assim, engenheiro era só engenheiro de minas, e de Ouro Preto. Também não tinha outra escola de minas no país, acho que era só Ouro Preto __. Então, quando vem o (Eliezer?), tomou posse como presidente, aí foi para Itabira para mudar o superintendente... eles lá tinham escolhido um deles para ser o superintendente, de Ouro Preto. “Não, nós vamos falar para o presidente que o superintendente vai ser o fulano aqui, né?” O Eliezer chegou com um baiano, Raimundo Mascarenhas, falou: “Olha, o superintendente vai ser esse aqui.” Eles fizeram uma greve, e não foram à posse do novo presidente. Todos os doze engenheiros de minas. Nesse dia o João Agripino estava lá de novo, na fazenda, ele ia lá passar o fim de semana, assim, para descansar. Então o Eliezer, que nem conhecia o João Agripino, ficou conhecendo, mas convidou ele para a posse do superintendente das minas. Levou o João Agripino lá para o escritório, disse: “Aposto que nenhum dos engenheiros foi à posse.” Ele ficou com uma raiva, rapaz, o que ele xingou aqueles caras. Não xingou porque eles não estavam lá presentes. Falou: “Quantos são?” “São doze.” “Me dá doze folhas de papel.” Assinou as doze. Falou: “Pessoal, põe os doze na rua. Não quero nem ver a cara desses caras. Isso não é procedimento de engenheiro, de profissional.” Quer dizer, ele estava assumindo a presidência da Vale, tinha assumido a presidência da Vale em três dias, pô, tem uma rebelião dessa contra ele, né? Botou os doze na rua. E o Mascarenha, coitado, estava morrendo de medo, se viu assumindo a maior mina do país sem ter nenhum engenheiro de minas ali do lado dele para ajudar, ele mandou todo mundo embora! Passou um aperto lascado! E ele desgraçado. (riso) Mas acabou resolvendo, contrataram um consultor ___ país, um consultor, um engenheiro de minas já sênior, né, considerado
(fim da fita I)
muito experiente, então imediatamente ligaram para o Rio, mandaram contratar o cara. O cara foi para Itabira para assessorar o Mascarenhas lá na... porque o Mascarenhas também, coitado, naquela época não entendia nada de Minas, né? Quer dizer, foi essa a primeira... eu perdi aqui porque eu já cheguei nesse negócio de Eliezer em Itabira, né?
P/2 - Quando o senhor chegou em Itabira.
R - Eu estava mudando da casa de hóspedes. Ah, eu estava na casa de hóspedes.
P/1 - Estava saindo de lá.
R - Como o Eliezer mandou embora os doze engenheiros de minas, Mascarenhas começou a procurar engenheiro de minas para contratar para remontar, para montar a equipe dele para tocar aquela mina lá. Então chegou um primeiro engenheiro de minas, que foi contratado, ______, o cara chegou, foi lá para a casa de hóspede: “Ah, não sei o que...” Daí mostraram onde era a casa de hóspede, ele foi para lá também. Contratou o segundo, foi para a casa de hóspede, chegou um dia que a casa de hóspede... a casa de hóspede tinha oito, seis apartamentos nessa época. Tinha seis caras contratados, cada um num apartamento, se chegasse uma visita lá não tinha onde a visita ficar, porque nós estávamos ocupando a casa toda. Aí o Raimundo Mascarenhas já tinha assumido a superintendência, já estava lá, já estava mais... tinha uma casa especial para o superintendente. Tinha, tem até hoje lá essa casa. Eu sei que um dia nós estávamos lá uma noite, depois do jantar, nós estávamos lá, ele chegou: “Oi, oi!” Cumprimentou todo mundo, falou assim: “Escuta, quem que é o mais velho aqui, é você, né, Renato?” Naquela época eu sou... por que, o que que vocês estão fazendo aqui nessa casa? Eu falei: “Nós estamos morando aqui, pô. Mandaram a gente morar aqui.” Ele falou: “Negativo.” Aí contei aquela história, quando eu vim para cá, o superintendente falou: “Lá em Itabira tem uma casa de hóspede, pergunta onde é a casa de hóspede da Vale e fica lá na casa de hóspede. Ele falou isso eu vim, me falaram que é essa casa, eu estou aí.” Ele falou: “Negativo. A casa de hóspede, _________ ao lado, _____ lá do outro lado da cidade, é uma casa de hóspede de engenheiro solteiro. (riso) A partir de amanhã todos vocês lá, no isolado. Despejou todo mundo de uma vez só. Era um prediozinho que foi feito para ser um isolamento de doenças contagiosas (riso), não chegou a ser usado, por isso ele tinha o nome de isolado, transformaram em república para engenheiro solteiro, e fomos para lá. E era um lugar bom de morar, não tinha a piscina que a fazenda tinha, não tinha a lareira que a fazenda tinha, não tinha mordomo, não tinha nada, né? Era igual uma república mesmo, né? Cada vez um de nós era o presidente da república, administrava a república, mas também não foi ruim não.
P/2 - Senhor Renato, quando o senhor chega em Itabira, o senhor chega com qual função, o que que lhe cabia fazer ali?
R - Na época o serviço que o departamento de obras tinha lá era... ainda estava asfaltando a estrada que liga Itabira à BR 282, que é a estrada... uma estrada que vai de Goiânia até Vitória, né, passa por Belo Horizonte, passa por _____, e vai até Vitória. Então, essa estrada já estava sendo asfaltada... acho que o Juscelino Kubitschek tinha acabado de sair do governo. E a ligação de Itabira até essa estrada foi pedida e a Vale do Rio Doce é que estava fazendo o asfalto ali. Então o primeiro serviço meu foi esse, foi participar dessa construção dessa estrada. Na época a Vale do Rio Doce tinha comprado os primeiros super caminhões para transportar minério de ferro da mina até o britador, não é? Eram os caminhões que pegavam 35 toneladas de carga. Esse caminhão normal que tem aí, você vê, é tudo de 12 toneladas, e esse já era de 35. Hoje agora já tem caminhão de 300 toneladas, né? Mas na época já era um assombro aquele de 35 toneladas. Então tinha um outro serviço que era asfaltar a estrada da frente de mina até o britador, esses caminhões só faziam esse percurso, pegavam o mineral e traziam no britador, _____ no britador e voltava para encher de novo. Então tinha que fazer um pavimento especial para esses caminhões rodarem nesse trecho, era uns quatro quilômetros de asfalto só. Quer dizer, comecei com esses dois serviços. Mas sempre teve serviço lá em Itabira, eu fiquei lá 14 anos, no departamento de obras. Quer dizer, quando acabou isso tinha uma remodelação na instalação mecanizada da Vale, instalação mecanizada, quer dizer, que a gente chama, é o conjunto: britador, correia transportador, __________, _____________. A que existia lá era que tinha sido feito ainda no tempo dos ingleses, a estrutura era toda de madeira, madeira tratada, uma madeira boa, porque não tinha nenhuma peça estragada, mas aí ela já produzia a capacidade máxima dela, que talvez fosse umas 600 mil toneladas por ano. A Vale já estava exportando 1 milhão, e queria passar para 3, para 6 milhões, então fizemos uma instalação nova, já de estrutura metálica para... não para substituir porque essa continuou funcionando __ foi é cresceu, fizemos outra para aumentar a capacidade da mina, né? Depois veio um plano de expansão da Vale, foi o primeiro plano mais ou menos de 65 até 74, foi a construção da usina de concentração de itabirito. Itabirito é um minério de ferro, ___, é uma forma de areia, fininha. No princípio da mineração da Vale não tinha, não era utilizado, porque para usar minério em alto forno, tem que ser um minério granulado porque se enche o alto forno começa a dar aqueles intervalos entre aquelas pedras todas, circula o oxigênio para queimar aquilo tudo, né, para manter o alto forno aceso e derreter aquelas, aquele ferro todo ali. Se você puser pó dentro do alto forno, ele abafa o fogo, depois apaga o fogo, apaga o alto forno, vamos dizer, né? Então esse minério em forma de poeira não era utilizado, e nem tinha por isso, por não poder ser usado em alto forno, não tinha outro processo para usar ele, não era, ele era estocado lá num canto. E a medida que a Vale foi tirando minério do (Cauê?), do Pico do (Cauê?), que é uma montanha assim, e cada fatia que se corta de uma vez, que chama de banco na mina, tem 13 metros de espessura. Então começa a cortar aqui, vamos dizer, com 13 metros de espessura, e vai cortando até chegar lá no fim no outro lado, não é? Quando você está no meio mais ou menos você já começa a cortar outro banco aqui, tem sempre três bancos assim em produção. E na mina ali do (Cauê?), vocês já devem ter visto assim, eu já vi, um bolo, quando faz um bolo comum de trigo, e põe um pouco de chocolate nele e mistura aquele negócio, quando você corta o bolo ele fica com umas rajadas de chocolate, assim, lá no meio, né? Eu acho que a Mina do Cauê é mais ou menos isso, mas com essas rajas de itabirito, desse minério, que é de... não é de... o teor de ferro dele é 60% só que é baixo, normalmente a hematita tem 65% de ferro puro, praticamente ferro puro, aquele negócio, né? Itabirito, além de ser (frialo?), ou seja, foi transformado numa areiazinha, por causa disso tinha muita sílica nele, então a pureza dele era menor, era 60% só de ferro que ele continha. Então nós, como ia cortando aquela fatia e encontraram um desses veios de chocolate, vamos dizer, que era itabirito. Então tinha que tirar aquele Itabirito todo, não podia usar no britador porque não era vendável, né? Então tinha que estocar, arrumar um _____ daquele lá e ia jogando aquele itabirito, mas é pesado feito ferro! 4 toneladas por metro cúbico aquele negócio lá. Até chegar na hematita. Chegava na hematita, bom, aí detonava a hematita, não sei o que, tirava, essa ia para o britador, e era transformada em várias ______ de minério que eram vendidas para o mundo todo. Mas ia estocando itabirito e o negócio... cada vez o volume aumentava mais, em cada fatia dessa que era cortada na mina, o volume de itabirito era maior do que na fatia anterior. E haja lugar para botar aquele negócio! Faziam montanhas de itabirito naqueles vales lá que era um negócio incrível! Várias vezes aconteceu... o peso era tanto que afundava aquele negócio assim e levantava o terreno, sei lá, a 1 quilômetro de distância levantava o terreno lá na frente, assim. Era um negócio... Era um problema sério de mineração para ser resolvido, né? E foi resolvido da melhor forma possível. Foi a equipe da... de um órgão da Vale, tinha criado já um laboratório... a gente chamava de laboratório, mas é um centro de tecnologia que existe aqui no Km 14, está lá até hoje. Era para estudar justamente, sei lá, estudar qualquer melhoria em minério, em granulometria, aqueles negócios todos, analisar bem o minério vendido e tudo. Esse pessoal do centro tecnológico... não sei de onde partiu a ideia de estudar isso, quer dizer, o aproveitamento do itabirito. Para aproveitar o itabirito nessa época já podia se usar o minério fino, já tinha um processo de pelotização, você transformava aquilo em pelotas. Então você podia encher o alto forno com as pelotas e usar ele como minério de ferro normal. Mas tinha que enriquecer o minério. Como ele tinha só 60% de ferro, então tinha que tirar o excesso de areia que tinha no meio dele, com isso ele melhorava, levava ele para 65% de ferro. Podia vender esse negócio. Porque aqueles, aquele mundo de itabirito que tinha lá, a gente já sabia que a medida que fosse afundando mais a mina, o itabirito ia aumentando ainda. Então a melhor solução era vender isso, e a Vale conseguiu isso. Eles estudaram, descobriram um professor inglês, (Jones?), que tinha feito um concentrador magnético de alta intensidade em escala de laboratório. Fez e deu certo. Porque o itabirito também não é magnético, assim, é só... ele só é atraído por alta intensidade de energia. E esse professor tinha feito isso. Eu sei que dois dos técnicos lá foram a Londres, estudaram lá em Londres com o professor, e acharam que era viável fazer um equipamento daquele em escala industrial, que ia funcionar do mesmo jeito que funcionou lá no laboratório. E tiveram coragem de aprovar esse concentrador (Jones?), levaram a diretoria da Vale, na opinião deles garantindo que aquilo poderia ser feito, que ia funcionar. A Vale então bancou isso, contratou uma empresa alemã, a empresa alemã também estudou o assunto, achou que podia fazer um de escala industrial que ia funcionar, porque nem sempre o negócio de laboratório funciona depois em escala industrial. Mas esse concentrador a firma alemã também achou que era, então contratou essa firma para desenvolver o modelo industrial. E é um negócio, sei lá, deve ter umas três alturas dessa sala mais ou menos, é um senhor equipamento. Quer dizer, foi dimensionado... na instalação que nós fizemos devia ter uns, se não me engano eram 15 concentradores desse, um ao lado do outro, para poder dar a produção que a Vale queria obter, para poder concentrar todo aquele itabirito que estava saindo da mina e que já estava estocado, e que ia ser reaproveitado. Quer dizer, esse foi o segundo serviço de (fruto?) que eu fiz lá em Itabira. No primeiro eu tinha um chefe, que era o ______ que era o meu chefe lá em Itabira, duro na queda aquele alemão. Mas foi bom trabalhar com ele também. Mas aí o _______ tinha sido transferido para Vitória já, tinha começado a construção do (Porto do Tubarão?) lá em Vitória, o _____ foi para lá para ser o chefe da obra do Porto, tinha um outro engenheiro que era o chefe de Itabira. Então começou essa usina de concentração, o estudo da usina de concentração de itabirito, esse meu chefe foi para... veio para o centro de tecnologia aqui no Km 14. Ele e o chefe lá do centro de tecnologia que estudaram isso na Europa. (PAUSA) Então eu passei a chefe do grupo de obras lá em Itabira, quer dizer, então esse, quando construímos esse projeto de concentração de _____, e foi uma das grandes coisas que a Vale fez, que aumentou à beça o volume de jazidas dela. O itabirito que era jogado fora passou todo a ser minério de ferro vendável. Foi um grande negócio ter construído isso. Quer dizer, a patente desse tratamento do itabirito, a concentração de itabirito é uma patente mundial em mão da Companhia Vale do Rio Doce, porque ela que foi a primeira no mundo a fazer isso. Então esse foi o meu segundo serviço. O primeiro foi fazer uma instalação mecanizada nova, lá da mineração até ____ embaixo no nível da _____. Deve dar uns 200 metros de desvio, mais ou menos. O segundo foi fazer essa concentração. Foi um investimento já de 180 milhões de dólares, mais ou menos. Eram duas coisas: primeiro, que a mineração começou a chegar no nível onde estava colocado o britador primário. Quer dizer, o minério é tirado da mina, é detonado, é tirado da mina e joga no britador primário que mói aquele minério, ele é peneirado. Aí a parte maior vai para o britador secundário, é rebritado, vai sempre peneirando até chegar lá embaixo, o minério... O minério maior, naquela época, era o ____ que era chamado, ele tinha 8 polegadas, a pedra maior dele tinha que ter 8 polegadas. Depois vinha outros que era de 0 a 3, que chamava ____, se não me engano, já não lembro muito o nome desses negócios, não. Mas depois tem minério mais fino, tem de 1/8 a... sei lá, a 1 polegada, é um outro tipo de minério, claro que quebra a pedra, quer dizer, fica o pedaço, vamos dizer, de 4 polegadas, fica dez pedaços de 2 polegadas, 20 pedaços de 1 polegada, tudo saindo da mesma pedra, e isso é tudo classificado por peneiramento formando os minérios. Então o segundo projeto, obra, que eu fiz maior foi essa. Mas aí eu já era o chefe do departamento lá em Itabira, o responsável pelo gerenciamento fui eu. Ah, bom, eu estava dizendo o seguinte: que a mineração começou a chegar no nível do britador primário, que é o começo do tratamento de minério, e se ele abaixar fica difícil porque o transporte do caminhão aí tem que subir para chegar nele, e aí o transporte é mais caro. Um caminhão daquele, pô, carregando 35 toneladas cada caminhão, subir rampa, né, gasta mais combustível, gasta mais o caminhão e tudo. Então o projeto foi o seguinte: transferir esse britador primário _____ cota 700 mais ou menos, que é mais ou menos a linha da ferrovia em Itabira, e aumentando fazer essa usina de concentração de itabirito, que está lá até hoje concentrando itabirito. Um investimento de 180 milhões de dólares, pô, naquela época era um senhor investimento. Ainda mais para mim que tinha o que? Tinha uns cinco anos de formado nessa época. Quando terminou esse trabalho de concentração, a usina ficou pronta, começou a funcionar, aí a Vale do Rio Doce tinha feito uma associação com um grupo japonês para fazer uma fábrica de celulose. A celulose é feita de madeira, né, pode usar vários tipos de madeira, aqui a gente usa eucalipto. No Brasil de um modo geral se usa eucalipto para fazer a celulose. Primeiro que é uma árvore de crescimento rápido, com 7 anos você pode cortar ela, ela nasce de novo, você pode dar três cortes nela, ela nasce de novo, você corta com 7 anos, mais 7 anos você corta da terceira vez. Aí na quarta vez você tem que replantar, porque começa a produzir volume enorme de madeira, para o quarto corte. Então nessa época eu fui deslocado para implantar a (Celibra?), aquela fábrica de celulose da Vale, ali na região de Ipatinga, ______. Quer dizer, uma associação da Vale com... acho que 15, 13 ou 15 usinas japonesas. Elas fizeram uma companhia, chamada (JBP?), (Japan Brasil Development?), uma coisa assim, e essa companhia JBP ficou sendo sócia da Vale na construção dessa fábrica de celulose. A Vale já tinha muita madeira, muito eucalipto plantado nessa época, desde 1960, quando o Doutor Eliezer assumiu a presidência da Vale pela primeira vez, o Eliezer trabalhava na ferrovia na Vitória-Minas antes de ser presidente da Vale. A ferrovia, naquele tempo, e até hoje ainda grande maioria de ferrovias os __________ são todos de madeira. Já existe ______ de concreto, mas ainda há uma certa restrição ao uso desse __________de concreto, você vê: nós fizemos muitos anos depois agora em 1980, na década de 80, nós fizemos a ferrovia de Carajás lá na floresta Amazônica, 1.000 quilômetros mais ou menos de extensão, os ________ todos de madeira ainda. Também, por outras razões. Lá no norte não tem brita, aquela Amazônia não tem brita... isso já favorecia mais ainda a madeira, e também no meio daquela floresta tem madeira à beça, né? Mas quando Eliezer assumiu a primeira vez a presidência da Vale, e ele era engenheiro ferroviário, ele sabia da dificuldade, cada vez está mais difícil conseguir dormente para manutenção da ferrovia da Vitória-Minas, uma ferrovia de 570 quilômetros mais ou menos, que vai de Itabira até Vitória. Tem permanente manutenção, dormente estragou, tira, quando um vagão descarrilha, e é comum isso, né, quer dizer, ele cai assim, _ vagão carregado de minério de ferro, a roda dele vai esmagando as dormente tudo para frente, até os operadores do trem notar que tem um vagão descarrilhado e parar para botar ele nos trilhos outra vez, ele já danificou 100, 500 dormentes pelo menos. Então Eliezer que mandou... botou a Vale comprando terra e plantando eucalipto para ter eucalipto para substituir dormentes,a ideia inicial era essa. Uns anos depois o governo brasileiro criou um incentivo para as empresas também aplicarem reflorestamento que é o seguinte: uma parcela do imposto de renda... eu não sei era a totalidade do imposto de renda ou se era uma parcela que a empresa teria que pagar, ela podia, em vez de pagar ao governo, ela podia usar para reflorestar. Então é muito pior, reflorestar é um patrimônio que você está criando, em vez de dar o dinheiro, ____ de empresa, todas as empresas usavam esse incentivo e a Vale também passou a usar, então começou cada vez a plantar mais eucalipto. Criou uma empresa chamada floresta Rio Doce para cuidar desse plantio de eucalipto aqui na região de Minas Gerais, tem muito eucalipto plantado ali no Vale do Jequitinhonha até hoje, lá perto da Cenibra tinha muito eucalipto, e criou outra empresa em Vitória, também associada a um grupo japonês. Tinha outro, a floresta de lá chamava Floresta Rio Doce, e a de cá chamava, sei lá, os nomes eram meio parecidos, eu não lembro direito, não, mas tinha duas empresas: uma no Espírito Santo, outra aqui em Minas. Com esse eucalipto todo plantado em Minas Gerais, quer dizer, já tinha matéria-prima para botar uma fábrica de celulose. Então ela se associou ao grupo japonês e foi fazer a fábrica. Nessa época eu fui designado diretor de construção da fábrica de celulose, eu que dirigi então a implantação dessa fábrica de celulose, lá em Ipatinga. Da Cenibra. Foi um investimento de 240 milhões de dólares também. Quando terminou a fábrica de celulose... a construção da fábrica... a Vale estava começando um outro projeto que era a (Valeferti?), uma fábrica de fertilizante lá em Uberaba no triângulo mineiro. Ela tinha uma jazida de fosfato em Araxá, que é perto, relativamente perto. Então o projeto era retirar esse fosfato, essa rocha fosfato em Araxá, concentrar esse minério, levá-lo para Uberaba através do mineroduto e lá transformava em fertilizante. E eu fui designado para fazer a fábrica de fertilizante em Uberaba. Então eu trabalhei mais uns aninhos também, foi um investimento da ordem de uns 250 milhões de dólares esse. Terminamos o fertilizante. Aí me transferiram para o Rio de Janeiro, para trabalhar no projeto Albrás, que é um projeto de alumínio da Vale do Rio Doce. A Vale tinha reservas imensas de alumínio lá no norte do país e tinha resolvido também implantar uma fábrica para transformar aquela bauxita toda que tinha em alumínio, também associada a um grupo japonês, a Albrás ficava Albrás e (Alunorte?). A (Alunorte?) transformaria a Bauxita em alumina. Essa alumina era mandada para a Albrás e a Albrás transformava a alumina em alumínio, metálico. E é o que está pronto lá, funcionando até hoje. Mas nessa época tinha a ideia, o projeto, a viabilidade já tinha sido feita, a Vale já tinha aprovado o estudo de viabilidade, então eu fui transferido para esse projeto, fui como diretor de implantação também do projeto Albrás. Trabalhei um ano nesse projeto...
P/1 - Lá em _____?
R - Não, aí lá no Rio. Lá em _______ não tinha nada, só tinha a mina, né? Estava cuidando de fazer o projeto primeiro para depois fazer as instalações. Depois de um ano, o doutor Eliezer me chamou e me convidou para dirigir o projeto Carajás, que é um negócio fantástico. Não sei se vocês têm os dados do projeto, mas aquelas surpresas de Brasil, quer dizer, ali na Amazônia, você vê, todo mundo só vê floresta. Tem umas certas clareiras na floresta, que todo geólogo... hoje eu sei que todo geólogo conhecia essas clareiras, que é um lugar que não tem árvore. Tem um matinho muito vagabundo lá, e não sei porque eles achavam que aquilo ali era um depósito de... era uma rocha qualquer, né, que tinha ali. Mas ninguém está preocupado com rocha, granito ou gnaisse naquela região. Tinha lá a Vale do Rio Doce, já tinha uma equipe de prospecção trabalhando lá na Amazônia, mas procurando outros... manganês e outros minerais. A Meridional, que era uma firma subsidiada de uma firma americana, daqui a pouco me vem o nome dela, também tinha escritório lá procurando manganês. E o Breno dos Santos, que acho que vocês até o entrevistaram, pelo que vocês falaram aí, era geólogo da Meridional. Então ele tinha helicóptero à disposição porque não tinha estrada lá, era só floresta, pegava um helicóptero, voava até num lugar, vai lá, colhia amostra, quer dizer, naturalmente orientado por algum estudo ante que eles fazem, né, em cima daqueles levantamentos, aero faturamentos, que tem da área toda. “Ali pode ser que tenha!” Então ia lá, descia de helicóptero, colhia amostra, voltava, só estava procurando manganês. O Breno... e o negócio era tão... quer dizer, até hoje a Amazônia é uma região despovoada, mas naquele tempo era... eles viajavam com tambor de gasolina dentro do helicóptero. Porque se acabasse o combustível não tem onde abastecer, pô, né, sei lá, vai ver a cidade mais próxima está a 1.000 quilômetros do lugar onde o cara está. Então eles levavam o tambor de gasolina reserva. O Breno um dia nessas viagens, numa dessas viagens dele o piloto falou com ele: “O, doutor, nós estamos em cima das clareiras aqui eu vou descer numa clareira dessa, o meu nível do combustível já está baixo aqui, eu vou abastecer aqui, a gente continua até chegar...” sei lá onde que era ____o escritório da empresa dele, no fim do dia, assim. Ele falou: “Está bom, pode descer.” O cara desceu numa clareira daquela, aquele negócio, o cara tinha que puxar a gasolina de mangueira para passar para o câmbio do helicóptero, quando o piloto estava mexendo com aquilo e o Breno desceu para esticar as pernas, começou a andar na clareira, assim, e viu que era tudo minério de ferro. Quer dizer, era ___ umas pedras pequenas assim, que aparecem na superfície numas jazidas dessa, mas ele olhou, era tudo ferro. Ele falou: “Não é possível que esse negócio é ferro nobre, né?” Aí o cara abasteceu o helicóptero, pegou o helicóptero, voou para outra clareira, que eram, sei lá quantas clareiras são lá, tem centenas de clareiras nessa região da Amazônia. Voou para uma, para outra, para outra, para umas cinco ou dez, todas elas eram minério de ferro puro. Ele ficou... bestificado segundo ele, voltou para o escritório da Meridional, chamou o chefe dele e falou: “Rapaz, fiz uma descoberta hoje, que é a maior do mundo.” E contou para o americano esse negócio. O americano não acreditou, mas já era tarde. No dia seguinte os dois pegaram o helicóptero, foram lá, analisaram, andaram as clareiras, tudo minério de ferro. Quer dizer, não sabiam até que profundidade que tinha minério ali, né. Mas sabia que era um sinal que ali era uma jazida, um depósito de ferro, independente de determinar qual era o volume de minério que tinha ali. (United States 2?) que era a dona do Meridional, né? Então a primeira coisa que faz quando você acha um mineral qualquer no país, pelo código de minas, você tem que requerer ao DNPM?, Departamento Nacional de Produção Mineral... um processo: você tem que fazer um requerimento requerendo uma área a determinar as coordenadas da área que você está pedindo, o governo dá aquilo ali, a concessão para você explorar aquela área. Pode ser ouro, diamante, o que você acha que tem ali. A (United States 2?) preparou o requerimento e pediu a área do Carajás, é capaz de ser quase igual à área de São Paulo. Só sei que a (United States 2?) entrou com um pedido monstruoso de concessão, para uma área monstruosa ali no Pará. Bom, eu não sei, até sei mas acho que não vale a pena falar aqui. Não sei se eu posso falar. Foi feito um arranjo lá que a Vale do Rio Doce ficou sabendo do negócio, fez um requerimento igual. Também não tenho nem certeza se isso é verdade, é o que me contaram lá na Vale, era isso. Correram à DNPM também, entrou com o pedido da mesma área que a Meridional tinha pedido, o pessoal da DNPM chamou as duas empresas lá, falou: “Todas as duas pediram, como é que eu faço?” Primeiro que é uma área muito grande para dar para uma firma estrangeira a concessão, para um americano ___. “É o seguinte: está aqui, vocês dois façam uma empresa com a participação de vocês dois e venham com o pedido dessa empresa que a gente dá a concessão dessa empresa.” Foi criada uma empresa chamada...
P/2 - (Anza?).
R - Não, antes da Anza. Anza já era Amazônia...
P/1 - (Valueque?)?
R - (Valueque?). (Valueque?) era Vale e (United States 2?). (Ueque?) é da (United States 2?). Acho que é isso, (Valueque?). Foi feita a empresa, o governo permitiu a concessão das duas empresas, começaram a estudar e viram que o depósito era gigantesco, de minério de ferro. Depois começaram a fazer sondagem. Mas sondagem são aqueles furos na terra que vão até, sei lá, 500 metros, sei lá. E viram que o volume... a Vale parou de sondar aquelas (jarras?) quando chegou a 18 bilhões, ter certeza de que tinha 18 bilhões de toneladas de minério de ferro ali. Quer dizer, dava para fazer o projeto que nós fizemos, trabalhar 500 anos. Não adiantava investir mais em pesquisa, né, de ferro, daqui a 400 anos quem estiver lá vai pesquisar lá e provavelmente vai achar lá é minério, a vida útil do projeto vai ser maior e tudo. Então aí é que acharam o Carajás, né? Acharam esse depósito de ferro, monstruoso, e a Vale queria já fazer um projeto para tirar aquele minério, para beneficiar o minério e vender o minério. E a (United States 2?) não queria, ela queria ser dona da jazida que era da Vale, mas não queria, naquela hora ela não estava querendo explorar minério de ferro, ela estava procurando era manganês e queria era manganês, sei lá por que. Então ficou aquela briga, a Vale querendo, fazendo força para fazer o projeto, a (United States 2?): “Ah, não, não temos dinheiro agora, vamos deixar para depois.” Ficou uma discussão assim até que chegou num ponto que a Vale um dia deu um aperto na (United States?). Disse: “Olha, eu pago para você tudo que nós gastamos de prospecção aqui nessa mina, metade você pagou e metade a Vale pagou. Então eu te reembolso a metade que você pagou.” Acabou dando 50 milhões de dólares para a (United States 2?) e ela abriu lá a mina. Então a mina ficou toda para a Vale do Rio Doce. Depois disso foi achado reserva de bauxita imensa lá no Carajás, reserva de ouro, reserva de cobre, é uma província mineral, como dizem os geólogos, têm minério de quase todo tipo ali naquela região. Quer dizer, a (United States 2?) fez um péssimo negócio vendendo a parte dela para a Vale. Mas aí a Vale partiu então para fazer o projeto Carajás. Foi o último projeto que eu gerenciei na Vale do Rio Doce, né, aí eu fui... nessa época eu estava na Albrás, o Eliezer me chamou, ele tinha tomado a decisão de fazer o projeto Carajás, já tinha equacionado tudo no financeiro para isso. Era um investimento de 5 bilhões de dólares para fazer o projeto. Então me chamou para dirigir o projeto. Eu saí da Albrás, fui então mexer com Carajás. Trabalhei com Carajás o que? Uns dez anos até implantar o projeto todo, oito anos talvez. E depois disso acabei me aposentando, uns três anos depois me aposentei, não tinha nenhum outro projeto grande assim em vista para ser feito na Vale. Também tem que ter um desafio, um negócio bom para a gente fazer, quer dizer, fazer uma outra obra pequenininha não ia ter graça nenhuma e a gente ia ficar frustrado lá. Mas também completei o tempo de aposentadoria, já tinha uns dez anos de polícia que eu tinha lá trás, que entrava na contagem. Mas eu aposentei com 44 anos de serviço, contando os dez de polícia. Na época a Vale... acho que tinha uma campanha já do governo para as empresas reduzir o efetivo. Então a Vale fez vários planos, assim, para incentivar quem tivesse tempo para aposentar que se aposentasse. Aliás, o problema maior da Vale era na ferrovia Vitória-Minas, tinha muita gente, cheio de maquinista, guarda-freio, pessoal de manutenção, que tinha tempo para se aposentar e não se aposentava porque o cara aposentando ele sofre uma redução de salário, né, então ninguém aposentava. E a Vale estava precisando de renovar a equipe, botar uma equipe mais nova, os caras já estavam velhos. Aí ela criou esse plano de incentivo à aposentadoria. Não foi por determinação do governo não, a Vale foi a primeira empresa a fazer isso. Fez lá essas contas de economia e viu que era vantagem. Mesmo se ela desse uma gratificação para o cara aposentar, ia botar um cara novo no lugar, ia produzir mais do que aquele, né? Então ela fez um plano. Teve o primeiro, teve o segundo, o terceiro, acho que eu entrei no quinto plano de incentivo à aposentadoria. Eu já tinha tempo para me aposentar. Dentro da Vale não tinha nenhum grande projeto em vista mais. A Vale fez uma associação com a Companhia Suzano de papel e celulose de São paulo, para fazer uma fábrica de celulose no sul da Bahia, a Bahia Sul Celulose. Aquele eucalipto todo que ela vinha plantando, com aquele negócio de incentivo fiscal e tudo lá, com os eucaliptos que vieram de Espírito Santo, dava para fazer até mais de uma fábrica. Então, ele resolveu junto com a Suzano fazer essa fábrica. Só que a Suzano é que era majoritária no projeto. Uma certa época aí, atrás aí, o Congresso brasileiro aprovou uma lei que toda estatal, para criar uma nova subsidiária tinha que pedir aprovação ao Congresso. Um negócio completamente errado que eu acho, isso. E a gente viu que o negócio saiu errado, o interesse do Congresso realmente era outro. A Vale tinha um projeto pequeno na época e falou: “Bom, vamos tentar isso, vamos pedir ao Congresso licença para criar uma subsidiária para fazer esse projeto. Não deu outra. Pegou, ela tinha um assistente que era um ex-político, ele tinha sido deputado em Minas Gerais, tinha sido chefe de gabinete do Aureliano Chaves quando governador de Minas, esse indivíduo era assistente do ElIezer na Vale. Então falou: “Bom, vai lá no Congresso e conversa com aqueles caras, vai ___lá o voto para aprovar o projeto, o pedido que nós vamos tocar lá.” O cara voltou de lá escandalizado. O cara virou para ele e falou assim: “Ah, se me der duas ambulâncias para mim dar lá para os meus eleitores, eu voto a favor.” _____ era assim: “Eu quero um carro para mim, eu quero duas ambulâncias para... ou oito ambulância”, sei lá, “para distribuir lá para os meus eleitores aí eu voto a favor.” Quer dizer, a Vale ia gastar mais dinheiro com a aprovação, se fosse atender o pedido dos deputados todos, do que com a própria obra. Então, desistiu. A partir daí, todos os projetos da Vale que ela fez ela foi minoritária nos projetos. A não ser o Carajás, porque o Carajás é ela sozinha, ela não tem associação com ninguém. Então aí, o capital foi todo dela, né? Mas também não precisou de... quer dizer, era época de ditadura, que a Vale levou esse projeto ao governo, o presidente da república aprovou o projeto, considerou o projeto prioridade 1 nacional, então acho que deputado nenhum nem questionou nem nada e ficou aprovado. Mas aí a associação que ela fez com a Suzano para fazer essa fábrica de celulose no sul da Bahia, a Suzano é que ficou a majoritária para não ter que pedir licença ao Congresso brasileiro. Porque se a Suzano tinha a maioria do capital era uma empresa privada, não era uma empresa estatal, dentro dos conceitos, né? Por isso todos os outros projetos dela foram assim, sempre o outro sócio é que tinha a maioria do capital. E a Suzano... o acordo com a Suzano tinha sido assinado, aí o dono lá da Suzano, Marcos (Swef?, um dia ligou de São Paulo, pediu para marcar, para mim... se podia recebê-lo aqui que ele queria conversar comigo, marquei uma hora com ele, ele veio ao Rio. Chegou lá, me contou: “Olha, Renato, nós acabamos de assinar o acordo com a Vale do Rio Doce para fazer uma fábrica de celulose no sul da Bahia. A Suzano é a majoritária no projeto. Bom, mas nós sabemos que você, que é da Vale do Rio Doce, é que tem experiência de implantar empresas assim, igual o Carajás, no meio da floresta Amazônica, em Uberaba...” Eles sabiam do meu currículo todo. Ele falou: “Então eu vim te fazer uma proposta. Você tem tempo para aposentar. Eu te faço uma proposta que é o seguinte: você pede sua aposentadoria na Vale e eu te contrato lá pela Suzano para você ser o diretor de construção da Bahia Celulose, Bahia Sul Celulose.” Eu falei: “Bom...” Para mim era um ótimo negócio na época, porque eu já vinha pensando em requerer a minha aposentadoria, mas como eu passei, vamos dizer, 30 anos contratando empresas e conhecia dono de tudo quanto é empresa nesse país, eu ficava pensando: “Eu não queria parar de trabalhar.” Eu falei: “Gente, eu vou me aposentar e vou fazer o que? Eu ficava pensando: “Eu acho que eu vou receber convite de empresa assim, para mim trabalhar na... principalmente nessas empresas de consultoria, empresas de engenharia no país, eu vou receber convite desses caras mas os caras vão falar: ‘Renato, foi diretor da Vale...’” Eu não cheguei a falar nisso, que em 86 eu fui eleito diretor da Vale, pela assembléia de acionistas da Vale. Fui diretor de 85 até 88, quando eu me aposentei. O Marcos (Swef?), um judeu sangue puro mesmo daqueles bravos, falou: “Bom, você pode pedir sua aposentadoria, eu te contrato, você vai dirigir a implantação lá da Bahia Sul para mim. Eu tinha medo do seguinte: “se eu me aposentar e não tiver nada para fazer, eu vou receber convite dessas firmas de engenharia, os caras vão falar: “Pô, o Renato é diretor da Vale, tem penetração na área _______, pode arrumar serviço para a gente.” Iam usar mais como um diretor comercial, para arranjar serviço para eles. Eu não gostaria de fazer esse trabalho nunca. É uma área que não me agradaria não. Aí vem o Marcos (Swef?), me convidou para dirigir a implantação da Baía Sul, pedi minha aposentadoria na Vale, aceitei o convite dele, e fui fazer a implantação da Baía Sul. Quando terminou a implantação da Baía Sul aí também o país já estava numa recessão brava, eu não vi nenhum projeto, até hoje, não tem nada para se fazer. Eu também não fiz nada. Estou cuidando da fazenda lá da família. A engenharia está encostada. Que no fim foi isso, a minha vida toda na Vale do Rio Doce. Quer dizer, tive, como eu falei no começo, que eu sempre ocupei posições de destaque na Vale, eu acho que eu ocupei... quer dizer, com cinco anos de formado eu já era o gerente geral de implantação da usina de concentração lá em Itabira, quer dizer, 180 milhões de dólares de investimento, que é um investimento grande. Depois fui diretor de implantação da Cenibra, 220 milhões de dólares, fui diretor de implantação da Vale Fértil, com 240 milhões de dólares, não fui diretor porque Carajás não tinha diretoria, mas fui o superintendente de implantação do projeto Carajás, que estava orçado em 5 bilhões de dólares, e nós concluímos ele com 3,5 bilhões de dólares, fizemos uma economia de 1,5 bilhões de dólares. Muita gente falou assim: “Ah, porque o orçamento era folgado.” “Não, não era não, o orçamento foi examinado e aprovado pelo Banco Mundial, que financiou o quadro do projeto, pelo ____ Banco do Japão, que também financiou o quadro do projeto, e pelo Creditanstalt, um banco estatal alemão que também fez um financiamento do projeto. Esses bancos são sérios à beça, eu passei para o cara ____________, que era um negócio...
E é uma equipe completa a do Banco Mundial, um cara especialista em ferrovia, o outro é em mina, o outro é em porto, porque nós fizemos um porto em São Luís, uma ferrovia de 1.000 quilômetros, a mina do Carajás foi implantada dentro desse projeto. Então os caras vão no menor detalhe, rapaz, eu fiquei um mês sendo examinado por eles. “Como é que você faz para alocar um chumbador...” chumbador são... acho que vocês não sabem o que que é não... quando você faz um prédio de estrutura metálica, por exemplo, então você bota uma coluna, vai ter uma coluna aqui, uma coluna aqui para subir o prédio metálico. Essa coluna tem uma chapa no pé e tem uns furos, esses furos prendem no chumbador, você pega... depende da carga do prédio, mas mais ou menos o chumbador lá era um ferro, assim, de uma polegada e meia, com uns 80 centímetros, vamos dizer, daqui para baixo tem uma fundação em concreto. Então você faz essa fundação, concreta aqui o chumbador já na medida certa, porque a placa que vem furada entra nesse chumbador e você bota as porcas e prende cada coluna ali. Eles ficaram me perguntando então isso: “Como é que uma placa dessa com 18 chumbadores, como é que você vai alocar esses chumbadores para...” E eu tinha que explicar para mostrar para eles que eu sei, eles sabiam, é lógico, o que eles não sabiam é se eu sabia. Mas era duro, me fazia ficar discutindo o dia inteiro em inglês, é um negócio cansativo, meu inglês não era muito bom, até hoje não é muito bom, mas naquele tempo era muito pior. Mas tinha que explicar para o cara para ele ver que eu sabia fazer. “Como é que vai fazer concreto?” “Bom, pois não.” Mostrava as (normas?) brasileiras. “Se eu quero um concreto _____, eu faço isso, isso, isso, uso betoneira, uso usina de concreto, posso fazer até na mão, se quiser um concreto de menor qualidade.” Mas me examinavam mesmo em tudo. Quer dizer, o cara da ferrovia, era até um Argentino que representava o Banco, era o mais chato deles, terrível. O cara de meio ambiente, também, eu não tinha nenhum ___. Naquela época não tinha o que tem hoje de preocupação com o meio ambiente. Havia uma certa preocupação no mundo, mas no Brasil a gente nem ouvia falar isso. E veio um cara, um inglês, que era o cara de meio ambiente lá do Banco Mundial, pô, e eu não podia contrariar o cara, estava dependendo disso para o Banco financiar 500 milhões de dólares. Eu sofri na mão desse cara, nossa senhora. ______o cara de meio ambiente, vinha perguntar como é que vai fazer, e eu na hora ali tinha que arrumar uma resposta que agradasse a ele. Porque na verdade eu não tinha pensado, não estava preocupado com o meio ambiente. Não era preocupação.
P/1 - Perguntavam o que, assim?
R - “Quanto é que você vai desmatar para fazer?” Eu falei: “Depende. O projeto não está pronto ainda, vai depender do tamanho do projeto.” “Bom, eu vou fazer, ___________ seria a floresta amazônica. Então vou fazer uma casa aqui de 100 metros quadrados, quantos metros eu vou desmatar?” “Sei lá, talvez 200 metros para afastar um pouco a floresta.” Mas num projeto de mineração que tem britador primário, secundário, peneiramento, sei lá quantos quilômetros de correia transportadora descendo a serra para levar o minério lá embaixo. Eu falei: “Não posso falar hoje, eu vou desmatar estritamente o necessário para fazer, para implantar o projeto, vai depender das dimensões do projeto.” Tinha que me safar de alguma forma, senão eles não aprovavam não. E tinha muita briga com ele, eu achava que ele exigia... eu lembro de um dia que ele, um fim de tarde, eu estava cansado já de discutir, eu devo ter dado alguma resposta mais mal-humorada aí porque eu não gostei, ele falou assim: “Olha, você sabe de uma coisa: o dia que a Vale acabar de tirar essas 18 bilhões de toneladas de minério de ferro lá na mina, vocês vão ter que recompor o relevo daquela montanha lá, hein.” Eu falei: “Pô, agora você endoidou, cara, onde é que eu vou tirar terra para recompor aquele relevo?” Porque o minério saiu, foi embora para Europa, o Japão, sei lá para onde. “E onde é que eu vou arrumar, onde eu for tirar a terra eu vou fazer outro buraco, pô. Só se eu for buscar lá nos Estados Unidos, que aí até encher aquele buraco lá...” Que ele viu que ele falou uma besteira, ele ficou assim meio querendo mudar de assunto e eu não deixava: “Não, agora você vai me falar onde é que eu tenho que buscar essa terra para...” Ele acabou suspendendo a reunião, deixa para o dia seguinte. Mas tudo era... também ele devia estar cansado de conversar com um brasileiro que não falava direito o inglês, ele tinha que explicar muito mais as coisas que ele queria.
P/1 - As reuniões era onde, lá mesmo em Carajá?
R - Não, aqui. No Rio de Janeiro. Num escritório que a gente tinha aqui montado.
(PAUSA)
P/2 - Então, mas eu queria que o senhor contasse um pouco esse preconceito aí com o engenheiro de obras, isso se alterou na Vale?
R - Não, não. Acho que pode ter amenizado um pouquinho, mas sempre teve um negócio... para mim que era engenheiro de obra era um negócio doído. Porque, vamos dizer, vão fazer a usina de concentração de itabirito. É um negócio para tratar minério de ferro. Quem entende de minério de ferro são os engenheiros de minas que mexem com a mina lá, eu sou de obra, não entendo praticamente. Sei um pouco, sei, mas não entendo de minério de ferro. Eu aprendi de estar convivendo com eles ali. Então quando a gente faz um projeto novo, quer dizer, quem vai definir qual é o tamanho do britador que vamos usar é alguém da área de minas que vai definir isso. Qual é o processo que vai usar? Vai ter um primário, vai ter uma peneira, de que tamanho de tela de peneira, depois vem o secundário, como é que é o secundário? Essa especificação toda do equipamento eles de operação é que tem que fazer. É o mesmo caso de ferrovia. Que tipo de locomotiva vai ser usado na ferrovia? É alguém da ferrovia que vai dimensionar isso. No fim, vamos dizer, eu coordenava o projeto, as firmas de engenharia contratadas para fazer o projeto eu coordenava. Mas eu falava: “Olha, as definições eram obtidas junto com o pessoal de operação.” Sei lá, então vamos dizer, a ferrovia: “nós vamos usar trem aqui de 160 vagões, cada vagão pesa tanto, qual é a carga por eixo do vagão vendável...”. Então o dimensionamento vai passar a sei lá quantos trem por dia, a frequência de trem, um negócio assim. Quer dizer, o dimensionamento é a empresa de engenharia que faz. Mas os dados para o dimensionamento o pessoal de operação é que tem que fornecer. É um negócio muito desgastante, e sempre foi, a discussão entre a gente de obra e o pessoal de... Porque também eles não têm a vivência de obra. Eles... eu lembro no projeto Carajás... tinha já um superintendente de operações do projeto Carajás, que estava em obra. Mas ele que cuidava das... aprovar ou não, sei lá... uma empresa de engenharia, por exemplo, sugeria usar um equipamento qualquer. Quer dizer, quem ia ver se era viável, se valia a pena usar aquele equipamento lá era alguém da operação. E a gente quando é de obra: “Está bom, é esse aqui, está definido? Então eu providenciava a compra daquele equipamento e a instalação do equipamento, o meu serviço era esse. E fazer a firma de engenharia produzir o projeto dentro do planejamento que foi estabelecido no início do trabalho dela, controlar os custos para ficar dentro do orçamento também, quer dizer, eu tinha que controlar muito prazo e a parte financeira, não podia gastar mais. Não devia gastar mais, se o primeiro planejamento financeiro foi bem feito, tinha que ficar dentro daquilo. Porque se faltar dinheiro também você não faz o projeto. Então o de Carajás, por exemplo, que foi orçado em 5 bilhões de dólares era um orçamento complicado para a gente. Você tem que ter uma equipe boa mesmo para ficar acompanhando aquilo. Mas eu lembro um dia, já tínhamos comprado os caminhões de minas lá para o Carajás, os caminhões já tinham chegado, são caminhões de 250 toneladas cada um, as escavadeiras já tinham chegado para botar o minério no caminhão, estava já caminhando para o final do projeto. Aí tinha uma estrada para fazer, que era a estrada do britador primário até a frente de mina. E não estava previsto pavimentar essa estrada, era abrir a estrada mesmo, fazer terraplanagem, abrir lá naqueles barrancos a estrada, botar uma rampa razoável para os caminhões trafegarem. Aí numa reunião lá na diretoria o diretor de operação falou assim: “Renato, você podia fazer um negócio, hein, rapaz: deixa essa estradinha para mim fazer, porque eu faço ela com as escavadeiras que já chegaram, com os caminhões que já chegaram, eu treino o motorista do caminhão, treino o escavadeirista operar a escavadeira.” Eu falei: “É um negócio lógico. Uma chance boa de treinar o pessoal.” Eu falei: “Está bom, mas precisa tomar cuidado, ________” que era o diretor de operação. “Eu preciso tomar cuidado com o seguinte: eu tenho um orçamento para aquela estrada. Você não pode gastar mais do que aquilo porque se você gastar vai debitar no meu orçamento a importância maior do que aquela. E eu não vou querer justificar um gasto extra que o seu pessoal está fazendo. Eu acho que é anti-econômico, em termos de contabilidade.” “Que é isso, rapaz, uma escavadeira daquela, aquilo pega um Volkswagen inteiro duma vez, vai fazer muito mais rápido, muito mais barato.” Eu falei: “Não é mais barato. Se fosse mais barato os empreiteiros estavam usando escavadeira para fazer terraplanagem, não usava _____.” Também é a falta de visão de obra que eles têm, isso causava muita briga entre a gente. E também muita discussão. Discutimos, discutimos, no fim um vice-presidente que estava lá tomou a palavra, decidiu. Falou: “Não, fica assim, deixa essa história. Então o pessoal do _______ faz essa obra.” Eu falei: “Está bom. Se tiver estouro na verba da estrada ele é que vai ter que justificar para vocês da diretoria, eu não vou justificar nada, eu não tenho nada a ver com isso. A decisão foi tomada, eu respeito, vai ser feito assim, mas eu não vou justificar gasto excessivo dele.” “Está bom.” Uma reunião meia chata assim. Passado uns dois meses, eu ia toda, sei lá, quase toda semana eu estava lá no projeto. Vi lá os caminhões, a escavadeira trabalhando, eu sei que faziam, só que não era a maneira mais econômica. Bom, uns três meses depois numa reunião da diretoria, o __________vem com essa: “Olha aqui, está vendo? O seu orçamento...” eu não lembro mais quanto era não, vamos dizer que fosse... um número qualquer... 500 milhões para fazer aquela estrada, que não é isso, né? “Está aí, olha, eu fiz com 200 milhões. Ficou muito mais barato do que se você desse para uma empreiteira fazer.” Eu falei: “Não acredito. De jeito nenhum. Argumentei, falei: gente... ainda falei para a diretoria toda... se fosse mais barato o empreiteiro ia usar a escavadeira e caminhão _____de estrada, em vez de usar ________. Por que que o empreiteiro vai usar um negócio... se um empreiteiro entra com escavadeira e caminhão e é mais barato, assim ele ganhava a concorrência, tranquilo. E os caras, os empreiteiros são treinados, eles são competentes naquele serviço deles, se ele fez com ________ é porque é a melhor forma de fazer é aquela.” “Não, está aqui, olha.” “Você me dá uma cópia dessa para mim verificar o que que você apropriou aí? Eu não sei se vocês estão acostumados a mexer com orçamento, mas tudo, tudo que a gente faz numa empresa, você tem um orçamento, e um item importante no orçamento é a depreciação do equipamento que você tem.” “Se você vai fazer um orçamento aqui...” “Bom, eu vou... orçamento detalhado mesmo, vamos gravar esse papo que nós estamos tendo aqui. Quanto é que custa aquela câmera ali?” “Custa tanto.” “Qual é a vida útil daquela câmera? Sei lá, vamos dizer que seja 3 mil horas de trabalho. Então quanto é que vai custar cada hora trabalho? Aquele valor você tem que botar em todo serviço que você faz. Porque no fim de 3 mil horas provavelmente ela não vai valer mais nada, você vai ter que comprar uma nova. Quer dizer, a vida útil do equipamento acabou, ele acaba também.” Isso é um conceito usado em contabilidade de toda empresa. Então fui ver a composição do trabalho lá que o diretor de operações tinha me dado, não tinha um tostão de depreciação dos caminhões, nem da escavadeira. Eu falei: “Ah, isso é uma pilhéria.” Ali na mesa mesmo, ele ouvindo: “E cadê a depreciação desse equipamento?” “________O equipamento está lá mesmo!” “Mas não é isso, você está depreciando, você está usando o equipamento, você está gastando ele. Ele está rodando, está gastando a roda, está gastando o eixo, está gastando o motor, tudo isso, uai!” Discutimos isso, rapaz, uma semana. No fim, eu falei: “A obra fica para lá, não quero saber disso não. Que está errado o critério de vocês, está. Vai apresentar um lucro fictício, que não é verdade.” Se você não contabilizar essa... te lei! Existe lei no país determinando como é que você faz a depreciação de cada equipamento, do carro, da mesa, de tudo que você tem como material e equipamento que você usa. Tudo tem uma vida útil, que seja 10 mil horas, um equipamento você usa geralmente 10 mil horas de vida útil para ele, dependendo, a escavadeira, por exemplo, é 10 mil horas trabalhadas. No fim as 10 mil horas... isso é uma estatística obtida mundialmente, no fim de 10 mil horas o equipamento já não dá mais reforma, já não vale a pena, tem que comprar um novo mesmo e jogar aquele fora. E se você fez essa depreciação dentro da sua contabilidade certinha, então você tem recurso, ali na contabilidade, para pegar aquele dinheiro e comprar um equipamento novo. Mas foi uma briga, rapaz, que no fim não teve saída. Não adiantava, o cara não queria entender. Mas isso aí dava muito desgaste entre o pessoal de obras e o pessoal de operação, sempre deu. É terrível. E não é condenável, eu lembro quando eu fui fazer a usina de concentração em itabirito, aquela de 180 milhões de dólares,____ um prédio... não me lembro mais não, mas o prédio deve ter uns... o prédio todo de estrutura metálica, cheio de equipamento, o minério de ferro pesa como o diabo: quatro toneladas por metro cúbico. E dentro daqueles equipamentos está tudo cheio de minério de ferro passando ali o tempo todo, quer dizer, você tem que levar tudo isso em consideração quando você dimensiona o prédio. Eu lembro que tinha colunas, as colunas metálicas da base do prédio deviam ter 1 metro e 20, assim, mais ou menos de largura. Era um negócio gigantesco. Nós estávamos fazendo, já tinha comprado essas colunas, já estavam lá, já estavam montando o prédio com essas colunas. Um dia eu cheguei no meu escritório 7 horas da manhã, eu morava lá em Itabira. O superintendente das minas estava lá na minha sala me esperando, quer dizer ele era um cara... o nível dele era maior do que o meu, apesar de ser de departamento separado, ele era de minas, eu era de obras, mas de qualquer jeito o nível dele era maior do que o meu. Cheguei, cumprimentei, falei: “O que é que foi? Você cedo aqui?” Ele: “Rapaz, eu tive uma ideia essa noite fantástica. Estou aqui te esperando desde 6 horas da manhã para te contar a ideia.” (PAUSA) Bom, o cara da Vale disse para mim: “Renato, por que que nós não fazemos esse prédio de madeira, Renato?” Eu falei: “Rapaz, você está louco? Endoidou de vez, pô? Como é que eu vou fazer um prédio desse de madeira, olha lá aquela coluna metálica.” E é lógico, estava muito mais distante que a madeira. E depois hoje você não consegue carpinteiro, você pode fazer um perfil de madeira até que substitua aquela estrutura metálica, tenha a mesma resistência dela, mas vai ser muito maior do que ela, eu falei: “No Brasil hoje não tem gente, mão-de-obra para fazer isso não, ficar compondo uma viga de madeira com vários pedacinhos de madeira, não tem cabimento, depois já comprei, já paguei, já está tudo aí, agora vou fazer o que com essas colunas agora?” “Ô, rapaz...”, ele era gaúcho, “você vê que o nosso _______comprou dos americanos em 42 está lá perfeita, o diabo da madeira.” Era uma madeira boa e o tratamento que eles fizeram da madeira, foi muito bom, ela era toda pintada de preto, de uma forma... Não deu bicho nunca, não estragou nunca o negócio, até desmanchar a madeira estava perfeita. “Vê lá a madeira.Está perfeita!” Eu falei: “Primeiro que aquela madeira é do americano, aquele tratamento que foi dado na madeira foi dado por americano, nós estamos aqui no Brasil em Itabira, não tem carpinteiro no Brasil para fazer isso, não tem, se você procurar hoje no Brasil você não acha. Eu estou procurando para mim hoje... abrindo um parênteses dessa história toda... a fazenda lá tinha duas casas: tem essa casa com 80 metros de fachada e do lado dela tinha uma outra que meu pai fez, quer dizer, quando ele casou, ele fez uma do lado... deve ter uns 20 metros de fachada, para ele morar com a minha mãe. Porque na outra morava a mãe dele com os onze irmãos dele. Para não ficar tudo na mesma casa... ele fez uma do lado. Eu desmanchei essa que... onde eu nasci, eu desmanchei ela outro dia. Saiu madeira que dá medo, a quantidade de madeira que deixou lá, rapaz, é um negócio fantástico. Que é uma madeira que existia... hoje não existe mais... chamada (braúna?), que os esteios dela são todos assim de 50 por 50 feitos de (braúna?0, é uma madeira que não estraga nunca, está lá perfeita, o estado, tudo. Desmanchei, empilhei tudo, as tábuas, tábuas de 1 metro de largura de cedro, de todo jeito. E falei: “Agora, o que que eu vou fazer com essa madeira toda? Tirei para evitar pegar fogo, não tem ninguém morando na casa, não tem ninguém cuidando, “acho que eu vou fazer esse mal pior”. Está tudo empilhado, guardado lá, eu falei: o que que eu faço com essa madeira agora? Falei com minhas irmãs, falei: “Tem umas madeiras, não tem o que fazer.” “Vende aquele negócio!” Que que vai fazer com aquilo? Ninguém vai para a fazenda fazer a casa lá. “Vende aquele negócio.” Eu tentei vender... (PAUSA)
(fim da fita II)
Bom, eu sei que de noite eu sonhei com esse filme, pensei nisso lá no meio daquela floresta, principalmente baseado na experiência do Henry Ford, que ele veio para o Brasil na época da guerra e criou um projeto... criou uma cidade no meio da Amazônia ali chamada Fordlândia. Criou a cidade, fez as casas, tudo, para plantar a seringueira e para obter mais borracha para o esforço de guerra americano, que estava precisando de borracha para carro, avião, para esse negócio todo. E não conseguiu, o projeto dele fracassou na Amazônia. Eu ficava pensando: “Gente, se o Henry Ford fracassou na Amazônia, eu vou fazer... como é que eu vou fazer um projeto ali?” Eu falava: “Acho que eu estou sendo muito pretensioso em topar essa parada, não vai ser fácil, não.” Mas no fim foi fácil, gozado, né? Eu não sei porque que o Henry Ford fracassou lá. Para falar a verdade eu não sei, porque também eu não conheço em detalhes o que que ele tentou implantar. Eu sei que a cidade tem lá, as ruínas, eu sei que tem uma ruína abandonada, e tudo. Sei que não conseguiu obter borracha aqui. Acabaram roubando a semente das seringueiras, que era proibido pelo Brasil, acabaram levando lá para... eu tive na Libéria lá, uma viajei, assim, umas seis horas de carro dentro de uma floresta de seringueira. Floresta mesmo, só seringueira, tudo em linha reta, para colher o látex ali é muito mais fácil, não tem mato. Na Amazônia não, o sujeito acha uma árvore aqui, acha outra a 10 metros, a outra está a 50 metros, o cara vai andando no meio daquele mato procurando seringueira para coletar o látex. E o Ford ia fazer isso. Fez... tentou fazer uma plantação, não conseguiu. Sei que não teve sucesso. Eu falei: “Eu agora aceitei fazer Carajás na mesma situação, estou roubado.” Mas não sei, foi fácil fazer o projeto, era muito serviço, mas não foi... nós tomamos todos os cuidados, na primeira sorte também da gente ter entrado___, procuramos a (Sucan?), que é um órgão do governo que cuida dessas... não sei se endemia, essas doenças endêmicas que tem no país. Então, o medo de malária que eu tinha por exemplo a Sucan me deu uma orientação e eu segui, nós não tivemos problema nenhum com malária lá no meio da floresta. Era assim: você tem que afastar a floresta, as casas têm que ficar no mínimo 100 metros afastada da floresta porque o mosquito tem voo curto, então ele não consegue voar 100 metros. Então a casa está aqui, o mosquito que sai lá do meio do mato não consegue chegar até aqui. O mosquito de malária ataca entre 5 da tarde até escurecer, ou de manhã, às 5 da manhã, até 6 e meia da manhã, é a hora que ele morde você. Tem que evitar, proibir negócio de nego... vai sair para pescar depois do expediente, 5 da tarde, vai pegar malária, não pode, é proibido isso. Tomando esses cuidados todos não tivemos nada de crise de malária, o serviço não sofreu nada com isso. Todo mundo funcionando tudo bem. Onça, também, tem onça lá mas não é onça desse jeito. Para falar a verdade, nós tivemos dois contatos direto com onça, um deles foi curioso porque chegou lá um dia um avião da... quer dizer, para botar aquele pessoal todo trabalhando no meio da floresta eu tive que fazer um senhor hospital lá, senão o cara não leva a família para lá, quem é que é doido de ir com família para um lugar que não tem hospital? Fiz um hospital de madeira, contratei uma equipe médica para administrar o hospital, tinha um bom hospital. Um dia chegou um aviãozinho da Funai lá levando um índio. Rapaz, que figura que estava! O couro cabeludo dele tinha sido arrancado, você só via o osso aqui da cabeça, o couro estava todo pendurado aqui assim, do lado dele, sabe como é? Ele tinha um talho aqui, um índio forte para diabo, o braço dele quase era da grossura da minha coxa, tinha um talho aqui no braço assim, o talho era dessa profundidade assim, aquilo aberto. Eu falei: “Esse cara vai morrer!” E a Funai falou: “Não, viemos aqui, os ossos só o senhor para tratar porque ele encontrou com uma onça no meio do mato e matou a onça no braço.” Ele não tinha nada na mão, rapaz!
P/2 - E sobreviveu?
R - Sobreviveu, não tinha uma fratura, levamos ele para o hospital, os médicos examinaram ele todo, radiografaram, não tinha uma fratura. Matou a onça na mão. Eu ficava pensando: “Se fosse eu o que que eu ia fazer, eu ia agachar no chão e deixa me morder, me comer, o que que eu vou fazer? Reagir contra uma onça? Tanto o índio reagiu e ele matou ela na mão, quebrou o pescoço da onça. Desgraçado! Foi um contato que eu estou dizendo que tivemos com onça. Teve um outro mais trágico, aí o projeto já estava até pronto, nós construímos também uma cidade lá para alojar o pessoal todo, tem um hospital excelente, tem cinema, teatro, supermercado, hospital, clube, tudo que uma cidade precisa. Tem uma cidade confortável lá. Mas não cercamos a cidade. Nunca apareceu onça lá, dentro do canteiro nosso, por exemplo, nunca apareceu onça. Não é que depois já em operação a onça entrou lá, pegou o menino lá e comeu o menino? Filho daqueles moradores lá. Aí cercamos, foi cercado tudo para evitar um negócio desse, né? Mas na verdade a floresta... eu acho que não tem muito bicho naquela floresta não, sabe? Tem um conhecido meu que morreu lá uma certa época, o avião dele, (que era engenheiro?), o avião dele caiu lá, eles ficaram uns 45 dias procurando o rapaz. Ele era de família rica lá em Belo Horizonte. Procuraram até, acabaram não achando. Uns meses depois acharam o esqueleto dele. Ele não morreu na queda do avião, morreu depois de fome ou sei lá se algum bicho que matou ele, não sei. E foi fazendo um diário, sabe como é? Num caderno qualquer que tinha lá, ele foi escrevendo no diário todo dia. Foi até... não sei se virou livro não, mas foi publicado em imprensa esse diário dele. Mas a floresta é um negócio tão fechado, dentro da floresta parece uma sauna, sauna a vapor, muito úmido, e um calor, aquele negócio parece que fica evaporando, assim, igualzinho sauna. A gente se sente mal no meio daquela floresta. É fechada demais. E quando cai um avião, geralmente um avião pequeno, as asas que ele tem é de 60, 80 metros de altura. Então um aviãozinho desse cai, quer dizer, quando ele cai aqueles galhos lá em cima são mais finos, os galhos abrem, o avião cai e eles fecham de novo, alguns quebram, outros não, mas eles tampam, o avião fica lá em cima, a 50 metros de altura, parado enganchado numa árvore, provavelmente. Mas quem está sobrevoando procurando o avião não vê porque a folhagem fecha em cima dele, ele fica... você não consegue ver. E o cara que sobreviveu lá em cima não caiu do tombo mas ele não desce lá de cima. 50 metros! Quando a árvore chega lá embaixo, o negócio tem 5 metros de diâmetro, não dá para descer pelo tronco. É complicado, quando o cara cai lá ele morre mesmo, não tem. Esse cara que fez o diário por exemplo, durante os... o diário dele acho que descreve uns 40 dias, sei lá, 30 dias, mais ou menos, não sei qual era o tempo mais que ele escreveu. A única coisa que ele comeu foram dois ovos de passarinho que ele achou no ninho. Nesse tempo todo. Quer dizer, não tem nada para o cara comer no meio daquela floresta, nem bicho não tinha. Se tivesse também não sei se ele tinha arma para matar o bicho, não, mas... deve ter morrido mais de fome do que de qualquer outra coisa. (PAUSA) Um outro caso interessante da floresta Amazônica... logo no começo eu contratei várias pessoas para trabalhar e contratei um contador, a gente precisava de vários contadores lá para cuidar da parte contábil, foi contratado um para ir para lá. “Aí, como é que vai?” Eu falei: “Nós estamos construindo já as casas de madeira para alojar o pessoal de obra. Mas não tem uma casa para você hoje. Você faz o seguinte: você leva a sua família para Belém, muda para lá, e você vai lá para a Serra trabalhar. Chegar nos fins de semana, você pega um avião, vai lá , passa o fim de semana com a sua mulher e seus filhos lá em Belém, e segunda-feira vem para o serviço outra vez. O dia em que a casa ficar pronta, está bom, aí a gente leva a sua família para lá. Ele ficou nesse negócio, mas aí começou a namorar uma moça que trabalhava lá no projeto, uma moça solteira que tinha lá no projeto, ele começou a namorar a menina, também eu não tenho nada com isso, né? Eu lembro que num dia seguinte ao dia de finados, em determinado ano lá, o cara não apareceu para trabalhar. Eu falei: “Pô, como é que não apareceu?” Não era feriado emendado, o finados com o fim de semana. Então eu falei: “Ele não deve ter ido a Belém por um dia só.” Não dava. Não valia a pena gastar o dinheiro para ir lá e voltar. Todo mundo procurando ele, ninguém achou o cara. Uns dois dias depois apareceu um amigo dele... ele tinha amigo lá, um empreiteiro... o cara falou assim: “Olha, ele falou comigo que como a casa dele fica pronta a semana que vem, aí a família dele vem para cá, então ele resolveu fazer um piquenique com a namorada dele para despedir, todo mundo falava que tinha uma cachoeira linda ali por perto dos nossos projetos, aqui não tinha nada. Ele falou que ia procurar a cachoeira com a namorada dele e fazer um piquenique para despedir, que a semana que vem a mulher dele chega. Sumiu o cara, rapaz. Nós chamamos dois helicópteros, botamos os helicópteros sobrevoando ali tudo para ver se achava o cara, não acha, a floresta é muito fechada, você não vê nada. No fim em Marabá tem um batalhão do exército, um batalhão da selva do exército treinado para negócio em floresta. Fomos lá, conversei com o comandante, pedimos, ele colocou uma equipe à minha disposição. Os caras pegaram os nossos helicópteros, sobrevoaram, levamos mais de dez dias para achar os dois. Eles estavam perto de morrer.
P/1 - Acharam os dois?
R - Achamos.
P/2 - Acabou o casamento, né?
R - Mas a mulher dele nós mantivemos lá em Belém, não deixamos ela nem saber. Provavelmente quando ela veio cá para o acampamento de Carajás ela acabou sabendo. Tem sempre alguém que conta, né? Mas não deixamos ela saber. ________se a mulher dele telefonava, inventava desculpa, falava que ele estava em reunião em outro lugar, que ele não está aqui, não vai falar que o cara está sumido! Eles estavam na beirada de um rio, assim, já a uns 30 quilômetros do lugar onde eles entraram na floresta. Eles entraram junto na casa de hóspede. Tinha uma casa de hóspede, que a gente recebia continuamente visita, eu tive que fazer uma casa de hóspede para elas. Então eles passaram pela casa de hóspede e entraram na floresta ali para procurar a tal cachoeira. Pô, rapaz, como é que acha a volta? Não acha. Eles estavam dando dó. Mordidos de mosquito, arranhado feito uns desgraçados, sabe como é? Tivemos que internar eles lá, eles ficaram... a moça pediu demissão assim que ela teve alta do hospital, ela pediu demissão e foi embora. E ele foi para Belém buscar a mulher dele, todo arranhado ainda, aqueles arranhões, aquele negócio, aquilo custa a cicatrizar mesmo. A desculpa que ele deu, ninguém sabe. Piquenique desgraçado esse.
P/1 - Moretzsohn, como é que conseguiu montar o pessoal, como é que foi esse processo de arregimentar gente para trabalhar aí?
R - O país já estava em depressão naquela época, já tinha muito pouca obra no país quando nós começamos aquela usina de Carajás. Então tinha uma disponibilidade muito grande de pessoal, tem engenheiro, por exemplo, de obras que todos eles quase estava desempregado. Então só de saber do projeto Carajás, o número de pessoas que procurava a gente todo dia pedindo emprego era muito grande. Nós procurávamos requisitar, vamos dizer, lá em Belém, São Luís, que são perto, perto, assim, 500 quilômetros. Mas a gente não estava, assim... o auxiliar de escritório, esses negócios, a gente recrutou lá por cima mesmo, fica mais barato, pelo menos a mudança do cara é mais barata do que levar um cara daqui até lá. Agora quando eu precisava de um contador mesmo, aí na região não tem, aquele norte é muito pobre. Um outro negócio engraçado, para você ter ideia da pobreza lá da região, eu lembro que um dia... a ferrovia sai do porto de São Luís, atravessa o Maranhão, passa por Imperatriz, que é a segunda cidade do Maranhão, entra no Estado do Pará e vai lá no sul do Pará. Tem 1.000 quilômetros de ferrovia. Então eu dividi a ferrovia em vários trechos, em cada trecho tinha um escritório para fiscalizar, medir o serviço. E tinha um que ficava em Imperatriz. Quando as visitas lá que eu fui... eu lembro, eu fazia isso de helicóptero, ia descendo em cada trecho para ver se o cara tinha problema, se não tinha, como que estava o progresso. Então desci em Imperatriz, corri o trecho ali em Imperatriz, mas aí ficou tarde para a gente levantar voo para o outro acampamento___: “Eu vou dormir aqui, amanhã eu continuo a viagem.” É um engenheiro que era o chefe lá, mas é um engenheiro solteiro. Ele olhou, falou assim: “Renato, tem uma churrascaria nova aqui na cidade, vamos jantar lá, você fica conhecendo a churrascaria. E é o lugar melhor que tem aqui, menos ruim que tem aqui, para a gente comer.” “Vamos lá.” Fomos lá os dois. Chegamos lá, os caras fez um... aqueles negócios de sapé redondo, assim, que faz churrascaria, não sei se vocês já viram, mas no Brasil todo tem daquilo. Mas o negócio era maior do que um campo de futebol. Acho que foi a maior churrascaria que eu já vi em toda a minha vida. E vazio, num dia de semana, não tinha ninguém naquele negócio. Nós entramos, sentamos lá, pedimos uma caipirinha, ficamos conversando, bebendo a caipirinha, de repente dá duas moças, chegaram duas moças, entraram assim, e vieram andando em direção da mesa. Quer dizer, elas conheciam o engenheiro, ele morava lá em Imperatriz. E eu vi que elas vinham, iam olhando para ele, assim, chegou mais perto, ele cumprimentou e elas passaram por nós e sentaram numa mesa, assim. Ainda falei para ele: “Ô, (Sérgio?), você solteiro aqui, deve estar o rei da praça, ganhando bem, engenheiro da Vale do Rio Doce aqui deve estar com um cartaz danado com as moças daqui.” Ele falou: “É, mas elas são muito... o nível não é muito bom, não...” E ficou conversando comigo e olhando lá para as meninas lá do outro lado. Uma hora ele virou e falou assim: “Renato, deixa eu chamar as meninas aqui para... parece que elas estão querendo conversar.” Eu falei: “Pode chamar. Não tenho nada com isso.” Chamou as duas, as duas vieram, elas sentaram, eu procurei ser educado, conversar, perguntei se elas são de ______. Vocês trabalham aqui? O que é que vocês fazem?” Uma era falante, a outra era muda quase, não falava nada. Ela falava: “Não, eu sou professora aqui, eu trabalho, eu sou professora.” Eu falei: “Ah é? Que bom, e você ganha bem? O salário é bom, compensa?” Ela disse: “É, eu estou satisfeita.” Eu falei: “E quanto é o salário? Não é indiscrição, não? Posso perguntar? Quanto é o salário?” “Cinco cruzeiros.” O meu cigarro... eu fumava naquela época, quatro maços por dia, meu cigarro custava seis o maço. Eu falei: “Cinco cruzeiros?” E procurei não fazer cara de espantado também para não... Eu fiquei meio assim, olhei para a outra que não falava nada: “E você, também é professora?” A falante falou: “Ela também é, mas ela ganha três só por mês.” Eu falei: “Por que você ganha cinco e ela ganha três?” “Porque ela é analfabeta” Aí eu falei: “Mas analfabeta é professora? Aí é que eu não estou entendendo” “Ah, não, mas ela é analfabeta, então ela ensina menino assim, como é que escova dente, tomar banho todo dia, pentear cabelo todo dia, isso é que ela faz lá na escola, ela ensina os meninos a fazer isso.” Eu falei: “Gente, como é que pode ter uma professora analfabeta?” Mas também para ganhar três mil réis por mês... três reais. Que país o nosso! Não tem jeito da gente sair dessa posição de terceiro mundo não, pô! Eu acho que não tem mesmo. Se a ponto de contratar... o Estado contratar um professor analfabeto! Provavelmente contratou porque não tem outra para botar no lugar. “Então vai você mesmo que é analfabeta.” Inventa até uma matéria diferente do grupo, ensinar a tomar banho, ou escovar o dente. ________ acho que não ensina isso. É uma pobreza terrível o país da gente. A gente vive num meio bom, Belo Horizonte, São Paulo, não dá para a gente sentir isso de perto, mas é um negócio terrível, como é que pode ser pobre? O engenheiro de São Luís, por exemplo, era o Fábio Lage que era o engenheiro de São Luís, trabalhava comigo. De um modo geral eu ia lá, passava uma semana, 10 dias, um dia da minha permanência lá geralmente ele me chamava: “Renato, vamos jantar lá em casa hoje? A mulher dele fazia o jantar. Ela é de (Nova Era?), da mesma cidade da minha mulher, tinha um grau de conhecimento maior, então um dia dessa minha estadia eu sempre ia jantar com ele. Eu sei um dos dias ele me chamou lá: “Renato, vamos jantar lá?” Eu falei: “Vamos.” Chegamos lá, a Telma, mulher dele, falou assim: “Olha, Renato, você vai desculpar, mas o Fabinho não me avisou que ia te trazer para jantar hoje, e quando ele falou eu corri ali no açougue para comprar uma carne melhor para fazer, mas...” Aí virou para o Fabinho, falou assim: “O Paulinho...” Sei lá, o funcionário do açougue que atendia a ela sempre que ela ia comprar carne, todo dia ia comprar carne lá. Disse: “Mas o Paulinho não estava lá trabalhando, então o cara me vendeu uma carne meia ruim.” Aí o Fábio perguntou: “Mas e o Paulinho? Onde é que estava o Paulinho?” “Ah, não, o dono do açougue falou que hoje é quarta-feira, é dia dele trabalhar na secretaria de educação. Um dia por semana ele tem que ir lá no emprego dele na Secretaria da Educação.” Quer dizer, em São Luís todo mundo trabalha no Estado. Ganha o que? Ganha 10 mil réis, 8 mil réis, 12 mil réis por mês, também só pode ir um dia, porque se for mais não tem lugar para sentar. Vai a cidade inteira. Quer dizer, o Estado do país é aquele negócio, gente. E o dono do Estado era o Sarney, que era senador da república naquela época, foi presidente da república, como é que faz isso? Admite todo mundo para ganhar uma merreca dessa. Eu fico pensando: “Para o cara, já que não tem nada, é melhor ganhar 8 reais do que não ganhar nada. O que que 8 reais faz na vida dele eu não sei, acho que não faz nada. Pelo menos na minha não faz, mas não posso comparar eu com eles. Sei que eu sou de uma civilização diferente aqui _____maravilha_____. Mas lá a pobreza é de desanimar a gente. Nossa!
P/1 - Senhor Moretzsohn, o senhor conheceu sua esposa aonde?
R - A minha mulher é de (Nova Era?), conheci ela lá em Itabira, que eu já estava trabalhando em Itabira e ela... (Nova Era?) é pertinho de Itabira, uns 50 quilômetros. E ela estudava no colégio de Itabira. Por isso que eu fiquei conhecendo ela lá em Itabira. Nova Era é a terra do Eliezer Batista.
P/2 - O senhor tem quantos filhos?
R - Eu tenho quatro filhos, três mulher e um homem. Graças a deus ótimos filhos, nenhum deles nunca mexeu com tóxico, nunca me deu trabalho nesse sentido. Tem uma filha casada, tenho dois netos. Essa é dentista, a outra, _____ é médica, está indo bem na carreira, é médica com pouco tempo de formada, está indo bem lá no Rio. E a outra é advogada, também está num escritório bom de advocacia lá no Rio. E meu filho é um cara complicado, ele é um cara bem dotado intelectualmente, né? Quando ele nasceu, eu estava lá em Itabira, na verdade eu não tinha muita informação sobre como tratar uma pessoa bem dotada, como é que deve ser tratada. O Brasil não tinha, não tinha uma escola para bem dotado no país naquela época. Muita gente falou: “Renato, esse menino você tem que levar ele para os Estados Unidos, onde tem escola apropriada para pessoas bem dotadas assim. Eu falei: “Está bom, mas também não tenho dinheiro para mandar ele para os Estados Unidos, onde é que eu vou arrumar dinheiro para isso?” Ganhava bem na Vale do rio Doce, era um salário bom para a gente viver, mas não era para manter um filho nos Estados Unidos. Então isso... há pouco tempo eu li um livro sobre isso, que o bem dotado é tão complicado quanto o deficiente físico, o mongoloide. Diz que o bem dotado é tão difícil de você conviver com ele quanto o mongoloide, e é mesmo. Ele tem uma facilidade incrível para ciências: matemática, física, química. Ele ouve o professor falar, acabou, aprendeu. Nunca estudou, nunca abriu um livro, nunca precisou abrir um livro. Geografia e história ele é ruim, porque também não estudava, não aprendia e não estudava. Mas eu lembro quando a caçula... ele é o terceiro filho... quando a caçula entrou no primeiro... eles estudaram... eles estudaram no Rio de Janeiro. Quando ela passou para o primeiro científico, que aí então é que tem aula de física e química, logo no começo do ano um dia ela chegou em casa lá, chorando, minha mulher falou: “A Renata chegou do colégio hoje chorando, por causa de... acho que é problema que o Saulo criou para ela lá no colégio.” Eu chamei a Renata para conversar com ela, o que é que foi. Ela falou assim: “O diabo do Saulo, o Saulo só atrapalha a vida da gente.” Eu falei: “Por que?” “Foi a primeira aula de física hoje, o professor fez chamada e cada nome que chamava a pessoa tinha que levantar para ele conhecer o aluno. Quando chegou a minha vez, ele chamou: Renata Moretzsohn, eu levantei, ele falou assim: “O que que você é daquele menino gordo que anda no colégio, tem um Moretzsohn aí.” “Eu sou irmã dele” “Você vai ter que fazer tão bem feito ele, viu, você vai ter que ser boa aluna feito ele, viu, senão você não passa de ano.” E ele contou para a turma: “O irmão dessa menina... vocês conhecem ele aí, um gordo relaxado que tem... Ele chega aqui, senta na cadeira assim, arranha na cadeira assim, eu falei: Esse menino está dormindo na aula.” Aquilo foi me irritando, eu falei: “Um dia eu vou pegar esse menino. Sobe. Vem no quadro aqui. Ele levantou, veio, com uma má vontade danada, eu passei para ele um problema sobre o assunto que eu tinha acabado de dar. Descobri um problema difícil, dei para ele, ele fez... duas contas que ele fez lá ele descobriu o resultado, eu fiquei com uma cara de tacho, me deu mais raiva ainda. De noite em casa eu procurei um problema mais difícil ainda sobre essa matéria que eu tinha dado. ‘Amanhã eu pego ele’. Chegou no dia seguinte, está ele lá, com aquela cara dorminhoca. Chamei ele no quadro de novo, ele veio no quadro, dei um problema cabeludo para ele. Em duas contas ele resolveu o problema. A turma me deu uma vaia, eu tive que parar de mexer com ele, porque eu estava perdendo a parada. Então você tem que ser tão boa em física quanto ele é.” “Mas o cara é bem dotado.” Ele ouviu, não precisa estudar, aprende. Desde 6 anos de idade, começou a aparecer computador no Brasil, me pediu um computador, eu comprei para ele. Ele deve ser o cara mais entendido em computador que... um dos mais entendidos que tem certamente no país é ele. Começou a comprar revista para aprender em computador, só tinha revista americana, no Brasil não fazia revista nenhuma, aprendeu o inglês todinho que ele precisava, fala inglês bem, lê e escreve bem, porque cada... para estudar as revistas em inglês. É consultor de um monte de gente lá no Rio, mas consultor, assim: nunca cobrou um tostão de ninguém. Então todo mundo se tem um problema de computador: “Liga para o tal do Saulo.”, “Saulo, tem um problema aqui...” Ele vai lá e resolve. “Quanto é o serviço?” “Ah, não vou cobrar isso aí não.” O cara é casado lá, coitado, está apertado, sem dinheiro. Então eu é que pago... (riso) Mas no fundo são bons, meus filhos são ótimos. Quer dizer, uma médica que vai bem, uma dentista casada com um engenheiro, uma advogada que vai bem e o Saulo, que vai lá do jeito dele.
P/2 - E qual é a principal atividade do senhor hoje em dia?
R - Fazendeiro. (riso) Voltando para as origens.
P/2 - Seu Renato, e o que que o senhor achou então de ter participado desse projeto, ter dado esse depoimento?
R - Eu achei bom, achei que... eu tenho uma forma de ser muito calado, sabe, minha família acha que eu sou calado, meus amigos todos acham que eu sou calado. Tem duas horas que eu estou falando aqui sem parar! Faz ideia se eu fosse falante, então, estava danado!Mas achei bom falar, não foi difícil, também tudo está aqui na memória, tão recente que a gente não esqueceu ainda. Mas foi agradável ter o papo com vocês aqui, vocês pediram alguns retratos, alguém que me ligou que pediu retrato. Ontem minhas filhas foram lá para almoço de Páscoa, eu falei: “Olha, gente, eu preciso de uns retratos para levar amanhã nessa palestra.” Então os retratos que elas escolheram estão aqui.
P/1 - A a gente vai ver.
P/2 - Vamos lá, a gente olha ali fora, faz uma fichinha...
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