Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Edineusa Rodrigues Martins
Entrevistado por Dayane Silva (P/1) e Lucas Torigoe (P/2)
Serra Pelada, 4 de agosto de 2004
Código da entrevista: MSP_HV002
Transcrito por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Muito obrigada!
R - De nada!
P/1 - Dona Edineusa, primeiro eu quero agradecer a senhora.
R - Muito obrigada, digo eu.
P/1 - … a vir bater esse papo com a gente, contar a sua história. A gente quer ouvir a sua história, a sua história de vida, o que a senhora quiser contar, o que não quiser contar, não tem problema. E eu fico muito grata que a senhora tenha aceitado fazer esse bate papo conosco. Vou começar com algumas perguntas pessoais. Primeira pergunta, eu gostaria que a senhora, pra ficar registrado, me falasse seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome completo é Edineusa Rodrigues Martins, nasci em Teresina, no Hospital Getúlio Vargas, me criei em Água Branca. Mas em 1985 eu vim para o Pará, à procura de uma irmã. Só que daí eu gostei do Pará e fiquei e tô aqui até agora.
P/1 - A senhora falou que nasceu no município e morou em outro município?
R - Nasci na capital, em Teresina. Só que onde a minha família mora, é 92 km de Teresina para Água Branca, entendeu. Aí, a gente trabalhava como, por exemplo, quando eu comecei a trabalhar, eu trabalhava na Ceasa, aí a gente vinha pegar coisa na Ceasa, trabalhar na Ceasa, final de semana.
P/1 - Qual o nome da sua mãe?
R - O nome da minha mãe é Neusa Pires Rodrigues Pedro.
P/1 - E o nome do pai?
R - Pedro de Souza Martins.
P/1 - Eles são vivos ainda?
R - Não, já faleceram todos os dois.
P/1 - Eles são naturais do estado do Piauí?
R - O meu pai do Ceará, minha mãe do Maranhão.
P/1 - A senhora sabe como eles se conheceram? Como? Aonde?
R - A história que… Eu gostava muito de dialogar, porque mulher sempre dialoga, tem mais diálogo com o pai, né! E eu o dialogava muito com o meu pai,...
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Entrevista de Edineusa Rodrigues Martins
Entrevistado por Dayane Silva (P/1) e Lucas Torigoe (P/2)
Serra Pelada, 4 de agosto de 2004
Código da entrevista: MSP_HV002
Transcrito por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Muito obrigada!
R - De nada!
P/1 - Dona Edineusa, primeiro eu quero agradecer a senhora.
R - Muito obrigada, digo eu.
P/1 - … a vir bater esse papo com a gente, contar a sua história. A gente quer ouvir a sua história, a sua história de vida, o que a senhora quiser contar, o que não quiser contar, não tem problema. E eu fico muito grata que a senhora tenha aceitado fazer esse bate papo conosco. Vou começar com algumas perguntas pessoais. Primeira pergunta, eu gostaria que a senhora, pra ficar registrado, me falasse seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome completo é Edineusa Rodrigues Martins, nasci em Teresina, no Hospital Getúlio Vargas, me criei em Água Branca. Mas em 1985 eu vim para o Pará, à procura de uma irmã. Só que daí eu gostei do Pará e fiquei e tô aqui até agora.
P/1 - A senhora falou que nasceu no município e morou em outro município?
R - Nasci na capital, em Teresina. Só que onde a minha família mora, é 92 km de Teresina para Água Branca, entendeu. Aí, a gente trabalhava como, por exemplo, quando eu comecei a trabalhar, eu trabalhava na Ceasa, aí a gente vinha pegar coisa na Ceasa, trabalhar na Ceasa, final de semana.
P/1 - Qual o nome da sua mãe?
R - O nome da minha mãe é Neusa Pires Rodrigues Pedro.
P/1 - E o nome do pai?
R - Pedro de Souza Martins.
P/1 - Eles são vivos ainda?
R - Não, já faleceram todos os dois.
P/1 - Eles são naturais do estado do Piauí?
R - O meu pai do Ceará, minha mãe do Maranhão.
P/1 - A senhora sabe como eles se conheceram? Como? Aonde?
R - A história que… Eu gostava muito de dialogar, porque mulher sempre dialoga, tem mais diálogo com o pai, né! E eu o dialogava muito com o meu pai, porque nós… Antigamente era muito difícil, aquela época era muito difícil as coisas, a gente trabalhava na roça, entende? Aí, eu ia trabalhar com meu pai. Quando a gente tava trabalhando, a gente tava batendo papo, conversando e tal. E ele contou, uma vez eu fiz essa pergunta para ele. Boa coisa que você me lembrou agora. Eu fiz essa pergunta pra ele e ele me disse… Ele era novo, meu pai era mais novo do que a minha mãe 14 anos. Aí, ele conheceu... Ela veio do Maranhão, separou do esposo, foi para o Piauí, e lá ele conheceu ela. E ficaram uns 30, mais ou menos, de anos. Até que ele faleceu. Aí, ela já veio falecer em 2000, quando ela veio falecer já foi em 2000.
P/1 - E os seus avós?
R - Então, aí ela faleceu em 2000. E é isso.
P/1 - Certo! E os seus avós, avós maternos, a senhora teve contato?
R - Antônia Pires Rodrigues, era o nome da minha avó. E o meu avô, era Raimundo Chicó, agora o outro nome eu não sei, mas eu lembro que o povo chamava muito de Raimundo Chicó. Era só o que eu ouvia, porque quando ele faleceu eu era muito pequena, quando meu avô faleceu. Agora quando a minha avó Antônia Pires Rodrigues faleceu, eu já era mocinha, já tinha o quê? Já tinha uns 12 anos, por aí, quando ela faleceu. Essa eu lembro o nome dela todo, agora o nome dele eu só sei que é Raimundo Chicó.
P/1 - A senhora teve convivência com eles, conviveu com eles?
R - Convivi com eles, porque foi o período em que meu pai, na época, meu pai era muito trabalhador, não nego. E ele foi trabalhar em São Pedro, município de Água Branca, entende? Aí, lá ele botou uns comércios, comércio dele já tava grande, tava assim como o Chico agora, mas a minha mãe não sabia ler, e era tempo daquele analfabetismo, não sabia ler nem nada, e ele tinha que fazer as outras coisas, tinha que fazer as viagens fazendo as compras, que antigamente era muito difícil, principalmente em transporte. Aí, ele deixava ela, ele tomava muito prejuízo. Aí, nesse período, meu avô caiu de um pé de coco, que ele tirava palha de coco, ele caiu do pé de coco, quebrou esse osso aqui das costas. Aí, ele gastou tudo que ele tinha com esse sogro dele, mas não teve jeito. Aí, ele voltou, veio ficar morando já perto da sogra dele, que era minha avó. Mas assim, ele mantendo sempre a família, nunca deixando, que ele era muito cuidadoso, ele gostava muito da minha mãe, ele era muito cuidadoso com a família dela, muito mesmo. Aí, até que mudamos para Água Branca, era Angicos, estava em São Pedro, viemos para Angicos. Em Angicos e tudo já está… tudo Água Branca, já misturou tudo, já tá tudo… Mas antigamente tinha Angicos e tinha Água Branca, aí nós morávamos em Angicos, ele foi para Água Branca. Aí, de lá foi lutando, lutando e ele, não sei o que que deu, ele se desgostou, começou a beber e eu fui conversar com ele, nós fomos trabalhar na Ceasa, ele melhorou um pouco, estava começando já a estabilizar. As mulheradas, minha filha, não tem jeito, né? E o velho era… Aí, ele acabou tudo que ele tinha de novo, aí eu larguei de mão, me desgostei. Fui para Araguaína em 1984, e de lá, quando cheguei, minha mãe estava chorando com a minha irmã doente, aqui no Dois, aqui no Eldorado. Aí, eu digo: “Não, pode deixar que eu vou!” “Menina, tu é muito nova para estar andando” “Quem anda não tem nada a ver não.” Aí, vim, mas quando cheguei aqui, encontrei, que é esse é o pai das minhas filhas, meu esposo, e me apaixonei e a gente teve 22 anos de relacionamento. Meio assim, sabe, porque não tem jeito para não ter uma… Mas foi muito bom, não arrependi, ele me deu três presentes maravilhosos, que eu soube muito bem criar, graças a Deus, criei minhas filhas, estão tudo bem. E apesar dele ter morrido, deixado elas pequenininhas, mas eu não tenho vergonha de dizer assim, “não, eu criei minhas filha e tão… tem alguma com…” não, estão todas bem, graças a Deus! Todas em sua casa, todas trabalhando, tudo tranquila, tudo com suas coisinhas completas, não tem nada… Eu não tenho do que reclamar.
P/1 - E durante a sua infância, quando a senhora era criança, a senhora tem alguma memória especial dessa época?
R - Tenho sim! Porque é o seguinte, a gente naquela adolescência, eu brincava mais era com as minhas primas, minhas primas e meus primos. A gente gostava de brincar mais era na chuva, quando vinha a chuva nós ia para aquela lameiro, aí ficava brincando naquela lama, aquela coisa maravilhosa. Aí, minha mãe deixava a gente para tomar conta das crianças, dos bebezinhos pequenos, que ela ia quebrar coco lá numa roça, quando vinha a chuva, minha filha, nós abandonava menino, abandonava tudo. Isso eu não esqueço. Aí, a gente ia tomar banho nessa chuva. Uma vez eu fui com o Cleomar, que ainda ontem mesmo eu conversei com o meu irmão. Eu banhei com esse menino, quando ela chegou esse menino estava tremendo, tremendo no meu braço, todo enlameado, ela só não me deu uma taca, porque a minha vó estava lá e não deixou, mas se não eu tinha apanhado.
P/1 - A senhora tem quantos irmãos?
R - Os que estão vivos… Era sete, sete! A Covid levou um, que é o caçula, e ficou os outros. Caçula dos homens, porque tem uma outra que é caçula.
P/1 - Então é uma família grande, né? Sete irmãos.
R - É isso!
P/1 - E dos seus irmãos a senhora tinha um que era mais próximo?
R - Esse da Covid, que a Covid levou, esse era como um filho. Porque ele pegou uma doença, até agora eu tentei descobrir que doença era essa. Eu tinha o quê? Eu tinha uns 11, 12 anos, por aí, quando ele nasceu. Não! É mais ou menos isso. Aí, esse menino pegou uma doença de repente, e já tinha corrido para tudo quanto é médico e não tinha jeito, aí eu comecei a sair em rezador, dando em rezador com ele, cuidando dele, e tudo. Aí meu pai dizia. “Esse aqui não vai escapar mesmo, eu vou dar pra ti.” Aí eu disse: “é meu filho!” Sempre dizia: “é meu filho!” Eu tenho carinho por todos eles, mas também tem esse que é esse rapaz que a covid levou, o Marcelo, é doído até falar nisso, mas… Pois é! Aí, Deus levou ele, eu fiquei… Assim, porque na época que ele estava doente, eu ainda fui duas vezes para trazer ele, porque ele tinha separado da esposa, ainda fui duas vezes para trazer ele para cá. Mas foi o período que ele queria dar uma de machão, e não quis vir. Aí, quando adoeceu, que viu que quase não tinha jeito, queriam que eu fosse buscar ele. Eu digo, agora não tem como, que a covid no mundo, se eu for lá e que Deus defenda esse menino pegar uma Covid, vão dizer que foi eu. Porque eu não tomo remédio e nem tomo vacina, eu graças a Deus quem me cura é Jesus. Aí, foi isso! Ele faleceu, aí um irmão meu se revoltou-se comigo, porque disse que eu não fui visitar, depois ele ligou… Só que depois de muita conversa, que os outros explicaram pra ele, ele entendeu que eu não fui, não foi porque eu não quis, e sim, porque seu eu fosse e acontecesse qualquer coisa… Família você sabe como é que é… Iam me culpar. Entende? Aí, foi por isso que eu não fui. Ai, de repente eu só soube da notícia que ele tinha falecido.
P/1 - Dos irmãos a senhora era a mais velha?
R - Da parte do meu pai sim! Agora, da parte da minha mãe, que ela já chegou com três, Edileuza e Almeida, que é Francisco de Almeida Rodrigues. A primeira Maria Antônia, o segundo é o Almeida, é a terceira é Edileuza. Esses não são filhos do meu pai, que ela veio já com eles. Aí, depois foi que ela se apaixonou pelo meu pai, foram morar juntos, moraram juntos uns 25 anos, mais ou menos, aí casaram. Mas já tinham os filhos tudo já. Já tinha os filhos tudo.
P/1 - E a senhora tem alguma memória assim, algum momento marcante com os seus avós?
R - Tenho! Com a minha avó, toda vez que ela ia para a casa da tia Das Dores, lá num lugar chamado Fazenda. Não é uma… é um lugar chamado Fazenda, sabe! Toda vez eu chorava para ir com ela. Mas só que eu achava bonito, a tia Das Dores, a outra filha dela, conversar, eu achava muito lindo o jeito dela conversar, um cachimbinho de um lado e conversando, e ali eu ficava dando risada, mangando dela de vez em quando. Uma vez a minha avó pegou um pau para me bater, aí eu corri. Mas eu gostava, toda vez que a minha vó ia lá para casa da outra filha dela eu chorava para ir junto. E era uma distância de quê? De duas, três léguas, e a gente ia a pé, naquela estradinha, que era uma estradinha assim que tinha. Antigamente era aquelas estradinha, né! Passava carro muito difícil, mas passava, e nós ia a pé.
P/1 - Era muito longe?
R - Três léguas mais ou menos. É, mais ou menos isso. Aí nós ia, passava o dia pra lá de de tardezinha voltava. Mas era bom, eu gostava de sair. Uma memória muito boa da minha vó que eu tenho.
P/1 - A senhora frequentou a escola quando criança?
R - Frequentei e não frequentei, porque foi assim, antigamente a dificuldade pra comprar materiais escolares para os filhos, era muito difícil, muito difícil mesmo. Aí, meu pai dizia que não ia deixar de comprar a comida pra casa, que foi o tempo que nós tava passando uma fase muito difícil, ele não ia deixar de comprar a comida pra casa pra comprar caderno para filho. Ele me levava pra roça para ajudar. Nessa brincadeira eu me apaixonei por juquira, por roça e por tudo. Não tenho vergonha de dizer, não tenho vergonha, que foi uma pessoa que aprendi muita coisa com meu pai, aprendi. Se hoje eu sei de algum trabalho pesado, eu agradeço ao meu pai, eu agradeço. Eu não digo assim, “ele foi errado”, não! Eu só agradeço. Aí eu já vim estudar aqui já com meu marido. Estuda assim de roça, sabe! Aí, fiz até a sétima série e parei.
P/1 - Conseguiu estudar depois de adulta?
R - Foi, já depois mãe de filho e tudo. Ele me pois na escola, lá no Morumbi mesmo, aí depois eu comecei a estudar a quinta série aqui, foi aqui no Ângela Bezerra. Aí fiquei fazendo o EJA, sabe? Antigamente o EJA, ou ainda tem, sei lá! Ainda fiz, duas ou foi três vezes. Aí, parei, porque adolescente para você mexer e cuidar de tudo, é muito difícil. E eu queria dar conta em primeiro lugar da minha família. Aí, foi isso que aconteceu. Mas não tô arrependida, não.
P/1 - E qual é o nome do marido da senhora?
R - Newton Mendes Macario.
P/1 - A senhora conheceu ele aonde?
R - Lá no Eldorado.
P/1 - A senhora lembra o ano?
R - Em 1985.
P/1 - A senhora lembra de onde ele era? Como que ele veio para Eldorado?
R - Nem só sei lembrar de onde ele era, como eu acabei de chegar de lá. Fui pra lá agora esses dias. A gente está resolvendo uns problemas lá, de herança, sabe! Aí, eu fui lá agora, passei uns quatro dias lá com eles. Lá em Pindorama, Tocantins.
P/1 - E a senhora sabe por qual motivo ele veio para a região, para Eldorado?
R - Maluco, doido. Não tem aquele pessoal que não sabe ficar quieto, aqueles rapazes solteiros que quer e quer mais e não sabe segurar? Foi ele! Ele é um desses. Ele não sabia segurar nada. Mas era muito trabalhador, muito trabalhador. O problema maior do Newton foi quando ele adoeceu, mas quando ele podia trabalhar não faltava nada para mim. Eu tinha um menino para andar comigo, eu tinha uma pessoa para tomar conta da minha casa, eu tinha uma pessoa para tomar conta da minha roupa. Eu tinha tudo isso. Aí, dois foi que ele adoeceu, aí eu vendi umas coisas aqui e levei ele para Teresina. Em 1990 eu levei ele para Teresina, pra fazer um… Para descobrir o que que era, sabe! Que tinha dia que ele chegava quebrando tudo, era tipo assim, um maluco, doido, sei lá o que que era. Eu digo: “Droga não é, que eu não saio do pé desse homem. Alguma coisa é”. Aí, eu descobri um coágulo na cabeça dele, tinha hora que ele surtava. Aí, o médico falou: “Esse coágulo aqui só ele para dizer”. Aí, eu fui procurei para ele, ele disse: “Não, é que eu apanhei muito, meus irmãos”. Era aquela turma, eram doze meninos e meninas, não tinha jeito para não ter briga. Ele apanhou muito na cabeça, eu acho, né! Aí, criou aquele coágulo. Segundo o que o médico falou, lá em Teresina. Aí, é onde tá uma revolta, da minha família. Porque quando ele estava trabalhando, ele não deixou faltar nada pra minha família, porque a minha família todo tempo foi humilde, muito humilde. Mas ele não deixava faltar nada, quando adoecia alguém, ele mandava o dinheiro. Quando eu vinha saber, tava com cinco seis dias, às vezes. Ele me contando com calma, pra mim não ficar nervosa. Mas ele dizia, já mandei dinheiro, já está tudo bem lá, já fez tratamento e tudo. Ele mandava dinheiro pra ir para hospital particular e tudo. Aí, quando ele adoeceu, eu fui lá com ele, fomos bem recebidos lá, fomos bem recebidos. Mas quando eu levei ele que descobriram esse coágulo e a qualquer momento ele podia ficar… E ele ia continuar dando aquele trabalho. Uma irmã e a minha mãe me aconselhou largar. Isso me doeu. Eu digo: “Largo não!” Eu digo: “Quer dizer que ele quando tem dinheiro, quando ele tinha dinheiro que aguentava a barra de vocês ele era o genro querido, e hoje porque ele tá doente, vocês querem que eu largue. Doa a quem doer, eu não largo não! Agora tem uma coisa que eu vou largar já, já, é a família, eu vou abandonar vocês”. Virei as costas e fui. Virei as costas. Eu sou muito boa para qualquer pessoa, agora não prejudique quem eu amo, não prejudique quem eu amo, que eu fico louca. Eu também não queria magoar, só simplesmente virei as costas. Só quem ficou do meu lado foi a minha irmã mais velha e o meu pai. Que inclusive um tempo ela veio aí, veio ela e veio a outra aí, me visitar agora. Mas não é fácil. Mas é uma história bem complicada, sabe! A minha história é uma história bem complicada, difícil. Porque você com nove anos de idade começar a trabalhar, e entrar numa juquira para ajudar a família, não deixar faltar. Depois arrumar um esposo, marido, tá com esse marido, um relacionamento bom. Bom assim, porque ele sempre dizia: “O bom marido ele tem que dar o fel para depois dar o mel” Ele não dava, ele era positivo. Como eu! Eu não dou fel pra ninguém, eu não dou fel pra ninguém, eu apenas ensino o caminho de cada um pra ver qual é o que ele vai seguir. Porque muitas vezes você diz: “Fulano é meu inimigo. É não! Ele está lhe ensinando muita coisa”. Eu fui prejudicada muito mais, muito mais mesmo, depois que meu marido faleceu, porque foi o que ele mais me pediu, pra não dar um padrasto para as filhas, porque ele tinha medo, que aqui acontecia de vez em quando… Que a gente sabe, mas deixa para lá, né! Aí, ele não queria que acontecesse com as filhas dele. Eu prometi e cumpri. Hoje eu fui na casa do meu cunhado, tá o telefone dele bem aí, se quiser é só ligar para provar. E falei para ele: “Vamos resumir essa questão daqui agora, porque eu vou dividir a minha parte com as minhas meninas, e vou arrumar alguém pra mim”. Porque o que eu tinha que fazer, que eu prometi para ele, eu já fiz. Não formei tudo porque não quiseram, mas tão tudo com a sua vidinha tranquila, estão tudo dentro dos seus lares, nenhuma está de aluguel. Tá todo mundo bem. Os esposos amam, os esposos delas, das minhas filhas, estão todas casadas. Graças a Deus, eu agradeço a meu Deus todo dia por isso. E agora a Mirian quer viver, apesar de já estar com essa idade, bem, mas ela ainda quer viver, tá viva, né!
P/1 - Claro! Quando a senhora se casou, a senhora tinha quantos anos?
R - Dezoito.
P/1 - E ele?
R - Trinta e quatro.
P/1 - E vocês viveram quantos anos juntos?
R - Vinte e dois anos. E só não estamos vivendo até agora, porque ele morreu.
P/1 - Qual foi o ano do falecimento dele?
R - Foi no dia 21 de maio de 2004.
P/1 - Faz tempo.
R - Vinte anos.
P/1 - A senhora teve três filhas?
R - Filhas.
P/1 - E aí, todas já… como a senhora disse…
R - Já estão tudo… Graças a Deus já estão bem, estão tranquilas. Não dão um trabalho minhas filhas, pra mim não! Eu digo logo, não vem pensar em me dar trabalho. Mãe é assim: mãe, ela é um ser tão puro, que o filho, ele pode ser o que for, ele não procurar a mãe, ele não…. mas em qualquer momento, quando ele de repente, ele se aperreia, ele só procura a mãe, às vezes, ou para um conselho. Mas mesmo que seja só para aquele conselho, a mãe está ali para jogar tudo que ela tem para aquele filho. E eu sou assim! Meu filho tá lá na casa dele. Tá bom, deixa ele quieto lá! Tá muito bem! Entendeu?
P/1 - Quando a senhora se casou… A senhora disse que conheceu seu esposo em Eldorado.
R - Foi! Em 1985.
P/1 - E aí, quando vocês vieram para Serra Pelada?
R - Foi assim, a gente teve lá, e de lá eu fui pra casa, ele mandou um telegrama. Que antigamente era telegrama, não era telefone, era telegrama. Ele passou um telegrama pra mim que estava me esperando em Teresina. Aí, eu fui! Saí de lá de casa, de Água Branca, só com a roupa do corpo. Cheguei lá ele já estava com o avião pronto, me trouxe pra Marabá, nós passamos… Ele prometeu que ia casar comigo e tal. Não deu, mas não tem problema não, o importante é a felicidade. Aí, ele já estava com o avião, a gente veio para Marabá, passou um mês e pouco lá, aí voltamos para Eldorado, em 1985 ainda. Minha irmã já estava lá em Água Branca. Aí, fiquei lá, ele comprou uma casa, me colocou lá. Depois, quando liberou mulher, foi liberado ele me trazendo.
P/1 - Então, nesse tempo que vocês se conheceram em Eldorado, ele morava aqui?
R - Já estava aqui!
P/1 - Aqui no garimpo?
R - Isso! Trabalhando aqui, era.
P/1 - E a senhora lembra qual foi o ano que ele chegou aqui no garimpo?
R - Em 1983. Ele chegou em 1983. Já tinha 3 anos, 2, 2 anos, por aí.
P/2 - A senhora se lembra como ele soube do garimpo? O que ele estava fazendo nessa época?
R - Ele estava em outro garimpo aqui no Tucuruí, um garimpo que surgiu lá. Aí, lá ele pegou uma malária muito forte, aí ele voltou pra casa, para Pindorama, aí lá soube do garimpo de Serra Pelada. Chegou um bamburrado lá. Aí, ele botou o pé na estrada e veio.
P/2 - Começou a trabalhar com garimpo…
R - Foi! Ele chegou, entrou furando, como antigamente entrava furando, né?
P/2 - Só para eu entender. Então, o seu marido ele estava trabalhando em outro garimpo antes de vim pra cá.
R - Isso!
P/2 - Qual que era?
R - Tucuruí. Antigamente Tucuruí tinha garimpo. Aqui tinha garimpo em vários lugares, aqui no Estado do Pará, né! Em Jacundá, esses outros lugares aí tudo tinha garimpo. Aí, ele foi veio para Tucuruí, começar a fazer a barragem de Tucuruí, ele fazia ponte, essas coisas tudo ele fazia. Aí, ele tava lá, quando surgiu o garimpo ele foi para o garimpo. Aí, deu uma malária nele, ele voltou para a cidade dele, Pindorama, Tocantins. Antigamente era Goiás. Aí, depois foi que teve a divisão, aí lá se transformou em Tocantins.
P/2 - Então, conheceu um bamburrado?
R - Foi! Conheceu esse rapaz que pegou muito ouro aqui, aí foi pra lá, pra a cidade, aí ele resolveu vr. Aí, veio! Tava se dando bem, ele tava trabalhando de britador. Se disser que ele já bamburrou, pegando muito ouro, ou pegando ouro de barranco, eu tô mentindo, que ele nunca pegou. Mas aquelas curimã, que moia no moinho, né! Aí ele saia comprando aquelas curimã e repassava no britador. Era isso que ele vivia, né! Ele vivia daquilo ali. Aí, ele comprava 30, 40, 50, até… dependendo da quantidade que fosse, que ele pegava de curimã, ia passar. Ele tinha quatro britadores na casa dele. Então, era aquele dali que…
P/2 - Como é que ele se comunicava com a senhora no centro?
R - Eu aqui no Dois? Quando eu estava aqui no Dois? Todo final de semana ele ia para casa.
P/2 - E demorava muito para vocês se verem?
R - Não, meu amor, o Eldorado é aqui pertinho.
P/2 - Não, eu digo assim, ficava muitos dias em ver ele?
R - Oito dias, o máximo. Que ele tinha que trabalhar, dar atenção aos funcionários. Sexta de tarde ele já ia pra casa, voltava segunda de manhã.
P/2 - Porque a senhora não podia estar aqui?
R - Porque não era liberado para mulher entrar. Quando veio liberar para mulher entrar foi em 1986.
P/2 - Por que não podia ter mulher aqui?
R - Não sei! Depois foi que com muita luta, do Curió, naquela época, liberou para mulher entrar. Ele pegou essa autorização em Brasília, aí trouxe e liberou para a mulher entrar.
P/2 - A senhora se sentia como meio distante do marido?
R - Todo tempo eu fui normal. Quando a pessoa gosta não tem distância, não tem nada, é tudo bom.
P/2 - Mas a senhora sentia saudade dele?
R - Sentir a gente sente, com certeza! Mas só que eu via que era o trabalho dele, e eu tinha que estar lá. Inclusive, o fato é que quando liberou para mulher entrar, liberou num dia, no outro dia ele já pegou autorização lá na… Meu Deus como que é o nome da…? Eu esqueci o nome do lugar lá. Aqui na Serra que tinha, que tinha a Caixa Econômica, tinha…
P/1 - O cartório?
R - Não era um cartório, era tipo um cartório. Aí ele pegou lá esse papel, autorização, no outro dia ele já foi me pegar lá. Aí, vendeu a casa de lá. Porque ele disse: “vendendo a casa de lá a gente já fica logo direto aqui”. Ficamos! Até o dia que ele morreu.
P/2 - Vocês vieram morar aonde aqui?
R - No Bairro Morumbi, onde praticamente, perto daquele túnel, não tem aquele túnel, não tem uma água ali embaixo assim, uma água que a Colossus fez? Aquela água lá embaixo, foi a Colossus que fez, é dentro do meu terreno, aquela baixa todinha, e aquele morro chegando, aproximando aquele colégio. Ali é área minha. Ali são oito linhas de chão minha. Que a empresa derrubou a casa e destruiu tudo e a justiça daqui, justiça carniça, inventa de dizer que é a justiça, é a justiça, a justiça, e nada, ninguém dá nada para nada e pronto. Só quem perde são os pobres.
00:29:43
P/2 - Vamos chegar lá na Colossus depois. Mas vamos voltar em 1985, que a senhora veio para cá. Pra quem não é daqui de Serra Pelada, diz pra gente, como é que era Serra Pelada nessa época? Descreve pra mim.
R - Aqui era um rua de barraquinha de lona, de lona preta, era aquelas barracas de lona preta. E lá no Eldorado, era tudo de tábua, as casas eram de tábua. E aqui, a maioria dos barracos daqui era de lona. Quando vinha uma chuva com vento forte levava. Tinha que fazer outro movimento. Era dessa forma. A gente acha estranho, sabe! Porque você está acostumada, mesmo… Você mora numa casa de taipa, que lá a casa da minha mãe era de taipa, aí depois foi que transformou adobe, adobe não é tijolo, e sim adobe de barro mesmo. A gente mesmo faz, amassa o barro, e vai fazendo aquelas coisinhas assim, faz aquele adobe depois para construir aquela casa de adobe, entendeu? A gente acha estranho assim, tá numa casa dessa, pra de repente vir para uma casa de tábua. Eu nunca gostei de dormir em cama, quando eu fui amar a rede, meu Deus, eu vou cair! Mas que nada, foi muito foi gostoso.
P/1 - A senhora disse que aqui era proibido a entrada de mulheres.
R - Aqui na Serra, sim.
P/1 - Por isso a senhora ficou em Eldorado. Quando foi que foi liberada a entrada de mulheres aqui na Serra Pelada?
R - No mês de julho de 1986. Foi junho, julho, por aí. Foi mais ou menos por ai.
P/1 - E a senhora sabe me dizer quem foi que deu essa liberação? Porque era proibido e quem foi que deu essa liberação?
R - Quem correu atrás foi o Curió.
P/1 - O Curió, pra quem não é da região, a senhora pode falar quem era o Curió?
R - Ele praticamente era da região, que ele veio mandado pelo João Figueiredo pra expulsar o povo de Curionópolis, dessa região, justamente por causa desse garimpo, que um bocado já foi descoberto, sabe! Aí, ele pegou e veio para tirar o povo todo. Você lembra de um… Pera aí, deixa eu ver se eu lembro o nome… Os terrorista daquele tempo e tal, ele veio justamente, porque pra eles, aqui também era terrorista, entende? Que inclusive… Palestina, um bocado se foi. E ele tava junto, aí depois transferiram ele pra cá. Quando ele chegou que ele viu a situação… E a forma que as pessoas receberam ele, receberam ele muito bem, como uma autoridade, o povo soube receber essa autoridade. Ele ficou com dó, de ver meio mundo de gente com malária e morrendo muita gente, e tudo, ele ficou com dó. Aí, ele foi lá e pediu autorização para fazer a cidade de Curionópolis, foi ele quem fundou Curionópolis, ele foi que veio e botou o nome, Curionópolis, autorizado pelo João Figueiredo, que naquele tempo era o presidente da república. Que inclusive foi o que deu o documento da Serra Pelada para o garimpeiro, 1089 hectares documentado e tudo, para o Seu… O finado Genésio, que era o dono da Fazenda Três Barras. 1089 hectares. Aí, ele trocou em uma fazenda, que a Fazenda Rio Verde, aqui perto, já tá junto lá, Parauapebas, né? A gente chegando em Parauapebas não tinha antigamente uma fazenda Rio Verde? É aquela lá que foi trocada por Serra Pelada. Pra Serra Pelada ficar… Pra Fazenda Três Barras ficar para os garimpeiros e lá ficar pra ele. Ele com o direito de receber 10% de cada renda de ouro que saísse daqui de Serra Pelada, ele teria o direito de 10%, autorizado por Polícia Federal e Presidente e tal, e tal, e tal. Curió e tudo. Quando ele pirou com aquilo, Seu Genésio pirou, porque ele não queria só os 10%, eu acho que ele queria metade, entende? Mas não podia, porque aquilo ali foi liberado para os garimpeiros. Aí, ele… Muitas vezes, o pessoal disse que alguém quando ia dar bença para ele, ele dizia: “10%”. Eu não sei se essa história… pra mim mesmo ele nunca falou, sabe! Nós conversamos, chegamos a conversar, trabalhei na fazenda dele, trabalhei lá, e ele nunca chegou a falar isso pra mim. Mas eu vi que ele não era bem certo. Mas era um ótimo patrão, Seu Genésio era um ótimo patrão. Aí, um período que ele parou de receber até os 10%... Foi porque… Ainda tem mais, o leite que era para ir para a Polícia Federal, para ir para Caixa Econômica, para não sei para quem mais lá, essa outra associação que tinha aqui. Era ele que tinha que entregar, e o direito era dele entregar, do Gado dele ele entregar o leite para cada um daqueles, agora o restante ele podia vender, mas era para ele entregar aquele leite todo dia.
P/1 - Então, antes da região ser um garimpo…
R - Era a Fazenda Três Barras do Seu Genésio, era.
P/1 - E aí, a senhora sabe a história de como que descobriram que aqui na região tinha ouro?
R - Não! Eu ouvi falar, se eu disser que eu sei de alguma coisa, eu tô mentindo. É assim, de alguém que já me falou, foi só o Seu Genésio, que disse que foi um rapaz que estava juntando os porcos, não sei o que que era lá, e chegou numa grota, chegou numa grota. Aí lá achou um gado lá e foi pegando esse gado e voltando, o gado foi pisar e deslizou e ele viu amarelo, ele levou pra casa, era ouro. Aí, o Genésio foi chamar gente em Marabá, pra já vim para o garimpo, aí encheu de gente. Assim, a história que eu ouvi da boca do Seu Genésio. Eu não tenho como provar porque ele já faleceu, mas ele falou isso pra mim.
P/1 - E quando a senhora chegou aqui, a senhora falou que foi morar numa casinha coberta de lona, né?
R - Não, a casa que eu fui morar, na época, ele já tinha comprado as madeiras no Eldorado e já tinha feito a nossa casa lá. Lá no bairro Morumbi. Ele tinha terminado de fazer a casa.
P/1 - E o que a senhora sentiu quando chegou em Serra Pelada? Qual foi o seu sentimento?
R - Eu me senti bem, porque eu estava do lado do meu amado, tava bom demais! Então, tava bom demais pra mim! Tava muito bem! Tava feliz! Foi em 1986.
P/1 - A senhora se recorda mais ou menos quantas pessoas que tinha aqui na época que a senhora veio?
R - Era gente demais, menina! Muita gente! Acho que era de 100 mil a mais. Eu acho que era mais. Muita gente! Você andava na rua era o povo peitando você, quando você voltava era toda roxa, os cabra: “o gatona”, e beliscando a gente! É por isso que ele não deixava eu ir nem na rua. Ele não deixava, porque beliscava a gente toda, chegava toda roxa em casa, de beliscão. Eles beliscando a gente, aqueles peão. Só que quando a gente chegava lá também, chegava tudo sujo, porque não tinha jeito, você podia ir para a rua arrumada do jeito que foi, você voltava suja, suja, suja. Além da poeira, que tinha uma poeira muito grande, que ali não tinha calçamento, não tinha nada, e aquela peãozada passando pra lá e pra cá, e mulher também, tudo misturado, aquela coisa toda. Que quando as mulheres fechou, foi muita gente que veio. Aí, aquilo ali não tinha jeito para a pessoa não se sujar, a poeira era muito grande.
P/1 - E a senhora falou que ele trabalhava com britador.
R - Isso!
P/1 - Esse britador que ele tinha, era lá…
R - Era lá no nosso terreno mesmo, que era uma chacarazinha até boa, oito linhas de chão, era uma chácara boa. Ele comprava as curimã, botava lá perto dos britador, e botava os meninos para botar para funcionar.
P/1 - Tem muita gente que vai assistir essa entrevista da senhora. Só para saber o que é curimã?
R - Curimã, é aquela terra que passa… Você já viu aquele moinho do Chico Osório? Pois é, aquele moinho, aquela terra que ele passa, não é cascalho, e sim o curimã. O cascalho, é uma terra que você pega da terra virgem, aquela terra virgem, se ela fagulha um pouco, ou mesmo que ela fagulhe muito ou pouco, você pega aquela terra e passa ali. Aquilo ali é o cascalho. Agora, aquela que passou, que você vai relavar ela, aquela ali é Curimã.
P/1 - Então, a terra que já tinha extraído o ouro…
R - Já tinha extraído o ouro, eles vão extrair novamente, novamente, pra pegar o ouro de novo. Pega também!
P/1 - E pegava ouro?
R - Pegava!
P/2 - Dona Mirian, a senhora lembra a primeira vez que a senhora viu o buraco lá?
R - Era mais gente do que buraco. Tinha muita gente, muita gente, muita
gente mesmo. A estrada era muito, muito, não tinha nem o que a gente olhar quase, a gente não via a estrada, era só peão. Só peão passando. Aí, aquela estrada vinha de lá e ela rodeava assim ó, ela vinha, aí fazia aquela volta, ia fazendo aquela volta tipo um funil, até chegar lá embaixo. Era assim. Mas era muita gente.
P/2 - E a senhora quando chegou aqui fez amizades ou não?
R - Eu não tinha nem como fazer amizade assim, porque pra onde eu saí era com meu marido. Ele ainda me levava na casa daqueles colegas dele que tinha família, aí ele me levava, como na casa do Paraibinha mais da Santa, na casa do Oscar Japonês, que também já faleceu. Várias casas assim ele me levava. Mas era um pessoal que assim, cada um na sua casa, porque não tinha nem como sair. Para sair era como o marido. Aí, muitas vezes não tinha tempo, né! Mas às vezes eu recebia visita também, deles com as esposas, os filhos. Era assim!
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P/1 - Como que era ser mulher nessa época aqui, então?
R - Bom! É como eu falei, muito bom, porque se você está do lado da pessoa que você gosta, não tem… Por difícil que seja a situação, tudo pra você tá bom, entendeu? Então, era a vida que eu vivia.
P/2 - E o povo que estava aqui era de que lugar do Brasil?
R - A maioria era maranhense, a maioria era do Maranhão. Aí, tinha de Belo Horizonte, tinha de São Paulo, tinha do Rio, tinha de muitos lugares. Mas peãozada mesmo era maranhense.
P/2 - O pessoal gostava das mesmas coisas, mesmas ruas, ou não?
R - Para te falar a verdade, para festa eu não ia. Agora isso aí é uma coisa… Não ia! Primeiro que não dava, era uma misturada doida. E ele era muito dramático, sabe! Ele era uma pessoa muito rígida, ele não ia, ele não me levava nessas coisas não. Quando ele queria me levar ele me levava para Marabá, ou pra Eldorado, mas aqui não!
P/2 - Então, a senhora fazia o quê? Como era o seu dia a dia nessa época?
R - A complicação foi essa, era a pior vida que eu me sentia. Porque uma pessoa acostumada a viver do seu trabalho, viver de tudo, você trabalhando, todo dia você trabalhando, para ficar só de cara para riba, a gente fica mal, né? Então, era isso, eu me sentia mal por causa disso. Porque nem lavar minha roupa eu não lavava, eu tinha tudo. Mas não tinha o que eu queria, era serviço pra trabalhar, que ele não deixava.
P/2 - Você já tinha filho nessa época?
R - Não, não, não! Quando eu vim ter minha filha, foi em 1991. Em 1991 eu tive minha primeira filha, tinha 5 anos que eu já estava com ele. Em 1991 eu tive a minha primeira filha.
P/2 - Até o momento que a sua filha nasceu, o que a senhora viu aqui em Serra Pelada que marcou a senhora? Coisas boas ou coisas ruins.
R - Por um lado, eu achei assim, Deus me perdoe, e Deus vai me perdoar. Por um lado eu achei bom, porque não desejando mal pra ele, mas foi um momento que ele caiu de vez na situação financeira, e os amigos todos viraram as costas pra ele, e eu tive junto para dar a mão pra ele. Foi só eu, simplesmente!
P/2 - Caiu por que? O que aconteceu?
R - Situação caiu. Foi acabando as coisas, acabando, foi de repente. Porque aqui é assim, o garimpeiro é assim, se ele não souber cuidar… Não é só ele, é qualquer um, se ele não souber cuidar daquilo que ele pegou… Para pegar é ligeiro, mas para perder é mais ligeiro ainda. E é o que aconteceu com muitos aqui, entendeu? Foi dessa forma. E ele dava, ele comprava era de caminhonete Ranger e dava para o povo. Ele não tinha essa de dizer que era miserável não. Ele acabou com as coisas dele, dando remédio para o povo, ele dava remédio, dava comida, dava passagem para aquele que queria ir embora. Era isso que ele fazia.
P/2 - Mas o que aconteceu? Parou de pegar ouro, foi isso?
R - É! O garimpo parou. O garimpo parou e também ele… eu não sei o que que foi, se revoltou também, por causa dessa situação do garimpo, ai danou a beber cachaça, danou a destruir. Não tem jeito, destrói, acaba tudo.
P/1 - A senhora sabe me dizer o ano que o garimpo fechou?
R - Foi em 1990, ou foi em 1991. O Collor de Mello botou Patrimônio Histórico, né? Patrimônio. Começou daí. Mas de vez em quando, para, não para, para, não para. Onde parou de repente, foi isso aí.
P/2 - Me conta uma coisa, a senhora se lembra quando descobriu que a senhora estava grávida?
R - Sei! Foi em 1990, eu fui pra lá com ele, e ele tomou uns remédios, nós fomos nuns ótimos médicos lá em Teresina, aí a gente fez uma check up, os dois. A demora foi fazer check up.
P/2 - A senhora estava de quantos meses já?
R - Não, quando eu vim descobrir foi logo, logo. Porque eu comecei a enjoar, abusei primeiro ele, depois foi… Aquele coisa de mulher grávida. Aí foi isso! Foi assim que eu descobri a gravidez. Foi assim!
P/2 - E a gestação da senhora, como é que foi?
R - Foi uma gestação de situação financeira muito ruim, mas eu estava feliz porque eu estava grávida, eu ia esperar uma coisa muito especial na minha vida que era a minha filha. Que eu achava que era homem, mas veio mulher, estou muito feliz da minha filha. E foi muito bom! Foi difícil por um lado, mas por outro foi maravilhoso.
P/2 - E como é que foi o dia que ela nasceu?
R - Foi lá em Parauapebas, porque eu tive ela foi cesárea. Minhas filhas foi todas as três cesáreas. Eu tive todas as três de cesárea, elas. Duas foi em Parauapeba, e a outra foi aqui no Regional de Marabá. Foi isso!
P/2 - E vocês foram lá, foi tudo bem? Não teve correira, ou teve?
R - Não! Em todo canto Graças a Deus eu tenho amigo. Nós tinha amigo em Marabá, nós tem amigos em Parauapebas. Essa de Parauapebas, a Zenilde, é uma pessoa que eu amo demais, demais da conta, ela para mim foi mãe, foi irmã, foi tudo para mim, a Zenilde, a esposa do Seu Manoel. Ela mora lá no Rio Verde. Aí, eu fiquei lá, hospedada lá na casa dela, fui muito bem atendida, graças a Deus. Aí, quando tive a neném… Foi o Newton que foi me buscar, a primeira, né! O Newton foi quem foi me buscar. E foi muito bom, graças a Deus!
P/2 - Você lembra como é que foi pegar a sua filha no colo?
R - Quando ela nasceu, ela nasceu da cor dessa camisa, preta. Que tinha passado já do dia de nascer, ela tava que não tomava mais nem fogo. Quando mandaram tirar essa menina rápido. Foi quatro, primeiro foi duas, eu vi a mulher passando a mão na cabeça, “Meu Deus!” Aí, depois chegou a doutora Jarana, me lembro até da doutora. Doutora Jarana, “Meu Deus do céu, e agora?” Eu digo: “Gente, o que que é isso? Dá essa agulha para essa mulher, pra Doutora Janara que ela vai aplicar essa anestesia e vai dar certo. Vamos ter calma!” Que era eu que poderia estar nervosa, né? Que eu já estava sufocada. Aí eu fui e dei força. Ela disse: “Vamos cuidar, que a mulher está dando força pra gente” Aí, ela aplicou a anestesia e deu certo, na terceira, ou foi na quarta anestesia, se eu não me engano. Aí, pegou! Quando pegou tiraram a neném pretinha. Em 3 dias estava bem branquinha, igual o pai.
P/2 - Qual que é o nome que a senhora deu pra ela?
R - Eujacia.
P/2 - Por que?
R - Porque o nome da avó dela, da bisavó dela, era Jaci. Eu fui caçar os nomes, aí eu botei o nome dela de Eujacia pela família dele também, que é uma família tradicional, uma família que a gente vê que não é… Mas só que eles lá e a gente aqui não tem nada a ver, cada um segue a sua vida. Mas eu queria pôr a minha filha lá em cima como eles estavam, e também caçar um nome que combinasse com os avós, que os guerreiros não são os novos, e sim os antigos. Certo! Aí, eu botei o nome de Eujacia.
P/2 - Por que Dona Mirian? A senhora deu outro nome aqui no começo.
R - Isso. Mirian é apelido, que é como eu te falei. Conheci o meu marido no Eldorado, aí a gente teve um namoro, me apaixonei por ele, me entreguei pra ele, não nego. Não nego, me entreguei pra ele. Só que eu tinha que ir em Água Branca novamente para levar minha irmã, que estava doente. Nós fomos pra lá. Aí lá ele mandou um telegrama para mim, que estava me esperando em Teresina. Aí, lá pegou o avião e me trouxe para Marabá. Aí, aqui, pra meu pai, que antigamente era uma rigidez daquele pessoal, principalmente daqueles cearenses antigos. Aí, ele me trouxe, mas mudou meu nome. Antigamente, eu vou falar bem aqui. O povo ria dele, porque ele era uma pessoa que ele sempre me colocou lá em cima, ele nunca foi homem de me botar lá embaixo, não! Ele sempre me colocou lá em cima. E naquela época Roberto Carlos se apaixonou pela Myrian Rios, aí ele usou o nome de Mirian. E ele queria que eu fosse uma pessoa importante igual a mulher de Roberto Carlos. Então, foi assim! Fiquei Mirian. Fui feliz e sou com esse apelido, Graças a Deus eu sou feliz. É um apelido que muita gente me conhece com esse apelido, um apelido que ele botou, foi ele quem escolheu esse apelido. Estou me sentindo bem. Mas o meu nome mesmo, de nascimento, registro, é Edineusa Rodrigues Martins. Minha mãe é Neusa Pires Rodrigues, a minha irmã, mais velha do que eu, é Edileuza Pires Rodrigues.
P/2 - Me fala um pouco como que era o seu marido? Como é que ele se vestia? Qual que era o cheiro dele?
R - Amigo, todo homem é cheiroso, depende da mulher cuidar. Se a mulher souber cuidar do cara, ele todo tempo fica cheirosinho, mas se a mulher não cuidar, ele fica fedido, fica todo nojento. Muitas vezes o cara está com a mulher, diz: “Eu preciso de uma mulher!” Mas ele precisa de uma mulher, não de uma pessoa para estar só com a perna para riba, ficar de boa lá esperando no bem bom. Ela tem que entender que ela tem o esposo dela para ela cuidar dele. E eu cuidava do meu. Era cheiroso.
P/2 - E se vestia como?
R - Era short, como os outros, era um shortinho, era aquele shortinho curto assim, e uma camisa, jogava no ombro assim, e saía. Uma faca na cintura. Antigamente era assim.
P/1 - A camisa era no ombro?
R - Era! Jogava a camisa no ombro e… E o chapéu, chapéu de palha, ele usava chapéu de palha também.
P/2 - E o que vocês comemoravam? Tinha algum dia especial que vocês comemoravam sempre, ou não?
R - Meu aniversário, ele sempre tinha que fazer alguma coisa, ele tinha que fazer alguma coisa, não tinha jeito, ele tinha que fazer um almoço, ele tinha que… Qualquer coisa ele inventava para o meu aniversário. Aí, eu aprendi com ele, comecei a fazer por ele também, porque se ele fazia por mim, eu também tinha que fazer por ele. Aí, nós fazia a data de comemoração nossa de aniversário. Seja o que for, nós tinha que fazer alguma coisa. A gente fazia.
P/2 - Teve alguma festa, algum presente que você ganhou que te marcou mais?
R - Rapaz, a surpresa maior que eu tive… Porque teve a surpresa, uma vez quando eu completei 19 anos, já aqui em casa com ele, eu completei 19 anos. Eu lembro que a gente fez um almoço, um colega dele com a esposa. E mais uma ex-namorada dele. Que foi namorada dele lá em Jacundá, essa namorada também veio, eles fez questão de mandar esse povo pra vim num almoço aqui em casa. Mas o que me marcou não foi isso, foi um… Ele passou não sei por onde, ele viu uma flor linda, aí ele chegou com essa flor e me deu. O que me marcou foi isso aí.
P/2 - Foi uma festa?
R - Não foi nada, foi só essa flor. Ele me deu essa flor, me abraçou, e disse “eu te amo”. Foi! Porque naquela época os homens era muito difícil dizer que gostava da esposa e tal, né! Que inclusive ele disse isso nessa época, e veio dizer também no dia que ele morreu, antes de morrer ele disse: “eu te amo!” Eu digo: “isso é hora de me dizer que me ama?” Mas tudo é do jeito que Deus quer.
P/2 - A senhora conheceu ele como mesmo?
R - Eu conheci ele em Eldorado, através do marido da minha irmã, que era funcionário dele. Aí, eu vim para lá, para cuidar da minha irmã, que tinha dado o AVC e já estava trazendo os remédios. Porque o pessoal antigamente, quem fazia os remédios era aquele pessoal mais velho. Aí, eu já vinha trazendo os remédios, quando ela melhorou eu levei ela para casa. Mas já tinha conhecido ele, já estava com ele, entendeu?
P/2 - A primeira vez que a senhora viu ele…
R - Manguei que só! Mano, manguei de mais desse homem. O homem feio, meu Deus! Eu dava cada risada, cada risada mangando desse homem, que só vendo! O homem era feio. Careca, barbudão, cabeludo, eu digo, “minha Nossa Senhora, eu digo, nunca tinha visto uma coisa feia dessa”. Aí, no outro dia… Quando foi no outro dia, ele já chegou lá, já sem aquela barbona, já sem aquele cabelo grande, um careca bonitinho. Eu digo: “agora tu tá bonito!” Aí… Eu digo: “meu amigo, se tu me quiser e sem cabelo na cara”. Porque o trem feio, viu! Aí, a gente começou a namorar, com brincadeira assim, a gente começou a namorar. Foi muito bom! Mas foi dessa forma, foi dando risada da cara dele.
P/2 - O que de mais marcante você viveu? Um dia, uma ocasião, que você consegue lembrar agora.
R - A ocasião mais marcante entre eu e ele, ou…
P/2 - Vocês dois.
R - Não. Só simplesmente, quando ele tinha dinheiro, de repente ele me surpreendia. Quando a minha mãe, ou alguém adoecia lá, quando ele vinha me dizer era com 5 ou 6 dias, e que já tinha mandado o dinheiro, já tinha mandado para o hospital, já tinha mandado tudo. Isso é o que marca em qualquer mulher, o homem ganha qualquer mulher cuidando da sua família.
P/2 - Por que você acha isso?
R - Porque eu me sinto bem, porque eu ajudava o meu pai cuidar da minha família, e de repente eu estar com uma pessoa… Porque hoje em dia… Diz que língua de sogra tem quatro ganchos, né? Mas acontece que eu, eu não sei nem como é que eu sou, mas antigamente eu tinha o maior medo de alguém dizer que eu tinha esses tipos de defeito. E ele também, eu acho que ele tinha esse medo, que inclusive qualquer coisa que minha mãe ou o meu pai, qualquer pessoa lá sentia, ele mandava o dinheiro. Qual é a mulher que não se sente feliz. Está do lado de um cara que gosta dela, que ela gosta dele, e ele cuidar, sem ter compromisso, sem nada, daquela família, sem ele ter compromisso nenhum, nem de primo, e nem de pai, nem de mãe, nem de ninguém. De repente ele dizer: “Não, eu tô mandando dinheiro para você fazer isso, isso e isso” Depois de 5 dias falar para você: “Meu bem, eu falei isso, eu fiz isso e isso, para você não se estressar, mas tá tudo bem.” É o que marca, em qualquer mulher. E isso aconteceu comigo, certo!
P/2 - Então, a sua filha nasceu…
R - Não, a gente já estava aqui, e ficamos aqui direto.
P/2 - Quando acabou o garimpo ele foi trabalhar do que?
R - Era roça. Nós trabalhamos de roça, que eu sei trabalhar de roça, ele também sabe. A gente trabalhava do que dava, entendeu? Trabalhava no que dava!
P/2 - Aí, a senhora voltou a trabalhar também?
R - Graças a Deus! Porque o que eu quero é trabalho, pra mim trabalho tá bom demais. Eu voltei a trabalhar, até antes dela nascer, eu voltei a trabalhar. Eu trabalhava lá no Luizão Serra do Ouro. Eu trabalhei lá também. Aí, depois de lá eu fui fazendo, até aqui, pronto! Aí, ele disse: “Vai trabalhar! Tu quer trabalhar, trabalha” Mas é porque tinha dia que ele… Quando ele andava assim, um pouco estralado, ele ficava duro, esse negócio aqui dele, acho que entortava, que dava um godozão assim, nas costas dele, bem no meio. Eu acho que era coluna, não sei! E ele morreu, eu acho que foi de câncer, tudo indica.
P/2 - A senhora guarda alguma coisa dele? Algum objeto, alguma coisa?
R - Eu só não mostro bem aqui nessa bolsa, porque não tem como agora, né? Mas deixei na outra bolsa lá. Até hoje eu tenho os documentos… Que para onde eu ando é com os documentos do meu marido, pra onde eu ando. E é os documento dele e registro, tudo, tudo é comigo. Só não tenho as roupas e as fotos, que eu tinha muitas fotos com ele. E as fotos também, porque quando a Colossus derrubou a minha casa, passou o trator por cima da casa, fez aquela… Aí, derrubou, bagunçou tudo, de fotos, relíquias que eu tinha, acabou tudo, acabou tudo!
P/1 - A senhora prefere ser chamada de…
R - Mirian, o nome que ele escolheu para mim, e foi 22 anos de convivência maravilhosa, eu fico grata com esse nome. Mirian!
P/1 - Então, eu vou chamar a senhora de Mirian.
R - Isso!
P/1 - Dona Mirian, após o fechamento do garimpo muitas pessoas foram embora daqui e vocês decidiram permanecer.
R - Isso!
P/1 - Qual foi a motivação de vocês permanecerem aqui?
R - Ele com interesse de um dia surgir, de um dia retornar aquele garimpo novamente. Porque naquela época o Curió ainda estava junto com a gente direto. O Curió ainda estava junto com a gente. Que inclusive depois ele se candidatou até a prefeito. E ele tinha aquela esperança. O Curió para muitos era o Deus daquele povo, entende? Era o Deus daquele povo, porque foi quem… Se for analisar, sim, eu concordo! Porque foi quem ajudou na documentação pra garimpo de Serra Pelada ser do garimpeiro. Ajudou para defender a região. Salvar Curionópolis, que ele veio para matar o pessoal que tava lá dentro, e de repente ele disse: “Eu não vou fazer isso com esse povo”. Foi ele que ajudou e montou a cidade, fez tudo, foi ele! Entendeu? Então, é assim, ele tava focado… E ele sempre dizia, que um dia ia surgir, o garimpo ia retornar. Aí, tinha um ditado que ele sempre falava. “Olha minha gente, o cacho de banana é grande, mas nem todo macaco pode comer”. Ele botou aquilo na cabeça, ele pôs aquilo na cabeça, que quem saísse… Ele foi quem colocou aquilo na cabeça, que quem saísse perdia. Quem não pagasse a carteira da cooperativa, perdia. Que inclusive a carteira dele, tem 20 anos que o Newton morreu, mas até hoje a carteira dele está legalizada, tá bem dentro da minha bolsa. Até hoje ela é legalizada, porque eu nunca deixei de legalizar. Então, ele achava que aquilo ali ia surgir. Já eu não, apesar do lugar… Se existir lugar bom para pobre morar, eu já digo isso, igual Serra Pelada não existe. Quem disser que Serra Pelada é ruim, morre e não sabe o gosto do que é bom gente. Porque o lugar bom para se morar. Entendeu? Agora não, que a maioria das mães e dos pais, estão deixando os filhos pisar no pescoço e não estão aprendendo… não estão cuidando direito. Mas antigamente você ia para uma seresta, você ia para um forró, você ia… E era grande, crianças, jovens e todo mundo ia para aquele forró. Voltava, andava 1 km. Eu, daqui da rua eu ia a pé para o Morumbi, lá para perto do túnel lá. Eu ia a pé. Eu vinha para o forró e voltava sozinha, a única coisa que eu via de vez em quando era uma cobra passando na estrada, porque tem. Mas acontece. Era um lugar tranquilo, tranquilo. Hoje tá assim, por causa das, traduzindo, Deus vai me perdoar e as mães também vão me perdoar: as drogas. Muitas vezes um filho precisa de uma palavra amiga do pai e da mãe e não tem. Não é? Concorda comigo? Precisa de uma palavra da mãe, atenção da mãe, e não tem. Tem muitas coisas que você tem que pisar no pescoço do filho, tem! Mas muitas coisas você tem que saber colocar ele no seu ombro, dar carinho, conversar com ele, para ele ser alguém na vida. Porque se você não der atenção para ele… Se você que é mãe, você que é pai, não der carinho e atenção para seu filho, quem vai dar? Porque o que está lá fora não vai cuidar do seu filho, ele vai querer botar seu filho numa boca, que é o que tem aqui. A maioria pega seu filho e bota em qualquer boca, e ele pula fora, diz: “Não, não fui eu não, foi fulano de tal”. É isso que acontece. E eu acho muito bom aqui, é um lugar tranquilo, eu não tinha vontade, nunca tive… Depois que eu pisei o pé aqui, eu nunca mais tive vontade de sair daqui, nunca, nunca, nunca. Pra mim é um lugar tranquilo, é um lugar bom. Hoje já está nessa situação. Antigamente a gente para ir para uma roça, para qualquer outro lugar, era muito difícil, hoje quase todo mundo tem uma motinha para andar, né? Não é todos que tem, mas um bocado tem. Tem a sua motinha para ir para qualquer lugar, ir atrás de um açaí, atrás de uma banana, de qualquer coisa, mas na sua casa não falta. Então, pra mim um lugar muito bom esse daqui, eu gosto!
P/1 - A senhora falou que ele ficou na esperança do garimpo…
R - Retornar novamente.
P/1 - E a senhora como muito apaixonada por ele…
R - Eu apoiava ele em tudo. Eu apoiava ele em tudo.
P/1 - A senhora ficou junto com ele e aconteceu que o garimpo não reabriu, né?
R - Isso!
P/1 - E a senhora relatou também que teve um período que ele adoeceu.
R - Isso, ele passou oito anos doente.
P/1 - E não descobriu o que que era?
R - Como eu falei, só deu de entender que era câncer, fia! Porque primeiro veio uma aziona muito pesada, e de vez em quando vomitava sangue, e aquela coisa toda. E quando foi uma época ele deu AVC, por duas vezes, na terceira vez ele não resistiu. Mas antes, ele dava aquelas coisas, até um grito que ele dava estourava a veia. No lugar do sangue sair, voltava para o pulmão. Tem jeito de escapar? Não tem! Eu levava para o hospital, fazia de tudo, mas não tinha jeito.
P/1 - Qual foi o período mais difícil que a senhora viveu aqui em Serra Pelada?
R - Depois que ele morreu, fia! Depois que ele morreu eu engoli um bocado, que nem cachorro, porque eu queria criar minhas filhas com dignidade. Os próprios amigos dele chegava me cantando, querendo me conquistar de qualquer jeito. Aquele jeitão deles nojento, sabe! Porque isso é nojenteza. Nojento! E eu para não agravar ninguém, para não prejudicar ninguém, porque o que eu queria era criar minhas filhas, eu simplesmente só me afastava dessas pessoas. Que inclusive muita gente que era amigo dele, não quero nem papo hoje, não quero! Por causa disso. Isso aí foi o que mais me marcou, porque eu queria criar minhas filhas com dignidade. Porque foi o que ele disse pra mim, que eu nunca desse um padrasto às filhas dele, e elas estão de prova. Ele disse que não importasse se eu saísse para dar os meus pulos longe, Marabá, Belém, onde fosse, mas aqui dentro de Serra Pelada, junto com as minhas filhas, não! Ele não queria que eu desse um padrasto para as filhas dele. E isso eu fiz!
P/1 - Dona Mirian, e financeiramente, como que foi depois da partida dele? Como foi para a senhora?
R - Não! No período de 8 anos, foi muito difícil pra mim. Que essa Baixinha do Fogoió, esse seu Hélio, se eles contar a minha história, vocês choram. Eu ia lavar roupa para o Seu Hélio e para a Dona Maria lá na fazenda. Passava o dia sem comer, trabalhando, lavando roupa numa Grota, quando eu terminava, não por falta de comida, ela mandava comida meio-dia, mas aquela comida eu tinha que botar ali separado para chegar e dar para as minhas filhas. Porque não tinha. No outro dia, aquele dinheiro que eu pegava, eu vinha comprar coisas e voltava para fazer comida. Aquele seu Hélio foi um pai para mim, Seu Hélio, a Rose. Essa Rose bem aqui, não tinha a Rose Guilhermão aqui? Aquela ali foi outra, que até hoje eu tenho o número dela, até hoje eu tenho o número dela, nós duas se trata assim, como duas irmãs, como duas amigas, como duas parceiras. Muito bacana! Mas ela foi uma patroa excelente. Seu Hélio, Antonio Barcelo, Genésio, todos foram ótimos pra mim. Então, mas o tempo mais difícil foi esse quando ele adoeceu, muita gente jurou que não era doença, era preguiça. Agora eu que estava convivendo com ele, eu sabia que era doença, mas um bocado dizia que não era, que era preguiça. E eu tinha que engolir aquilo tudo ali.
P/1 - Então, pelo o que a senhora está contando, a senhora já teve que assumir as despesas de casa…
R - De tudo, de tudo, de tudo, de tudo… Isso foi! E aquela baixinha do Fogoió que me ajudou. Muitas vezes as roupas que ela tinha, das filhas dela, que não servia mais para as filhas, ela me dava e eu levava para as minhas filhas, porque eu não tinha condições de comprar. Porque tinha que comprar o remédio para o meu marido, e tinha que comprar comida. E muitas vezes a Baixinha, ela juntava aquelas coisas, porque ele era proibido de comer várias comidas, tinha que comer sopa, essas coisas de beterraba, cenoura, essas coisas. E eu não tinha condições. Ela juntava, ela mas aquela Rose do Guilhermão, juntava arroz, comprava um bocado, e ela juntava outro bocado e dava para eu levar para fazer comida para o meu veio. Viu! Eu enfrentei, ouvindo muita gente dizer que o meu veio estava com preguiça, doi. Dói você ouvir uma pessoa que é de dentro da sua casa, entende? Uma pessoa que é de dentro da sua casa, dizer que você está com seu querido doente, dizer que é preguiça. Quando vieram descobrir que não era preguiça, era doença, ele já estava morrendo, já tinha morrido. Depois chegaram: “Ó, me perdoa!” Perdão você vai pedir para Deus, porque eu não tenho como perdoar não”. Falei! E é como eu digo: Eu não tenho como perdoar ninguém, porque eu não sou Deus. Fez o mal pra mim, vai pagar, porque é Deus que vai dar o castigo, não é eu. Quem sou eu para dar castigo a ninguém? Só que eu, Graças a Deus, todo tempo minha cabeça foi erguida, em relação a trabalho, em relação a dar risada, em relação a ser essa pessoa que eu sou. Todo tempo eu tive minha cabeça erguida. E muita gente… Eu não sei, um bocado tem raiva. Eu percebo que um bocado tem raiva. Um bocado fica feliz, mas outros têm raiva. Os que mais me prejudicaram, não sai lá de dentro de casa. E eu recebo bacana.
P/1 - A senhora falou que prejudicaram. De qual forma?
R - Filha, em tudo! Porque a maioria do povo daqui não sabe nem como viver e nem como dar um passo, porque para você dizer uma coisa de outro você tem que ter a certeza, e um chegava e dizia assim: “Vamos mentir com o nome dela, assim, assim, assado”. Aí pagava dois, ou três, ou quatro, pra mentir, e eles acreditavam. Um bocado de gente nojenta, fria e calculista que se vende por merda. Eu já traduzo isso, desculpa, mas é dessa forma que eu acho. Eu tô com 58 anos de idade, fia, completei, vou completar 59. Tu acredita que eu nunca dependi de usar mentira para ganhar nada e nem dizer: “Tá aqui tantos mil pra você mentir para derrubar fulano de tal”. E muitas vezes fizeram comigo, entende? Fizeram comigo! Me prejudicaram muito, muito mesmo. Mas eu não abaixo a cabeça não, eu não abaixo a cabeça pra nada, fia! Pra nada, pra nada não abaixo minha cabeça, não. Eu nasci pra lutar e nasci pra vencer, ainda tem essa. Eu nasci pra lutar e nasci pra vencer. Quem tenta me derrubar é quem está lá embaixo, não é eu não.
P/2 - Quando a Colossus chegou, como que estava sua vida? Quantos anos suas filhas tinham? Como estava a sua situação?
R - Eu já estava com uma que já estava casada, casada, assim, ela morava com um rapaz, muito gente boa, meu genro, é meu filhão, que eu amo demais o meu genro. Eu gosto dos meus três genros, mas ele é em primeiro lugar, aquele dali não tem outro não, é ele mesmo, é o Juscelino. Ela já morava com ele, morava aqui no Baixão do Azobe, abaixo daquela grota assim, quase pegado aquele terreno meu, moravam ali. E eu lá no Morumbi. E fique com minhas duas filhas, quando de repente essa Colossus chegou de madrugada, 2:00 da manhã, era uma zuada de trator, de patrulha, de tudo, de tudo, naquele Morumbi. Eles montaram uma estratégica, não é só, se eu disser que é só Jessé e Vadel, eu estou mentindo?, porque a maioria dos que estavam aqui dentro, moradores daqui de dentro, na ganância de ter o que eles não tinha, eles queriam se achar o rei da cocada preta, que é onde muitos venderam e hoje estão pior do que eu. Aí, eles apoiaram isso aí. O pessoal de lá do Sereno e os daqui da vila, correram lá para o bairro, que o bairro era pouca gente, mas era pouca gente, mas era um pessoal que não tem medo de falar a verdade. Eu não tenho medo de falar a verdade, Etevaldo não tem medo de falar a verdade, o Zuca não tem medo de falar a verdade, nenhum tinha medo de falar a verdade. Foram lá pedir para nós se caso eles… Veja bem onde foi que começou. Se caso eles quisessem negociar, que eles disseram que iam negociar só o bairro Morumbi, os daqui foram pedir socorro para nós que tava lá. Que nós não aceitasse fazer uma negociação dessa, a não ser com todos. Gente, custava fazer com todos? Mas eles queriam só o bairro Morumbi e não queriam os daqui. Aí, nós juntamos e seguramos as máquinas, pronto! Seguramos as máquinas e jogamos… Como é que? Convidamos o rapaz, fizemos uma reunião na casa do Etevaldo, que inclusive esse vídeo ele tem. Fizemos uma reunião lá falando para ele, ou ele negociava com todos, ou então não negociava. Entendeu? Por isso a gente… E ele sem querer aceitar. “É, mas vocês tem que dar graças a Deus, nós viemos pra trabalhar, nós viemos para invadir, para trabalhar, e nós vamos trabalhar, nós vamos tirar o ouro daqui. Não tô perguntando pra você o que acha ou que deixa de ser, o que importa é o que nós vamos fazer.” Eu digo: “Você pode me explicar que empresa é essa?” Ele disse: “É a Colossus!” Eu digo: “Pois ela vai colossiar em outro lugar, que aqui não!” Eu, tá o vídeo meu falando. Eu digo: “Eu dou minha cara a tapa se o senhor sair de dentro daqui, do meio de nós tudinho vivo. Enquanto o senhor não despachar e dizer, ou negocia com todos, ou tira os maquinários todos daqui. Eu dou a minha cara a tapa se o senhor fizer isso” Falei mesmo. Esse homem ficou agoniado, agoniado, e Etevaldo e todo mundo, uma turma daqui da rua. Porque os mais interessados eram… Esse povo… Eu fico imaginando, meu Deus! Porque a maioria já vendeu, foi embora e voltou, mana! Tá aqui! Qual interesse que esse povo tem de prejudicar o seu próximo? E foi isso que eles fizeram. Entende? Aí, prejudicaram, venderam, prejudicaram. Um bocado veio aqui para a rua. Aí sim, nesse momento eles tiraram. Ele viu que não tinha jeito mesmo, 5:30 da tarde, para 6:00 horas, ele abriu a boca: “Eu vou tirar! Mas tu vai me pagar!” Falou bem assim no meu ouvido. Fia, não foi três dias, minha casa estava rodeada de polícia, para me pegar e me levar presa para Curionópolis, de Curionópolis para Belém. Mas aqui tinha um doidinho, um maconheiro, um advogado maconheiro louco, que aquilo era um louco, o Doutor Rodrigo. Lembra dele? Então, esse foi o que disse assim: “Eu sou o teu advogado com o maior prazer”. ‘Meu amigo, eu to aqui ferrada e mal paga, se você quiser eu tô aqui”. Aí, sim, eu subi uma ladeira, do outro lado, que aqui era o túnel, tinha uma ladeirinha assim, uma rampa assim que a gente subia. Lá em cima do morro eu vi a minha casa fervilhando de polícia. Aí, eu olhei pra lá assim, minhas filhas não estavam lá, as portas estavam fechadas. E polícia rodeando. Eu digo: “Menina, eu não tenho compromisso com esse povo, eu vou já para a rua”. Cheguei lá já estava o Zuca doido correndo atrás de mim. Aquela Vanda, que hoje é Assistente Social daqui, todo mundo atrás de mim, que a polícia queria me pegar, já tinha pegado Etevaldo, já tinha pegado meio mundo de gente. Uma porção lá que já tinham pegado. Aí, eu digo: “Oxente, o que que eu tenho a ver com isso?” “Não, é que o povo aí vai prender todo mundo, vai levar para Belém”. Nessas alturas, um rapaz chamado Luiz da Maroca, como é que chama? Não é abençoado, nem amaldiçoado, eu deixo que Deus tome de conta dele. Ele já estava fazendo churrasco, inaugurando lá dentro da casa dele à noite, a nossa prisão no outro dia lá em Belém. Ele foi esperar nós no 16, isso eu te digo que eu vi. Ai, marcamos tudo para ir… O Doutor Rodrigo entrou junto, tentou, tentou. “Eu sou advogado, eu tenho direito” “Mas você…” “Não tô nem aí, só vai amanhã, no horário certo” No outro dia, eu não sei onde diacho o doutor Rodrigo arrumou um carro, levou nos todos para o 30. Eram muitos. Levou nós para o 30. Quando nós chegamos lá, luta vai, luta vai, aí meteram que tinha sido esse cara da Colossus, que eu tinha faltado com respeito. Eu digo: “Não, pelo contrário, apenas eu fui perguntar para ele”. Aí, eu falei a verdade: “Eu fui perguntar pra ele se ele tinha como me explicar tudo que estava acontecendo, porque o que eu que eu sei dizer é o seguinte: que se ele fosse para trabalhar ali, ele negociasse com o povo. Doutor, eu tô errada? Para negociar com o povo”. O advogado da cooperativa disse: “É errado, porque você não tinha que se interferir” Eu digo: “Meu amigo, eu estando em cima do que é meu, quem manda sou eu.”
P/1 - Dona Mirian, a senhora estava me relatando da época que a Mineradora Colossus, chegou na região e vocês tiveram um impasse, porque eles queriam comprar…
R - Só do pessoal de lá do Morumbi. E eu acho que nem era todos.
P/1 - Porque que eles queriam comprar, era para montar, o que que era?
R - É porque eles queriam a área, que lá já estava feito um projeto lá, tinham feito uma coisa assim, na barreira, e ali era onde eles iam colocar o túnel, fazer o túnel ali como fizeram. Aí, o pessoal daqui da vila, do Sereno, Açaizal, esse povo todo foi pedir ajuda pra gente, sabe! Pra não deixar acontecer aquilo. Se fosse ser para todos. A gente de lá, principalmente eu e muitos, o Etevaldo, o Zuca, esse povo, nós nunca tivemos interesse por coisas, por ganância de nada, não. A gente sempre queria ser partes iguais, sabe! Aí, eles pediram isso a gente aceitou, entende? A gente aceitou.
P/1 - Eles pediram…
R - Pra gente fazer uma reunião com os outros e não negociar se não fosse para todos. Aí, assim a gente fez. Aí, ele disse que não aceitava de jeito nenhum, não aceitava de jeito nenhum. Eu digo: “Então, no caso é o seguinte: vocês vão ter que sair, porque o bairro é nosso. Vocês vão ter que sair”. Todo mundo falou pela mesma boca. Aí, ele viu que não tinha jeito. Teimou, teimou, teimou. Aí, quando de repente ele disse: “É, nós vamos sair!” Mas fez que me deu um abraço assim. “Mas tu me paga!”
P/1 - Essa pessoa era?
R - Era um chefão da Colossus. Meu Deus, como que era o nome dele? Quem sabe o nome desse pessoal todinho, direitinho, é o Etevaldo, esse povo, Zuca, decora, eu não decoro nada, fia! Nada eu sei decorar.
P/1 - Tudo bem! Ele era um dos…
R - Um dos chefões de lá.
P/1 - O que estava negociando com vocês. Queria negociar com vocês.
R - Não, ele… Aquele a gente ainda não tinha visto, nunca tinha visto. Ele apareceu lá. Só que a gente, já que foi ele que apareceu, a gente tinha que conversar com ele. Aí, conversou. Foi quando ele disse: “Tu me paga!”. Eu digo: “Eis-me aqui!”. Aí, ele saiu! Tiraram os maquinários todo, mas aí em relação a vários políticos, a vários juízes, a várias coisas, isso e aquilo outro, e cooperativa e tudo. Seguraram ela aqui… Na Márcia. A Márcia Carneiro botou um bocado de maquinário, e outros na porta da cooperativa. Eu digo: “Gente, pelo amor de Deus, pega esse maquinário e joga do 16 para lá que vocês resolvem o problema”. É a maneira mais fácil que você tem de matar uma cobra, é bater na cabeça. Porque se tivessem pegado esse maquinário e tivessem deixado no 16, enquanto ele chegasse no 11, a gente já estava preparado por aqui para impedir. Não tinha polícia, não tinha ninguém que impedisse. Enquanto eles não resolvessem o problema de nós, moradores de Serra Pelada. Mas aí chegava um: “Não, mas ele vai dar tanto” Gente, acorda! Mas ninguém se achava na ganancia de ter mais do que o outro, ter mais do que o outro. E os mentirosos era nós, aí ficamos. Aí, de repente veio a polícia, foi lá na porta lá de casa, olhou tudo lá. Quando eu cheguei na rua, já tava uma colega minha, tava até me procurando: “Mirian o pessoal tá tudo te caçando” Eu: “Por que?” “A polícia tá atrás de ti”. A Vanda, ela hoje é uma ótima pessoa aqui, ela é assistente social aqui. Gente boa ela! Aí, ela falou isso. E eu digo: “Não!” Só que o doutor Rodrigo já tinha resolvido. Era um malucão aí, mas era advogado curado, ele entrava em todo lugar, em todo lugar ele entrava. Aí, ele já tinha resolvido para nós ir no outro dia lá. A noite eu só via era gente lá no Morumbi, aqueles que estavam apoiando, fazendo churrasco, inaugurando a nossa prisão, dos que foram. Vizinhos. Também fiquei calada. Quando foi no outro dia, nós foi lá! Aí vivemos uns temas, umas pegas muito boas lá dentro. Aí, eu disse assim: “Não, a maioria deles aí estão com inveja” Porque depois que eles me tiraram da cooperativa, apanhando, que no tempo do finado de Josimar, quando o Josimar conseguiu alguma coisa para botar para cá, foi o Josimar, foi o único dos presidentes que ainda fez uma coisa, que botou empresas boas. Passou foi três dias de reunião bem aqui no campo da praça. Ele arrumou empresa e tudo para trabalhar aqui, aí começou a perseguição. Até que mataram o cara. Que aqui não adianta, não.
P/1 - Ele era presidente?
R - Presidente. E eu trabalhava lá, eu era a copeira, eu era a “faz tudo”, entende? Porque quando adoecia alguém, eles faziam. “Mirian, é contigo” Eu pegava no 30, levava para Marabá e tudo. Eu tinha uma colega, que mora vizinha, que as meninas minha chama ela de mãe, a Loura, chama ela de mãe Loura. E ela que ficava tomando conta das minhas filhas e eu fazia tudo isso. Só que desse tempo pra cá, graças a Deus, nunca mais faltou em casa, para minha filhas comer não. Nunca mais faltou. Aí, eu era quem fazia tudo isso. Quando mataram o Josimar… Antes de matar o Josimar, que tiraram nós lá de qualquer jeito, os empurrão e tudo, queriam matar nós era lá dentro da cooperativa. Aí, de repente o… Como é que chama meu Deus? Um bocado de policial disse assim: “Rapaz, bora sair, vamos pôr na justiça, que você vai conseguir, você está com todos os documentos em mãos. Leva esses documentos”. Aí, eu peguei e levei. Aí, o Josimar pegou e levou. Foi como nós saímos de lá de dentro, porque nós estava era preso lá dentro, para morrer lá dentro. Nós ia ali, ia dar bagaceira. Aí, quando nós saiu, não deram baixa na minha carteira, eu era carteira assinada dentro da cooperativa. Até hoje eu nunca recebi. Um juiz, ou foi uma juíza, eu não sei quem foi, deu a causa ganha pra mim. No dia que eu fui lá na delegacia, eu apresentei minha carteira, digo: “Tá aí!” O problema deles maior é esse, eu tô com minha carteira, eles nunca deram baixa e tudo. A cisma deles é essa, que eu vá trabalhar com quem não presta. Eu não sou mulher para trabalhar com quem não presta não, trabalho com homem e com mulher, mas com gente que vive de sugar o suor dos outros não.
P/1 - A senhora estava falando da época que a Colossus chegou e eles conseguiram comprar os lotes, eles conseguiram implantar, como que foi essa época?
R - Para o pessoal vender, passava 15 dias, um mês, todo dia 5:00 da manhã ficava lá naquela porta. Isso eu digo e provo. Ficava lá naquela porta esperando uma autorização de um de lá de dentro para poder entrar para falar com o cara lá dentro, para ele autorizar se dava de negociar ou não dava. Moça, era humilhação, era humilhação. Eu vou me humilhar pra que? O terreno é meu, a casa é minha, tudo é meu. Quem tiver interesse venha na minha porta, venha na minha porta e converse comigo, que eu tô aqui para conversar. Com pouco chegou aquele homem de terno e de tudo. “Bora sentar bem aqui fora!” Chamei as meninas. “Suas meninas, faz um café pra nós aí!” A Linda e Auriana, foi quem fizeram o café, trouxeram e serviu a gente. Nós sentados lá fora. A quantidade de vizinho que parecia uma lançadeira do cão, lá em casa, passando na rua, para saber se realmente eu tive esse… Gente, eu não tive poder nenhum, apenas ele foi lá em casa para falar merda, porque eu não vi ele conversar nada, porque ele nunca chegou para mim dizer assim: “Dona Mirian, nós estamos aqui, a empresa tá aqui, nós estamos aqui, para negociar. A senhora está afim de negociar a sua área aqui com a gente?” Era pra ele ter falado isso, ele não falou. Eu estava esperando isso da boca dele. Porque se ele tava interessado, ele tinha que chegar e falar para mim. Ou ele tava achando que porque o meu marido tinha morrido eu ia dar aquilo? Não, vamos conversar. Aí, foi falar que a maioria do pessoal daqui as filhas são todas perdidas. Eu digo: “A dos outros, agora o senhor tampe a boca para falar das minhas, porque as minhas nunca foram nem na porta da Colossus não. Nunca foram lá e nem o senhor nunca viu nem uma filha minha andar na garupa de moto de gente da Colossus não. Se o senhor quer falar alguma coisa para mim o senhor fale. E se o senhor não quiser, por favor, o senhor se retire porque eu tô com dois sacos de roupa aqui para lavar, para mim comprar o pão para as minha filhas. A não ser que o senhor queira me ajudar”. “Não, eu vou embora, desculpa aí! Muitas desculpas! Nós estamos aqui para te ajudar!” “Como? Me diga como o senhor quer me ajudar, porque se o senhor me disser como me ajudar, eu sei!” Não falou pindaíba de nada, foi embora. Quando chegou lá disse assim: “Ó, vamos… eu vou juntar o tanto de gente que puder para pisar nessa mulher, humilhar essa mulher o tanto que for. Eu botava as roupas no varal, vinha aquele carro pipa jogando água de todo jeito para molhar a roupa dos outros. Tudo isso aconteceu comigo, ali dentro daquele Morumbi. Aí, quando de repente, eu fui… Eu digo: “Neném, fica aí que eu vou tentar receber uma citação, uma citação não, vou tentar receber o PIS do teu pai. Eu descobri que tem eu vou tentar ver se eu descubro. Vocês tudinho vão para o meu quarto, fica no meu quarto, que eu vou lá”. Aí falei para o pessoal, o Coréia, o Zuca, aquele pessoal, para ficar prestando atenção nas minhas filhas. Eu fui! Mana, sem mentira nenhuma, quando eu cheguei lá o povo já veio me receber lá na Caixa. E digo: “Oxe! A senhora que vai?” Eu digo: é! “O mana, só amanhã! Você vem amanhã, amanhã no máximo 10 horas nós lhe atende” Já tava ó… Tudo indica! Como eles foram me receber praticamente lá na porta, e como eles já sabiam praticamente o que era que eu ia fazer? Me levaram para uma mesa lá e disseram que só no outro dia. Hã? A máfia do Pará é pesada, fia! Aí, tudo bem, vim pra casa da minha menina. Liguei para cá e pedi para as meninas dormir tudo num quarto só. E o Zuca, aqueles outros, ficar prestando atenção nas minhas filhas lá. O pessoal ficar prestando atenção nas minha filha lá. Quando foi no outro dia eu estava na fila da Caixa, chegou um cara todo sujo, lameado, que trabalha na Colossus. Olhou para mim, encheu os olhos de lágrima. “Dona Mirian, me botaram 10.000 para mim derrubar a sua casa, eu larguei o serviço, mas não vou fazer isso, porque eu não sou covarde, porque o crime maior do mundo eles acabaram de fazer, destruíram sua casa Dona Mirian”. Eu não acreditei! Fiquei assim. “Oxe, esse cara é louco!” Também deixei. Continuei, fui lá dentro, recebi o dinheiro. Quando eu cheguei na casa da minha menina, lá a Lúcia, a sogra da minha menina lá. Liga para ela! Disse assim: “Juscelino fala para Mirian que derrubaram a casa dela” Aí, eu acreditei. Eu acreditei que tinham derrubado a minha casa. Mas na mesma hora eu fiquei assim. Eu parei um pouco. Eu disse assim: “E as minhas meninas?” Que bem materiais a gente depois, né! Eu digo: “E as meninas?” “Não, as meninas estão lá na casa do Adauto, que o Adauto foi lá e pegou” Mas foi uma luta pra ele entrar, para ele entrar foi arma na cabeça dele até ele entrar dentro da casa. E tá ele de prova bem aí para contar a história. Ele disse que foi coisa que ele nunca passou na vida dele. Mas pra ele salvar minhas filhas. Isso eu agradeço o Adauto, o que ele fez com as minhas filhas porque eu não estava em casa. Agora, eu te juro por essa luz, Nossa Senhora de Nazaré é testemunha da minha vida e do meu coração, e eu te juro por essa luz, se eu tivesse aqui, se eu tivesse aqui no dia, hoje eu não tava mais contando essa história. Porque eu tava morta, mas uns dez tinha ido mais eu. Porque eu levava um daqueles policiais lá pra dentro, tomava um dele, a primeira que eu torava era ele lá dentro e saia torando quem estava lá fora, não tava nem aí. Eu tava disposta a tudo. Você para salvar sua família e seus filhos, você faz qualquer coisa. Você não pensa em nada! Não pensa! E era isso que tinha acontecido. Mas é como a Aureana diz: “Mãe, Deus é bom mãe, Deus lhe tirou, porque nós precisa da senhora, nós precisa da senhora é viva. Porque eu lhe conheço mãe, eu lhe conheço, e nós precisa da senhora é viva”. Ficou do meu lado, me dando apoio em tudo. A pequena descontrolou fia, descontrolou, botou até a mais velha contra mim, também calei. Vim para a casa do Zé Filho, bem aí assim a casa dele, do Zé Filho, mas a Totonha. Vim para a casa deles, eles me ampararam aí. Aí, ele disse assim: “Mirian, eu vou para o Piauí com a minha família, fica aqui! Fica aqui, vai dar um jeito de juntar tuas meninas, aí tu fica aqui” Fiquei lá! Auriana ainda veio, passou, tava lá na casa da Eujacia, passou uns dias mais eu aqui, aí depois voltou de novo pra lá. Aí disse: “Mãe, vamos embora procurar uma casa para nós ficar aqui” Saía de casa em casa, caçando uma casa, dia que eu disse assim: “Você vai alugar essa casa para Mirian?” “Vou!” “Por quanto?” “Tanto!” “Espera aí que eu vou pegar o dinheiro” Quando eu chegava, já toda tremendo: “Não, eu não posso mais arrumar a casa para você, pode ir embora, pode ir embora, saia da minha porta” Como se eu fosse um monstro, um monstro, um animal, um monstro. E tudo isso eu sei quem foi. Tudo isso eu sei quem foi. E nada disso! Aí, de repente esse velhinho, que eu fui lá visitar ele, esse velhinho que eu já mostrei a foto dele. Eu fui agora, que ele estava em coma, eu fui lá, quando o velho saiu do coma, o velho ficou bonzinho, de repente. Eu fui lá visitar ele e a esposa dele, aqui em Cristolândia. Esse velho foi quem disse: “Essa casa tá aqui, a metade tá só os pedaços, é muita brecha, é muita coisa, mas se você botar pano, botar tudo para tampar essas brechas, você fica bem aqui o tempo que você quiser. E eu lhe garanto que eu presto atenção a você”
P/1 - Dona Mirian, quando eles derrubaram a sua casa, eles tiraram as coisas de dentro, os seus pertences?
R - Eu acho que deram chance para as meninas tirarem algumas coisa delas, tirar alguma coisa delas, tiraram sim. Que o Adauto foi lá e falou sério. Mas eu mesmo nem aqui não tava, como é que eu podia tirar? Não tiraram, não. E é assim, a gente… Aí, vai para a justiça, que justiça? Calada tá, calada fiquei. Eu prestei atenção daqui, Marabá, Belém, Curionópolis, Parauapebas, não vi justiça nenhuma. Digo: “Espera aí!” Botei o pé na estrada. Fui para Brasília. Juntei uma turma de garimpeiro, juntamos uma turma e fomos para Brasília. Quando chegamos lá, toda vez que ia botar o meu nome lá pra mim falar na tribuna, tinha um lá que apagava, ia lá e apagava. Eu passava assim, olhava, não estava o meu nome. Eu digo: “Aqui tá de sacanagem”. Aí, eu tenho dois deputados que são meus amigo que moram lá, um é deputado estadual, que tava lá com nós, e um é deputado federal, que estava lá com nós também. Eu só cutucava no ouvido dele: “Tiraram o meu nome dali” Ele mandava botar de novo. Demorava pouco, ia lá e tirava. Ele disse: “Não, deixa quieto” Digo: Espera aí! Peguei uma faixa que eu tenho lá em casa. “Colossus e Prefeitura de Curionópolis, Coomigasp, destrói a casa de garimpeiro em Serra Pelada e deixa o povo tudo no meio da rua” Aí, eu botei a faixa lá, quando eu botei o povo pulou logo um pedaço, que não ia falar enquanto tivesse a faixa. “A faixa vai ficar aqui! Ou bota meu nome pra mim falar bem aí, ou então a faixa não sai daqui” Aí quando eu dou fé, chega um. Ele chegou caladinho igual uma criancinha, leso, todo de terno. Pegou na faixa bem aqui, o Zuca. “Puxa, perdemos a faixa!” Meu amigo falou: “Minha irmã, eu saí de lá com um pé no calçado e outro descalço. Que eu estava sentada… Tava tão cheio lá na Tribuna, que nós estávamos sentados lá no chão, lá no outro canto, quando eu dei fé eu tava em cima”. “Solta minha faixa! Essa faixa é minha, é um direito meu. O direito que você tem de defender a sua família, seu povo, e o seu trabalho. Eu tenho direito de defender o meu patrimônio. Isso aqui é uma casa minha que foi destruída, e essa faixa vai ficar aqui, enquanto eu não descobrir o porquê, vai ficar bem aqui” “Eu sou federal!” “Tu pode ser o diabo moço, tu pode ser a autorização que for, mas eu sou a autoridade da minha casa, das minhas coisas, isso aqui é uma coisa minha, eu sou uma autoridade dela” Aí, o povo tudo: “Entrega a faixa da mulher, entrega a faixa da mulher” Deu aquele… Entendeu? Muito pesado mesmo. Aí, o Jordy, o Arnaldo Jordy, disse assim: “Calma gente, calma gente, a faixa vai ser entregue pra ela, a faixa vai ser entregue pra ela. Calma gente, calma gente!” Entregaram a faixa. Eu botei lá de novo. Agora vem pegar bem aqui, que eu te quebro de sandália, bem aqui. Aí, ele não mexeu mais. Aí, quando o Jordy disse assim: “Mirian, todo mundo, o Brasil e o mundo já viu essa faixa, não foi só o povo daqui, foi o Brasil e o mundo, já viu essa faixa. Então, não custa nada tu tirar para a gente terminar essa reunião, porque senão ninguém termina nunca” Eu digo: “Eu tiro, se você também autorizar eles e mandar eles assinarem até um documento, mas não vai tirar meu nome para mim falar bem aí na Tribuna, porque eu não sou cachorro para sair do Pará pra vir aqui falar alguma coisa quando se na hora me fazer de otária, não. Que otária eu não sou, não.” Bota o nome da mulher aí. Botaram, aí já pegaram identidade de novo, pegaram tudo, botaram lá. Quando foi na hora de eu falar, aí eu abri a boca, aí eu abri boca. Digo: “Eu não vim para prejudicar ninguém, eu não vim para destruir a vida de ninguém, e se eu vim para resolver um problema de família meu, porque incluiu a minha família, e é o que me dói. Entrou essa empresa lá a tantas horas, 2 horas da manhã, de duas para 3 horas da manhã, assim, assim e assim…” Comecei a contar… Para ser mais rápido: “E eu digo por isso, entraram lá em casa, eu tava lá na Caixa Econômica, lá em Parauapebas, derrubaram minha casa”. Aí, deu aquele bafafá, aquela coisa, depois… Aí, o povo todo subiu em riba de mim, aquela bajulação, sabe? Que eu tenho nojo! Aquela bajulação, aquela coisa. Eu digo: “Gente, eu vim para resolver um negócio, eu não vi para ninguém me babar, pelo amor de Deus, me deixa quieta”. Aquela hora eu estava tremendo de ódio. Mas o Brasil e o mundo estavam vendo aquilo que eu falei, o Brasil e o mundo estava viu aquilo que eu falei. Quando cheguei aqui, o que eles fizeram? Ele estava namorando essa menina minha, essa sem vergonha minha, caçula. Depois ele pegou e queixou ela, os advogados de lá… Ele chegou a desmaiar lá dentro da Colossus, a Fofinha me disse, ele chegou a desmaiar dentro da Colossus. Aí juntaram os advogado tudinho. “Rapaz, volta para a menina e bota ela dentro de uma casa” Aí, assim ele fez, por isso que ele não foi preso. E até hoje ele está como? Andando bem aí de boa, para riba e para baixo. E eu só vejo é os comentários. E está do mesmo jeito ou pior. Eu não falo nada quer saber porque, porque as minhas eu soube educar, agora quem não soube educar as suas que se lasque.
P/1 - Dona Mirian, e a senhora não estava em casa, né?
R - Não!
P/1 - Derrubaram a sua casa. A senhora consegue me descrever como foi para a senhora chegar na sua casa e ver tudo derrubado?
R - Quando eu cheguei lá do Peba, eu deixei… Eu mandei buscar as meninas pra lá, pra casa da minha menina. Deixei todas as duas lá. Aí eu tinha recebido o dinheiro, deu parece que R$600,00, naquele tempo, dinheiro tinha vergonha, eu dei R$600,00 para cada uma, que era início de Natal e tudo, dia primeiro dia de dezembro, parece que eles derrubaram essa casa. Aí, eu dei R$600,00 para cada uma delas, para comprarem roupa, calçado. E elas se sentirem ser humano, porque tava sendo destruído o lar, a coisa que era mais importante, o lar delas estava sendo destruído, então a única maneira que eu achei naquele momento: “Minha filha, vai comprar roupa e calçado e a mamãe tá aqui. A mamãe tá aqui, certo! Vai comprar roupa e calçado para o Natal, para o Ano Novo, e se cuide aí”. Fizeram isso! Fiz isso para todas as três. A outra que já tá casada e para ela. E vim para resolver esse problema. Quando eu cheguei, fui para casa do Zé Filho. O Zuca para eu achar ele, demorou para mim achar o Zuca e o Coresmo, tava em outra casa para acolá, pra baixo, aí achei. Fui lá, eles choraram de mais. “Não adianta chorar!” Naquela hora eu estava entalada, entalada. A minha vontade… Deus, Nossa Senhora de Nazaré me perdoe, Deus me perdoe, a minha vontade naquela hora estava só de matar. Não vou mentir, não vou mentir, a vontade só de fazer besteira. Aí, depois eu escutei bem a minha menina, quando ela chegou. Quando eu ia saindo de lá, que eu deixei elas lá, ela disse: “Mãe…” Essa morena que mora bem ali. “Mãe, eu conheço a senhora, lembra de nós, que a senhora tem que cuidar de nós. Pai já foi! E a senhora tem que cuidar de nós.”
P/1 - As suas filhas tinham quantos anos?
R - A caçula, ia fazer 15 anos, essa menina. E a outra tinha acabado de completar 18 anos, a Auriana, tinha acabado de completar 18 anos. Uma adolescente, é uma menor de idade. Uma tinha acabado de entrar na adolescência, porque isso foi em dezembro, em novembro ela tinha completado 18 anos. Não, 18 anos a que estava mais eu, a mais velha. E a outra, é a caçula, ia completar ainda 15 anos, viu! E eu, fia, eu só tenho uma coisa a dizer, quem tenta me derrubar tá perdendo tempo, tá perdendo tempo dele, porque primeiro, apoio, apoio de muita gente eu tenho, de Brasília, Rio de Janeiro, Marabá, Parauapebas, São Paulo, Belo Horizonte, de advogado, acima, abaixo tudo, eu tenho apoio. Graças a Deus! Agora, tu quer saber por quê? Porque eu sei receber na minha casa, eu não vou maltratar ninguém quando chega na minha casa, eu sei receber. E eu nunca neguei uma sede de água pra ninguém e nem um prato de comida.
P/1 - Dona Mirian, e depois que a senhora foi a Brasília?
R - Voltei!
P/1 - O que aconteceu?
R - O Hélio Ruffo ficou chateado comigo, o promotor, ficou chateado comigo. Disse que tava puto da vida comigo. Eu digo: “Oxente Doutor, um cara bonitão desse jeito aí, não pode ficar chateado com mulher, bora, diga aí o que que você quer?” Que todo tempo eu eu sei conversar com as pessoas e sei também como chegar, entendeu? Eu acho que eu sei, né! Aí, eu fui e falei para ele. Aí ele disse: “É, porque você sabendo que eu sou o promotor daqui de Curionópolis, eu tô do lado de vocês, eu sou uma grande autoridade daqui, e você sair daqui para falar tudo aquilo lá em Brasília. Você nos derrubou”. Eu digo: “Doutor, pelo amor de Deus, não derrubei ninguém não, por caridade, eu não fiz isso! Apenas eu só tô abrindo seus olhos para o senhor saber trabalhar, porque até agora no momento, eu não tô vendo justiça nenhuma nessa região, principalmente aqui dentro de Curionópolis. Não tem, Doutor. E Doutor, uma coisa eu tenho para dizer, o senhor tem filho?” Ele disse: “Tenho!” “Pois é! Eu tenho filho e tinha esposo, esposo Deus levou, e eu tenho minhas filhas, mas eu para defender minhas filhas, o senhor não sabe do que eu sou capaz”
P/1 - A senhora conseguiu ser indenizada?
R - Nunca, nunca, nunca indenizaram em nada. Nada, nada, nada. A única coisa que eles… Por essa luz que está nos alumiando. Todo mundo aí diz que eu recebi não sei quanto, eu dispensei um milhão. Mentira! Por essa luz, nunca chegou um filho de Deus lá em casa, dizendo assim, ao menos dizendo assim: “Sai daqui que nós vamos derrubar tua casa”. Nunca chegou! Nunca! Aí, a única pessoa que foi lá em casa, foi esse rapaz, dessa vez, mas não falou pindaíba de nada, entendeu? E a outra vez foi o Joãozinho, dizendo que era juiz de Curionópolis. Digo: “Rapaz, a gangue está grande em Curionópolis”. Falei mesmo! “A gangue está grande em Curionópolis. Porque até um cara do seu jeito é juiz”. “O _______ é juiz, A Tiene é juíza, não sei quem é juiz, não sei quem mais é juiz, e tu é juiz. E aí? Pra que tanto juiz num lugar desses?” “É, mas nós estamos aqui para defender, e nós vamos defender isso aqui é com unhas e dentes!” Eu digo: “Como?” “E porque esse pessoal que atrapalha nós vamos ter que destruir tudo” “Faça como você quiser”, só disse isso! Esse era um vereador de lá de dentro de Curionópolis, Joãozinho, foi esse que falou lá em casa. E o Zuca tava lá dentro, escondido, comendo, que ele rodeou pela outra porta, ficou almoçando lá dentro, que ele vinha do serviço, e eu botei ele para almoçar, ele ficou para lá e eu fiquei conversando com ele. O Zuca escutou também tudinho. E ele achava que eu estava sozinha. E até isso eu recebi deles. Eles pensaram que eu ia me rebaixar. “Moço, pelo amor de Deus, vai embora, eu tô toda molhada, que eu tô lavando roupa, vocês vieram me atrapalhar. Vai embora!” Eles correram lá na casa da Paizinha. “Vamos falar para a Mirian nesse instante, ou ela vende a dela ou nós vamos passar o trator por cima da casa”. Oiá, coisa que nem aconteceu. Chegaram lá na casa da Paizinha desse jeito. Paizinha nervosa, o Careca nervoso, que um povo que qualquer coisa tá. “Gente, pelo amor de Deus!” A gente tem que ficar nervosa é por outras coisas, essas coisinhas simples, não. Eu fui falar para o Careca, o Careca é porque você não sabe. “Moço é o seguinte, pega suas coisas e vende”. Ele vendeu. O filho dele trabalha na empresa, e o filho dele trabalha na empresa, e queixando, queixando, queixando, com muitos dias foi que venderam.
P/1 - Então, teve pessoas que vendeu?
R - Teve pessoas que vendeu, teve! A Paizinha vendeu, porque o menino, o Rodrigo trabalhava lá dentro. A Gedalva, vendeu, depois que o seu Louro morreu, seu Louro morreu, aí os filhos tomaram de conta e venderam. Deixa eu ver! Muitos e muitos lá. Seu Paulo, um bocado. Seu Paulo era porque tinha fechado aí no 30, com esse povo do 30. Era coisa assim, entendeu?
P/1 - Dona Mirian, nessa época que sua casa foi derrubada a senhora teve que precisar do auxílio dos amigos.
R - Só achei desse velhinho, que eu fui lá visitar agora. Só achei dele. Ele foi quem ainda conseguiu. Porque casa nenhuma não era para alugar para mim aqui dentro, nessa região, não.
P/1 - Qual era sua atividade econômica? A senhora trabalhava com o que?
R - Eu era aposentada de viúva, nesse tempo eu tava aposentada de viúva e recebia aquele salário, e mantinha minhas filhas, mas nunca deixei de trabalhar, nunca deixei de lavar roupa, nunca deixei de fazer uma faxina, nunca deixei nada disso. Todo tempo trabalhando. Aí ele foi e viu, e ele sabia, todo mundo na Serra Pelada sabe que eu gosto de velho, eu gosto de cuidar de velho, se tem uma coisa que eu gosto de cuidar é de velho. Aí, aqueles velhos ia lá para casa, um monte, um monte, ia lá para casa, ficava lá, e eu cuidava deles. Só que depois que eu tava aqui, aí veio seu Catarino, veio o seu Zé Pezão, vinha outros ficava aqui mais eu, prestando atenção a mim. Quando eu arrumei essa casa lá, aí enchia de gente, meio-dia tava a turma lá em casa almoçando mais eu. Aí, eles criavam o ódio.
P/1 - A casa que a senhora mora hoje.
R - É de outro velhinho que eu cuidava, que mora lá naquela casa que eu moro, ele morava lá. Mas eu aqui, eu morava ali embaixo, naquela casinha da esquina ali, e eu via tudo que acontecia lá. Quando eu via o pessoal entrar lá para dentro para humilhar o velho, na mesma hora eu pegava uma moto e ia na carreira lá, quando eu não ia correndo: “Menino, arruma uma moto aí ligeiro para encontrar comigo” Eu saía correndo, quando eles chegavam lá, demorava pouco, eu chegava: “O que que é que estão fazendo com o Zé aí?” Aí o velho já estava todo se tremendo. Eu dizia: “Pode sair daqui!” Pegava pau, botava para correr mesmo. Aí eles saíam. Esse velho adoeceu, aí ele pediu, ele disse: “Mirian, quem é que vai ficar olhando minha casa, eu tenho que me tratar, mas quem é que vai ficar na minha casa?” Eu digo: “Não senhor!” Pelejei com o Zuca, o Zuca não foi, o Coresmo não foi. Eu digo: “Não Seu Paulinho, eu vou cuidar!” Aí eu fiquei lá, e na casinha aqui da esquina, fiquei lá e cá. Ele disse: “Não minha filha, fica só lá, porque lá se eu chegar fechar meus olhos, você foi a filha que Deus me deu, e tá cuidando de mim, eu vou falar para os meus outros filhos, que isso aqui é seu. Que Deus o livre, eu não voltar. E se eu voltar eu vou fazer uma casinha para você aqui bem de pertinho de mim”. Assim ele fez. Aí ele não resistiu. Mas antes, quando cortaram a perna dele, que ele viu que não tinha mais uma perna, ele chorou muito, e queria falar comigo pelo telefone. Ele disse: “Minha filha, pode tomar de conta que isso é um presente que eu tô dando para você. E eu só tenho que agradecer os momentos que você cuidou de mim, você até banho me deu, eu tô muito feliz por isso. Eu te agradeço muito pelo carinho que você teve comigo. Mas eu não vou mais em Serra Pelada”. Nessa hora eu falei: “Seu Paulinho, que que é isso Seu Paulinho? O senhor vem! O Senhor Raimundo tá aqui, já arrumou até uma namorada” Que era o vizinho, que agora tá cego. Eu digo “Que que é isso moço? Você vai vim! Porque a casa é sua, o senhor vai cuidar, eu já fiz um banheirinho, pequenininho, eu já fiz esse banheirinho para quando o senhor chegar aqui” Nem banheiro, nem fossa, nem nada não tinha lá, só tinha uma privada lá do lado. Eu digo: “Já fiz tudo isso aqui Seu Paulinho, pra quando o senhor chegar.” Ele disse: “Não volto mais. não!” Com dois meses a filha dele, chegou o telefone, ele tinha morrido. Aí, a filha dele chegou. “Pode pegar o restante das suas coisas e trazer para cá, tá aqui o papel, ele mandou entregar isso aqui pra você. Eu só tenho que te agradecer pelo tempo que tu teve cuidando do meu pai” E foi embora, partiu!
P/1 - Não deixou a senhora desamparada, né?
R - Não! Nenhum deixa! O Catarino também é um paizão também, que não deixou desamparada, uma chacarazinha que tem aqui, bem bacaninha. Que os cupu que eu tenho de polpa, de tudo, é dá chácara aqui que o seu Catarina levava direto pra mim. Pra mim comprar meu café, meu açúcar, aquele dinheirinho já dá de comprar o café e o açúcar. Ele nunca me deixou sem. Quando ele morreu os filhos dele mandou procuração, filha não, que ele não tem mais filha, filha morreu. As irmã dele, mandou procuração autenticada e tudo, de lá de Santa Catarina, passando até a carteira da cooperativa para mim, tá lá em casa. Tá lá em casa a procuração não, tá bem aqui comigo. Entreguei tudo pra ele. Eu digo: “A chácara eu não vou vender, que é uma relíquia, aquilo é uma relíquia que eu tenho, das pessoas que me amou. Eu tenho certeza que o amor que esses velhos tem por mim é amor de verdade, fia! Eu tenho certeza. E aí, eu digo, “eu não vendo! O que que eu vou fazer meu pai”. Peguei e chamei meu genro. “Meu filho, toma conta disso aqui. Fica aí, é seu!” Fia, ele já está fazendo essa chacara aí, uma chácara para meio mundo. O moleque é trabalhador, o meu genro.
P/1 - Ele é próximo?
R - É, é bem aqui! Então, se tudo que eu tenho, primeiro Deus, segundo os meus amigos. Mas esse pessoal que fica dizendo, mentindo. Gente, é triste a pessoa mentir com o nome do outro, é triste. Dizendo que eu dispensei tanto, eu dispensei tanto. Gente, Deus é mais, Deus é mais! Ele dá o castigo da maneira que o cabra procura.
P/1 - Depois que a senhora foi em Brasília e retornou, alguém da mineradora procurou a senhora?
R - Nunca, nunca, nunca procurou, ele tinham era medo, quando me via corria. Tinha era medo. Agora, eu não sou bicho, eu sou até pequena! Eu não sou bicho, eu sou pequena, eu sou educada, como conversei com muitos lá, com aqueles seguranças, eu conversava com eles. A dona Rita, que o povo dizia que a dona Rita era isso, era aquilo. Dona Rita recebia eles lá toda noite, ia assar carne na casa da dona Rita. Eu e a Regi cansou de sair daqui. “Bora ver os gatos bonitos lá na casa da Dona Rita” Nós ia! Tava lá tudinho, assando carne na casa dela. Onde é que uma mulher dessa era ruim? Ela provocava quem provocava ela. Quem provocava ela, ela provocava. Agora, ela não era tão mal assim como o povo falava, não. E do mesmo jeito, eu acho que eu não sou esse demônio que o povo me tem assim, como se fosse. A maioria do povo é porque não quer ouvir a verdade. Porque em ter dinheiro, em ter alguma coisa melhor, para eles tem tudo. Eu não! Não tenho medo de falar a verdade pra ninguém não. E quem não deve não teme.
P/2 - Como é que a Colossus desenrolou depois? O que aconteceu depois?
R - O que aconteceu é que depois que eu saí de lá, de Brasília, ele começou a desmoronar. Quando ela desmoronou de uma vez, saiu daqui que ninguém viu, saiu meia-noite de novo. Do mesmo jeito que ela entrou ela saiu, fugida. Ela entrou escondida e saiu fugida. Aí, um bocado de gente sem vergonha daqui que não pode ver nada, saiu lá e começaram a pegar computador. Tudo morador daqui, fia! E eu sei quem é tudinho. Pegaram o computador, pegaram meio mundo de coisas. Meio mundo de coisas pegaram lá dentro. Aí, começou a destruição, começou daí, dos moradores de Serra Pelada, que foram lá para dentro, que já trabalhavam lá dentro, aproveitaram e pegaram aquelas coisas melhores. Então, pra mim isso não é trabalhador, isso é ladrão. Porque a pessoa que pega uma coisa de outro sem ordem. Porque já que tinha ficado dessa forma, e a cooperativa era que tava responsável, a cooperativa pegava e montava ali, a cooperativa trazia do 30 e já montava ali dentro, e dali já ficava prestando atenção. Cansei de falar isso, ninguém quis. Então, está lá, só o buraco veio, mato, tudo. Mas aquilo ali não era para estar assim não, um inteligente, um bom inteligente, faria isso. Sumiu hoje? Amanhã já bota tudo bem aqui, vamos embora trabalhar. A cooperativa agora vai ficar montada é aqui. Ela tem a casa dela, nós vamos montar a casa dela, mas o local é aqui. Não foi aqui que eles queriam fazer isso? Então vai ser aqui que vai ser a Cooperativa. Era isso que tinha que ser feito. Mas cadê? Os morador de Serra Pelada, quantos e quantos, os velhos, bom te ter vergonha na casa, não foi preso, moça! Roubando coisa. É triste!
P/2 - Para a senhora então era pra ter continuado a escavação?
R - Não! Do mesmo jeito que eles entraram escondidos, e saíram fugidos. No momento que eles tinham saído, quem tinha que usar a cabeça, não era eu não, que eu sou uma Zé ninguém, eu não sou uma nada. E sim advogada da cooperativa, o membro da cooperativa, eu culpo eles, que de repente queria pegar, pegava lá em imediato essas coisas de lá, e trazia e jogava lá dentro. Porque a garimpeirada quando vinhesse, quanto mais vinha, melhor. E espaço lá tinha para esse pessoal ficar. Ficava lá! “Não, gente, vamos montar a cooperativa aqui. Depois nós vamos estudar como nós vamos fazer, mas nós não podemos deixar ninguém destruir isso daqui!” Era isso que tinha que está feito. Mas vai por cabeça de Seu juiz, de seu Fulano, de seu Beltrano. Rapaz! Aqui é assim!
P/2 - Que ano que aconteceu?
R - Eu nem lembro, rapaz!
P/2 - Faz pouco tempo?
R - Tem mais de 7 anos. Tem mais, não tem? Tem mais de 7 anos. Tem tempo já!
P/2 - E o que a senhora foi fazendo depois que aconteceu isso com a senhora?
R - Fui lutando, batalhando, através dos meus amigos, meus velhinhos. Eu ganhei uma chácara muito boa, de dois alqueires, e três linhas de chão. É onde eu tô fazendo uma área de meio ambiente. Tô plantando, eu já fui agora em Tocantins, trouxe meio mundo de sementes de plantas, vou plantar lá! Tem um Pé de Cedro, já tem meio mundo de coisas lá. Vou cuidar daquela Grota, vou cuidar daquela mata, porque eu quero é mato, o que importa para mim é mato, eu não quero saber de luxo, disso, aquilo, aquilo outro. Você pode ver… Você viu lá, minha casa é de palha. Os moinhos de arroz está lá. Eu gosto é disso aí. Vou fazer um plantio de arroz? Vou! Mas num lugar assim perto da coisa, onde eu botei uns porcos, vou roçar lá, que o mato está na altura daquela casa ali. Vou roçar lá e vou plantar meu arroz e o meu milho. Lá! Mas na minha mata ninguém mexe não! Eu autorizei até o rapaz, que o Catarino cuidava de mel, eu tinha as melgueira, entreguei para o William, o William que toma conta, mas eu das melgueira, lá na mata. Tá lá! Vou criar abelha, vou botar o que puder, que eu quero ver quem corta minha mata, ninguém corta. Com abelha não corta, não!
P/1 - Essa área que a senhora está falando, é onde a senhora mora?
R - É isso! É onde eu moro, Seu Paulinho me deu.
P/2 - Tem alguma coisa que a senhora gostaria de falar? Uma pergunta que a gente não fez e a senhora gostaria de dizer também?
R - Rapaz, é o seguinte: a única coisa que eu fico triste aqui em Serra Pelada, e principalmente na minha área lá. Eu fico triste com fogo na mata. Isso aí é uma pergunta que vocês não me fizeram, que eu tenho uma mata lá, que muitas vezes até uma hora da manhã, eu e seu Nonato vamos defender, apagando fogo lá. Apagando fogo para não mexer na minha mata. E muitos arrodear por longe, criam um gado, uma coisa lá, naquela região ali, aquele lado ali, cria um gado e tudo, bota fogo do lado de lá, quando a gente dá fé, o fogo tá em cima. Isso aí é uma coisa que eu fico muito triste. Porque ali vai os animais, vai tudo, né! E não falta, porque quando acontece isso, lá em casa duas coisas que não falta, tem os animais, cotia, essas coisas, mas o que mais tem é cobra, elas correm de lá e vem para ficar lá, porque tem a beira da água, a beira da Grota, quando eu dou fé tem cobra dentro de casa. E é triste, a gente matar uma coisa, que não… Eu só mato quando chega filho meu com netos, que elas estão por ali, mas elas não são bravas, nem bravas as bichinhas não são. E aí, a gente fica assim, triste de ver a situação do meio ambiente, defender vários lugares e esquecer de uma coisa tão maravilhosa como essa, entende? Que quem está mais se batendo é eu, é os bombeiros, que são agora, os que moram em Parauapebas e outros daqui, que me conheceram. É isso! Qualquer coisa eu ligo para eles. Mas autoridade para fazer isso eu não tô vendo, entende? É isso! Eu fico chateada, muito triste com isso, porque é uma água muito boa, minha água, quando eu vou limpar meu poço, os minador é dessa grossura, saindo água direto dali, de dentro daquele coisa. Para encher aquele poço, aquela água vai para aquele pessoal ali todinho, daquele setor, a água daqueles minador.
P/2 - Dona Mirian, quais são as coisas mais importantes para a senhora hoje em dia?
R - Posso ser sincera? É a mata e a água, a grota. Lá em casa tem uma Grota. É a mata e a água. Vixe Maria, para mim eu brigo por aquilo ali, eu faço… É comprovado, que tá aparecendo um pessoal da Vale aí, que eles querem fazer amizade comigo, justamente porque eles estão vendo que eu tô defendendo a mata da região, e a grota que vem de lá para cá. Porque se eles soubessem que eu ia defender dessa maneira, eles tinham arrumado mais coisa para mim, pra mim defender até mais em cima. Porque a gente tem que defender, água é vida, e mata também. Mata é vida, e ela também dá a vida. Gente, eu durmo lá em casa… Os meninos vão lá para casa, eles dormem dentro de casa, porque não dormem naquelas casas lá fora, porque vem aquele vento geladeira pela rede, vem aquele vento geladeira. “Aqui fora eu não durmo, não!” Corre lá pra dentro. Porque o meu lugar é frio e gostoso. Chegou um cara do Paraná agora, passou um mês e poucos dias lá em casa, hospedado lá em casa. Valeu a pena para mim demais, valeu! Que era um cara que é morador daqui, foi morador daqui, e hoje ele tá trabalhando lá, que ele foi receber uma herança dele, tá para lá, mas ele quando veio, ele escolheu a minha casa, a casa mais simples, mas mais gostosa. Dei um quartinho pra ele lá, de boa! Quando ele saiu: “Toma aqui R$ 800,00 pra tu” Quem não quer? Gostei! Certo que ele não comprou nada para comer e tudo, mas um prazer que eu tava com ele ali. Mas se ele me deu, eu não fui pedir. Ele que me deu! Ele tava hospedado, ele falava para todo mundo, que estava hospedado lá em casa. Hospedado. Ele disse: “Não tem hospedagem melhor”. Ele falava isso. Tá lá, tá lá! Mas em dezembro já vem com a família, ele já pediu pra guardar um quarto.
P/2 - A senhora falou que seu marido não queria que você arrumasse padrasto e tal? E hoje a senhora…
R - Não, já estão tudo casada. Eu tenho que arrumar um.
P/2 - Como está a vida da senhora, então?
R - Tá boa! Graças a Deus! Porque é uma vida divertida, é uma vida feliz, que eu cuido de velho, eu cuido de criança, eu cuido de adulto, eu cuido de jovem.
P/2 - Mas eu digo, a senhora namorou depois?
R - Namorei sim! Namorei sim! Isso é uma coisa que não adianta, dizer que é mentira, que não pode!
P/1 - Dona Mirian, hoje, como que está sua vida hoje no aspecto geral, como que a senhora vê? Depois de tantas lutas, tantas idas e vindas, altos e baixos. Como está sua vida hoje?
R - Eu me sinto bem, graças a Deus! Logo eu tenho muita amizade, as minhas amizades, não daqui, porque aqui não tem, nessa região aqui não tem. Mas eu tenho várias amizades, da Serra dos Carajás, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, tudo, tudo, só família tradicional que quer fazer amizade comigo. Esses aqui não, esses aqui acham que eu sou uma Zé Ninguém. Mas os outros já não me veem assim. Me veem como um ser humano, que recebo qualquer pessoa na minha casa, eu sei conversar com qualquer pessoa. E faço a comida do jeito… A prova está aqui, do jeito que você quiser que eu faço uma comida na minha casa pra você, eu faço! Porque a comida gostosa não é aquela de restaurante e sim aquela que você faz com amor. E é isso que eu faço! Me sinto bem ao lado de todos. To muito feliz com a minha vida dessa forma. E a minha vida de hoje é essa. Estou bem ao lado de todos vocês, eu recebo de braços abertos qualquer um, e abraço, certo! Com muito amor, e quero dizer a vocês, que a minha chácara é uma chácara simples, é! Mas é uma chácara cheia de amor que vocês nem imaginam, certo! E estou feliz dessa forma, tô bem! Tô muito bem, graças a Deus! E quero assim, fazer minhas amizades. E se puder crescer mais um pouquinho em relação, finanças, se for pra mim crescer mais um pouquinho, eu vou trabalhar para mudar aquilo ali, eu sei que eu não tenho condição, que uma pessoa que vive de um salário mínimo, não tem como, mas eu vou fazer o que eu puder pra isso. Eu organizando aquilo ali, tá bom demais para mim. E a vida que eu pedi a Deus foi essa, fia! Sem ninguém dar trabalho para mim, sem eu dar trabalho pra ninguém, botar minha cabeça no meu travesseiro e dormir tranquila. Dormir e acordar sem ter peso na consciência de nada. Porque eu não tenho peso de consciência de nada, não. Eu acho que eu nunca fiz mal pra ninguém… Sei não! Pode até ser, mas até agora não lembro não.
P/2 - A senhora tem algum sonho?
R - Tenho! Eu tenho o sonho de… Como eu estou dizendo, de organizar. Em relação a cada uma das minhas filhas ter a sua casa, graças a Deus cada uma já tem a sua casa, umas com a minha ajuda, e outras sem a minha ajuda. Mas tem! Estão felizes, não estão vivendo de aluguel, tão de boa! O meu sonho era esse também, mas esse já tô tranquila, cada uma já tá na sua casa. E o outro sonho, é como eu digo, é correr atrás das finanças pra mim organizar minha chácara, organizar minhas coisas, para receber o meu povo mais… Entendeu? Com mais carinho, com mais amor e com mais coisas bonitas. Pra mim chegar e dizer assim: “Olha, tem esse quartinho aqui bonitinho, tem essa coisinha aqui bonitinha para receber fulano” Gente, só vai lá para casa Doutor, vai lá para casa gente que eu quero que vocês nem imagina. Doutor Macedo passou foi um ano, de Belo Horizonte. Lembra Doutor Macedo? Passou foi um ano lá em casa. E ele agradece a Deus todo dia por ter ficado… Então, eu queria melhorar um pouquinho, eu tenho esse sonho, de melhorar um pouquinho. E Deus me abençoando, eu comprando o meu transporte, pra mim comprar minhas coisas e trazer para manter a cozinha, sempre minhas coisinhas, porque aqui as coisas é cara, fia! É caro! A gente tem que manter as coisinhas, pra na hora que vai fazer um almoço, vai comprar. “Não, faz aqui, tá aqui! Tá tudo reservado aqui”. Mas pra isso tem que ter transporte, porque sem transporte ninguém faz nada disso. Hoje em dia, transporte virou prioridade, e eu não tenho, eu quero! Quem sabe Deus vai me dar.
P/2 - Para finalizar. Conta para nós como foi contar a sua história?
R - Meu fio, é o seguinte: eu me senti bem! Porque uma coisa… você falar a verdade em todo lugar, você entra e sai em qualquer lugar. E eu não menti nada aqui não. Eu só falei a verdade. Em relação a garimpo, em relação a quem ajudou, em relação a quem atrapalhou eu não citei nomes que eu não quero, deixa isso para lá! Porque demônios a gente deixa para lá. Mas eu falei só o que eu…
P/1 - Gostou?
R - Eu amei! E adorei ser entrevistada por vocês, certo! E muito obrigada! E se precisar de mim, estarei aqui, não aqui, lá em casa. Pode me procurar, eu estou aqui para responder qualquer coisa que vocês quiserem. Assim, com a verdade, mentira não! Porque eu não uso isso. A verdade…
P/1 - Fiquei muito feliz de verdade!
R - Muito obrigada
P/1 - De entrevistar a senhora…
R - Obrigada!
P/1 - A senhora é bem mais do que eu imaginava. A senhora é uma pessoa incrível, maravilhosa, de coração!
R - E eu posso mandar um beijo? Eu quero mandar um beijo para as pessoas que mais cuidou de mim no momento mais difícil da minha vida. A Baixinha do Fogoió, uma gata muito linda, muito maravilhosa, por dentro e por fora. A Rose e Seu Hélio. Pra mim, foram os meus tesouros, no momento mais difícil da minha vida foi quem estava ao meu lado. Beijo carinhoso para eles.
P/1 - Vou fazer questão de mandar esse vídeo para eles.
R - Então, tá! Obrigada!
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