Projeto 50 anos da Ponte Rio-Niterói
Entrevista de Joaquim José de Mello Bastos
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 22 de fevereiro de 2024
Código da entrevista: PRN_HV003
Revisada por Nataniel Torres
P - Qual é o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Meu nome é Joaquim José de Mello Bastos, nascido em Belém do Pará, em 02/02/1941.
P - Você nasceu em que hospital, como é que foi esse dia?
R - Fui primogênito, nascido no hospital Dom Luís I.
P - E qual é o nome do seu pai, da sua mãe?
R - Meu pai, Joaquim Pedro Virgulino Bastos, já falecido. Ele era técnico em contabilidade na época guarda-livros, mas exercia atividade mesmo como comerciante. Minha mãe Oneide de Mello Bastos, era professora normalista, mas concursada, funcionária pública dos correios e telégrafos
P - Você sabe como eles se conheceram?
R - Sim! A prima da minha mãe namorava com o primo do meu pai. E a prima da minha mãe levando a mamãe para uma festa na família do namorado, lá conheceu o meu pai que era primo do dono da casa.
P - Você é primogênito, mas você tem outros irmãos?
R - Sim! Numa sequência em que eu nasci em fevereiro, minha irmã segunda nasceu no outro janeiro, antes mesmo de eu completar um ano, em 29 de janeiro, no outro abril veio outra irmã, no outro junho veio outro irmão, João Batista, porque nasceu no dia 24. E mais um irmão no ano seguinte, em setembro do outro ano, e minha mãe aos 28 anos, sendo casado aos 24, já tinha 25 filhos. Ela depois, por 10 anos sem engravidar, engravidou demais uma temporã, ela apenas com 38 anos de idade.
P - Vocês cresceram em que bairro, região de Belém?
R - Sim! Meus primeiros dez anos foi num bairro, numa casa alugada. E em 1950 meu pai comprou em leilão a casa da família que foi construída em 1896, pelo meu bisavô paterno e na casa que meu pai também foi criado, na adolescência, sob a guarda de um tio, irmão do meu avô. Que meu avô era coletor estadual....
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Entrevista de Joaquim José de Mello Bastos
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 22 de fevereiro de 2024
Código da entrevista: PRN_HV003
Revisada por Nataniel Torres
P - Qual é o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Meu nome é Joaquim José de Mello Bastos, nascido em Belém do Pará, em 02/02/1941.
P - Você nasceu em que hospital, como é que foi esse dia?
R - Fui primogênito, nascido no hospital Dom Luís I.
P - E qual é o nome do seu pai, da sua mãe?
R - Meu pai, Joaquim Pedro Virgulino Bastos, já falecido. Ele era técnico em contabilidade na época guarda-livros, mas exercia atividade mesmo como comerciante. Minha mãe Oneide de Mello Bastos, era professora normalista, mas concursada, funcionária pública dos correios e telégrafos
P - Você sabe como eles se conheceram?
R - Sim! A prima da minha mãe namorava com o primo do meu pai. E a prima da minha mãe levando a mamãe para uma festa na família do namorado, lá conheceu o meu pai que era primo do dono da casa.
P - Você é primogênito, mas você tem outros irmãos?
R - Sim! Numa sequência em que eu nasci em fevereiro, minha irmã segunda nasceu no outro janeiro, antes mesmo de eu completar um ano, em 29 de janeiro, no outro abril veio outra irmã, no outro junho veio outro irmão, João Batista, porque nasceu no dia 24. E mais um irmão no ano seguinte, em setembro do outro ano, e minha mãe aos 28 anos, sendo casado aos 24, já tinha 25 filhos. Ela depois, por 10 anos sem engravidar, engravidou demais uma temporã, ela apenas com 38 anos de idade.
P - Vocês cresceram em que bairro, região de Belém?
R - Sim! Meus primeiros dez anos foi num bairro, numa casa alugada. E em 1950 meu pai comprou em leilão a casa da família que foi construída em 1896, pelo meu bisavô paterno e na casa que meu pai também foi criado, na adolescência, sob a guarda de um tio, irmão do meu avô. Que meu avô era coletor estadual. E o coletor estadual, coletava o ICMS de mala na mão, não existe a rede bancária. E o falecimento da mãe do meu pai, os filhos acabaram ficando distribuídos entre os irmãos do meu avô. O papai ficou acolhido por esse tio, que era um tio médico e que era o proprietário da casa da família. E por sua morte em 1950 indo a leilão, papai tomou iniciativa de adquiri-la. E a partir daí, como até hoje a casa tá no domínio da família.
P - E você estudou onde?
R - Eu estudei minha formação primária num grupo escolar estadual e o curso ginasial no Colégio Estadual Paes de Carvalho.
P - E quando você achou que ia fazer alguma coisa, fazer uma faculdade? Você sempre quis fazer engenharia?
R - Eu queria ser arquiteto, mas arquiteto também era a denominação da profissão de engenheiro, naquela época quando estava se falando em arquiteto, na verdade estava se falando em engenheiro. Mas a vontade de me profissionalizar vem desde o tempo do ginásio, eu acho que também animado pela motivação da militância política estudantil que eu me engajei a partir dos 13 anos, no terceiro ano ginasial. Eu militava pela juventude estudantil católica, que atuava no meio estudantil secundarista inspirada na militância de Jesus, segundo os relatos do Evangelho, onde nós nos propúnhamos o amor e o afeto nas relações pessoais e nas relações sociais com direito à cidadania em todas as pessoas e o direito de acesso ao bem-estar social decorrente do desenvolvimento econômico da sociedade. E essa pegada me traz até hoje com esse mesmo espírito de militância.
P - Você então entrou pra JEC em que ano mais ou menos?
R - 1954.
P - E quais eram as atividades que vocês tinham nessa época? Como era a sua militância nesse período?
R - A militância era insistir para que os colégios instituíssem, mantivessem os grêmios estudantis, porque os grêmios estudantis são entendidos como uma referência necessária na formação escolar pela fundação humana, decorrente que ele proporcionava como um espaço de reflexão da realidade escolar, que você vivia, assim como da sociedade na qual você pertencia.
P - Você se lembra como os eventos históricos entre 1950 e 1954, o suicídio do Vargas, por exemplo, chegaram até vocês? Eleição do Juscelino? Como reverberava para vocês?
R - A minha geração é uma geração interessante, a geração pós-guerra. Nós entramos na juventude com a sensação de construir utopicamente um novo mundo, socialmente mais justo. Eu acho que esse é o legado que a guerra trouxe foi um pouco essa essa chamada, para nós desenvolvemos utopias, no sentido de justificar a nossa militância na construção desse mundo melhor. Então, em 1954, 1955, 1956, 1957 não teve nenhum episódio, assim marcante que nos sensibilizasse. 1954 vamos falar da Morte do Getúlio Vargas, mas nós estávamos também um pouco longe do Rio de Janeiro, muito longe do Rio de Janeiro, então não teve essa impacto muito forte no nosso cotidiano. Já vim sentir isso mais em 1960, mas neste momento já com a renúncia do Jânio Quadros, primeira eleição do Jânio, na eleição do Jânio Quadros eu ainda estava em Belém, já houve uma grande sensibilização o Jânio Quadros teve uma capacidade de comover, mobilizar o eleitorado, com discurso tão convincente sobre a Amazônia, como se de lá ele fosse, um discurso encantador. Meu pai, que era PSD, era pessedista, nós estávamos ouvindo o comício do Jânio Quadros pelo rádio, estava sendo transmitido ao tempo, ao vivo, e ele disse assim: “Meu filho, vamos até o Largo da Pólvora. ” Que onde estava acontecendo o comício, para terminar de ouvir o comício do Jânio. Encantador. Mas ainda assim, meu pai não votou no Jânio Quadros. Mas então, isso foi um fenômeno impressionante. A eleição não tinha acontecido, a eleição ia acontecer em outubro, mas em outubro eu já estava no Rio de Janeiro e não tive chance de transferir o meu título eleitoral. Então eu não votei, só vim votar depois do Golpe Militar vencido. E quando a primeira vez que eu pude votar, porque no Jânio foi a última eleição em que a gente teve condições de estar presente. E aí já estava no Rio de Janeiro, com militância também, na Juventude Estudantil Católica, em 1959 eu tinha terminado meu segundo grau, como presidente de diretório dentro do grêmio estudantil, dentro daquela linha que nós tínhamos na militância. E havia participado em 1957 do primeiro encontro da Organização Nacional da Juventude Católica, uma iniciativa do Hélder Câmara, que era Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, mas com uma clarividência muito forte sobre a importância da presença da juventude nesta segunda metade do século XX. E ele não só favoreceu a organização a nível nacional da Juventude Estudantil Católica secundarista, que é a JEC, mas também a da Juventude Agrária, a JAC, que a Juventude Independente, JIC, que eram os jovens recém-formados da Universidade. A JOC que era Universitária, ou Operária, e a JIC Universitária. E promoveu com muita pertinácia essa organização. Eu digo que ele é um nome que merece ser destacado na história do Brasil, da igreja sem dúvida, por quanto ele já antes de 1952 também já havia promovido a criação da Conferência Nacional dos Estudantes do Brasil, com foco no social, que justificou a existência das pastorais, que até hoje existem, pastorais com temática social presente todo ano e se renovando a cada ano.
P - Na época que você foi pro Rio, o senhor era ainda da Ação Popular?
R - Não, eu fui pro Rio como militante do JEC, por dois anos dedicar a minha atenção na coordenação no Plano Nacional, com foco particular na região norte. Em 1962 eu entro pra Universidade, pra Escola de Engenharia da Universidade do Brasil, na época. E aí sim, já estava nascendo a Ação Popular, que tinha uma característica, mas não era eclesial, era laica, e que unia as lideranças de esquerda, a militância cristã, católica e não católica, mas também homens de boa vontade, que estavam alinhados, agnósticos, ateus, alinhados com a mesma determinação de trabalhar por uma justiça social construindo um mundo melhor, mais justo.
P - E tem nesse período algum dia que te marcou muito nessa militância dentro da AP, da faculdade? Enfim, quais passagens te marcaram mais nesse período antes do golpe?
R - Antes do golpe eu não consigo destacar, a menos que a relevância da Constituição Ação Popular, porque a Ação Popular nasceu por força do estreitamento das relações da militância da Ação Católica, principalmente dos jovens, com a própria hierarquia, porque a nossa militância levava lá a consequências últimas de radicalidade que a hierarquia não acompanhava, muito pelo contrário. Dom Jairo de Barro Câmara, por exemplo, quando via essa militância, nossa, ele manifestava preocupação de que nós estivéssemos sendo cooptados pelo comunismo, tal era a estreiteza de visão que ele tinha da própria missão da igreja e do que o evangelho estava exigindo de ação da militância católica.
P - Como é que foi entrar na engenharia? Como eram os professores, os alunos, as matérias?
R - Entrar na engenharia foi também uma epopeia. Naquela época os vestibulares não eram unificados, então eu participei de quatro concursos ao mesmo tempo, Nacional de Engenharia, PUC do Rio de Janeiro, Fluminense de Engenharia, que era em Niterói, e PUC de Petrópolis. E aí um desafio de risco altíssimo que eu tive, a prova da PUC de Petrópolis, começava um hora da tarde, em Petrópolis, a prova da engenharia de quatros horas de duração, começava oito horas e ia até meio-dia e eu tinha uma hora de viagem a Petrópolis, eu corri o risco de resolver a minha primeira prova de matemática em duas horas, das oito às dez, fiquei mais meia hora avançando, e aí saí da prova dez e meia, correndo, num pé só, até a rodoviária lá na Praça Mauá, pegar o ônibus e chegar com quase o portão fechando na da Petrópolis. Felizmente não teve maior repercussão pra mim esse desafio, porque eu passei na Nacional de Engenharia, mas também passei na Petrópolis. E o que os benditos padres de Petrópolis fizeram? Anunciaram o resultado das provas, antes da Nacional de Engenharia. E não tinha saído também PUC, a primeira que saiu foi a Petrópolis, muito com essa pegada. Eu tive que ligar para o meu pai, disse: “Pai tá aberto aqui, mas eu passei na primeira. Você banca? Depois a gente vê como faz o resto, mas tem que bancar”. Tinha que apresentar no dia seguinte para fazer a matrícula. Ele bancou. Fui e paguei. Aí que depois veio, eu passei na PUC, passei lá, passei nas quatro. Mas o que eu queria era Nacional de Engenharia, tanto que só me matricular na Nacional de Engenharia. E aí fui atrás de ressarcimento por desistência. Não tive sucesso. Esse foi o grande clima do meu acesso à universidade.
P - Mas por que você quis a Nacional e não as outras?
R - Porque era pública e das públicas a mais tradicional. A Universidade Nacional de Engenharia é de 1872, ela nasceu junto com o Dom João VI, chegada de Dom João VI. Na verdade era uma escola de fortificações, formava os engenheiros militares em fortificações. Quer dizer, era civil mas aplicada em fortificações. Então, depois de algum tempo, ela foi militar e foi também civil, até que houve a separação, que eu não preciso bem a data em que a parte da engenharia nossa foi pra AMAN. Quando criaram a AMAN, a Nacional de Engenharia ficou absolutamente civil, não era mais militar.
P - Você foi fazer alguma engenharia em específico, então?
R - É! Na época, isso é 1962, Brasília tinha acontecido, Juscelino apostando na indústria automobilística, então um dos apelos mais forte na época, era engenharia mecânica. É, como eu tinha notas suficientes do primeiro para o segundo ano para fazer escolhas no elenco das especialidades nossas, que era civil, mecânica, elétrica, naval, elétrica naval. E eletrônica era muito peiruado também, eu fui mais por impulso. No momento é a bola da vez, vamos nessa! Mas na verdade a minha mecânica ficou na prateleira, porque eu acabei me desenvolvendo, por conta da própria dinâmica da vida, em administração pública e planejamento urbano.
P - Vamos chegar lá. Mas me fala um pouquinho do cenário do golpe, depois do golpe como é que você foi trabalhando, se virando?
R - E eu entrei em 1962, a nossa turma é pioneira na Cidade Universitária, foi uma iniciativa muito bem desenhada pelo diretório acadêmico, que nos cedeu para forçar que nós fossemos para a Cidade Universitária, a minha turma fosse para a Cidade Universitária e fosse a pioneira lá, apesar da precariedade das instalações. Nós tínhamos só o bloco A, são nove blocos lá, do A até o H, até o bloco I. E só tinha um bloco A, que era o bloco da engenharia básica, dos dois anos básicos, primeiro e segundo ano. Depois é que vem as especialidades, a partir do terceiro ano. Então, nós chegamos lá com essa precariedade de toda a natureza que se se possa imaginar, com prédio novo, tudo funcionando, mas com poucos bebedouros, nossa turma já foi por conta disso grande, fomos quase 150 alunos, eram duas turmas de 75, cada turma, mas os bebedouros não estavam todos equipados, para esse contingente. Não tínhamos restaurante, nós tínhamos que nos apoiar no restaurante da faculdade de arquitetura, que já estava transferida para lá, nós tínhamos que andar uma picada de mato de uns duzentos metros para chegar até arquitetura para ter lanchonete, para ter refeição também. E aí isso fez com que esse meu espírito de militância também já ficasse aguçado e acabamos liberando uma comissão executiva da Cidade Universitária, em que nós discutíamos as questões básicas de sobrevivência para as urgências que a gente necessitava com movimentação, mobilização junto à Reitoria, passeatas no centro da cidade do Rio de Janeiro, fechando a Rio Branco, sentado em frente ao Jornal do Brasil, que tinha sede lá, para documentar nossa reclamação, por conta das ameaças de corte de verba da educação que impactavam na quantidade da nossa vida lá. E nós éramos muitos, para voltar para cidade era impossível pensar. Então, isso fez com que a nossa turma tivesse essa liga muito forte e fez com que nós tivéssemos sucesso, em que restaurantes fossem prontamente improvisados, construíram um restaurante provisório para nós, nas imediações do nosso prédio. Nós passamos a ter uma ação de presença muito forte junto ao escritório técnico da Universidade do Brasil que administrava as obras, e que o engenheiro, o Jaime Brandão, coordenava as obras, inicialmente ficou muito resistente a nós, com a nossa pertinência, que queria saber a quantas andava as obras, o que faltava de verba e o cronograma no avanço das obras. Nós preocupados com o terceiro ano nosso, que deveria existir laboratórios. Até que caiu a ficha pra ele que nós éramos aliados, porque o que ele nos dizia de faltas e carências, imediatamente isso repercutiu na porta do reitor Calmon, nós estávamos lá presente discutindo com o reitor Calmon. E a partir de um determinado momento, ele nos chamava: “Olha, o problema agora é esse”, e nós acabávamos amparando com um braço auxiliar o próprio escritório, mas eles já alinhados também conosco, nas nossas demandas. Isso fez com que no ano seguinte, a chegada da segunda turma, engrossasse mais ainda esse time, a ponto de que nós fossemos escolhidos para candidato à presidência do diretório, ainda é no segundo ano da escola. E o contingente que nós tínhamos agregado junto a nós, era muito robusto. Eu não mostrei pra você, mas faço questão de mostrar, o resultado das eleições, e como se procedeu a eleição da gestão da linha quatro, que foi emblemático na história da escola, mas em outra oportunidade de deixar registrado para você na sequência.
P - Então, você estava nessa situação quando aconteceu o golpe? No primeiro de abril.
R - É, eu tinha assumido em outubro de 1963, participei dos atos todos da abertura do ano letivo, com presença do presidente João Goulart. Mais três meses, chega abril, o primeiro de abril, termina o nosso mandato juntamente com o Golpe Militar. Isso porque também nós, juntamente com o diretório de direito e o diretório da filosofia, da Universidade Federal, na época Universidade do Brasil, fizemos a resistência ostensiva ocupando as nossas escolas, no caso do Largo São Francisco, nós isolamos todo o quarteirão do entorno do Largo São Francisco. Foi uma resistência que se pretendia até que fosse armada.
P - Você estava falando que quando teve o golpe no primeiro de abril você saiu na rua fazendo resistência.
R - Não! É isso que eu tô dizendo, na verdade nós já estávamos instalados. Nós fizemos vigília por dois dias antes. Já estávamos em vigília, porque o golpe era iminente. E essa vigília foi acompanhada pelo Deputado Federal Max da Costa Santos, líder da frente ampla parlamentar progressista, que se instalou nos prédios dos correios e telégrafos na Praça XV, e onde periodicamente nós nos reunimos, as lideranças estudantis, o representante da UNE, representantes dos diretórios acadêmicos que estavam fazendo a residência no centro, engenharia, filosofia e direito, para acompanhar o andar da carruagem. Até que no dia primeiro, aí veio a ideia da resistência armada, a possibilidade de fazer uma resistência armada, nessa articulação liderada pelo Max da Costa Santos, Deputado Federal pela Guanabara, do PSD. Nós diretórios estávamos liderando a resistência no centro da cidade, direito, filosofia, engenharia e UNE, discutimos a viabilidade da resistência armada, e por conta disso, eu inicialmente me desloquei… Conversei com o coletivo, porque a engenharia acolheu nessa resistência o diretório acadêmico da sociologia da PUC, liderada pelo presidente, que era o Vicente Carlos Y Pla Trevas, o presidente da arquitetura, que estava no Fundão instalada, mais os militantes da arquitetura e o diretório foram para o prédio também da escola de engenharia. E como nós tínhamos essa norma, estabelecemos que eu como anfitrião, o diretório anfitrião, juntamente com os presidentes dos diretórios que estavam presentes, iam discutir sempre coletivamente as posições nossas. Fechamos essa posição e assim eu me dirigi ao Palácio do Catete pra falar com o ministro Abelardo Jurema, da justiça, em busca de armas e munições pra gente fazer a defesa efetiva ao golpe. Bom, o ministro disse: “Não tem condições de apoiar vocês. E eu aconselho que vocês procurem o Almirante Aragão da Marinha, que é legalista e está com condições de ajudar vocês”. E assim eu me desloquei também até a marinha, lá na Avenida Brasil e conversei com o Almirante Aragão, ele realmente estava disposto a ajudar, mas ficou muito reticente em nos dar armas e munições. Nós chegamos lá com um veículo nosso, que o diretório acadêmico tinha, um Jeep Willys, e eu fui acompanhado pelo secretário geral, Paulo César Pinto. E eu comentei com ele: “Olha, eu só não posso voltar de mãos abanando”. Um ajudante de ordem dele foi muito ponderado e disse assim: “Almirante, vamos então mandar dois fuzileiros navais, com duas metralhadoras embainhadas, pra eles l”, porque eu disse: “Olha, como nós efetivamente fizemos, criamos também um comando operacional de quem sabia mexer em arma”. Eu nunca fiz serviço militar, mas o presidente de diretório que me antecedeu, tinha feito escola preparatória de cadeira titular, tinha mais traquejo com isso, então ele ficou comandante chefe da resistência armada e ficou dando ordem unida lá para o rapaz e os embolsos que estavam presentes lá no saguão do prédio. Então, com isso o Almirante Aragão liberou dois fuzileiros navais com duas metralhadoras que nós trouxemos. E esses dois profissionais ficaram com o Paulo Brandão orientando como é que mexia com a arma. E passa o tempo em que havia sinalização do Max da Costa Santos que não havia mais nada a fazer, que nós tínhamos que desmobilizar. Nós iríamos ter um outro encontro lá presencialmente, então ele mandou um mensageiro para dizer que não fossemos, que não tinha mais nada a ser feito. Naquele tempo não tínhamos telefone celular nem nada, outros tempos. Fizemos uma reunião do colegiado nosso lá, dos diretórios e tiramos posição de eu e o Vicente Trevas, da cirurgia da PUC, íamos até o campo de Santana, onde fica a faculdade de direito, para ver se efetivamente o que estava sendo dito era verdade, que estavam metralhando a faculdade de direito. E nós fomos caminhando a pé, não era muito longe a distância. E constatamos isso. Tivemos que nos jogar na relva, o barulho de tiro de metralhadora passando na nossa cabeça, a sensação era de que estava passando na nossa cabeça, avançamos e vimos que realmente não estava dando em nada a situação. Voltamos para a escola e eu tive um doloroso dever de participar… aquele grupo de pessoas que estavam lá embaixo com uma adrenalina total, imagina, o dia todo sendo treinados para dar tiros, ia dizer que nós estávamos desmobilizando. Digo mais ainda, que foi um dos problemas que criou problema no meu julgamento lá na escola, é que a escola, nós tínhamos uma autonomia de trabalho, nós tínhamos uma gráfica que operava com gasolina, imprimia todas as publicações. Então, nós tínhamos gasolina, tínhamos estopas e tínhamos garrafas de guaraná, refrigerante que o bar da escola oferecia. E os especialistas em bomba molotov preparam um cordão de bomba molotov lá, no telhado do prédio, para lançar também contra os tanques, quando aparecessem. Então, esse cenário, ainda mais com essa adrenalina toda, foi muito difícil falar que nós tínhamos que nos desmobilizar. A palavra que se ouvia era de covarde. “Covardes, covardes, covardes, não é hora de desistir”. Embora sabendo que não tinha outra alternativa, então foi muito, muito, muito, doloroso e penoso. Mas finalmente conseguimos desmobilizar e eu até na sequência fui até a UNE, assistir a UNE sendo incendiada naquele momento. Esse foi o final do dia primeiro de abril.
P - Me conta como foi dali pra frente você continuar estudando?
R - Dai pra frente aconteceu o seguinte: no dia seguinte nós fomos para a escola e o pessoal, conservadores da escola, se embandeiraram com lenços coloridos, geralmente o lenço azul, que eram as cores lá do Lacerda, “os meninos do Lacerda”, chamavam. A nossa turma chegou dando um “O”, espantou toda a molecada, foi todo mundo embora. Aí todo mundo tomou conta da escola. Eu voltei a frequentar a escola, a escola era no fundão e o estrago todo tinha sido feito no Largo São Francisco, mas nós estamos lá no Largo São Francisco também. Foi quando então o diretor, Rufino Pizarro, meu diretor, me chamou, com um tratamento muito paternal, me chamando de “meu filho” e pedindo que eu não comparecesse na escola porque ele já tinha recebido mensagem de que eu estava sendo procurado pelos militares. Eu ponderei a ele que eu tinha duas provas ainda para fazer, de uma segunda época, uma de física, uma de química, e que elas estavam, por ser marcadas no calendário, e que eu tinha que estar presente. Ele então me respondeu, que não, que na data em que eu pudesse voltar eu ia fazer essas provas. E assim aconteceu. Foi um tempo em que eu tive que colocar as apostilas debaixo do braço e foi um período que eu estive realmente protegido pela organização, pela Ação Popular, me deslocando de vários locais, com vários outros companheiros de outras escolas e da UNE mesmo, esperando o tempo de poder aparecer novamente. Me lembro de ter ficado um tempo ao abrigo de um espaço dos padres seculares, tinha um padre que chegava e levava mantimentos para nós numa Kombi. A partir do momento em que ele chegou, dizendo: “Eu não vim trazer mais mantimentos, eu vim tirar vocês daqui porque já descobriram que vocês estão aqui”. E já nos levou para um outro endereço, em Teresópolis, ficamos numa casa, tinha um caseiro, recebemos sua orientação de “vocês são amigos da família, mas não conversem com eles”. Mas os caseiros não moravam na residência, era uma casa destacada. E nós lá ficamos fazendo comida, saímos para comprar mantimentos, arroz, feijão. Deram dinheiro pra nós também, porque lá tinha condições de fazer compras fora. E aí, era um momento também muito especial, porque nós saímos sempre em dois. Nós éramos lá em cinco pessoas, saíamos em grupo sempre de dois, mas a sensação que nós estávamos sendo vigiados, todos que olhavam para nós, era terrível. Terrível! É como se nós tivéssemos com algum trejeito ou maneira que estávamos dando bandeira de que estávamos preocupados, ou com medo, ou fugindo. E ainda quando tinha uma sirene da polícia, era aterrorizante. Bom, mas foi um tempo também que eu estudei, estudei muito, muito, muito, porque eu sabia que eram duas cadeiras que iam ser muito cobradas de mim, que eram dois professores que não eram alienados a nós, o de física e o de química. Mas também um tempo que eu cheguei num nível de esgotamento. Esgotamento de estar fugindo. Eu cheguei à seguinte convicção, eu prefiro correr o risco de ser preso com uma clareza do que porquê eu estou sendo preso, do que eu ficar fugindo de alguma coisa que eu não tenho noção do que possa ser e pode estar na minha fantasia. E aí, eu falei isso, o grupo todo estava com o mesmo clima e passamos essa mensagem quando veio a pessoa de contato, que nós íamos nos mobilizar. Mas também tivemos uma resposta positiva: “Não, então venham”. Como também eles estavam mais cautelosos, mas também com alguma certeza, percepção de que não estávamos sendo tão mais procurados. E aconteceu isso, não estávamos sendo procurados mesmo. Eu entendo bem que era um primeiro momento do golpe, tinha muita coisa correndo em paralelo, chamando a atenção das autoridades, do que nós quatro, cinco estarmos soltos. Não estávamos com essa marca. E assim eu voltei, fiz os exames que precisavam ser feitos, fiz. Mas aí veio a cobrança interna da Universidade, onde a Universidade conseguiu dissimular, ou conseguiu convencer os militares de que a universidade saberia da conta dos erros dos próprios alunos. A mobilização era pela expulsão, nós sermos expulsos. Mas a escola estava mobilizada e eu acho até que foi um equívoco nós termos mobilizado contra a expulsão, porque na hora que veio a sentença de punição, houve um aliviado. “Ah, era só punição!”. Isso foi danoso. Fiquei com um ano e meio comprometido, mas com o estado de normalidade estabelecendo na vida cotidiana, eu pude me apresentar aos professores, falar dessa situação e eles me autorizaram aqui, apesar de eu não estar matriculado, que eu na lista que era impressa, que era datilografada de presença, de notas, eu colocasse meu nome e eles dariam a presença e as notas. Esse foi o grande argumento que eu tive para resgatar o tempo perdido, os anos. Mas neste momento, o Rufino Pizarro deixa a diretoria e assume Oscar de Oliveira. E Oscar de Oliveira quando soube da minha movimentação, me chamou para dizer pessoalmente que eu não me formaria Engenheiro enquanto ele estivesse à frente. Foi muito pesado isso. E eu fiquei no ar esperando o melhor momento para que ou ele revertesse a posição, ou alguma coisa acontecesse, dele mesmo sair, pra dar continuidade. E o que acabou acontecendo foi isso. Mas isso levou tempo, até porque teve um segundo episódio em 1968, em que eu fui preso. Fui preso por estar no lugar errado na hora errada. Dia 25 de fevereiro eu estava hospedado na casa de um companheiro, colega, que havia sido presidente da Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas, era um militante da Ação Popular, já com uma visita a polícia por conta de ligações que ele tinha explícitas com o Betinho. E foram lá e capturaram. Ele como outros tantos que assim foram, porque a UNE estava anunciando que iria realizar um encontro em Niterói e como ela sempre fazia, ela anunciava, executava, levava a imprensa, no caso era a Revista Realidade pra documentar, e na edição seguinte haver um desafio às autoridades militares, desmoralização da repressão. Então, eles fizeram essa operação arrastão, capturando essa liderança que poderiam estar colhendo. Quando passaram na casa do meu amigo Paulo Vieira, onde eu estava hospedado, sábado de manhã bem cedo, nós estávamos deitados ainda. E quando ele me encontrou ao lado do Paulo, as perguntas básicas foram. “É irmão?”, “não”, “é parente?”,“não!”. “Então vai porque você é uma alça de mira nossa”. Primeiro fomos levados a Polícia Federal, no escritório na Sete de Abril, onde eles fizeram anotações sobre nós, pegaram os dados básicos nossos e nos colocaram no segundo camburão, e aí fomos para Realengo, lá nas instalações do exército. E lá eu estava fora da lista e ninguém sabia porque eu estava fora da lista. E porque eu estava fora da lista, eu admito que seja por isso, eu peguei solitária desde o primeiro dia, solitária “braba”, muito constrangedor, a gente fica lá sem água, é água de torneira aqui embaixo, mas sem luz elétrica, não tem fio nenhum. Você entra por um corredor de altura regular, menos de três metros, uns dois metros e meio, já a portinha, você entra, quando você entra tem sete metros e meio de altura. Então, você fica esmagado na mesma hora. Você olha pra trás a porta fica de jaula de leão no circo, pequenininho assim. Passa comida, só comida e a água, é a que tem lá. O banheiro, aquele banheiro turco, que o ralo da água é o próprio, então você fica nessa condição. Quando apaga a luz do dia, apaga a luz do dia. Só tinha um colchão de palha, eu digo que a calça virou lençol, a camisa travesseiro. E assim rolaram dez dias. Minha sobrevivência, eu vim me dar conta da dinâmica que eu processei como mecanismo de sobrevivência, quando vi o filme, como é o nome do filme? Da rainha… é uma história de uma menina que… ‘O Gambito da Rainha’, acho que é assim. Em que a menina fica vendo uma pessoa fazendo jogadas de xadrez e ela depois fica visualizando o tabuleiro e fica fazendo as jogadas. Eu me dei conta que eu vivi um processo semelhante. Na época, eu era professor, estava dando um curso de estatística no IUPERJ, Instituto de Pesquisa da Candido Mendes. Então, ficava sentado, a parede bem aqui na minha frente, toda suja, riscada. Eu ficava lendo um livro, um livro de estatística, montando a aula ponto por ponto, virava a folha. Eu lia o texto, pontuava o que era importante colocar. O negócio foi doido. E aí depois eu abria a sala de aula, eu via Wanderlei Guilherme, Lucia Lippi, Celina Vargas do Amaral Peixoto, todos que eram alunos meus lá, eu dava aula no silêncio, calado, só na cabeça, eu falava com eles, dava aula explicando e ouvia dúvidas, respondia dúvidas, ia no quadro negro, escrevia, voltava, falava. E assim fiquei dando aulas, dias sucessivos. Passava o tempo, não pensava em nada porque pensar… Felizmente eu não ouvia gritos de alguém sendo torturado, não ouvia, era um silêncio muito grande. Mas de qualquer modo eu não podia viajar pensando no que pudesse estar acontecendo, eu bloqueei e fiquei contigo nisso aí. Num momento em que eu recebi uma fala, um grito do lado de fora. “Cível, cível, cível”, de repente caiu a ficha, capaz de ser eu, porque estou num presídio militar, chamando cível. “Eu”. Aí eles falaram: “Quer mandar alguma mensagem para fora?”, disse: “Quero!”. Aí vem um pedaço de papel com um lápis por baixo, aí eu fiz, dei o endereço, mandei para um amigo, com o endereço que eu tinha o telefone de cabeça, pra dizer onde eu estava, que estava tudo bem, não tava acontecendo nada e que ele divulgasse pra minha rede. Também não soube se isso aconteceu e como aconteceu. Mas o fato é que eu fiquei várias sessões continuadas sendo inquirido. Mas nas sessões continuadas eu tive ganhos, na relação com interruptor. Ele era um delegado da polícia federal, ele queria saber porque eu estava lá, se eu tinha feito política estudantil. Aí eu comecei a contar do meu terceirão ginasial em Belém do Pará. Ali caminhando ele sai perguntando: “E só isso?”, eu digo: “Não!”, aí contava mais. Até que cheguei no grêmio estudantil Paz de Carvalho, até que fui para o Rio de Janeiro, coloquei o Dom Hélder na parada. “Eu vim para o “e na vila universitária?”, aí eu falei, “e na escola?”. Mas aí eu senti que eu estava muito confortável. Porque eu joguei propositalmente a minha bala de prata. Ele disse assim: “E na escola, participou do diretório acadêmico?”, “participei”, “e aí?”, “Não, no outro mandato, lá no primeiro ano, eu fui representante da cidade universitária no diretório”, “só isso?”, “não!”, “que mais?”, “fui presidente do diretório acadêmico”, “quando?”, “1963”, “1963 até quando?”, “até primeiro de abril de 1964”. Sabe qual foi a reação dele? “Eu sabia, eu sabia!” grito de alforria. Eu não queria que ele continuasse perguntando e aí mais, e aí mais. Porque eu estava já nesse momento da militância clandestina urbana que eu fazia pela Ação Popular, eu estava na comissão de organização da passeata dos Cem Mil. Depois disso eu continuei na passeata dos Cem Mil, até que ele aconteceu, bem sucedida. E a organização então, em função de eu ter ficado lá, rolado um processo do exército, acho que eu não deveria mais continuar na cidade e então me determinou que eu me profissionalizasse no campo. Mas realmente eu não tinha esse perfil e tive coragem de negar. Mas também sai da organização por conta disso. Mas fiquei muito mal, muito mal, com o discurso de “o pequeno burguês, é isso mesmo, você é o retrato do pequeno burguês”. Até que eu dando aula, lá no IUPERJ, chega um companheiro, Airton Fausto, que tinha sido um dos que junto comigo estava na mobilização da Passeata dos Cem Mil, ele disse: “Olha, eu vou revelar para você, só pra você, porque você sabe, mas eu fui covarde, eu não fui!”. Sabe qual é a resposta dele? “Ainda bem que você está me falando isso, porque aconteceu a mesma coisa comigo. Eu também deixei a organização e não estou por conta de ter negado”. Como nós terminamos? No Bar Damas, virando a madrugada, passando a Revista História do Brasil. Mas com isso, com a bronca da escola, com Oscar de Oliveira e esse risco evidente que pairava por conta da minha vinculação. Quando surgiu, não foi por eu ter buscado a oportunidade de vir para São Paulo, eu não titubeei em aceitar o convite. E vim, fiz uma entrevista, uma entrevista que era para outra área, chamado por uma direta companheira, Maria Adélia Aparecida de Souza, geógrafa, trabalhava na Secretaria da Fazenda, havia um projeto de descentralização industrial e eu fui entrevistado pelo engenheiro Barreto, “tudo bem, tudo ok, você vem para trabalhar conosco, aguarda só lá no Rio de Janeiro um chamado quando a gente tiver a rubrica orçamentária para iniciar o projeto”. Nesse momento a Maria Adélia recebe um telefonema de um amigo direto que deu uma notícia para ela e para a satisfação dele, ela diz que vai levar um amigo carioca para o almoço e nesse almoço eu conheço Roberto Scaringella, que tinha sido nomeado naquele dia para dirigir a gerência de transporte, a recém criada companhia do Metrô. E ao final do almoço, ele acabou me convidando para ficar já trabalhando com ele, pedindo licença para Adélia me dispensar. E assim vim pro Metrô. A minha entrada no Metrô foi também um momento de tensão, porque como eu vou entrar numa empresa pública com um problema desse nas costas, com o processo. Mas o Scaringella me tranquilizou, porque eu não tinha sido sabatinado e estava tudo combinado. E a grata satisfação maior ainda foi quando me apresentei, foi um direto companheiro, o Walter Barelli, com quem eu já tinha convivido no Rio de Janeiro compartilhando quando ele era JUC e eu era nacional da JEC. E assim cheguei em São Paulo. Chego no metrô, sou um dos cem primeiros funcionários do metrô, o primeiro na área de transporte, contratado pelo Roberto Scaringella. Tive a responsabilidade de ainda em 1968, no dia do golpe do AI-5, dia 13, de preparar a circulação diária para que o palanque do metrô fosse instalado na Praça da Árvore, pro Brigadeiro Faria Lima, que era o prefeito da cidade, quebrar espumante lá, dando início às obras de metrô. Passei o ano de 1969 todo harmonizando a circulação viária provisória compatibilizada com a grande intervenção do metrô que abriu a Avenida Jabaquara e dividiu a cidade em dois, que o método construtivo era ______. Faz a vala, constrói e cobre. E assim eu chego no final 1969, realizo o meu casamento, foi em Belém do Pará, e retorno pra São Paulo. Mas eis que já em março de 1970, o Elias Chamma da CCBE, Companhia Construtora Brasileira de Estradas, um dos membros do consórcio Consultoria Ponte Rio-Niterói, vem buscar um técnico para ser seu assistente na gestão do canteiro do vão central. É um dos cinco canteiros da obra. E o meu chefe imediato, que era o Flávio Musa Freitas Guimarães, me apontou direto, “Joaquim, inclusive veio do Rio de Janeiro, tem familiaridade com o Rio de Janeiro e com a Ilha do Fundão”, que era onde era a base operacional da obra. E assim, em março de 1970 volto ao Rio de Janeiro para um novo ciclo aí. Me demiti do metrô para poder me transferir para o Rio de Janeiro, sendo contratado pelo Consórcio Construtor Rio-Niterói, que era composto pelas empresas Ferraz Cavalcante e a CCBE, Companhia Construtora Brasileira de Estradas, a Servix Engenharia e a Companhia de Melhoramentos em Construções. Eu pela CCBE, fiquei tomado conta da implantação das quatro fundações dos vãos centrais.
P - Quando você chegou na ponte estava começando a obra?
R - É, ela começou em 1968. A obra foi contratada em 1968. Mas quando eu cheguei já haviam tubulões cravados, as partes de tubulões dos outros vãos e não os vãos centrais, já estavam. O vão central mesmo é que estava começando, quando eu cheguei. Vão central. Tanto é que no próprio mês de março, no final do mês de março deste ano, de 1970, houve uma mal sucedida prova de carga e resistência dos tubulões cravados, com a morte de oito pessoas, entre elas três engenheiros que estavam liderando esse teste.
P - Pra quem não é do ramo e vai ver depois essa entrevista. O que é o vão Central, onde ele fica?
R - No vão central ele domina o canal de entrada da Baía de Guanabara. Por exigências da Marinha, tem largura de trezentos metros, ladeados por dois de duzentos metros. Também por exigência da Marinha, um gabarito de sessenta metros livres. E por exigência da Aeronáutica, uma limitação de setenta e dois metros de altura. Então, você ficou só com doze metros de caixa nesse vão central. E exigência mais atenuadas para os vãos laterais, duzentos metros. E essas estruturas, por conta dessa limitação de doze metros num vão de trezentos, era impossível concreto armado da conta, por isso foi projetado metálico, a construção foi executada fragmentadamente, na Inglaterra, em partes e foi montada em Niterói, com assistência da Montreal Engenharia.
P - Então, em resumo, a primeira missão que você tinha era garantir que essas bases iam ser…
R - Nossa responsabilidade era construir as fundações dos pilares que iam sustentar os vãos centrais, três vãos centrais, um maior e dois laterais.
P - E onde que você morava nessa época, como era o canteiro?
R - Nessa época eu cheguei com a promessa de ocupar uma das casas da vila dos Engenheiros, eram vinte e cinco casas disponíveis lá. Mas lastimavelmente, no primeiro momento, quando cheguei, o que o Elias Chamma, que era o Engenheiro responsável pela minha contratação havia me prometido, não pôde ser cumprido. Ficou para um próximo momento. Eu, então, tive que alugar um apartamento no Jardim Guanabara, na Ilha do Governador. Então, eu me deslocava diariamente da Ilha do Governador para lá. Com um problema muito sério: a obra rodava vinte quatro horas, eu tinha que engrenar as turmas na virada e ainda participar de uma reunião diária com os cinco canteiros, eu e mais quatro, com a liderança do coordenador do cronograma e obras, onde a gente redesenhava ou atualizava uma rede PCPM, que é uma rede que apresenta os eventos, articulação dos eventos na sequência lógica em que eles têm que acontecer. Com as folgas que algumas atividades podem sofrer e outras que estão no caminho crítico que não podem ser movimentadas. Então, diariamente nós chegamos com as nossas demandas e na reunião nós ajustávamos a programação efetiva, porque dependia da disponibilidade de equipamentos que não eram abundantes, eram escassos, número de guindastes, número de plataformas flutuantes, número de rebocadores, a maré, o horário da maré para algumas movimentações, precisavam ser feitas. Então, essas variáveis todas entravam nesse caldeirão e a gente terminava ajustando o que cada um dos canteiros ia executar no dia seguinte. Eu saía com isso embaixo do braço, já ia engrenar a turma da noite, que começava às sete horas da noite, mas às seis horas da tarde estava fechando o que era para ser executado durante aquela noite. Ainda, a partir também de um balanço que a gente faria de quem chegou, nem todos os soldadores haviam chegado, os montadores, os aparadores, todas as outras funções. E em função disso aí, você nem sempre podia responder o que tinha sido combinado. E sempre acontecia, não só com o meu canteiro, mas com todos. Sempre tinha um serão, esse que era o desafio com os problemas que a gente encontrava na sequência dos encontros.
P - Onde era o seu canteiro e onde eram os outros canteiros?
R - O meu canteiro, como era canteiro de mar, eu tinha um ponto de terra, porque as estruturas que eu tinha que levar eram montadas e soldadas em terra e levada para o mar já montadas. Ainda que algumas soldas, não montagens, mas soldas, ainda tinha que continuar sendo executada no mar. Eu tinha uma ponta, nessa ponta minha vizinhança era de um lado, era a vila dos operários, do outro lado aqui era a fábrica de aduelas. Então, eu estava confinado lá. Um dos canteiros era o canteiro de brita e areia, movimentação de insumos. No mar havia dois canteiros, dois canteiros de concreto, antes do Vão Central e pós-Vão Central. O meu era 3M, 3A, o meu era______ o 3A e 3B, os três canteiros de mar. Ainda tinha o 4A, o canteiro de 4A e 4B que eram as pontas na terra, do lado de Niterói e do lado do Rio de Janeiro. O que está me chamando na lembrança é a dinâmica da obra, o número de operários disponíveis. A demanda era muito alta porque também a baixa era muito alta. Havia um turnover muito alto, decorrente da necessidade que muitos operários tinham de ter a carteira assinada, então quantos se apresentassem para trabalhar, sempre tinha vaga. E não havia nem uma preocupação de buscar referências policiais dos cidadãos. Chegava com a identidade, assinavasse a carteira, ele trabalhava a primeira semana, ao término da semana ele recebia o soldo e mais a carteira. E uma grande maioria não comparecia mais, porque era uma demanda muito alta por um documento que eles garantisse a abordagem sem prejuízos _____, por exemplo, porque eles tinham a referência de vínculo de trabalho. Isso é um problema muito sério, muito sério, porque nós perdíamos muitos, muitos, muitos operários. Semana a semana tinha que ficar trazendo novos operários porque alguns tantos não tinham mais aparecido.
P - Quantos operários ficavam na sua guarda?
R - Olha, na nossa base, nós tínhamos uns duzentos operários, jogando nas duas turmas. Muito trabalho de terra. Outro ponto que é interessante, talvez comentar também do cotidiano do canteiro, uma era essa expectativa de programação das atividades em função do quadro técnico disponível, ausências que aconteciam sistematicamente. Principalmente o pessoal especializado, soldadores, montadores, eletricista. Tinha um problema administrativo que também era muito sensível pra nós, que era a troca de roupa deles, no ambiente de terra nós tínhamos um alojamento só para armários, cada um que chegasse do trabalho se trocava, já saía com roupa de guerra pra trocar e fazia a troca aqui. E na imensidão que era aquilo tudo, havia com muita frequência roubos. Quebrava o cadeado. E era um problema que a gente tinha que administrar. Nós tínhamos uma delegacia de polícia que nos ajudou muito a resolver esses tipos de problemas. Eu contei essa história porque teve uma situação hilária, mas triste também, havia também um turnover muito grande de delegado de polícia que chegava lá. Um belo dia me apareceu um delegado, se apresentou cheio de mesuras e coisas e tal, querendo saber dos problemas, eu falei do problema, das fragilidades lá dos armários que era muito longe do barracão meu aqui. “Não, eu vou estudar, estudar”. Mas muito faroleiro. Eu sei que passasse alguns dias, eu soube por um encarregado que esse cidadão tava vendendo porte de arma dentro do canteiro. “Não pode acontecer isso! Mas tem certeza que é ele?”. “Não, é ele, ele vem…” Não é que ele estava mordendo dinheiro dos pobres operários lá. Vendendo… Olha só que preciosidade. Mas não deu muito tempo, muitos dias, eu vejo chegar carro da polícia, muitas luzes e sonoros, lá na delegacia. Eu fiquei tão impactado que fui olhar o que que era. Rapaz, a polícia veio buscar esse cidadão aos trancos, botou… Eu imagino que ele deve ter fraudado até o distintivo dele, ele era um falso delegado. Mas para você ver, era um universo tão grande de movimentação de pessoas e equipamentos, que alguns detalhes escapavam, um desses é o cara se virar, se apresentar como delegado. Agora, como é que ele descobriu que ele poderia estar substituindo outro? Também não entendo muito, mas é isso! Uma outra questão que tá me lembrando, é que ao lado dessa delegacia nós tínhamos outra dependência, chamada relações industriais. Relações industriais na época, é o que hoje nós chamamos de segurança do trabalho. Então, lá tinha mapa de tudo quanto é natureza, estatísticas, casamentos, batizados, mortes, mortes por acidente, morte natural, disquetes, tudo. Aí eu fiquei curioso com um que era de acidente de trabalho. Nós estávamos a uns quinze dias… Não tinha chegado os quinze dias, eu vejo que tinham três mortes por acidente. Eu chamei o rapaz que fazia… Não tinha computador, era tudo na caneta. “Rapaz, já houve três mortes? Porque não passou por mim”. “Três mortes por acidente?”. Aí ele viu o meu espanto, a resposta dele foi assim: “Doutor, tá dentro da tolerância”. Que absurdo, né? Dez mil homens trabalhando, morreram três.
P - Qual era a estrutura que tinha na Vila dos Operários, na Vila dos Engenheiros?
R - A vila dos operários era uma vila robusta, ela acomodava acho que uns dois mil e quinhentos habitantes, famílias. Tinha escola, tinha supermercado, tinha uma barbearia, posto de saúde, dentista. Que mais? Outra facilidade. Tinha a delegacia de polícia, tinha agência bancária, tinha linhas de ônibus contratadas e gratuitas que durante o dia saiam em direção a São João do Meriti, na direção até Copacabana, esses dois, eu me lembro bem. Mas eram várias linhas de ônibus em vários horários, gratuitas. Para atender a demanda. Não só para trazer o povo, como também para distribuir de volta. Na Vila dos Engenheiros, que depois eu passei a morar lá, no segundo tempo meu, tinha também uma Kombi para levar as crianças pro Colégio. Kombi também para as madames e cavaleiros, mais madames, para compras em supermercado, shopping. Elas tinham programação própria para fazer isso. E na Vila dos Operários, tinha biblioteca, falei salas de aula? Tinha também. Tinha salão de festas pra eles. Eu acho que tinha Capela também, não tenho certeza, mas acho que tem uma capela.
P - Mas eles moravam lá, é isso?
R - Moravam, moravam. Quatro anos, cinco anos.
P - Você chegou a entrar na casa de um deles?
R - Não, nunca entrei lá! Mas, por exemplo, essa vila hoje, ela é usada por funcionários da UFRJ, a vila dos operários. E a Vila dos Engenheiros, não. Que a Vila dos Engenheiros, foi um entendimento que houve entre o primeiro consórcio com o exército, porque o Bom Jesus, é uma das nove ilhas, que fica isolada, tem um portão de acesso a ela, porque ela já tinha sido desde sempre, uma vila do exército, propriedade do exército, onde eles abrigavam os inválidos da Pátria, da Guerra do Paraguai. E quando o consórcio chegou, precisamos da Vila dos Engenheiros, negociou com o exército… Devia estar esvaziada essa Vila, porque poucos remanescentes dos inválidos da Pátria. Ela remodelou, construiu vinte e cinco casas muito boas, com as ruas bem definidas, para abrigar os engenheiros e ao término da obra devolver para o exército com as benfeitorias. Hoje acho que moram capitães lá, ou majores. É do exército.
P - Como é que foi esse seu primeiro tempo lá?
R - Então, esse primeiro tempo, com o insucesso da prova de carga, que não chegou a acontecer. O acidente houve. Houve uma efetiva prova de carga. A prova de carga foi mal sucedida por que? Porque a guisa de baratear os custos da prova de carga… A prova de carga consiste no que? Em você testar a resistência do tubulão que estava sendo cravado a duas toneladas. Tinha que ser cravado a duas toneladas. E a forma de fazer isso, era cravar cinco tubulões, um rebaixado e esse rebaixado ser testado. Você tem que colocar uma plataforma com o peso maior que duas toneladas, para que o esforço do macaco ao tentar levantar, ela força o pilar debaixo, o pilar de baixo tem que ter resistência pra empatar e não ceder. Se ele ceder é porque ele não está adequado. Essa prova de carga deveria ser feita naquele momento, não foi bem sucedida, porque resolveram fazer um paliteiro de dezoito tubulões com um metro e oitenta de diâmetro, vinte dois metro de altura, para se encher de água. Mas não houve cuidado de fazer os vasos comunicantes, então os tanques não subiam igualmente. Tinha um engenheiro numa cesta pendurada, uma cesta num guindaste, orientando o outro lá para encher mais esse. Nesse enche, enche, enche, desequilibrou a estrutura, a estrutura tombou em cima deles, do guindaste. Então, morreram oito pessoas, três engenheiros. O que é dramático, é que do outro lado tinha também uma plataforma flutuante com autoridades assistindo. E eles testemunharam o desastre. Mas eles podiam ter sido vítimas também. Isso foi muito sério.
P - E na segunda vez deu certo?
R - Para a segunda vez substituíram os tubulões em vigas concretadas com peso superior a duas toneladas. Aí fizeram a prova de carga e viram que o tubulão não estava resistente. Foi se verificar a causa. A causa é uma fragilidade do método de cavação, porque também com a limitação de recursos para sofisticar, não podia sofisticar, resolveu se cravar os tubulões de um metro e oitenta, com auxílio de um tronco de cone, metade fabricado, onde a base superior, a base maior, ficava alinhada com a circunferência do tubulão e a base menor com a área do martelo. Então, o martelo batia na base superior, na base menor, e ela transmitia a carga no tubulão e ia cravando. O que se verificou foi que não foi devidamente calculado, foi a perda de carga que ocorria entre a batida do martelo na base superior e a perda de carga até alcançar o diâmetro da base inferior, da base maior. Então, havia uma nega falsa. A nega se dá, quando se dá determinado número de batidas e ele resiste, não avança mais. Então todo trabalho foi feito, já havia sido feito, desde antes de eu chegar lá, porque a prova de carga já aconteceu, tinha muitos tubulões cravados. Foi dramático! Foi a sinalização do final dos tempos para o primeiro consórcio. A segunda questão que também ficou evidenciada ao longo do período que sucedeu, que eu acompanhei, no vão central foi… Ao método também que foi desenhado para construção das bases da fundação dos pilares centrais, era uma estrutura metálica pesada que era levada pro mar ficava infincada, bem calibrada, onde se fecharia essa estrutura com estacas pranchas. Que são estacas deslizantes, que elas correm umas nas outras e fariam o fechamento. Com essas estacas pranchas apostas, você cravaria… Eu não sei precisar a quantidade de vigas, vigas de trinta e seis metros de comprimento, que eram vigas soldadas como um paliteiro, por debaixo das estacas pranchas. Então, ela ficaria um paliteiro cruzado aqui e aí a partir disso você faria a concretagem submersa, jogaria a brita e com o lançamento da brita, você introduzia no meio da brita o concreto, o concreto líquido. E o concreto então ia se agregar na brita. Mas foi verificado também no teste, em que na hora em que a brita ficava desprotegida, uma película de uma alga da baía, ela selava a brita de tal sorte, que ela não agregava no concreto. Foi um dos grandes problemas encontrados. Mas não só isso, é que esse sistema que eu desenhei, em que estacas passava por debaixo das estacas pranchas, significava que as estacas pranchas não podiam ir além de uma determinada cota. E esse solo onde a estaca prancha entrava, era um solo permeável, então você não tinha condições de secar, seria uma ensecadeira, não tinha como ensecar, porque sempre estaria vindo água chegando. E aí, por isso foi pensado em fazer a concretagem com a brita lançada, mas também não funcionou porque era incompatível a brita ficar em contato diretamente com a água salgada. Coisas foram solucionadas no segundo tempo. Então, esses fatores, eles de alguma forma selaram a vida do consórcio, porque ele não daria conta de dar outra solução diferente dessa ao preço que ele negociou. Acho que houve sim uma imprudência administrativa do DNER, em colocar em concorrência uma obra daquela natureza, com aquela sofisticação, com um grau de incertezas sobre a geotecnia do subsolo da baía. Coisa que se verificou no segundo momento, se viu algumas fissuras não previstas nos estudos de geotecnia originais. Isso tudo para dizer que a imprudência administrativa de contratar uma obra a preço justo, a preço fechado. Deveria, como depois aconteceu, você pode administração e revendo, como depois do revisto, métodos construtivos, definir métodos construtivos próprios diferenciados, não deixar o assunto solto como ficou no primeiro momento. O primeiro consórcio terminou em janeiro de 1971. Aí desmobilizaram a empresa toda, todos deixaram suas posições, inclusive eu. Estávamos todos demitidos, o patrimônio foi absolvido pela Ecex. Aí houve um fenômeno inevitável, no dia seguinte na mesa do interventor, nomeado pelo DNER, o que choveu de faturas e notas fiscais de cobranças de serviços, foi um negócio assustador. Eu digo que eu estava no momento certo na hora certa. Durante o outro consórcio eu que preparava as medições que eram levadas a apreciação da Howard, Needles, Tammen & Bergendorff HNTB, que era uma empresa americana, que fazia a contra leitura para ver se a minha medição estava compatível com o efetivo. Sempre havia pequenos detalhes a serem resolvidos, então eu sempre estava na mesa com o engenheiro representante da ________, depois esteve como interventor fazendo esse ajuste e acertando a medição. Todo mês tinha essa leitura comparada. E a gente fazia o ajuste fino lá. Então, no dia em que aconteceu o episódio da intervenção e no dia seguinte todo mundo fora… Aí chegou essa montoeira de papéis. Ele me chamou e perguntou se eu ficaria mais uns dias com ele para ajudar a resolver isso. Pra mim foi um respiro, eu tava pensando já em contactar com o metrô. E aliás recebi mensagem do metrô, um dos diretores de lá, se eu queria voltar para São Paulo, ou se eu ficaria aqui em São Paulo, no Rio mesmo, eles veriam onde eu pudesse ficar também no Rio, se eu tivesse bem acomodado no Rio. O______, que teve essa lembrança, que era o adjunto do Flávio Buzza, que me convenceu a ir para a Ponte Rio-Niterói. Mas eu disse que sim, e dei conta, aprendi a fazer cotas em processo, porque cada papel desse virava um processo, então eu preparava a cota do processo, despachando favor ou não, com ressalvas ou não e com carimbo já do interventor e o interventor assinava. Eu terminei a minha parte e aí vem um grito do Gastão _______, que chegava naquela ocasião junto com o interventor, para ser o diretor financeiro, era primo do Andreazza. Disse: “Não, o Joaquim tem que continuar comigo aqui para ver os outros canteiros”. E os outros canteiros eu tive que ir para o campo olhar, porque não dava pra… O vão central eu sabia exatamente, mas lá eu tinha que ir lá olhar, e assim fiz. Chegou no final do mês, não veio o salário para mim, eu disse: “E o meu salário?”, aí eles vieram: “Não, já estava na quitação o final do salário”. E aí, então, o Gastão disse: “Nós precisamos do Joaquim aqui”. E aí, então, conversaram e o interventor veio conversar comigo. Se eu tinha interesse, me dispunha a continuar com eles. Eu dei ok. E eles me perguntaram se tinha ficado alguma pendência do passado, aí eu acertei tudo, a casa. Quando eu falei da casa “as casas estão todas vazias, escolhe uma lá”. Eu escolhi bem a casa, fiquei na melhor posição, com vista para a piscina e com vista para o ______, onde o Andreazza mandou construir depois a casa dele. A minha mulher é testemunha. O ritual do Andreazza, vinha todo dia com roupão, whisky, com o secto do lado, fazendo despacho na beira da piscina, dando seu mergulho e se preparando depois para ir de lancha, uma lancha iate que foi comprada para ele, para ir para a Praça XV despachar no Ministério dos Transportes que ele não levou para Brasília.
P - Você continuou trabalhando para o segundo consórcio?
R - Não! Eu fiquei trabalhando para o interventor, para o DNER. Nesse momento houve dois movimentos da intervenção, primeiro movimento foi chamado o segundo colocado, que era Camargo, Mendes, Rabelo e Sérgio Marcos de Souza, um grande nome do Rio de Janeiro, projetou Maracanã e projetou o Viaduto Paulo de Frontin, que lastimavelmente, em setembro, quando ele, Sérgio, estava assumindo a presidência do consórcio, desabou. Aí ele não ficou como presidente do consórcio da ponte. E aí foi chamado o que foi diretor do Metrô, tô esquecendo o nome dele. Poxa vida! Mas o fato é que houve esse movimento. E na chamada do segundo consórcio, foi com o seguinte entendimento: não vai ser preço fixo, vai ser por administração, fora um valor de quatrocentos e trinta e oito, que é duas de duzentos mil. Duzentos mil mais do que o primeiro consórcio. Eu não sei se esse valor era o valor que ele tinha como na concorrência, ou se foi um valor estimado pelo próprio consórcio. Mas de qualquer modo ficou essa janela aberta que era por administração. E que eles tratassem de mudar o método construtivo, arranjar um método construtivo adequado de tal sorte que fosse recuperado o atraso, porque o Andrezza queria o Presidente Médici inaugurando no dia 4 de março, como aconteceu. Dez ou quinze dias antes do Médici terminar o mandato dele.
P - Então você está falando sobre a formação do segundo consórcio, né?
R - O segundo consórcio com essas questões, que procurassem, mas que conseguissem fazer a tecnologia que compensasse os atrasos. De forma que março fosse a data fatal. Tô aplicando o momento para lembrar o impedimento do Sérgio, que ele se sentia impedido, quando houve o acidente da queda do viaduto, que a empresa dele estava construindo. Foi convidado o Engenheiro Lauro Rios, que havia sido presidente do Metrô recentemente em São Paulo. Ficou o Lauro Rios, na presidência, o Bruno Contarini, como diretor técnico e o Mário Vila Verde, como superintendente técnico. Bom, então eles entraram em campo e levaram uns oito meses para resolver a questão. Paralelamente destacaram o Gastão ______ para conversar com Furnas, para que a partir da conversa com Furnas se desenhasse a estrutura administrativa da futura empresa que viesse a ECEX, para administrar a obra que estava sendo entregue para o segundo contratado. E o Gastão me convidou para ser o segundo dele. Então, fiquei com ele por trinta dias em Marimbondo, onde a Mendes Júnior estava construindo a hidrelétrica em Marimbondo. Fiz uma imersão lá no escritório de Furnas, para entender como gerenciar uma obra daquele porte. E eu tive a satisfação de desenhar o primeiro organograma da ECEX. E também fui o único civil que ficou com o nome em uma das caixinhas, os demais todos foram tenentes, coronéis do exército, que eram tratados no tico tico, o almanaque do exército. Quem poderia estar interessado, ou com dificuldade de ganhar promoção, o mesmo por interesse dos companheiros que estavam lá envolvidos na obra da ponte. E assim foi montada a estrutura da ECEX. E eu fiquei na diretoria administrativa, junto com o diretor da ídolo Amazonas da Silva, que era um coronel da arma de paraquedismo, administrando o suprimento. Todas as compras que eram feitas pelo consórcio, eram assinadas pela ECEX. ECEX comprava. Então nós montamos uma estrutura de acompanhamento dessas ordens de compra que a estrutura do consórcio executava. Eu tinha uma estrutura paralela aqui e dependendo da natureza do produto, por ordem de grandeza também, o valor, algumas sinalizações que justificavam a gente fazer um acompanhamento paralelo do preço que foi cotado. Eles faziam sempre com três cotações. Mas a gente também fazia as nossas para compatibilizar direitinho. Os grandes itens de material, cimento, ferro, que a gente comprava a granel, quinze mil toneladas por mês a gente consumia de cimento, cimento de vários tipos, um cimento que podia trabalhar submerso, resistente ao CACO3, não deixar a formação do carbonato de cálcio. Quando o cálcio do concreto com a água, com o sulfato da água, ele faz uma mistura em que ele produz dez moléculas de água acima do volume, então ela explode o concreto, como uma flor. Então, tem uns cimentos resistentes ao CACO3, que é para concretagem submersa. Então, nós tínhamos dois tipos de concreto, grandes quilos e o cimento vinha a granel de vagão de trem, não vinha por caminhão não. Então, era o volume que a gente tinha de demanda.
P - Você ficou até 1974, então, nessa posição?
R - Até 1974 nessa posição.
P - Nos suplementos agora?
R - Nos suplementos. Acompanhamentos dos suplementos que era executado por eles lá, pago por nós e por isso fiscalizados por nós. E os grandes itens nós contratavamos, fazíamos as concorrências, ferro e cimento.
P - O que eles fizeram de diferente? Se você puder me resumir. Que não foi feito no primeiro consórcio, que fez dar certo, que afinal foi lançado em 1974 a ponte. O que eles mudaram?
R - O que mudou? Mudou tudo! A forma de cavar tubulões, essa foi a primeira. E aquela solução mágica de caixa, de ensecadeira acabou, foram quarenta tubulões, foram cravados um do lado do outro. E como acontecia… Primeiro foi contratado a fabricação de umas plataformas auto elevatórias de procedência holandesa, elas tinham umas pernas de sessenta metros de comprimento, se ajustavam segundo as nossas conveniências. A entubadora ______ e a perfuratriz Wirth. A entubadora com movimentos rotatórios alternativos, ela ia cravando, a primeira entubadora era dentada, então ela ia… E ela conseguia ir até cinco metros com auxílio da perfuratriz, na rocha, ela mergulhava na rocha. Então, à medida que você ia roendo o solo tinha um sistema de ar livre que aspirava todo o material que era triturado lá, até chegar nessa condição. E ela ia superpondo, à medida que ia cravando, os segmentos de tubulão. Quando estava completamente instalada, aí você trazia a camisa de um metro e oitenta. Essa era a entubadora, era só a caixa, ele tinha dois metros e vinte, tubulão tinha um metro e oitenta. Você metia o tubulão lá embaixo. Tem uma região aqui, que o nível de pressão é alta, você não precisa de armação, só a partir de determinado momento que você precisa colocar armação de aramada. Então, você concretava. E como é que você concretava? Olha só, tava com água lá, você lançava uma nata, de um metro de altura mais ou menos, uma nata que sentava no fundo, quando ela estava sentado no fundo, você entrava com a injeção de concreto. E por baixo da nata você começava a injetar concreto. Então, essa nata ia isolando a água do concreto. Então, ela vinha subindo e o concreto vinha subindo aqui livre do contato com a água do mar. Aí vinha até o topo. Eu não sei se na cota, acho que na cota menos sete do nível do mar, já tirava essa, não sei, se tirava essa nata e ia fazer a concretagem convencional, continuava com a concretagem convencional, mas já sem água, sem nenhum contato com a água. Então, essa foi a solução mágica. Mas que custou um preço, uns dizem que foi quatrocentos e setenta e seis milhões de dólares, um número que circula aí, mas não sabe, porque eu assisti também um momento muito interessante, quando o consórcio foi apresentado para o Andrezza e para a diretoria da ECEX, os novos números, que é comprar as plataformas, comprar para ter esse resultado. Eu assisti essa reunião. O consórcio contou uma história muito bonita, muito bem estruturada, das dificuldades, das questões sensíveis que tiveram que ser tocadas para definir o método construtivo, definição de tudo, coisa e tal. E que estavam prontos para executar. E aí, na sequência, o próprio consórcio começou a se preparar para falar de números. E falar assim, com aquela ansiedade do impacto que poderia causar, era revelador, quem tava falando, querendo explicar e estruturar bem a fala, chocar menos. Sabe o que o ministro Andreazza fez? “Para! Eu não tô perguntando quanto vai custar, tô perguntando se você me entrega no prazo que eu quero?”, “sim, senhor!”, “está encerrada a reunião.”. Bom, né?! É para quem pode. Mas foi emblemático isso. Pra mim foi, “poxa vida, esse sabe das coisas”.
P - E ai, conseguiu? Foi entregue no dia certo?
R - Foi entregue! Agora, também, outra coisa, no primeiro consórcio tinha uma contabilidade de custos. Acabou, acabou! O Gastão _____ a sensação que dava é quando você controla livro de estoque, estoque máximo e estoque mínimo, quando chegar no mínimo, você: “Ou, tá no mínimo. Vai para o máximo”. Quando chegou aqui embaixo. “Vai para o máximo. Tá chegando, vai abastecendo de dinheiro”. Alguém estava fazendo essa contabilidade fora, mas lá dentro não.
P - Eu queria ir para uma pergunta final com o senhor. Como é que foi o dia da inauguração da ponte, o que você sentiu? Como é que foi isso?
R - Foi uma festa deles, uma festa deles. Pra mim não teve emoção. Que dizer, emoção, sim, do bom trabalho feito. Eu tive mais emoções em algumas etapas, o lançamento, o vão central subindo, não sei porque eu tinha uma ligação afetiva aí com o vão central, foi muito, mas foi muito interessante. Porque a caixa central serviu de flutuante para levar as partes, aí ficou uma braça aqui, apoiava aqui, tinha uma pontinha pra lá, pontinha pra cá, trinta metros pra cá, trinta metros pra cá. E esse intervalo, esse caixote que subiu, esse caixote que subiu é dentado e aqui também é dentado. Quando chegou lá em cima ele esgarçou e travou. Ela trabalha sobre compressão ali em cima, trabalho de compressão, esgarçou as duas pontas. Ali não solta nunca. Lindo! Um belo trabalho.
P - Você viu desde quando você entrou, é isso?
R - Eu não assisti a montagem. Eu assisti esses momentos da operação. Mas teve uma situação muito dramática, por exemplo, o cara que estava preparando, pondo a haste aqui, eu não vi mas me contaram isso, escapou da mão do que estava lá em cima, o martelo bola conseguiu bater certeiramente no capacete do que estava aqui embaixo, o capacete não aguentou, sessenta metros de altura, ou mais, morreu.
P - Joaquim, o que significa pra você a ponte?
R - É uma obra monumental, não tenho nem dúvida, quanto a isso, uma obra monumental. Aplausos para a engenharia nacional. Bruno Contarini é um dos nomes que não pode ser esquecido, como o Noronha também, que parte de concretagem sempre foi mestre. Foi meu professor na escola. E de valor inestimável, é uma grande obra da engenharia nacional.
P - Você passou muitas vezes por ela, eu imagino.
R - Já passei, mas não tanto quanto eu imaginava que ia passar. Porque eu não sou do Rio, não estou no Rio de Janeiro, não tenho usado. Eu usei algumas vezes, mas infelizmente não tanto quanto eu gostaria de ir. Mas é uma obra inquestionável. Agora tem um trabalho continuado que existe lá que é isso, quando foi montada a estrutura já veio, houve uma contratação, parceria, convênio, com uma empresa norte-americana que trabalha com leituras sensíveis e deformações de braço. Dentro da caixa do vão central, tem equipamentos sofisticados fazendo leituras permanentes da dilatação, do comportamento da estrutura metálica, que está sendo construído um banco de dados pra enriquecer outras obras com esse nível de sofisticação e exigência. Mas é uma grande obra da engenharia nacional. A emoção que eu tive… Eu tive uma emoção, dizer que não foi emocionante, foi! Mas eu não estava dentro da festa, a festa era realmente de quem tomou conta do cenário, foi o Andreazza, aliás o Andreazza foi o único que falou, não foi nem o Médici. Falou, tem uma frase dele: “Que do Brasil sonhador para o Brasil real”, alguma coisa assim. Umas frases de efeito, sobre o emblemático que foi a ponte. Mas não tem dúvida, a ponte é uma referência. E me orgulhou muito participar da obra. Eu digo, o que o Flávio Musa falou no início, foi chefe do meu chefe, que me encaminhou, disse: “Vai que a ponte é a única experiência no mundo que você tem chance de ir na sua vida, realizar. E metrô vai continuar o tempo todo. Você vai para lá, vai voltar e vai continuar como Metrô”, e aconteceu isso. Terminou logo em 1974 e não desmobilizamos. O acervo todo ficou conosco, com a empresa. Porque aí mudamos o nome da empresa, ficou empresa… Que ela foi criada como empresa de construção e exploração da construção da ponte Presidente Costa e Silva, por isso que ela ficou ECEX. Mas como mudou a orientação, a exploração não foi mais pública, foi privada, ela ficou empresa de engenharias e construções especiais. Com o senhor patrimônio de equipamentos. A Calandra que é inglesa e que produzia os tubulões, é fantástica. Porque ela desdobra a bobina a frio. Mas já na forma de helicoidal, tal sorte, que o helicoide não fica vazado, fica coladinho um no outro assim. Como faz com papelão, faz assim com uma bobina de aço. E já tem na própria máquina os ponteadores de solda, cordão de solda rodando, vai rodando lá e o cordão de solda aqui costurando ela. Fantástico! E também, tenho que falar da fábrica Aduelas, também com os sensores de calor, que você completava as aduelas em formas metálicas, que elas vão aquecendo, são aquecidas, então ela rapidamente sela a concretagem das aduelas. São coisas muito fantásticas. Tecnologia francesa.
P - Eu queria continuar, ouvir sua história do metrô, mas infelizmente eu vou ter que fazer uma última pergunta. Como é que foi pra você contar um pouquinho da sua história pra gente?
R - Ah, foi maravilhoso! E lastimando não ter podido contar desdobramentos de cada um dos pedacinhos que eu mencionei, que também são muito interessantes e ricos. Algum momento eu vou ter chance de fazer isso, quem sabe, com o Museu da Pessoa.
P - Obrigado, senhor Joaquim.
R - Muito obrigado também a vocês.
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