Imigrantes: crônicas de vida (IMG)
Cruzando fronteiras
História de Dora Mandel
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 23/06/2001
P/1: Por favor, diga seu nome, local e data de nascimento.
R: Meu nome é Dora Mandel, mas aqui no Brasil, Dora, na Polônia era Dwejra, quer dizer que já é diferente. Nasci no Ostrow Mazoviek, na Polônia, residi lá até sair de lá. Meu nascimento foi em 6 de outubro de 1917.
P/1: Como era a cidade onde a senhora nasceu. Como era a sua casa, a sua infância, descreve um pouco a cidade.
R: A cidade era minúscula, pequeniníssima, a gente se dava bem, no começo, até não vir o anti-semitismo da Polônia, a gente se dava com todas as crianças, a gente brincava, ia pro colégio, estava tudo bem, estava 100% como criança. E eu fiquei lá até mocinha, até 16 anos. De 15 a 16 anos. Mas o último ano, o tempo todo estava tudo bem. Colégio também me atrapalhou um pouco porque eu era judia. Lá era mais poloneses, então, de vez em quando a gente tinha alguém do contra, porque é judia. Mas, a gente ia em frente, não tinha o restante de problema. Até surgir um anti-semitismo muito grande, aí eu tinha família aqui no Brasil, e eu tinha nos Estados Unidos. Um irmão meu. Mas, aí eu falei que eu queria ir embora de lá que não era lugar pra ficar por causa do anti-semitismo. E eu pedi pro meu irmão mais velho, dois anos, pra ele vir. Ele falou que não queria porque ele arrumou uma namorada lá, então ele quis ficar. Mas ainda não tinha nada de guerra, só anti-semitismo. Falei: Tá bom, se você não vai, vou eu. Mas como eu não tinha idade pra poder viajar sozinha, então eu tinha mais dificuldade. Aí eu escrevi pra o meu irmão nos Estados Unidos e ele falou que ele não podia porque Estados Unidos não deixava entrar gente de fora. De maneira nenhuma. Aí, mandei uma carta pra cá pra meus tios, e eu pedi pra eles resolverem. Aí eles tinham que pôr, naquela época, era 100 reais, 100 cruzeiros, não sei lá como é...
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Cruzando fronteiras
História de Dora Mandel
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 23/06/2001
P/1: Por favor, diga seu nome, local e data de nascimento.
R: Meu nome é Dora Mandel, mas aqui no Brasil, Dora, na Polônia era Dwejra, quer dizer que já é diferente. Nasci no Ostrow Mazoviek, na Polônia, residi lá até sair de lá. Meu nascimento foi em 6 de outubro de 1917.
P/1: Como era a cidade onde a senhora nasceu. Como era a sua casa, a sua infância, descreve um pouco a cidade.
R: A cidade era minúscula, pequeniníssima, a gente se dava bem, no começo, até não vir o anti-semitismo da Polônia, a gente se dava com todas as crianças, a gente brincava, ia pro colégio, estava tudo bem, estava 100% como criança. E eu fiquei lá até mocinha, até 16 anos. De 15 a 16 anos. Mas o último ano, o tempo todo estava tudo bem. Colégio também me atrapalhou um pouco porque eu era judia. Lá era mais poloneses, então, de vez em quando a gente tinha alguém do contra, porque é judia. Mas, a gente ia em frente, não tinha o restante de problema. Até surgir um anti-semitismo muito grande, aí eu tinha família aqui no Brasil, e eu tinha nos Estados Unidos. Um irmão meu. Mas, aí eu falei que eu queria ir embora de lá que não era lugar pra ficar por causa do anti-semitismo. E eu pedi pro meu irmão mais velho, dois anos, pra ele vir. Ele falou que não queria porque ele arrumou uma namorada lá, então ele quis ficar. Mas ainda não tinha nada de guerra, só anti-semitismo. Falei: Tá bom, se você não vai, vou eu. Mas como eu não tinha idade pra poder viajar sozinha, então eu tinha mais dificuldade. Aí eu escrevi pra o meu irmão nos Estados Unidos e ele falou que ele não podia porque Estados Unidos não deixava entrar gente de fora. De maneira nenhuma. Aí, mandei uma carta pra cá pra meus tios, e eu pedi pra eles resolverem. Aí eles tinham que pôr, naquela época, era 100 reais, 100 cruzeiros, não sei lá como é que foi, pra pôr na minha conta, pra saber se por acaso eu venho pra cá, pra ter de onde me sustentar. E eles me colocaram este dinheiro, e me mandaram papelada, tudo certinho, e eu resolvi vir-me embora. E eu tinha uma pessoa paga pra tomar conta de mim no navio. Mas eu nunca vi essa pessoa, e nem sabia dela. (risos) Mas depois eu vim, depois arrumei bastante gente no navio, o pessoal vinha muito judeu, tinha outras também, outra gente. Mas, eu estava bem e vim até aqui.
P/1: Dona Dora, voltando um pouquinho? Qual era a atividade do seu pai e de sua mãe na Polônia?
R: A minha mãe era dona de casa. Meu pai tinha um depósito de calçados.
P/1: E a senhora disse que um irmão morava nos Estados Unidos, e quantos outros irmãos a senhora tinha na Polônia?
R: Três.
P/1: A senhora era a mais velha?
R: Não, o irmão mais velho ficou lá, e eu era a segunda.
P/1: E a senhora tinha uma irmã mais nova que a senhora.
R: Tinha, uma irmã mais nova e um irmão mais novo, que eu tinha.
P/1: Quando a senhora decidiu sair da Polônia, os seus pais não quiseram vir junto?
R: Não podiam. Nem se falou sobre isso. Lá, a maioria... os filhos que resolviam quem quer ficar, quem quer ir embora, a minha mãe já tinha estado uma vez nos Estados Unidos. Ela ficou lá, perdeu o primeiro marido dela, e ela voltou para a Polônia. Então nem se falou de viagens, para eles viajarem, coisa assim. O meu pensamento era se eu ia vir pra cá pra trazer o restante da família, mas não deu mais tempo. Eu vim em 36, em 37 já foi a guerra, já não deu mais, até fizemos todos os papéis, meus tios, que me trouxeram pra cá, fizeram a papelada pro meu irmão mais velho, que eu fiz de tudo pra ele vir, mas não deu mais tempo, não deixaram sair, porque ele tinha que ir no militar, era época de ele ir lá servir o militar. Não deixaram sair, e ele ficou junto com outros.
P/1: Dona Dora, a senhora tinha notícias da sua família?
R: Não. Nenhuma. Quando eu saí, as primeiras cartas eu tinha. Até 37, eu me comuniquei com eles. Depois, acabou. Depois, nunca mais. Eu procurei, em vários lugares, quer dizer, onde que eu pude procurar, procurei, mas, não tive notícias só sei que eles foram para uma outra cidade. Não ficaram mais onde estavam. Que foram para outro lugar, isso foi, eu soube por uma pessoa, que mora nos Estados Unidos, e ela tinha notícias que eles estavam junto com os pais dela. Eram conhecidos.
P/1: Você sabe por que eles mudaram de cidade?
R: Não. Não sei nada, absolutamente nada. Sei que eles fugiram. Porque onde eles estavam morando tinha muita gente lá, que já era o anti-semitismo muito grande, e eles deviam estar ameaçados de alguma coisa lá e então eles foram embora. É a única coisa que podia ser. Não podia ser outra coisa. É só isso. A decisão que a senhora tomou de emigrar foi o anti-semitismo.
P/1: Que tipo de atitudes que tomaram em relação à senhora, ou mesmo com conhecidos, que a senhora ficou desgostosa...
R: Porque nós tínhamos vizinhos, a gente morava casas térreas. Lá não era prédios onde a gente morava. Eram casas térreas. Que aliás eram vizinhos, pelo quintal, assim, a gente se dava. Esses mesmos vizinhos, várias noites, vieram, bateram na janela, chamaram meu pai pelo nome, e na hora que chamaram meu pai pelo nome, sem mais, sem menos, jogaram cada pedra desse tamanho. Se acertava, ia matar ele. Então, tudo isso, sabe, eu era uma pessoa que não gostava de ficar parada. Então por isso que eu falei: Eu vou embora. Eu não vou ficar aqui, vou embora e vamos ver o que pode ser mais adiante . Então, isso que me deu pra ir embora de lá. E era sempre, sabe, sempre já se ouvia assim, a gente é judia, judia, eles eram poloneses, católicos, cada um tinha, quase não é religião, era da nação da pessoa. Então era sempre do contra, você entende, então aquilo me perturbou muito, por isso que vim embora de lá.
P/1: A senhora veio em 36, e quando chegou aportou no Rio ou em Santos?
R: Paramos no Rio, eu tenho família no Rio, eles vieram me visitar, mas ninguém subiu no navio e não me deixaram descer, porque eu era menor de idade, entende? Então só de cima conversei com eles, e depois ficamos algumas horas no Rio e viemos para Santos.
P/1: Esses parentes que lhe auxiliaram na vinda moravam em São Paulo?
R: Essa gente que estava no navio?
P/1: Não, essas pessoas que auxiliaram, os parentes da senhora que a ajudaram a vir pra São Paulo...
R: Estavam em São Paulo, moravam em São Paulo. Aí eles me esperavam quando chegou o navio, me tiraram do navio, sabe, que tem polícia, tudo isso, e eu tinha tudo feito direitinho, eles me esperavam e eu desci em Santos, e depois eu vim para São Paulo.
P/1: E aí onde a senhora foi morar?
R: Na Rua José Paulino, que meu tio morava na Rua José Paulino.
P/1: O que o seu tio fazia aqui em São Paulo?
R: Ele trabalhava com... sabe o pessoal que trabalha com roupas, assim, vende... para as pessoas... não sei como é que fala. Ele comprava roupa e vendia a prestação. E eu estava na casa deles. E o outro meu tio morava em Santo Amaro, aí fim de semana eu passava com eles em Santo Amaro. E em Santo Amaro, ele trabalhava num frigorífico de frios. Não sei o nome do frigorífico. Ele trabalhava lá. Quer dizer, que eu tinha meus tios, um em São Paulo, outro em Santo Amaro.
P/1: Esses tios da senhora eram parentes da sua mãe ou do seu pai?
R: Do meu pai. Na casa do meu tio que eu morava era irmão do meu pai, e este de Santo Amaro, ela era irmã do meu pai.
P/1: O que a senhora fez quando chegou ao Brasil?
R: Eu fui trabalhar. Eu não fui estudar. Meu tio queria que eu fosse estudar português, mas como eu vi que ele não estava em condições boas, que ele não podia... sabe, pra sustentar eu vi que estava difícil, eu entendia já, com essa idade, que eu era nova, mas eu entendia, falei: Não, não vou estudar, eu vou trabalhar. Aí, fui ser balconista. Mas não podia ser balconista, (riso) não sabia a língua não sabia português. Mas eu fiquei lá, que a pessoa foi muito boa, comigo, e eu fiquei lá só arrumando, ajeitando as coisas até eu pegar um pouco a língua portuguesa.... brasileira. Mas, eu não me acostumei lá, eu não queria ficar porque eu achei que eu achei que eu não estava trabalhando como tinha que trabalhar, aí fui trabalhar numa fábrica. Numa fábrica de malhas, na Rua José Paulino. E lá, eu sabia costurar, eu costurava e lá fiquei só uns meses. Depois fiquei noiva, e não trabalhei mais.
P/1: Onde a senhora conheceu seu marido?
R: Aqui em São Paulo, na Rua José Paulino. (risos) Ele tinha loja em Bariri, não é aqui, é no interior.
P/1: Ele também era judeu?
R: Judeu, judeu, também. E eu fiquei só uns meses noiva com ele, ele não quis que eu trabalhasse, sabe, ele estava melhor de vida do que eu, ele não queria que eu trabalhasse. Aí eu saí da fábrica, não trabalhei mais até casar. Casei e fui embora pro Bariri, fiquei lá três anos.
P/1: Depois de Bariri a senhora foi pra onde?
R: Eu vim pra São Paulo.
P/1: Para que lugar?
R: Pro Ipiranga. Abrimos uma loja no Ipiranga, e eu tinha a loja no Ipiranga, depois, terminamos com a loja que não estava indo muito bem, e abrimos uma fábrica na Rua Carmo Cintra, de malhas de lã. E lá trabalhamos lá um tempo, e depois abrimos uma loja na Rua José Paulino.
P/1: Onde ficava a rua Carmo Cintra?
R: É Bom Retiro. Uma travessa da Rua José Paulino.
P/1: Essa fábrica era basicamente de lã?
R: De lã. Malha de lã.
P/1: A senhora, quando veio da Polônia, a senhora falava basicamente que idioma?
R: Polonês e israelita, o iídiche. Porque não sabia português.
P/1: E mesmo depois que a senhora aprendeu, continuou o hábito, o costume de a senhora continuar falando o polonês e o iídiche na sua casa?
R: Falo iídiche muito pouco. Falo mais é português, porque como eu fui pro interior, pro Bariri, morar lá, lá não tinha judeu. Era só meu marido que era judeu. E eram todos brasileiros, e eu me dava muito bem com vizinhos de lá, a dona da casa onde eu morava, e eles me ensinaram falar em português. A gente se comunicava e eu fiquei lá três anos, e eu aprendi a falar português. Com um ano eu já falava bem. Bem, falava mais ou menos. Como foi sair do interior da Polônia e chegar no interior do Brasil. Como é essa diferença. É grande diferença, porque a vida é diferente. A única coisa que eu fiquei aqui feliz, no começo, porque aqui não tinha ninguém para ser aquele anti-semita, que eu não via aqui, que era todo o mundo igual. Aquilo me deixou ficar feliz, satisfeita, meus tios estavam aqui, fiquei com eles, você entende? A única coisa que eu fiquei chateada é que meu tio estava procurando pra fazer a papelada pra trazer meu irmão pra cá, e já não deu. Mas eu fiquei feliz aqui. Eu estava satisfeitíssima. Até hoje. Eu estou bem. A única coisa é que eu sinto que perdi toda a família lá. É a única coisa. Mas aqui eu vim, e estou bem até hoje.
P/1: E o contato com o seu irmão que morava nos Estados Unidos a senhora manteve?
R: Sim, ele me escrevia, ele veio aqui pra me conhecer, porque eu não conhecia ele, porque ele não era meu legítimo irmão. Ele era do primeiro marido da minha mãe, que tinha falecido nos Estados Unidos. Mas a gente se comunicava. Ele veio me conhecer aqui, depois de dois ou três anos eu fui até a casa dele nos Estados Unidos pra ver ele, e estava tudo bem. Mas a família já não estava mais. Não tinha mais ninguém da família. Da Polônia.
P/1: Como a senhora ficou sabendo que tinha perdido toda a família?
R: Porque a gente ouvia pelo rádio, naquela época, onde que foi aquela guerra, onde estavam matando o pessoal, onde que eles reuniram pra matar o pessoal. Então, a gente ouvia pelo rádio. Ouvia que tal cidade, vamos dizer Ostrow Mazoviek foi atacada, longe, que tinha mais perto. Foi tomada, foi atacada. Pegaram todo o pessoal. Então a gente sabia. Eu só não sei onde eles foram executados. A única coisa. Que eu não sei em que lugar. Porque meu filho aqui também foi à procura pra saber, se dá pra saber de alguém, se ficou... não sobrou ninguém. Ninguém. E por isso que eu soube que eles foram executados e até hoje nunca tive mais nenhuma notícia deles.
P/1: Quantos filhos a senhora teve?
R: Dois filhos. Dois rapazes casados, já, que estão aqui. Eles tem família, tenho já netos grandes.
P/1: A senhora nunca mais voltou pra Polônia?
R: Não. E não quero voltar. Que meu filho mais velho, o Fernando, queria pagar a passagem pra mim, ele queria até ir comigo, eu falei : Não vou, não quero ir, não quero nem ver, não sei se já encontro o lugar, não sei, porque era um lugar pequeno, mas não quero nem pisar lá. Não quero saber. A minha dor é muito grande. Porque a família toda. Pais, irmãos, tios, eu tinha toda a família ainda lá. Do lado da minha mãe. E aqui a família do meu pai. É por isso. Não quero mais pisar lá de maneira nenhuma. Quê que vou fazer lá?
P/1: É verdade. Alguns hábitos judaicos na Polônia eram diferentes do que os daqui?
R: Não. Não. A mesma coisa. A única coisa tinha algumas famílias que eram mais tradicionais, e que era mais religiosos, e outros não. A minha família não era muito religiosa. Mas tradicional. Tudo o que era de tradição a gente fazia. Tudo. Mas não era muito religiosa. A vida lá era muito sacrificada. O trabalho era muito difícil e pra gente ficar lá, desde que eu me lembro, que eu era menina, era muito difícil, a gente era muito perseguida.
P/1: Como eram os seus hábitos alimentares? O que mudou?
R: De alimentação o que era diferente pra mim aqui era arroz e feijão. (risos) Lá não tinha isso. Quer dizer, tinha o feijão, não há dúvida, mas era completamente diferente. Agora, o restante era a mesma coisa. Mas tinha outro tipo de frutas, outro tipo de verduras, mas o restante é tudo uma coisa só. Que tipo de fruta a senhora não achou aqui e sente saudade. Tem uma frutinha que não sei como é que chama, uma frutinha pretinha, pretinha, a gente catava ela na floresta, que a gente ia pra pegar. Eu já vi aqui essa fruta, mas completamente diferente. Não acho mais essa fruta. Daquela fruta tenho saudades.
P/1: E verduras?
R: Não, era a mesma coisa. Alface, tomate, beterraba, cenoura, era tudo igual. A única diferença é no arroz e feijão. (risos) A senhora ainda mora no Bom Retiro Moro.
P/1: O que mudou no bairro nesse tempo todo?
R: A diferença é só o povo. Porque antigamente, quando eu vim pra cá, Bom Retiro era quase tudo judeu e italiano. Agora não. Agora é coreano. Judeus você tem muito pouco. Todos os judeus, a maioria, mudaram para outros bairros. Tem muito pouco judeu, e lojas, fábricas também, que era de judeu antigamente, agora não tem. Tem só nas mãos de coreanos. O que mudou é isso. Porque o restante é a mesma coisa. Construções, constrói, antes era mais casas térreas, agora a maioria é tudo prédio, é a única coisa. Não tem diferença nenhuma.
P/1: Então, dona Dora, queria agradecer a sua participação, obrigada por ter vindo.
R: Obrigada.
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