BREVE RELATO DE UMA VIDA
ENTRE BILHÕES DE OUTRAS VIDAS
Autor: Wesley Diniz
I – A Partida
Essa história não é só sobre mim, mas sobre todos, que assim como eu, saíram de casa para encontrar o seu lugar e encontrou algo muito mais além disso.
Me chamo Wesley Diniz, e quando saí da adolescência, decidi abandonar a cidade que sempre chamei de lar. Com um nó na garganta e a determinação pulsando em minhas veias, despedi-me das minhas duas mães. Não conversamos muito sobre essa decisão, elas simplesmente disseram; “Vai!”. No fundo elas sempre souberam que esse dia chegaria, sempre acompanharam minha angústia por sentido de pertencimento e meus sonhos que eram grandes demais para ficarem ali, naquela cidade que já sentia a tempos que não tinha mais nada para me oferecer.
Embrulhando minhas memórias e sonhos em uma mochila, parti rumo ao desconhecido. O vento sussurrava segredos de oportunidades enquanto eu enfrentava o desafio de encontrar meu próprio caminho. As lágrimas que caíram não eram de fraqueza, mas sim de coragem diante do futuro incerto que se desenrolava diante de mim. Despedi de minhas mães, que ali ficaram com seus corações em suas mãos e não me impediram, pois sabiam o quanto eu desejava aquilo.
Entrei em um ônibus a rumo do desconhecido. A estrada se estendia à minha frente, cada passo me afastando do passado e me aproximando de uma nova vida. Eu estava sozinho pela primeira vez, enfrentando o mundo com uma mistura de ansiedade, excitação e medo.
Meu primeiro destino foi a cidade grande, um lugar pulsante e cheio de vida que contrastava drasticamente com a calmaria da minha cidade que cresci. As luzes brilhantes, os sons incessantes e a multidão de rostos desconhecidos me envolviam em um ritmo alucinante. Eu sabia que ali, naquela imensidão, teria a chance de descobrir quem eu realmente era e o que queria da vida. Não fui com muita grana então precisava conseguir trabalho o mais rápido...
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ENTRE BILHÕES DE OUTRAS VIDAS
Autor: Wesley Diniz
I – A Partida
Essa história não é só sobre mim, mas sobre todos, que assim como eu, saíram de casa para encontrar o seu lugar e encontrou algo muito mais além disso.
Me chamo Wesley Diniz, e quando saí da adolescência, decidi abandonar a cidade que sempre chamei de lar. Com um nó na garganta e a determinação pulsando em minhas veias, despedi-me das minhas duas mães. Não conversamos muito sobre essa decisão, elas simplesmente disseram; “Vai!”. No fundo elas sempre souberam que esse dia chegaria, sempre acompanharam minha angústia por sentido de pertencimento e meus sonhos que eram grandes demais para ficarem ali, naquela cidade que já sentia a tempos que não tinha mais nada para me oferecer.
Embrulhando minhas memórias e sonhos em uma mochila, parti rumo ao desconhecido. O vento sussurrava segredos de oportunidades enquanto eu enfrentava o desafio de encontrar meu próprio caminho. As lágrimas que caíram não eram de fraqueza, mas sim de coragem diante do futuro incerto que se desenrolava diante de mim. Despedi de minhas mães, que ali ficaram com seus corações em suas mãos e não me impediram, pois sabiam o quanto eu desejava aquilo.
Entrei em um ônibus a rumo do desconhecido. A estrada se estendia à minha frente, cada passo me afastando do passado e me aproximando de uma nova vida. Eu estava sozinho pela primeira vez, enfrentando o mundo com uma mistura de ansiedade, excitação e medo.
Meu primeiro destino foi a cidade grande, um lugar pulsante e cheio de vida que contrastava drasticamente com a calmaria da minha cidade que cresci. As luzes brilhantes, os sons incessantes e a multidão de rostos desconhecidos me envolviam em um ritmo alucinante. Eu sabia que ali, naquela imensidão, teria a chance de descobrir quem eu realmente era e o que queria da vida. Não fui com muita grana então precisava conseguir trabalho o mais rápido possível.
Consegui um pequeno emprego em uma livraria, um lugar aconchegante que se tornou meu refúgio naquela imensidão urbana. Cada cliente que entrava trazia consigo uma história, e eu me via cada vez mais fascinado pelas infinitas possibilidades que a vida oferecia. Minha paixão pelos livros se intensificou de tal forma que a única coisa que eu enxergava em meu futuro era esse. Livros! Mergulhar em seus mundos não só como um leitor ávido por uma história emocionante, mas de criar as minhas próprias, no entanto esse sonho precisou ser engavetado para mais tarde.
À medida que os dias se transformavam em semanas, comecei a criar raízes nesse novo mundo. Eu amava aquilo, mas mesmo rodeado por novos amigos e experiências, uma parte de mim ainda sentia falta do conforto do lar, das risadas, até das brigas, que por vezes se tornavam a razão de eu querer deixar meu lar. Eu sabia, no entanto, que essa jornada era necessária, não só para encontrar meu lugar no mundo, mas também para me autodescobrir, saber quem eu era de verdade.
II - Obstáculos
Os primeiros meses na cidade grande foram uma montanha-russa de emoções e experiências. No entanto, a dura realidade logo se instalou. Enfrentei a instabilidade do emprego e a incerteza financeira. O custo de vida era muito alto e eu também queria sair, conhecer lugares, fazer parte do mundo que rodeava aquelas pessoas, e isso custava caro. As coisas foram acontecendo, perdi meu trabalho na livraria, minhas mães passavam por dificuldades e voltar seria como levar elas mais uma preocupação e, apesar dos esforços incessantes, novas oportunidades pareciam escassas. Eu havia prometido para mim mesmo que não voltaria, e eu faria o que fosse preciso.
A vida que antes brilhava com promessas de aventura e descoberta, agora se mostrava implacável e desafiadora. Cada dia tornava-se uma luta para sobreviver, e a saudade de casa começava a pesar mais no meu coração. Foi então que ouvi falar de uma cidade, não muito distante, conhecida por sua comunidade acolhedora e oportunidades de emprego mais estáveis. Com pouco a perder e muito a ganhar, decidi que era hora de mais uma mudança.
Com esperanças renovadas, arrumei minhas coisas e segui para essa nova cidade. A jornada foi uma mistura de medo e esperança. Eu estava determinado a fazer dar certo desta vez, a aprender com os erros, e a construir algum futuro.
Ao chegar, senti uma atmosfera um pouco diferente. As ruas eram mais tranquilas, as pessoas mais amigáveis e o ritmo de vida mais calmo, mesmo sendo ainda uma cidade grande. Eu tinha grana para apenas um mês, consegui alugar um quarto em uma pensão e comecei a procurar trabalho, ansioso para dar os primeiros passos nesta nova fase.
III - Desilusões
A nova cidade, inicialmente um farol de esperança, rapidamente revelou um novo conjunto de desafios. Conseguir um emprego foi um alívio inicial, mas as coisas começaram a tomar um rumo inesperado. No trabalho, me deparei com uma realidade árdua. O ambiente era tenso, os colegas distantes e as demandas exaustivas. Cada dia se arrastava, desgastando minha energia e entusiasmo. Tentei me adaptar, pensar positivamente, mas as dificuldades pareciam se acumular, uma após a outra.
Fora do trabalho, a vida na cidade também não era como eu esperava. A comunidade, embora amigável à primeira vista, mostrou-se fechada e resistente a novatos. A solidão, que eu esperava deixar para trás na cidade grande, me seguia como uma sombra persistente. Os problemas se intensificaram, e cada novo desafio começou a pesar sobre mim. O que pensei que seria um recomeço promissor transformou-se em uma série de desapontamentos. Fui assaltado voltando de uma festa, dias depois a pensão em que morava foi invadida, arrumei um relacionamento que só me trouxe desgosto, pessoas que eu pensava serem amigas, me passaram para trás e a esperança deu lugar à frustração e ao desencanto.
Finalmente, após meses de luta e desilusão, tomei a decisão de partir. A cidade que eu acreditava ser a resposta para os meus problemas não era mais do que um espelho das dificuldades que eu já enfrentara. Com um coração pesado e a mente turbulenta, comecei a planejar meu próximo passo, questionando para onde eu deveria ir e o que deveria fazer a seguir. O sentimento de ser um completo fracasso veio à toma mais do que nunca, mas era hora de fechar este capítulo e começar outro, ainda incerto sobre meu destino. Foram dois anos de luta, e neste meio tempo muitas coisas também aconteceram com minhas mães. Suas vidas eram uma grande história à parte que talvez um dia eu lhes conte. Eu sentia um misto de sentimentos, pois uma parte de mim queria estar com elas, ajudar no que fosse preciso, como um filho faria, mas a outra parte insistia que eu tinha que continuar. Minhas mães mesmo me incentivavam a prosseguir e a não desistir, então de certo modo aquele aliviava um pouco aquele peso de culpa.
IV - Nova tentativa
A decisão de me aproximar da família me veio à mente, então acabei escolhendo uma cidade que mesclava as comodidades urbanas com a proximidade emocional, parecia ser a solução ideal. No entanto, como aprendi ao longo da minha jornada até ali, as aparências muitas vezes enganam.
Ao chegar nesta nova cidade, a sensação de estar mais perto das minhas raízes trouxe um breve conforto. Estabeleci-me, mais uma vez em uma pensão masculina, pois era o que o meu dinheiro podia pagar, consegui um novo emprego e mantive a esperança de que este seria o lugar onde finalmente encontraria paz e estabilidade.
Entretanto, as coisas tomaram um rumo inesperado. O novo trabalho, apesar de inicialmente promissor, revelou-se um inferno e o deixei. Eu me vi mais perdido do que nunca, não conseguia parar em emprego algum. Era um atrás do outro, quando, era um não em cima de outro. Sempre exigindo uma experiência que eu não tinha, sem qualquer abertura para iniciantes. Confesso que em partes a culpa era minha de não conseguir permanecer, eu sempre fui uma pessoa que não conseguia estar em lugares que eu não me sentia bem, lugares em que eu fosse desvalorizado e por mais que eu desse tudo de mim, se não visse um retorno já não queria mais estar ali. Eu não entendia também porque sempre quando uma oportunidade aparecia eu não era o escolhido se eu era um bom funcionário. Quantas ideias eu já dei, quantas coisas eu aperfeiçoei em lugares por onde passei, quantas vezes eu me destaquei, mas nunca o bastante para ter “o meu lugar ali”. Começava a pensar que o problema de fato era eu.
Havia dias que andava o dia todo à procura e nada. Lembro-me de certa vez, que cansado de andar, sentei-me no banco de uma praça e olhava para as copas das árvores e para tudo a minha volta e me via completamente sem rumo, sem saber o que fazer e comecei a chorar, ali mesmo. Eu não queria levar mais problemas para minhas mães, então ficava em silêncio, sem dizer o que estava acontecendo de verdade. Nisso, uma moça passou por mim e me viu chorando, me olhou e perguntou se eu estava bem, pediu se podia sentar-se ao meu lado e eu disse que sim. Contei um pouco do que estava acontecendo, e ela foi gentil e me disse coisas boas, dentre elas uma que guardei em minha mente; \\\"A gente precisa se perder para poder se encontrar, tudo que aconteceu até agora só está definindo quem você se tornará um dia\\\".
Passei dias pensando sobre aquela conversa. Eu já tinha tentado em vários lugares, empregos, e percebi que havia esquecido do que eu realmente queria. Esqueci dos sonhos, esqueci da minha essência. Tentei algumas vezes entrar em universidades, mas eu nunca conseguia dar continuidade devido à falta de condições financeiras, eu fui deixando meus sonhos de lado.
A falta de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal começou a corroer meu bem-estar. A pressão intensificou-se, levando-me a questionar se havia realmente um lugar onde eu pudesse chamar de “meu”. Os desafios, que pareciam distintos em cada cidade, revelavam-se padrões recorrentes em minha busca por um lugar para pertencer.
Aos poucos, o peso das desilusões acumulou-se novamente, e eu me vi diante da difícil decisão de mais uma vez reconsiderar meu destino. A busca por um lugar se transformou em uma jornada espinhosa, e eu ansiava por encontrar um refúgio onde pudesse verdadeiramente encontrar a paz que tanto buscava. Então mais uma vez, eu parti de onde estava.
Em um dos meus últimos empregos nesta cidade, eu fiz uma boa amizade, ela era gerente do lugar, uma mulher formidável e com muitos talentos. Conversávamos sobre muitas coisas, e certa vez eu a questionei, do porquê ela não buscava outras oportunidades, uma melhor, que condizia com sua inteligência e sonhos, porque ali parecia se limitar. E ela com sua simplicidade e jeitinho me falou algo que marcou a minha vida e faço questão de citar aqui com uma marcação de fala:
“- As vezes, a gente insiste em seguir um caminho, e este caminho é o que a gente acha que nasceu para seguir porque faz parte do nosso sonho, mas no percurso, a vida vai te dando pequenos sinais, mostrando coisas em que você também é bom, mas você ignora, porque só tem olhos para o que acha que é o seu destino, só que tem outros meios de você chegar a ele. Eu não quero isso aqui para mim, mas todas as vezes que eu buscava meu sonho, eu acabava caindo nisso, recebendo ofertas para gerenciar algo aqui ou ali, e eu fui perecendo que eu era boa, que sempre se lembravam de mim pelo trabalho bem feito, e quando eu olhei para trás, no meu passado, eu percebi que a vida inteira eu tive essas qualidades me levavam a obter sucesso seja no que eu fizesse. A gente tem que seguir esses sinais, a gente pode se descobrir através deles.”
Sim, eu me lembro de cada palavra. E parei para pensar como a vida coloca pessoas em nosso caminho que fazem nossa visão se expandir, ou trás alento em um momento difícil como foi a moça na praça. E talvez fosse hora de eu olhar para o mundo dentro e fora de mim com outra ótica e logo mais entenderão porque aquelas palavras fizeram tanto sentido.
V - Entre Amor e Sonhos
Decidi dar um tempo daquela vida insana, liguei para minha mãe, e chorando ao telefone eu lhe perguntei:
- Posso voltar mãe? E ela me respondeu:
- Sempre teve um quarto para você.
E o retorno à minha cidade natal trouxe consigo não apenas a redescoberta de mim mesmo, mas também uma maior compreensão da complexidade das relações familiares. Minha mãe, com seu amor incondicional e preocupações constantes, e minha madrasta, com sua aparente indiferença e não aceitação, já que para ela voltar seria como regredir e eu não podia fazer isso. Aquilo formava um mosaico de emoções, mas a única coisa que eu conseguia pensar era de que estava cansado demais para retrucar ou fazer qualquer coisa. Se voltar era regredir, então iria dar um passo para trás.
A preocupação constante de minha mãe pesava em meu coração. Seus olhos refletiam um misto de amor e medo cada vez que mencionava meus planos futuros. Ela temia pelas incertezas que o mundo reservava para mim e sofria antecipadamente por cada desafio que eu pudesse enfrentar. Sua ansiedade era um lembrete do amor profundo que ela sentia, mas também uma cadeia que, às vezes, me impedia de voar livremente.
Minha madrasta, por outro lado, sempre se manteve mais distante, uma presença constante, porém conflitante. Suas atitudes, muitas vezes interpretada como desinteresse, na verdade escondia uma filosofia de vida mais dura e independente, uma crença na importância de cada um trilhar seu próprio caminho, já que passara por muitos infortúnios na vida.
Eu amava minhas mães, cada uma à sua maneira, mas sabia que não podia viver minha vida baseado apenas em suas expectativas e medos. A responsabilidade de escolher meu caminho, com seus erros e acertos, era inteiramente minha.
Assim, com uma mistura de determinação e cautela, decidi que era hora de continuar minha jornada. Eu precisava perseguir minhas próprias aspirações, mesmo que isso significasse enfrentar a incerteza e o risco. Eu queria que minha mãe entendesse que, embora eu valorizasse seu amor e preocupação, eu também precisava viver minha própria história.
Armado com uma nova perspectiva sobre a vida e o amor, preparei-me para partir novamente. Desta vez, porém, levava comigo não apenas sonhos e esperanças, mas também um entendimento mais profundo do equilíbrio entre amar e deixar ir, entre ser amado e ser livre.
Mas dessa vez decidi seguir apenas o meu sonho, eu não sairia dali se não fosse exclusivamente para aquilo. Sendo assim, pesquisei por universidades e programas de bolsas. Eu estava cansado de tentativas que não davam em nada, mas eu precisava, e eu dizia para mim mesmo que se eu não conseguisse daquela vez, eu não ia tentar mais, e ia me conformar com a vida que o destino me desse.
VI - Persistência e Conquistas
Consegui! A bolsa de estudos do governo para estudar Letras foi a luz no fim do túnel, a primeira vitória clara em minha jornada. Com determinação inabalável, mergulhei nos estudos, superando desafios e enfrentando cada obstáculo que se interpunha no caminho do meu sonho tardio. Já eram meados dos meus vinte e sete anos, muitos poderiam considerar tarde para buscar novos horizontes, mas a verdade é que somos movidos por um terrível medo de desperdiçar força e tempo que não vemos que não existe corrida alguma, que daqui quatro ou cinco eu iria ter trinta de qualquer jeito, então por que não ter trinta fazendo algo que gosto? Esse pensamento era o que me movia naquele momento. Eu sabia que a chama da aprendizagem e da realização pessoal não conhece limites temporais. Cada página virada, cada aula frequentada, era um passo em direção ao cumprimento do meu propósito.
Os desafios que surgiram durante esse período foram muitos, que nem cabe contar agora, mas cada obstáculo se tornou uma oportunidade de crescimento. Conciliar estudos com um emprego em um Call-center, que longe estava dos meus ideais, exigiu malabarismos constantes, mas o salário sustentava minhas necessidades básicas, e o horário flexível permitia que eu continuasse focado nos estudos. O ambiente corporativo era impiedoso, repleto de competição, pressão constante, e sentimento de inutilidade me faziam suplicar ao Universo por mais e mais força, eu odiava aquilo com todo o meu ser, mas eu precisava estar ali. Repetia para mim mesmo o tempo todo: “Eu não sou o momento que estou vivendo, estou apenas passando por ele, é um degrau apenas”.
Foram quatro anos de intensa dedicação e perseverança. O diploma finalmente chegou às minhas mãos, não apenas como um pedaço de papel, mas como a prova tangível de que, independentemente do tempo que leva, é possível perseguir e alcançar nossos sonhos.
Olhando para trás, percebi que as dificuldades e compromissos que me forçaram a trabalhar em um ambiente que abominava foram etapas cruciais para meu crescimento. Cada desvio na estrada me ensinou algo valioso, moldando-me para ser a pessoa resiliente que sou. Foi então que as palavras da minha amiga começaram a fazer sentido. Pois tudo que eu menos havia pensado na vida, era em ser professor. Eu só tinha olhos para uma coisa, livros! Mas então, o estágio veio, entrar em uma sala de aula me aterrorizava, mas então eu fu lá e só fui eu mesmo e pela primeira vez em minha vida eu fui apenas eu mesmo e me senti tão à vontade, era mágico, como se eu eles ali fossem um só, como se eu nunca tivesse saído dali mesmo sem antes ter entrado. Comecei a lembrar de todas as vezes que eu ensinei algo a alguém, de quantas e quantas vezes fui colocado na posição de instruir alguém, ensinar algo. Aqueles eram meus sinais, o tempo todo falando comigo.
Assim, com o diploma em mãos, eu me preparava para um novo capítulo. A estrada à frente estava repleta de possibilidades, e eu estava mais do que pronto para explorar cada uma delas, ciente de que a jornada não tinha um destino final, mas sim uma série de descobertas contínuas.
VII - Confronto com a Realidade
Assim que as coisas pareciam se alinhar em minha vida, dois golpes inesperados atingiram-me com força avassaladora. Primeiro, a notícia da doença de minha madrasta, um câncer cruel que a deteriorava lentamente. Depois, a pandemia global que trouxe o mundo inteiro a um impasse, alterando irrevogavelmente a vida como a conhecíamos.
De repente, meus sonhos e objetivos pareciam pequenos diante da magnitude desses eventos. O vírus invisível havia colocado o mundo de joelhos, causando sofrimento e incerteza em uma escala sem precedentes. As ruas vazias, as pessoas isoladas em suas casas, e o medo constante do desconhecido compunham um cenário desolador.
Minha mãe, forte e resiliente, lutava para cuidar de minha madrasta, mas a doença exigia mais do que ela poderia oferecer sozinha. Eu estava diante de uma escolha crucial: continuar perseguindo meus sonhos na esperança de que a pandemia logo passasse ou voltar para casa e ajudar minha família neste momento crítico.
A decisão não foi fácil. Por anos, lutei para construir minha vida, perseguir meus objetivos e estabelecer minha independência. Eu tinha uma casa, gatos, promessas de trabalho e uma certa zona de conforto. No entanto, diante da fragilidade da saúde de minha madrasta e do caos global, percebi que era hora de reavaliar minhas prioridades.
Dei um passo para trás. Escolhi voltar para casa, colocando de lado, temporariamente, meus sonhos e ambições pessoais. Era o momento de estar ao lado da minha família, de oferecer suporte e amor, algo que nenhum diploma ou carreira poderia substituir. A pandemia parecia estar gritando a todos nós sobre a precariedade da vida e a importância de estarmos presentes para aqueles que amamos. Voltei para casa e naqueles longos meses, enquanto o mundo enfrentava a pandemia e eu cuidava de minha madrasta, comecei a ver a vida sob uma nova luz. Cada dia era um lembrete da fragilidade da nossa existência e da força encontrada na união e no amor.
A doença dela progredia, e com ela, as dificuldades aumentavam. No entanto, em meio à dor e ao cansaço, houve momentos de pura conexão e de pedidos de perdão em meio ao sofrimento. As conversas profundas, os sorrisos em meio à dor e a gratidão por cada novo amanhecer tornaram-se preciosidades que eu guardaria para sempre. Vê-la definhando em uma cama, perdendo gradativamente a vida, me fez olhar para ela com uma compaixão que jamais imaginei que fosse ter. Escolhi perdoar o passado, deixar as desavenças que houve, as palavras mal ditas e as ofensas.
Minha mãe, uma rocha de força, estava exausta, mas por alguns instantes não conseguia esconder a felicidade de eu estar ali de volta.
Nesse período, os planos de carreira e os sonhos de um futuro promissor deram lugar a uma realidade mais imediata e crua. O tempo foi passando e a pandemia, estava acabando. Minhas mães não podiam trabalhar e o único jeito seria se eu conseguisse algo para ajudar.
Não muito longe da casa delas havia uma escola, e nela consegui pegar algumas aulas para substituir. Eu jamais vou esquecer da sensação de entrar pela primeira vez em uma sala de aula como um professor de verdade. Eu realmente sentia como se estivesse no lugar cabia a mim. O lugar que eu pertencia.
Através de toda essa jornada de cuidados e sacrifícios, aprendi a resiliência em sua forma mais pura. Essa experiência transformou meu entendimento sobre força e vulnerabilidade, mostrando que, muitas vezes, a verdadeira força reside em enfrentar nossas vulnerabilidades e cuidar dos outros. Por alguns momentos podia até sentir vontade de ficar.
E então minha madrasta parou de sofrer e partiu.
VIII - Novos Caminhos
O falecimento dela trouxe uma mistura complexa de emoções. Por mais doloroso que fosse admitir, seu passamento foi um alívio, não só para nós, mas também para ela, libertando-a de um sofrimento que parecia não ter fim. O vazio deixado por sua partida era palpável, especialmente para minha mãe, que agora enfrentava a solidão sem sua companheira de vida.
Ali, ao lado de minha mãe, percebi o quanto nossa jornada havia nos transformado. Eu, que outrora partira em busca de um destino incerto, agora me encontrava de volta ao ponto de partida, mas com uma maturidade e uma compreensão da vida que só as experiências mais árduas podem ensinar. Nesse turbilhão de sentimentos e reflexões, uma certeza se firmou em meu coração: eu não deixaria minha mãe sozinha. Tinha chegado o momento de retribuir todo o amor e cuidado que ela havia dedicado a mim. No entanto, sabia que precisava me estabelecer profissionalmente para oferecer a ela o conforto e a segurança que merecia.
Foi então que, como se atendendo a um chamado do destino, surgiu uma oportunidade inesperada. Consegui um contrato para dar aulas em uma cidade próxima. E tive a confirmação mais uma vez de como o destino tece suas tramas em linhas tortas. Quando eu dei um passo para trás e voltei, pulei dois à frente conseguindo minha bolsa de estudos, e quando voltei mais uma vez, avancei uns dez à frente, pois conseguir um contrato não havendo nenhuma pontuação para concorrer, realmente é algo mágico e maravilhoso. Foi a chance perfeita para começar a reconstruir minha vida profissional, ao mesmo tempo que permanecia perto de minha mãe.
Fizemos um acordo: eu trabalharia por um ano, economizaria o máximo possível, e depois disso, planejaríamos viver juntos. Era um plano que oferecia esperança e um sentido de direção, algo que tanto precisávamos naquele momento de recomeço.
Os meses seguintes foram um período de readaptação, tanto pessoal quanto profissionalmente. Dar aulas mostrou-se uma experiência enriquecedora, permitindo-me compartilhar o conhecimento que adquiri ao longo dos anos, e ao mesmo tempo, aprender com cada um dos meus alunos. Eu finalmente sentia que havia me encontrado. Essa interação diária trouxe uma nova alegria e propósito para minha vida, mesmo com as inúmeras mazelas na educação e a juventude completamente desestabilizada. Era desafiador.
Enquanto isso, minha mãe começava a se adaptar à sua nova realidade. Embora a perda fosse recente, ela mostrava uma força admirável, encontrando conforto nas pequenas rotinas diárias e no apoio que eu podia oferecer. Nosso plano estava em movimento, e a cada dia que passava, eu sentia que estava, finalmente, no caminho certo. A perspectiva de vivermos juntos trazia um novo brilho aos olhos de minha mãe, e eu me dedicava com afinco para tornar esse sonho uma realidade.
Naquele momento, eu sabia que estava exatamente onde precisava estar, fazendo exatamente o que precisava fazer. Com a promessa de um futuro ao lado de minha mãe, eu seguia em frente, com o coração cheio de esperança e determinação.
IX - Pequenos Sonhos
O ano se passou rapidamente, marcado por conquistas, desafios superados e um plano que estava prestes a se concretizar. A oportunidade de lecionar na mesma cidade onde minha mãe e minha família moravam, o lugar de minha origem que eu tanto detestava, surgia diante de mim. E a decisão de voltar para lá não foi fácil. Eu carregava lembranças dolorosas daquele lugar, mas a perspectiva de estar mais próximo de minha mãe e de proporcionar uma vida melhor para nós dois era mais forte. Era hora de encarar o passado e dar uma chance ao presente.
Com um salário mais estável, pude realizar um sonho que alimentava desde sempre. Levei minha mãe para escolher tudo o que ela quisesse para nossa casa. Cada móvel, aparelho eletrônico e item de decoração foi escolhido com carinho, como se fosse a materialização dos sonhos que ela sempre tivera. Deixei-a livre nas lojas, observando sua felicidade ao selecionar cada detalhe da nossa futura casa. Seus olhos brilhavam como os de uma criança em uma loja de brinquedos, e eu, às vezes, me afastava para esconder as lágrimas de alegria. Deixei que ela montasse a casa do jeitinho que sempre sonhou, mesmo que isso significasse parcelar em dezenas de vezes.
Em meio a mudança, decidi realizar outro sonho de minha mãe: viajar de avião. Então, durante dezessete dias, exploramos vários lugares, em especial o Nordeste, uma região que sempre fora seu desejo conhecer. Cada dia era uma nova descoberta, um sorriso estampado no rosto dela durante todo o percurso. Eu queria dar a ela tudo o que ela sempre desejou. Cada refeição, cada peça de roupa, cada momento especial que pudesse proporcionar alegria. Ver minha mãe desfrutar de cada detalhe pela primeira vez, como uma criança que descobre um mundo de maravilhas, trouxe um sentido renovado à minha jornada. Eu poderia escrever páginas só sobre este momento.
Voltamos de nossas viagens, e a casa que alugamos estava lá, pronta para abrigar nossos futuros sonhos. Ela cuidava de mim como quem cuidava de um bebê, não importasse que eu já tivesse meus trinta e cinco anos. E não importasse o que alguém dissesse, eu e ela sabíamos quanto tempo havíamos esperado por aquele momento. Chegar em casa e sentir o cheiro da sua comida depois de mais de quinze anos longe, sua presença, a tv ligada nas novelas, o barulho das panelas de manhã, sua cantoria, era como se eu nunca tivesse saído dali.
Eu nunca havia imaginado que eu precisaria caminhar tanto, e depois de tudo que passei, que o lugar onde eu me encontraria era o lugar de onde eu saí. E eu percebi algo que levei a vida toda para descobrir; nunca foi o lugar, porque o nosso lar sempre vai ser onde nosso coração está. Onde somos amados genuinamente.
Mas então, a vida, professora implacável e impiedosa me deu o maior golpe que eu poderia sofrer. Levou minha mãe desse mundo.
X – O Mistério da Jornada
Os quatro meses que compartilhamos juntos foram como um breve vislumbre de um sonho que se desvaneceu rápido demais. A casa que construímos com tanto cuidado estava agora silenciosa, cheia apenas da memória dos momentos felizes que compartilhamos. Era uma nova forma de solidão, diferente daquela que enfrentei nos anos anteriores.
De repente, eu me via completamente sozinho, sem nada além da dor e do vazio que a ausência de minha mãe trouxe. Os móveis que escolhemos com tanto carinho agora pareciam testemunhas mudas da felicidade que tínhamos experimentado juntos. A casa, que outrora pulsava com risadas e calor, tornou-se um eco silencioso dos dias que se foram. A realidade da perda pesava sobre mim, um fardo difícil de carregar. Quinze anos de ausências foram substituídos por apenas quatro meses de proximidade. O contraste entre o que foi e o que restou era esmagador.
Nesses momentos de solidão, a casa parecia maior do que nunca, as paredes ecoando não apenas com o silêncio, mas com as lembranças de nossa breve jornada. Cada canto, cada objeto, trazia consigo a marca dos dias felizes que vivi com ela, mas também a crueldade da brevidade dessa felicidade.
O que fazer agora? Eu estava tão perdido, na verdade ainda estou, pois o fim deste relato é justamente o ponto em que me encontro hoje. Faz alguns meses que ela se foi. E estou diante de um vazio existencial, um abismo que parece impossível de preencher.
Me culpei tanto, comecei a questionar, e se eu nunca tivesse saído do lado dela? E se eu tivesse sido mais presente? E se eu não a tivesse abandonado? E se..... Talvez essas perguntas me acompanhem pelo da vida.
Mas, no silêncio, na solidão desses dias, muito tempo me sobrou para refletir. E eu olhava ao céu clamando por um chamado para encontrar um novo significado, uma razão para continuar, mas eu não conseguia ver. Eu ainda tenho alguns sonhos engavetados, como o de me tornar um escritor, publicar livros, viajar pelo mundo, mas mesmo que eu os siga, a única plateia que me importava não está mais aqui. Como aquela mulher torcia por mim, nunca ninguém mais torcerá. Ela vibrava por cada conquista minha, até mais do que eu. É como eu disse antes, é uma solidão diferente agora. Antes eu estava sozinho, mas sabia que de algum modo ela estava lá.
Os próximos passos são incertos, mas a jornada, mesmo nas sombras, ainda está longe de terminar. Resta-me enfrentar a dor, lidar com a perda e descobrir uma maneira de seguir em frente. A casa, antes cheia de promessas, tornou-se agora um reflexo da vida imprevisível, onde a felicidade efêmera e a dor duradoura coexistem de maneiras complexas ao mesmo tempo. O que a vida quer nos ensinar com tudo isso? O que ela tem a me dizer? É no que me pego pensando todo santo dia.
Eu olho a minha frente e não vejo nada. Sei que tenho que continuar, e encontrar um novo propósito em mim. Porque no fim, tudo é sobre nós. Não importa o quão achamos que a vida dos outros devem ser nosso propósito, a verdade é que elas estão trilhando os delas e você não sabe o que o destino reserva para elas. Dizem que devo ser grato, por ter tido a oportunidade de poder dar a minha mãe um pouco do que ela sempre sonhou. E sabe o que é mais irônico nisso tudo? Eu realizei com ela, sonhos que também eram meus, e depois que se concretizaram, todos os que ficou são unicamente meus. Só restaram os meus. Talvez tudo fosse o tempo todo sobre isso. Agora finalmente vou caminhar apenas por mim. Será então isso que preciso aprender?
Até que em uma noite, a confirmação desses questionamentos apareceu. Deitado em nossa rede, olhando as estrelas como sempre fazíamos, me lembrei de algo. De quantas vezes eu pedi ao Universo em minhas orações que nunca deixasse minha mãe partir deste mundo sem que eu pudesse retribuir um pouco do que ela fez por mim, que ela pudesse me ver encaminhado por caminhos bons, sendo alguém de que pudesse me orgulhar, encontrando o meu lugar nesse mundo. Eu pedi muito por isso. Então talvez fosse o destino dela partir cedo e a mim tivesse sido concedido um desejo. Ela viu! Ele deixou com que ela presenciasse e junto me deu o presente de poder retribui o mínimo que fosse, mesmo que eu quisesse mais tempo.
Tempo! Sempre queremos mais um pouco dele e só temos olhos para o que estamos perdendo e nunca para o que ganhamos dele. E eu estou aqui tentando interpretar os desígnios da vida, tentando encontrar uma justificativa, mas a verdade que são só devaneios lançados ao acaso, nunca saberemos os reais motivos. O máximo que podemos fazer, dentro de nós, é buscar um aprendizado sem culpar algo ou alguém.
Sabe, antes de partir eu perguntei a minha mãe:
- O que eu vou fazer sem você?
Ela me olhou, sorriu e disse:
- Continuar fazendo o que sempre fez meu filho, vivendo, superando, buscando seu lugar, buscando ser feliz, eu sempre vou estar com você.
E é o que vou tentar fazer daqui em diante.
É o que todos devemos fazer. Aqui sempre vai estar o grande mistério da jornada e não importa em qual momento da vida você tenha parado, ou o quão se julgue atrasado, não existe corrida alguma, sempre é possível continuar e você sempre terá que redescobrir um novo propósito.
Como amor: Wesley Diniz
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