P/1 – Teresa, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Eu primeiro gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite para essa entrevista. E para a gente começar, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Teresa Cristina Machado Baumotte Alencar. Nasci em Caçapava, São Paulo, no dia quatro de janeiro de 1967.
P/1 – Teresa, fala para a gente o nome dos seus pais.
R – O nome do meu pai é Heinz Marcos Baumotte e da minha mãe é Maria Teresa de Aguiar Machado Baumotte.
P/1 – Fala um pouquinho da origem da sua família. O que você sabe dos seus avôs?
R – Pelo lado do meu pai, nós temos origem alemã. A família do meu avô veio para cá no início do século [passado]. Meu avô já nasceu aqui, no Brasil. Bom, essa é a família do meu avô paterna. A família da minha avó paterna é de Minas Gerais. O meu avô foi estudar lá, fazer faculdade em Minas, conheceu minha avó e casou. O meu avô era engenheiro agrônomo e trabalhou alguns anos em Minas. Meu pai e meus tios nasceram em Minas, mas quando eles tinham oito anos, foram para o Rio [de Janeiro], então, eles foram criados no Rio. A família toda mora no Rio. O lado da minha mãe é de origem portuguesa. Eu não tenho muita informação, mas sei que são de origem portuguesa e são daqui, do estado de São Paulo. Minha avó era de Mogi das Cruzes. O meu avô era da polícia militar e ele foi transferido, foi trabalhar em Caçapava e a minha avó conheceu o meu avô, que era ali da região, casou, e a minha mãe foi criada em Caçapava. Meu pai era do Rio. Fez Agulhas Negras e o primeiro posto dele, depois de terminar a Academia Militar, foi Caçapava. Aí, ele conheceu a minha mãe e eles se casaram. Minha mãe nunca mais morou naquela cidade, em Caçapava. Eles se mudaram e fizeram a vida no Brasil. Eu e meus irmãos nascemos lá, mas só nascemos. Minha mãe voltava para ter os filhos ali, perto da minha avó, mas a gente sempre morava em alguma outra cidade; nunca em Caçapava.
P/1 – Então, seu pai fez carreira militar?
R – Isso.
P/1 – E sua mãe acompanhou a carreira dele?
R – Exatamente. Minha mãe fez magistério, escola normal, mas, por causa do meu pai mudar muito, acabou não tendo uma profissão, enquanto a gente era pequena – eu e minha irmã. Eu tenho uma irmã que é próxima a mim, três anos e meio. Depois de dez anos, a minha mãe teve um temporão. Eu tenho um irmão temporão. Quando a gente era pequena, minha mãe não trabalhou fora, depois, quando teve meu irmão com uma certa idade, ela voltou a trabalhar. Porque enquanto a gente era pequena, a minha mãe estudou. Fez faculdade. Ela não tinha feito antes de casar, porque ela se casou muito nova. Mas depois ela fez a faculdade e, depois, que a gente estava mais velha, já tinha 16, 17 anos, ela voltou a trabalhar na área em que ela tinha feito a faculdade. Minha mãe fez Turismo.
P/1 – Conta pra gente da sua infância. O que você se lembra da sua infância? Quando era bem pequenininha...
R – A minha primeira memória é de quando a gente morava no Rio. Quando eu nasci, a gente morava em Campinas e depois meu pai foi transferido para o Rio. E a minha primeira memória sou eu indo para a escola, a casa em que eu morava – eu devia ter uns três anos. Depois, o nascimento da minha irmã eu lembro muito bem. O dia em que a minha mãe saiu do hospital com ela enrolada, isso eu lembro muito bem! São memórias que eu tenho e eu já tinha três anos e meio para quatro.
P/1 – Como era para você essa vida de mudar? Em quais cidades você morou? Como é que era para você?
R – Isso foi muito natural, porque sempre foi assim. Para mim não tinha esse problema “Ah, eu morei cinco, seis anos aqui, como é que vou me adaptar em outra cidade?” Para mim não tinha isso! Eu morei um ano em Campinas, depois eu fui para o Rio e morei mais três anos, depois eu fui para outra cidade, depois eu fui para outra cidade... Eu morava dois, três anos em cada cidade e isso, para mim, era normal, eu sabia que ia acontecer, que logo em breve eu iria mudar de novo. Foi tão assim natural, que pra minha irmã e eu já havíamos nos acostumado a viver desse jeito. E meu pai sempre tentou ficar nesse eixo Rio-São Paulo, que era onde tinha a família. Mas a gente mudou para longe também. Nós moramos em Manaus, e também foi bom. Nunca tive problema de me adaptar em outros lugares e em novos colégios, novos amigos, novos tudo... Para mim não teve problema.
P/1 – Então, conta como é que foi? Manaus foi mais diferente... O que havia de lá que você se lembra?
R – Manaus foi ótimo! Para mim foi o melhor lugar em que eu morei! Foi maravilhoso! Um povo ótimo, super-receptivo! Um povo aberto, amigo! Como a gente saiu do Rio de Janeiro, que naquela época, 1979, já tinha assalto, já tinham essas coisas e fomos para Manaus, que era uma cidade, apesar de ser capital, era ainda bem interior. A gente andava sozinha na rua, ia para a escola sozinha, a pé, ia para onde a gente quisesse, muito livre! E moramos no Centro da cidade, na época não tinha casa na Vila Militar, então, a gente foi morar fora da Vila Militar, no Centro. Porque quando você mora na Vila Militar, você tem outros militares de outras regiões ou da mesma cidade que a sua. Quando a gente morou no Centro, a gente foi morar junto com o pessoal de lá mesmo. Não tinha ninguém de fora de Manaus. A gente fez amigos de Manaus mesmo, da cidade. E foi ótimo! Eu adorei morar lá, apesar do calor, apesar da falta de tudo naquela época... Não tinha o que comprar para comer direito: verdura, fruta, isso era muito difícil comprar naquela época. Mas a gente era criança, a gente não tinha essa preocupação que a minha mãe tinha de ficar buscando alimento e coisa para não faltar. Para a gente era só festa!
P/1 – E fora Manaus, que outra cidade marcou pela quantidade de tempo que você morou...
R -... O Rio foi o lugar que a gente morou mais. Ainda na adolescência. Depois, eu me mudei para Brasília, com 16 anos. Morei lá até me casar. Há 12 anos que eu mudei para Campinas. Morei mais em Brasília, mas o Rio foi bem marcante, porque a gente tinha parentes: tios, primos e essa convivência com a família era muito boa.
P/1 – Teresa, qual era a sua brincadeira favorita na sua meninice? Do que você gostava de brincar?
R – Eu não assistia à televisão. Eu não gostava de televisão de jeito nenhum. Eu tinha horror quando alguém ligava a televisão. Eu gostava de brincar muito na rua, eu gostava de subir em árvore, eu gostava de andar de patins e de andar de bicicleta. Eu estava sempre machucada, sempre ralada, sempre era uma casca que saía por outra, que saía por outra... Minha mãe tinha que me levar na farmácia para fazer curativo, porque ela já não vencia fazer curativo no meu joelho. Então, sempre muito de rua, de brincar... Depois, na adolescência, era de jogar vôlei, a gente botava a rede na rua e os carros passavam por baixo. Eles diminuíam e passavam por baixo – a gente morava no Rio. Muito de rua, muito de ficar fora de casa.
P/1 – E nessa sua meninice o que você queria ser quando crescesse?
R – Eu sempre brinco que eu queria ser mãe (riso). Eu nunca tive nada de falar assim: “Ah, eu quero ser dentista, engenheira.” Não. Eu sempre me imaginava dona de casa, mas não no sentido de dona de casa, mas de ser mãe.
P/1 – Quando você falou das suas primeiras lembranças, elas foram da escola. Como foi para você começar a ir para a escola?
R – Eu fui para a escola com três anos, apesar de ser filha única na época – quando eu fui eu ainda não tinha a minha irmã. Minha mãe me colocou com três anos. Escola para mim nunca foi assim: “Ah, eu não gosto de ir para escola”. Eu gostava de ir para a escola, eu sempre gostei de ir para a escola. Não era a melhor aluna, aquela que só tira dez, mas também nunca repeti de ano; fiquei de recuperação algumas vezes, mas eu me acho uma aluna aplicada, não exemplar.
P/1 – E teve uma escola que a tenha marcado? Um professor? Nessas mudanças todas...
R – Como eu falei, meu pai sempre ficava no eixo Rio-São Paulo, então, quando a gente voltava para o Rio, a gente voltava para a mesma escola. Estudamos durante muitos anos na mesma escola e moramos no mesmo apartamento. Em um apartamento nosso, não na Vila, também. Quando a gente ficava fora, [o apartamento] ficava alugado e, quando a gente voltava, era nosso. E era perto da casa da minha avó, dos meus tios... E a gente estudava na escola que era do lado. Essa escola foi bem marcante para gente, tanto para mim quanto para a minha irmã, que estudamos lá muitos anos.
P/1 – E o que significava para você ser a mais velha? Ver a chegada da sua irmã e, depois de algum tempo, do irmãozinho?
R – Para mim, não tinha nada muito especial. Eu tinha que tomar conta dela e eu me sentia nessa obrigação de... Eu sempre fui muito grande, muito alta para a minha idade, e a minha irmã sempre foi muito pequena, muito baixinha, muito miudinha. Então, a nossa diferença, apesar de ser de três anos, parecia seis anos, enorme! Eu sempre tive preocupação de que ninguém batesse nela. Minha mãe deixava a gente na porta da escola e não entrava com a gente “Se vira.” “Tem que aprender” Eu ia até a sala dela para ver se ela estava entrando. Eu tinha a preocupação de que estivesse tudo bem com ela. Quando veio meu irmão, eu tinha 13 anos quando ele nasceu. É muita diferença, fui quase que mãe dele. Ele se casou recentemente e eu falo que eu sou quase vó da criança, porque a diferença é muito grande. É meu irmão e tudo, mas o vínculo que eu tenho com ele é muito mais materno que fraterno, de irmão.
P/1 – Conta como foi a sua decisão de ir para Brasília, como foi o período dos 16 anos...
R –... O meu pai foi transferido para lá, então, de novo não existe opção. A gente é transferida, é transferida. E foi. E foi ótimo mudar para Brasília. Foi muito bom para a família inteira, tanto para o meu pai quanto para a minha mãe. Hoje, Brasília já tem trânsito – ainda que não se compare com o trânsito que a gente tem, hoje você ainda vai para casa almoçar - mas, naquela época, imagina! Em 1983, eram muito fáceis as coisas, muito organizada, ainda são. Gosto muito de lá. E a gente mudou para lá e eu terminei o segundo grau, minha adolescência foi toda lá, de sair, os amigos todos ficaram lá.
P/1 – E conta o que você gostava de fazer na sua adolescência, com os amigos em Brasília.
R – Ia muito para o clube. Brasília era muito de clube, então, a gente ia. Havia o Clube do Exército que a gente ia, as quadras, as superquadras em Brasília eram muito assim: “Essa quadra é do Exército.” “Essa é da Aeronáutica.” “Aquela ali é do Ministério de não sei das quantas.” Era muito setorizado. Na época do Collor venderam os apartamentos funcionais, mas os militares ainda têm os apartamentos funcionais, que são as Vilas Militares. Era assim: nas superquadras há uma entrada só, nós ficávamos na entrada/saída e pegávamos carona, porque quem dava carona para a gente ir para o clube era conhecido do meu pai ou mãe de algum amigo. A gente andava muito de carona. Ia muito para o clube durante o dia e, à noite, tinha a boate do Clube do Exército, então, andava junto com as pessoas que moravam ali e faziam as mesmas coisas.
P/1 – Vocês tinham alguma tradição familiar? Algum momento de ficar junto ou algum evento comemorativo que sempre se fez questão de manter?
R – Enquanto o meu avô materno era vivo, ele fazia questão de juntar todo mundo no Ano Novo. No Ano Novo a gente sempre passava em Caçapava, na casa dos meus avós ou na fazenda do meu tio. O Natal, enquanto a gente era criança, a gente sempre passava com o meu avô paterno, no Rio, mas isso foi até uns 12, 13 anos, depois não teve mais. Meu avô ficou doente e, aí, a gente não fez mais. A mesma coisa do lado da minha mãe, enquanto o meu avô tinha saúde a gente fez isso, mas depois se perdeu no tempo.
P/1 – E em casa, no núcleo menor, havia algum costume de sempre jantar junto ou café?
R – Sim. Jantávamos juntos todos os dias, todos os dias. E jantava, não era lanche. Na minha casa era jantar. Tinha uma regra, minha mãe nunca falou hora para subir, mas ela falava assim: “Começou a escurecer, tem que subir. E se não subir vai ficar de castigo, vai perder não sei quantos minutos do dia seguinte.” A gente subia, tomava banho e jantava. Não tinha hora do jantar, mas tinha isso: “Começou a escurecer, tem que subir.” Era a hora de tomar banho e ir jantar. Já até sabia! E o jantar era com todo mundo junto. Na hora do almoço não, porque meu pai trabalhava. Ele ficava o dia inteiro no quartel, então, não almoçava. Almoçávamos minha mãe, minha irmã e eu. À noite, não, era todo mundo.
P/1 – Conta para a gente como é que foi esse período do fim da adolescência, terminando quase a escola... O que foi acontecendo com você nesse período?
R – Pois é. Quando eu tinha 15 anos, eu fui fazer intercâmbio. Eu fui a primeira da minha família a fazer intercâmbio, de todos os primos, ninguém tinha feito intercâmbio e eu fui fazer. Então, para os meus pais era algo novo também: o intercâmbio, quando mandar, e eu fui com 15 anos. Eu fui a única a ir com 15 anos. Depois, eu mesma quando voltei, falei que não vale à pena, é melhor ir mais velha, eu fui muito nova. Quando eu era criança, eu tinha uns três anos mais ou menos, meu pai foi na casa de uns amigos, e eles estavam mandando a filha de intercâmbio. Meu pai e minha mãe “a gente vai mandar a nossa também”. Eles tinham isso que eles iam mandar. E eu fui com 15 anos. Quando eu voltei do intercâmbio, meus pais estavam morando em Brasília. Para mim foi muito difícil esse pedaço, porque eu morava no Rio, os meus amigos do intercâmbio eram do Rio, meu núcleo de amigos era do Rio, eu passei um ano fora e quando voltei, voltei para uma cidade nova! E no meu intercâmbio, ainda teve uma mudança de família. Então, em um período de dois anos, eu morei em quatro lugares diferentes, quatro escolas diferentes e os núcleos de amigos todos diferentes. Isso, para mim, foi bem complicado. Eu voltar e não voltar para a minha casa, voltar para uma outra casa. Dos 15 aos 17 anos foi um período de muita modificação para mim, de muita mudança: mudar de casa, mudar de país, um amadurecimento muito grande em um período até precoce para uma adolescente.
P/1 – E como foi que você ficou sabendo da possibilidade do intercâmbio? Foram mais teus pais que te motivaram...
R – Foram mais meus pais. Esse negócio de quando eles viram a pessoa lá atrás e falaram “A gente vai mandar”. Eles começaram a procurar, eles não sabiam... Eles não tinham referência de quando mandar. Quando eu estava terminando a oitava série e entrando no primeiro ano, eles falaram: “Acho que é agora que tem que mandar”. E a gente começou a procurar instituições/empresas que enviassem. Eu não fui pelo AFS, eu fui por outra empresa. Encontramos uma que o pessoal falou que era boa e tudo, e eu fui. Eles não tinham referência nem de onde, nem do quê, nem como. E eu por ter sido a primeira, meu primo, depois, também foi por outra empresa que não a que eu fui, mas foi por outra. Nós fomos os primeiros e nós fomos muito novos. Os que vieram depois já foram com mais idade, com 17 anos, já terminando o segundo grau. Isso de ter ido no primeiro ano e voltado para concluir o segundo grau é que foi muito difícil, eu perdi muita matéria, para mim foi bem complicado.
R – E como foi para você esse momento de ir viajar, já que era uma vontade dos seus pais...
P/1-... Mas eu queria também. Muito! Eu ajudei a procurar, eu lembro que tinha que fazer, eu estudei inglês desde os 11 anos. Eu tive que fazer teste. Aliás, eu fui com 15, mas com 14, a minha mãe pensou em me mandar por três meses e a própria pessoa do intercâmbio falou “Ah, ele é muito nova para ir! Espera mais um pouquinho.” Esperaram-se os 15, pois já achou que era super madura para ir.
P/1 – E como foi arrumar a mala? Para que lugar você foi?
R – Nossa! O meu intercâmbio foi uma coisa! Foi ano de Copa [do Mundo], então, as aulas terminaram antes, em junho, e voltaram em julho. Como eu ia viajar, eu não voltei, então, eu fiquei muito tempo em casa, naquela expectativa de ir e arrumando as coisas. Eu fui em 1982, não tinha internet, não tinha nada. A gente numerava carta, dinheiro para levar... Era difícil ir ao banco mandar dinheiro, então, a minha mãe tinha que ver todas essas coisas... Roupa, a gente não sabia o que mandava, então, mandava tudo, porque a gente não sabia se... Tinha gente que falava “Não manda, porque engorda e aí vai perder toda roupa.” Fizemos um enxoval! Era como se fosse fazer um enxoval para a viagem. E é verdade, depois eu falei: “não compra nada, porque você engorda”. Perde tudo. Metade do que eu levei não serviu mais.
P/1 – E para onde você foi?
R – Eu fui muito nova e quando você preenche os papéis, você coloca o que você vai querer, o que você espera da família e eu “não quero gato, não quero cachorro, não quero isso, eu não quero, eu não quero...” Então, foi super difícil arranjar família para mim. Depois, com o tempo, eu falava para os meninos – eu orientava os meninos que estavam indo – eu falava “gente, coloca eu tenho preferência e não, eu não quero”. Você está indo para outro lugar e você tem que tentar se adaptar ao novo também. “Ah, eu quero que seja uma família católica, eu não quero que seja uma família assim”. Eu botei um monte de restrição que quase eles não arrumaram ninguém para mim. A minha família chegou na última semana. Carta não dava tempo de chegar, informação, telefone era caríssimo. Na minha casa ninguém falava inglês super mega bem para falar alguma coisa, além de ser muito caro. Eu fui e, quando eu cheguei lá, a minha família era negra. Isso foi um choque para toda a minha família aqui e para mim também. Você está saindo de uma casa com seu pai, sua mãe... Naquela época não existia informação, a preparação de que você pode cair em uma casa de um pai ou só de uma mãe ou de pessoas mais velhas ou de negros. E eu caí em uma casa de negros, de uma família de negros, em um bairro de negros e em uma escola de negros. Só tinha eu de pele parda e a minha família foi me apresentar no bairro para que ninguém me maltratasse. Olha o choque! Se eu falasse para a minha mãe na época... Minha mãe daqui queria que eu saísse da casa de lá. E a pessoa do intercâmbio falava assim “Ela só vai sair se ela pedir.” Mas eu não queria sair, para mim estava bom, eu gostava deles. Mas minha mãe viu riscos, então, quando você tem uma filha de 15 anos, morando em outro país, onde você escuta que a família apresentou para o bairro “Olha, essa aqui faz intercâmbio, ela vai ficar andando aqui, no bairro, viu?” Para ninguém te agredir. Imagina a minha mãe aqui, como ela ficou? E eles se acostumaram comigo e o colégio também. E eu acabei mudando de família, mas não por esse fato, foi porque a família entrou em um período de divórcio e tinha muita briga dentro de casa, e aí eu pedi para trocar. E, para mim, foi terrível, porque eu adorava os meus irmãos, da casa, eu me apeguei bastante, havia um pequenininho, eram cinco filhos... Tinha desde três anos até de 18. Era muito gostoso estar lá, mas para eles estava sendo um sofrimento, muito ruim, e aquele ano era o meu ano de intercâmbio, e eu não achava que eu precisava passar por essa situação. E aí eu morei em uma cidade grande, porque geralmente você vai morar em uma cidade pequena, e eu fui morar em Kansas City, que era uma cidade de médio porte dos Estados Unidos. Uma cidade com cinema, com shopping já. A minha mãe, naquela casa, ela trabalhava na HBO [Televisão a cabo e satélite Home Box Office] em 1982. Você pensa! O que era uma televisão a cabo! A gente jamais aqui, no Brasil, conhecia televisão a cabo e a minha mãe trabalhava na televisão a cabo. A gente tinha televisão a cabo em casa, então, era muito diferente. Eu fui para um lugar diferente, para um país diferente e para uma comunidade em que eu nunca imaginei morar. E eu adorei! Eu mudei de lá por conta do divórcio deles, eles se separaram mesmo. Para ela foi um período muito difícil depois e não dava para eu continuar. Aí eu mudei para o oposto, fui morar em uma cidade de 8 mil habitantes – saí de uma cidade de 25 mil para uma de 8 mil – para uma típica família americana, bem no interior, em uma casa que era também com cinco filhos, mas eram todos já adultos e casados. Eles tinham uma filha temporã, que tinha a minha idade. Só tinha ela em casa, então, éramos eu e ela em casa e o casal, que já era mais velho, já tinha neto e tudo. Eu morei os outros sete meses nessa casa. Foi muito bom também! Essa família eu tenho contato até hoje e com a minha primeira família eu não tenho contato mais.
P/1 – E como foi tudo isso para você, ainda lá mudar de realidade, mudar de cidade?
R – Foi muito difícil! Foi muito complicado, muito complicado. Era aquele quero e não quero, vou ou não vou, por que eu não fico aqui? Poxa! Eles estão passando por isso, por que eu não posso passar também? Ainda, eu tive uma pessoa do intercâmbio muito maldosa que falou: “Se você não ficar aí, você vai ser mandada embora!” A maturidade para não esmorecer e falar que eu não vou ser mandada embora nada, eu vou ficar aqui e vou mudar de família, porque eu não estou pedindo nada extraordinário. E eu tenho muito claro o que eu estou pedindo. Aí eu pedi socorro aqui, porque era muito difícil eu pedir ajuda para os meus pais, aqui. Eu já sabia que eles tinham preocupação demais. Mas, aí, eu falei: “Mãe, está acontecendo isso, eu pedi, mas parece que o negócio não está andando. Ela não está fazendo força para arrumar outra família. O negócio aqui está ficando feio.” Aí, a minha mãe daqui... Daí o negócio andou, em duas semanas arrumaram essa outra família, em outra região. Mudei de região, mudei de escola, mudei de tudo! Tudo, tudo, tudo! Foi como se eu tivesse tido dois intercâmbios.
P/1 – Essa segunda família era de onde?
R – Era do mesmo estado, no Missouri, mas bem no sul, quase no Tennessee. Eu cheguei pelo Aeroporto de Memphis, no Tennessee. Eu saí de Kansas City para Memphis. Eles foram me pegar lá, são duas horas de carro até a cidade.
P/1 – E como foi a volta daí? Desarrumar as coisas naquela casa...
R – É muito... É horrível (emoção), porque você não sabe quando você vai voltar. Porque da sua casa, quando você se despede, você sabe que dali a 11 meses, um ano você está de volta e, dessa família você não sabe quando você vai ver. Foi a mesma coisa quando eu saí de Kansas City para lá. Eu nunca mais vi. Eu me despedi para sempre. Tchau, tchau, não é até logo, é para sempre. Nessa outra família eu fiquei mais tempo, então, quando você se despede... E eu passei Natal, eu passei o meu aniversário... Todas as datas comemorativas eu passei na segunda família. E a minha mãe americana falava assim: “Ah, eu vou arrumar um visto para você. Você não vai embora. Eu vou ligar para a sua mãe e não vou deixar você ir embora. Você vai ficar aqui!” Imagina! Eu tinha que vir embora, apesar de ter esse sentimento de não querer voltar. É muito ruim, é muito doloroso. Acho que eu chorei uns dois dias, voltei com os olhos mais inchados do que quando eu fui. Quando eu fui, eu só chorei quando eu abracei a minha mãe. Eu estava tão feliz quando eu estava indo, que só na hora em que eu abracei a minha mãe, que eu chorei. E não chorei mais nada. Chorei ali e passou. Na volta eu chorei dois dias por conta desse sentimento de “quando eu vou ver essas pessoas de novo?” “Não sei quando eu vou ver.” Eu vi, mas eu não sabia. Teve gente que era vizinho, criança que eu ajudei a cuidar, fazer baby-sitter, esses eu nunca mais vi. Eu vi a minha família, mas nem todos os amigos eu vi mais. É ruim deixar um lugar pensando ou sabendo que há grande chance de você não mais voltar.
P/1 – E o que você diria que você trouxe de bagagem dessa experiência toda? O que ficou de aprendizado? De memória? De mudança?
R – Para mim o que ficou foi um amadurecimento de me virar sozinha, de enfrentar problemas tão difíceis até para a minha idade na época, que eu consigo... Claro que sozinha eu não vou conseguir nada, eu preciso de ajuda de pessoas, tanto é que eu tive de pedir a ajuda da minha mãe, mas eu soube contornar essas coisas. Aprender a lidar com dinheiro sozinha; fiquei um ano gerenciando o meu dinheiro; viver em outra comunidade que não é a sua e que tem outras regras, e você tem que se adaptar a essas outras regras. Como eu sempre mudei muito, a mudança não foi muito diferente. Eu vejo os meus filhos hoje e meu filho nunca mudou de escola; o meu filho mais velho morou a vida inteira em Brasília... Eu não, eu sempre mudei, essa mudança não era “Ah, estou mudando...” Agora, morar sozinha, arcar com as minhas responsabilidades, com os meus erros, as minhas coisas; isso eu achei que foi muito importante.
P/1 – Desse período de intercâmbio, de troca intensa, conta uma atividade que você gostou muito de fazer ou algum momento que ficou marcante.
R – O intercâmbio que eu fiz, tinha – não sei se ainda tem - uma viagem por 20 dias para a Costa Oeste. Nós fomos até Mount Rushmore, fizemos Yellowstone National Park, com todos os intercambistas. Isso foi muito legal de se fazer no final do Programa. E a gente encontra gente do mundo inteiro e está passeando todo mundo junto, todo mundo já falava inglês super bem, então, todo mundo já bem local, vamos dizer. Foi muito legal! E na casa da minha segunda família, passava o Rio Mississippi, margeava a minha cidade. Eles tinham um barco e a gente ia sempre pescar. Era legal porque ia todo mundo pescar. Eu não gosto de pescar, eu ia só pela bagunça, entendeu? E a gente andava de barco... Era bem legal!
P/1 – Daí você contou que foi para Brasília e foi um período intenso, de grandes adaptações. Conta como você superou tudo isso, como foi terminar a escola...
R – Muitas adaptações. Quando eu voltei, eu queria receber estudante de intercâmbio e o meu intercâmbio não fazia, foi aí que eu conheci o AFS. A gente descobriu que o AFS recebia estudantes, eu cheguei no meio do ano de 1983 e nisso a gente já começou a procurar e nós recebemos a Hellen, da Austrália, em 1984. Ou seja, no meio de um monte de mudança, eu ainda recebi mais uma irmã dentro de casa (riso). Eu falo que a minha irmã americana tinha ciúmes de mim e eu falava “Que absurdo! Por que ela tem ciúmes de mim?” E eu morri de ciúmes da Hellen, quando ela chegou em minha casa. De ter que dividi-la e ela era bem próxima de idade, mais até que a minha irmã. E minha mãe falava assim: “Mas você falava tanto da sua irmã e você está fazendo a mesma coisa com ela. Isso não se faz. Ela está aqui e você quem quis trazê-la e está fazendo tudo isso...” A pobre sofreu na minha mão, os primeiros meses dela foram bem difíceis lá em casa. Quando eu me formei, eu formei junto com a Hellen. Nós nos formamos juntas.
P/1 – Como foi esse período? Seus pais aceitaram a Hellen...
R - Muito bem! A Hellen era um doce. Nossa, coitada dela! A Hellen era uma gracinha. Hoje, passados todos esses anos, ela foi muito boazinha. A praga era eu mesma (risos).
P/1 – O que você se lembra de que você fazia?
R – Ela não tinha amigos, mas eu queria que ela tivesse os amigos dela e eu não a deixava sair comigo. Eu ficava com raiva de ter que carregá-la para os lugares comigo. E a minha mãe falava: “Mas foi você quem pediu para ela vir. Se você não apresentá-la para as pessoas ela não vai ter amigo.” Mas eu ficava com raiva de ter que levá-la junto comigo e os meus amigos quererem falar com ela e não comigo! E era justamente o que a minha irmã americana, quando eu estava lá, fazia comigo. Ela falava: “Não quero.” Me deixava em casa, não me levava, porque tinha ciúmes de mim, na escola, com os amigos, porque eu era a novidade! E foi a mesma coisa com ela. Depois, melhorou. Ela acabou fazendo um núcleo de amigos dela, diferente dos meus. Eu tinha os meus e ela tinha os dela, então, ela saía com os amigos dela. E mais pra frente, os meus amigos ficaram amigos dos amigos dela. É tudo uma questão de adaptação. E nós saíamos todo mundo junto para o mesmo lugar, eu com ela, entendeu? Não sei se fui eu que aceitei ou as coisas se assentaram e se acomodaram e a gente passou a ser irmã: andar juntas, fazer tudo juntas. Mas eu não fazia isso só com a Hellen, eu fazia com a minha irmã menor também. Eu era muito difícil. Era de excluir, “não quero”. Nessa fase da adolescência, eu: “Se eu não tenho que levar a minha irmã junto, porque eu tenho que levá-la também”. Então, não era só com a Hellen. Mas a Hellen não tinha amigos e minha irmã tinha.
P/1 – E como foi depois desse contato com o AFS? De receber a Hellen...
R – Aí a Hellen foi embora. Eu fiz 18 [anos] e a Hellen foi embora. Logo em seguida, eu me casei. Eu fiquei grávida e me casei. E aí o meu mundo foi um mundo à parte nesse tempo que eu fiquei casada – meu primeiro casamento - que eu tive o meu filho, aí, eu fui ser mãe... Eu me afastei totalmente do AFS. Eu trabalhava, eu curtia a minha casa, meu marido, as minhas coisas, cuidando de filho. O meu pai foi transferido para os Estados Unidos, os meus irmãos foram com ele e eu fiquei porque já estava casada. Teve esse tempo da minha vida, dos 19 até os 26 anos, que eu fiquei em um mundo meu. Casada, eu não fiz nenhuma atividade, eu não fiz nada. Aí eu me separei. O meu irmão é temporão e, quando eu me separei, ele estava na idade de fazer intercâmbio e a minha mãe “Não, vamos procurar um intercâmbio para ele. Tem que procurar. Eu quero que ele faça pelo AFS, porque o suporte que a Hellen teve...” Porque a gente tinha noção do intercâmbio bom ou bem assessorado pelo AFS pelo suporte que a Hellen teve, quando ela estava no Brasil. E a minha história quando eu estava fora, né? Então, minha mãe pesando os dois falou: “Eu quero mandar o João Paulo pelo AFS.” Porque o AFS dava orientação, que eu não tive, o suporte que a Hellen teve. Então, começamos a procurar e a gente não achava. No final conseguimos um nome, daí ligamos e disseram que ia ter uma reunião. Nesse fim de semana, a minha mãe estava viajando e eu era a mais velha. Ela falou: “Olha, eu vou estar viajando com seu pai esse fim de semana, mas vai ter a reunião lá no intercâmbio, eu quero que você vá para ver como é que faz a inscrição do João Paulo, porque ele tem que ir e a gente precisa ver como é o processo.” Então, na primeira reunião, quem acabou indo fui eu. E na reunião falaram: “A gente está precisando de Conselheiro para os estudantes que estão chegando, a gente está sem Conselheiro. Quem quer?” Aí, eu [aceitei]. Era um outro momento da minha vida que estava começando. Eu acho que se isso tivesse acontecido no momento em que eu estivesse casada, eu não sei se eu teria me envolvido com o AFS como eu me envolvi.
P/1 – Antes da gente falar desse momento, conta um pouco mais desse seu primeiro período de casada, como foi esse casamento, essa experiência ao ser mãe...
R – Então, eu fiquei grávida aos 18 anos e não me casei. Tive o meu filho na casa da minha mãe, e continuei namorando. Bom, vamos voltar um pouquinho... Quando eu fiz 18 anos, eu terminei a escola e, muito rebelde, eu falei: “Não quero fazer faculdade! Não quero. Não preciso. Não sei o que eu quero ainda, então, não quero fazer.” Meu pai: “Aqui em casa, sem fazer nada, você não vai ficar. Você vai trabalhar.” Arrumei trabalho na Varig. Nossa, na Varig! No aeroporto! Nossa, tudo de bom! Tinha passagem, podia viajar, não sei o quê... Eu trabalhava na Varig e só, não estudava, não fazia nada. Ah, estudava, fazia línguas. Estudava alemão e italiano, e era o que eu fazia. Aí, comecei a namorar e fiquei grávida do meu namorado. “Não vamos casar” e continuei com o meu namorado. Eu continuei trabalhando e ele também. Ele trabalhava no mesmo lugar. Meu pai foi transferido para os Estados Unidos, e aí? Eu não queria ir, porque estava namorando, tinha um filho, e meu pai ia embora, aí, a gente casou. Claro que eu queria casar, mas eu não sabia se queria casar naquela época, mas acabei querendo casar naquela época, por conta da mudança do meu pai. Claro! Meu pai não tem nada a ver com isso, mas se não tivesse tido uma transferência, eu não sei se eu teria tido um casamento. Eu me casei, eu tinha 19 anos. Fui morar sozinha em um apartamento com o meu marido. Ele também era novinho, tinha 21. Eu acho que nós ficamos casados bastante tempo para a idade que tínhamos. Todos os dois muito imaturos com tudo. Éramos casados, mas não um casal que pensava junto em um futuro: formar isso, ter isso, construir uma família, vamos fazer desse jeito, não. A gente vivia a vida, era um dia após o outro. Se você pensar em um adolescente de 19, 20 anos e [perguntar] o que ele pensa de muito futuro, ele não pensa. E o meu casamento nunca foi sólido, muito legal, muito bacana, não. “Ah, tá certo... Vamos continuar. Vamos tentar...” Mas quando você vai amadurecendo, você vai vendo que não é bem aquilo, que aquilo não vai dar certo, por mais que você goste da pessoa. Então, eu tinha a minha casa. A minha mãe voltou para o Brasil e eu ainda estava casada, e continuei casada ainda um tempo. A minha mãe tinha a casa dele, eu tinha a minha, eu trabalhava, fazia as coisas. A minha sogra também morava em Brasília. Mas, eu não posso dizer que eu fui feliz. Eu vivia um dia após o outro. Tinha o meu filho, que é super mega especial, mas não era feliz. E achava que com o tempo ia dar certo. Desde o início, eu tive várias crises durante o casamento, de pensar: “Vou separar. Vou separar. Ah, não! Vai dar certo, é porque eu sou nova. Vai dar certo. Vão vai dar certo.” Só que chega uma hora em que você fala: “Não vai dar certo” é porque não vai dar certo. Aí, a gente achou melhor se separar. Foi muito difícil a separação, porque eu gostava muito dele, mas era uma coisa que não ia dar certo; nem com todo o gostar do mundo, não ia dar certo. Com a separação, eu fui fazer as coisas que eu não tinha feito lá atrás. Fui, então, estudar, fazer faculdade, fazer as minhas coisas, mas eu já tinha o meu filho, que era uma responsabilidade minha. Eu falo que o Felipe é filho da comunidade, porque eu voltei a morar na casa da minha mãe e, aí, meus pais, meu irmão e minha irmã me ajudaram muito. Meu irmão é temporão. Ele nasceu quando eu tinha 13, e eu tive o Felipe quando eu tinha 19, então, a diferença dele para o meu irmão é muito pequena, são seis anos. São irmãos e se tratam como irmãos. Como eu me separei e voltei a morar na casa da minha mãe, eles se tratam como irmãos. O Felipe é filho de uma comunidade, é de todo mundo.
P/1 – Conta como é que foi o envolvimento com o AFS, de ser Conselheira...
R – Eu fui ser Conselheira. Só que o Comitê estava sendo reestruturado, ele estava sendo montado. Ele não estava nem sendo reestruturado, ele estava sendo montado. Foi a mãe de uma estudante que estava viajando, que viu que o negócio estava muito mal arrumado, e as outras filhas delas iriam também, e ela falou: “Vamos arrumar isso aqui, porque se eu precisar de qualquer suporte, não vai ter. O que a história do AFS tinha não tem nada aqui.” E eu entrei com vontade de ajudar. Na época, eu fazia faculdade e dava aula de inglês, então eu tinha um tempo mais flexível. E ela viu e falou: “Você não quer ajudar aqui. Você não arruma aqui.” E aquela vontade de quem está começando e, junto com ela, de melhorar, estruturar, arrumar, fui pegando... Comecei como Conselheira “Você faz isso aqui?” “Faço.” “Faz esse também?” “Faço.” E fui participando... Eu lembro que eu entrei, não lembro se foi em abril ou maio, e em julho teve os 40 anos do AFS (ênfase) em Serra Negra, e eu vim. Eu tinha recém-entrado no Comitê. Eu vim e, depois, eu comecei a participar de mais coisas. Eu nunca fui Presidente de Comitê, eu fui Conselheira Local, eu ajudava no recebimento e em projetos que havia. Tinha o projeto de Ação Comunitária para adolescentes estrangeiros virem e eu ia para as instituições para fazer parceria, eu ia à escola. Como eu era um pouco mais velha, eu que ia nas escolas para tentar conseguir bolsa. Eu participava de entrevista de família para receber estudante de fora, a parte de recebimento. Trabalhei muito mais no recebimento que no envio. Isso foi em 1996. Quando foi em abril de 1997 teve uma Convenção Regional e eu fui e o pessoal: “Você tem que pegar a Diretoria Regional. Você tem que pegar”. E eu fui para a Diretoria Regional em 1997. Fiquei bastante tempo como Diretora Regional, três anos. Em 2000, eu fui para o antigo Conselho Diretor, que se chamava Executiva da Diretoria Nacional. Havia os Diretores Nacionais, que eram as 10 regiões, e tinha uma Executiva dessa Diretoria, que eram cinco diretores. Eu me candidatei e fui eleita como Diretora Financeira, onde fiquei dois anos. E os outros dois anos ainda na antiga Executiva - EDN. Eu fui eleita Presidente e fiquei dois anos como Presidente. Em 2004 eu saí. Mas, eu falo que eu nunca larguei o osso. Então, desde 2004, eu estou no Conselho Fiscal. Eu faço bem pouquinho agora, porque a minha filha nasceu e nasceu com Síndrome de Down, e precisava de mais atenção; eu mudei de cidade, uma cidade nova; a Amanda necessitando de toda a atenção, aí eu fiquei com o Conselho Fiscal, que eu ajudo. É uma reunião uma vez por ano, é muito mais por e-mail, é análise, que eu posso fazer em casa, telefone e eu não preciso me envolver tanto, mas eu não larguei o osso, eu estou ainda lá, com eles.
P/1 – Eu quero que você conte de lá atrás, desse começo. Como foram os seus primeiros aconselhamentos? Como foi você ver o olhinho dos meninos que estão chegando?
R – A gente tinha um aconselhado. Cada Conselheiro tinha um aconselhado. Eu tinha uma aconselhada, uma menina, que era a Flávia, da Suíça. E ela foi para uma família que estava mandando uma estudante, a Laura, para os Estados Unidos. E a Flávia era a minha aconselhada, então, era assim: se ela tivesse qualquer problema com a família, ela tinha que me ligar; se ela tivesse algum problema na escola, ela me ligava; se ela não me ligasse, a cada 15 ou 20 dias eu ligava, chamava para sair, para tomar um sorvete, para perguntar como ela estava indo; eu ia à casa dela... E como a Laura estava indo e o meu irmão também estava indo, porque a Laura era da turma do meu irmão, eu conheci os pais dela, eu fiquei bem próxima dessa família. A Flávia foi a minha primeira aconselhada. Dentro do Comitê, no recebimento – eu trabalhava mais no recebimento – a Cláudia, que era a Presidente, se tivesse qualquer problema, ela juntava todo mundo e falava: “Olha, vamos fazer aqui uma coletiva, todo mundo junto e vamos ver o que a gente vai fazer com essa situação.” “Ah, tenho uma estudante que está dando problema, já mudou de casa oito vezes. Vamos sentar aqui e o que a gente pode fazer pra ver o que está acontecendo.” “Ah, tem um estudante que, desde que chegou aqui, emagreceu 20 quilos. O menino deve estar com depressão.” Fazia um apanhado de todo mundo e todos palpitavam: “Acho que tem que fazer isso.” “Acho que isso não vai dar certo.” Então, eu trabalhava muito, não trabalhava no envio... Eu tinha carro e a maior parte dos meninos não tinha, então, acampamento de não sei onde, tem que comprar supermercado, eu saía, comprava, levava. Dava muito suporte externo para eles também.
P/1 – E como é ver a transformação desses meninos que vem para o Brasil, já mais velha, mais madura? Na chegada? Com o português, que é uma língua diferente? Enfim...
R – Apesar de eles virem com a mesma idade, quase todos, a transformação de uns e de outros... A mensagem que cada um leva é diferente, porque cada um vem com uma bagagem diferente de vida. É muito legal saber que a gente contribuiu, que a gente fez amigos, têm amigos até hoje. Depois de 20 anos, a gente têm estudantes que a gente ainda tem contato. Com o Facebook, hoje, a gente tem contato com muitos. E meu filho, quando eu separei e entrei no AFS, ele era pequenininho e ele ia comigo em tudo. Falam que o AFS prepara um ano antes e eu falo que o Felipe teve preparação de 7, 8 anos antes. Entrando em contato com esse mundo diferente, de estudantes de intercâmbio, com dificuldades. Às vezes, ele escutava a gente falando: “Ah. esse aqui está com isso.” “Fez assim e não pode fazer.” Ou na escola, a escola ligava para mim e “Olha, o estudante tal está com problema na escola ou está dormindo em cima do livro. Não está fazendo nada. Eu não posso ficar com esse estudante aqui. Está matando aula, sai da sala sem responder para o professor.” Essas coisas aconteceram comigo muito no primeiro ano, porque, depois, quando eu assumi a região, a gente fica um pouco mais burocrática em termos de: quantas orientações nós vamos fazer; quanto não sei o quê vai fazer; quantos estudantes nós vamos receber; que Conselheiros nós vamos escolher; mais do que o contato com os estudantes mesmos. Mas ainda sim, contato. Nós tivemos estudantes que tivemos de tirar de uma cidade para outra, a gente conversa com um Presidente e com outro. Eu falo que o AFS é paixão. A gente tem que ter paixão, porque demanda muito tempo, ainda que seja voluntário. Não é uma coisa que você fala: “Hoje, eu não vou fazer.” Se você se comprometeu você tem que fazer, porque tem um estudante ou uma família, tem alguém que depende do teu trabalho. Não dá para você: “Ah, eu vou visitar os velhinhos na casa dos velhinhos.” Porque se você não for hoje, vai ter alguém lá e no AFS, não. Você é um voluntário, mas você tem um comprometimento muito grande com o trabalho que você está fazendo. Não dá para falar: “Hoje eu não vou nessa orientação.” Ou “Não vou atender esse telefone para aconselhar essa pessoa que está precisando.” Não tem outra pessoa, é você.
P/1 – E conta do seu filho. Ele chegou a fazer intercâmbio também? Como foi para você estar desse outro lado, vê-lo indo e preparando a mala...
R – Ele fez e meu irmão também foi naquele ano. Meu irmão foi para a Finlândia, e quando veio o país dele - como os meus pais tinham ido morar nos Estados Unidos - meu pai falou: “Eu não pago intercâmbio para ele, para país de língua inglesa. Não quero que ele vá. Quero outra coisa.” Também quando veio Finlândia, veio muito diferente. (risos) Daí vai, não vai, vai! “Eu quero ir.” Foi uma experiência muito legal para ele e meus pais tiveram a oportunidade de lá visitá-los, então, foi muito bom! Esse leque de países e de culturas que o AFS proporciona, diferentemente de outros intercâmbios que é Estados Unidos, nada contra, mas eu estou falando que o AFS te dá uma gama muito maior de países para você aprender uma cultura, uma coisa diferente, que foi o que aconteceu com o meu irmão. Meu filho foi para a Alemanha. Nossa origem é alemã, então, foi muito legal! Ele foi para uma família muito especial, muito legal, que ficou com ele lá. Meu irmão também trocou de família e o Felipe não trocou. Ele deu muita sorte com a família e a família dele nunca mais recebeu outro estudante, porque a mãe dele - chama-se Ruth - fala que já escutou tanta história de problema que, ela como não teve, ela não quer dar chance de ter um que dê problema. Ela vai ficar com essa experiência e com esse sentimento de que tudo foi super bom no intercâmbio, recebendo-o. Quando ele foi, ele não falava alemão. Ele voltou, terminou de estudar, e para ele foi muito bom. Ele gostou muito, muito, muito. Eu falo que o Felipe é o estudante de intercâmbio perfeito. Ele foi para lá e se desligou de tudo daqui, viveu um ano como um adolescente alemão. Depois, quando ele voltou, ele se desligou de lá e viveu como um brasileiro. Muitas vezes você carrega coisas daqui e quando você vai, você não se desliga daqui e não aproveita lá. Ou quando você volta, não consegue se adaptar. Apesar dele nunca ter mudado de cidade, foi primeira vez que ele mudou, primeira e única, ele nunca mais mudou de cidade. Ah, mudou! Ele fez mestrado fora... Ele se desligou quando foi e se desligou quando voltou de lá. Ele tem contato com eles; eles já vieram aqui visitá-los, visitaram meus pais em Brasília. Mas se você pergunta para ele: “Você quer voltar?” “Não”. Ele estudou, fez faculdade, nunca ficou com esse negócio “Ah, eu vou voltar para morar lá...” Não. Foi muito bom para ele também e ele gostou muito de ir. Meu irmão ainda trabalhou como voluntário para o AFS algum tempo, mais ninguém lá em casa trabalhou ou se envolveu com trabalho voluntário. Foram intercambistas. Meu irmão deu algumas orientações, mas também parou. E meu filho voltou e nunca trabalhou. Ele deu suporte para o Comitê lá, mas não se envolveu e ele morou em Brasília! Quatro anos, porque ele fez faculdade lá. Ele fez UnB, mas não tiveram isso... Eu falo: tem que ter paixão. Não adianta, não é para qualquer um.
P/1 – E conta agora um pouco da gestão ou da mudança que você passou na história do AFS.
R – Quando eu entrei, o AFS tinha um formato, as dez Regiões, como eram os Comitês. E o Conselho Diretor tinha outro formato. Na nossa gestão, nós passamos por um processo e começamos a trabalhar por políticas: primeiro, nós tivemos os treinamentos. O AFS Internacional apresentou o modelo de governanças por políticas. Nós, dessa gestão, fizemos as primeiras políticas, sentamos e trabalhamos. Nesse período, que eu fiquei quatro anos na Diretoria, foi um período de muita mudança dentro do AFS. “Como vamos mudar?” “Como vamos trabalhar?” Muito intenso. A gente se reunia muito para revisar a política, para ver as políticas, “o que pode”, “é desse jeito que tem que trabalhar”, então, foi bem intenso. Eu posso dizer bem intenso, mas muito bom! Apresentar isso para o voluntariado, para mostrar para ele que isso não era ruim, era uma coisa boa; mas tudo que é diferente causa insegurança, então, nós temos muitos voluntários e muitas regiões sendo contras: “Não é assim!” “Não vai dar certo. O que vocês estão querendo é dar muita liberdade. Vai dar errado...” Eu quando entrei no AFS em 1996, eu era nova, teve uma mudança na Secretaria Executiva de funcionários. Teve um Superintendente que foi mandado embora, outro que também não deu certo e eu falo que eu tive a sorte de, no tempo que eu trabalhei lá, de trabalhar com o Eduardo. O seu Eduardo entrou lá em 1996, 1997, foi o tempo que eu fiquei. Todo tempo que eu fiquei trabalhando mais ativamente foi com o Eduardo Assed, e foi muito bom! Porque ele dava muita segurança, ele é muito competente, ele é muito correto, muito transparente, muito dedicado... E esse suporte de pessoas da Secretaria Executiva para os voluntários é muito importante. A gente é voluntária e não especialista. Se você não tem um bom suporte é difícil você trabalhar ou fazer um bom trabalho voluntário, porque você está sem suporte. Se você não tem um planejamento correto, orçamentário, de recursos, como você vai trabalhar na cidade? No local? Com os voluntários ou até com os estudantes que estão indo ou estão voltando, ou que a gente está recebendo? Eu falo que eu tive muita sorte. Depois que eu saí, de 2004 para frente, o Eduardo continuou, e o AFS passou por mudanças, por problemas, por situações de não ter o suporte correto, de ter problema com o Superintendente... Nesse momento, eu já estava mais afastada, eu estava no Conselho Fiscal, até que, nesses anos, o Conselho Fiscal não teve nem reunião, não teve muita coisa, quer dizer, foi um momento em que eu me afastei também e foi um momento em que a organização passou por uma situação bem difícil. E, agora, uma nova gestão, que está vindo e também bem boa, porque eu já tinha trabalhado com a Andreza, o Marcos é da época do Eduardo... Esse suporte da Secretaria Executiva é muito importante. Muito. A gente precisa assegurar de ter gente muito boa trabalhando lá, para que o trabalho seja bem feito.
P/1 – Conta para gente um pouco das atividades do Conselho Fiscal. Qual é a responsabilidade dele? Qual é a importância dessas reuniões?
R – A gente faz uma reunião uma vez por ano, após a conclusão da Auditoria. Há uma Auditoria externa que faz a apresentação do relatório: o que eles encontraram, o que eles não encontraram. Mas, ao longo do ano, mensalmente, agora com o Marcos, ele passou a enviar os balancetes, os relatórios de despesa para a gente olhar, para a gente perguntar “Isso gastou mais.” ou “Isso gastou menos.” “O que está acontecendo?” Muitas vezes ele também pergunta: “Olha, eu estou com dúvida, o que vocês acham disso?” O Marcos é muito correto: ele manda o superávit, o déficit se tiver. Ele é muito transparente e é por isso que eu falo: “para a gente trabalhar, a gente não tem tempo, eu não sou a funcionária que vou demandar oito horas por dia para estar avaliando esse documento?” Ele manda já bem mastigado para a gente dar uma olhada, para a gente ver se tem alguma coisa que está saltando aos olhos para a gente perguntar ou questionar. A gente também auxilia, faz observação, dá sugestão no orçamento, se tem alguma observação, se está bom ou se não está. Geralmente são profissionais da área financeira que trabalham nesse Conselho.
P/1 – Fora a paixão, o que te faz continuar e ficar envolvida tantos anos?
R – Acho que é a paixão, gente! Sinceramente eu não me vejo sem fazer alguma coisa. Acho que se eu não tiver no Conselho Fiscal um dia, eu vou voltar a ser Conselheira Local de algum estudante para eu ter um contato.
P/1 – E você chegou a receber na sua casa, fora a Hellen?
R – Fora a Hellen, não. Quando nós poderíamos ter recebido, na época do Felipe, eu tinha voltado para casa dos meus pais, a casa estava meio cheia e, agora, quando chegar a vez do Henrique, que vai também – porque a Amanda não vai, porque não vai ter jeito. Eu falo que vou criar um programa para mandá-la também. Quando estiver na vez do Henrique, quando tiver na idade de ir, quem sabe a gente não recebe um estudante por um ano lá em casa?
P/1 – Teresa, conta um pouco para gente do segundo casamento, como ele aconteceu? Conta um pouco dessa história.
R – Eu fiquei muito tempo sozinha. Eu fiquei oito anos sozinha. Sozinha assim, sem ter um envolvimento mais sério. Eu conheci o meu marido, a gente começou a namorar e resolvemos ficar juntos. Primeiro a gente morou um tempo junto, depois, a gente casou. A gente se conheceu e gostava de fazer as mesmas coisas, gostava de ficar junto; ele trabalhava na AmBev, em Brasília. E a AmBev sofreu uma reestruturação e foi para Jaguariúna, centralizou tudo aqui, em Jaguariúna. Foi quando ele veio, foi quando a gente resolveu ficar junto. Eu trabalhava em Brasília, mas, aí, eu falei: “eu não vou sem emprego, vou tentar arrumar alguma coisa em Jaguariúna.” E eu consegui em Jaguariúna! Não foi nem em Campinas, foi em Jaguariúna. Eu vim para Jaguariúna e ficamos morando juntos por seis, sete meses, até a gente resolver casar. Casamos e estamos aí, juntos. Tivemos a Amanda e, depois, tivemos o Henrique, ainda tivemos mais um! O pequenininho, que tem nove, hoje.
P/1 – E como foi ser mãe de novo, especialmente da Amanda?
R – Você lembra lá atrás, que eu falei que queria ser mãe, então! Eu sempre quis. Se eu pudesse, se eu não tivesse me separado, se a minha trajetória tivesse sido diferente, eu teria tido um monte, mas se tivesse dinheiro também, Porque hoje é meio difícil, mas eu adoro ser mãe. Para mim, criança não dá trabalho, eu gosto muito, eu gosto muito de estar com as crianças, gosto muito de estar com os adolescentes. Às vezes, quando eu escuto alguém falando que fulano está fazendo isso... É uma coisa que minha mãe sempre falou para mim: “Lembra. Nunca se esqueça de que você foi adolescente e que você também fez isso.” Ela falava isso, porque quando ela fazia as coisas, ela falava: “Gente, será que ninguém fez isso?” Eu nunca vou esquecer que eu fiz isso, porque eu não vou fazer com meus filhos.” E quando a gente era adolescente, ela falava: “Lembra o que você está fazendo hoje, porque se não se lembrar, seu filho também vai fazer.” Eu gosto de estar com adolescente. O tempo que eu fazia faculdade, eu dava aula de inglês para adolescente. Então, eu gosto de estar entre crianças. Para mim, ser mãe é gostoso. “Levar?” “Eu levo.” “Buscar?” “Eu busco” “Ah, eu sou a Jacque.” “Jacque, tá, eu levo”. O meu marido trabalha em São Paulo e eu fico sozinha, então, eu levo à escola, busco não sei onde e eu trabalho ainda! Oito horas, ou pelo menos tento trabalhar. É muito gostoso eu tê-los em casa. Fora o susto de ter recebido a Amanda, porque eu só soube quando ela nasceu, mas foi muito bom. Tudo foi muito bom. Eu falo que é até muito bom, porque ela não tem nada: não tem problema de coração, ela não tem nenhuma complicação de nada, a gente leva uma vida muito igual a dos outros. A Amanda demora um pouco mais para aprender, mas são crianças, ficam de castigo, brincam, fazem manha. Então, foi muito bom ser mãe. Curti muito.
P/1 – E o que você gosta de fazer com todo mundo junto? Ou alguma coisa que você curte fazer quando está com eles?
R – Primeiro é estar junto, só o fato de a gente estar junto, a gente gosta muito. A gente almoça juntos, a gente janta juntos, a gente vai ao shopping juntos, vai ao parque juntos. Eu gosto de ir ao cinema juntos. Eu gosto muito de brincar com as bonecas da Amanda, então, às vezes, o cabelo está tudo assim no centro [despenteado] e eu passo uma tarde inteira penteando as bonecas para arrumar os cabelos, botar as roupinhas bonitinhas e deixar tudo arrumadinho. Então, é muito de ficar junto, a gente gosta muito de estar juntos.
P/1 – Agora, para a gente entrar na parte de avaliação mais final, quais foram os seus aprendizados com o AFS?
R- Acho que é lidar com conflito. Porque você, no AFS, tem pessoas de diferentes regiões, diferentes backgrounds de vida, cada um vem com uma bagagem diferente, mas que todo mundo está ali pelo mesmo motivo. A missão do AFS é pela paz mundial, quer mais tolerância no mundo. Então, a gente aprende a ser mais tolerante. Em conflitos que eu tive logo no início, dois ou três anos depois, a gente já agiu de maneira diferente. Eu aprendi a me conhecer, saber que eu sou muito explosiva, eu sou uma pessoa muito explosiva, aprender a entender o lado do outro. No AFS, a gente tem sempre que lidar com emoções diferentes, com desejos diferentes, cada um está ali, mas sempre pelo mesmo objetivo. Dentro da Diretoria ou dentro do voluntariado, ou de pessoas que têm: “Ah, ele está aqui, porque ele quer se aparecer.” “Ele está aqui porque ele quer isso.” “Ah, fulano fez isso comigo.” Como lidar com esse tipo de conflito e de valores e de tudo. Para tudo a gente tem que ter muita paciência, muita, a gente não pode ir a ferro e fogo. Lá atrás, há vinte anos, eu era muito mais a ferro e fogo do que eu sou hoje. De verdade, a missão do AFS é mais tolerância, pela paz, e isso para mim, foi um aprendizado. Eu aprendi a ser mais tolerante, mais tranquila, não julgar tanto as pessoas... A gente não pode sair julgando, cada um tem uma história de vida, que é diferente da sua.
P/1 – Quais são seus sonhos, Teresa?
R – Meus sonhos? A gente busca um mundo melhor, então, isso é um sonho, mas, de verdade, eu não sei quando a gente vai alcançar. Claro que, a cada dia que passa, a gente vê que o negócio não está andando, não só aqui, mas em todos os lugares. Que as pessoas tivessem um pouquinho mais de tolerância. Meus filhos estão crescendo (emoção/choro)...
P/1 –... Bom, para a gente encerrar, mais duas perguntas. Primeira, o que você achou dessa iniciativa do AFS de contar um pouco da sua história através da trajetória de pessoas que estão ligadas a ela?
R – Eu achei ótima! Eu não sei quem teve a ideia, não sei nem como foi feito isso, mas eu achei muito legal, porque a gente sempre fala em qualquer lugar, em empresa. Se você não escreve “Ah, mas isso é assim e sempre foi feito assim”. No AFS também é assim: “Isso, a gente sempre fez assim.” Não está escrito, se sair todo mundo, como é que fica? É a história. A história, se você não conta, se você não escreve, ou documenta, ela se perde. Não tem. Eu achei muito legal. Muito legal isso, porque fica para sempre. Vai ficar para sempre a história.
P/1 – E para terminar, eu queria que você falasse um pouco como foi a experiência de estar aí, compartilhando um pouco da sua história com a gente, hoje, nessa manhã.
R – Eu achei que fosse ser mais difícil (risos). É bem complicado a gente falar da gente e dos sentimentos da gente. A gente nunca para pra fazer isso, acabei de falar para não julgar os outros, mas a gente sempre está falando de outras pessoas, mas pensar na gente como história de vida, a gente não faz isso. Eu achei que fosse ser mais complicado, quando eu vi a câmera aqui, eu falei: “Ai, meu Pai do céu.” Isso olhando para mim o tempo inteiro, mas foi muito legal, eu gostei bastante de estar aqui e de poder contribuir.
P/1 – Está certo, Teresa. Em nome do AFS e também do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista.
R – Eu que agradeço a oportunidade de estar aqui e de poder construir a história do AFS.
P/1 – Muito obrigada!
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