P/1 – Inicialmente queria agradecer, tá, Fátima, por ter vindo e dar esse seu tempo pra enfim, efeito de identificação do nosso vídeo, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Fátima Maciel Souto, nasci no dia dois de Junho de 1955, em Canindé, Ceará.
P/1 – Ceará, perfeito. Fátima, antes de começar a falar sobre você mesmo, eu queria perguntar um pouco sobre a sua família. O nome dos seus pais, o que eles faziam, de onde eles vieram, de onde eles nasceram. Conta um pouquinho sobre a sua mãe.
R – Eu posso até fazer assim um resumo. Meu pai era pescador, a família bem humilde. Meu pai era pescador e a minha mãe era do lar e a gente nasceu, sempre onde tinha mais peixe o meu pai ia. Nos açudes não tinha mais peixe, ele ia e ele morreu jovem, com 42 anos de idade. Naquela época não tinha muita assistência médica, então ele morreu com problema de saúde. Eu acho que depois de um tempo ele começou a beber, a mamãe conta, que quando ele morreu na realidade eu tinha cinco anos de idade, não lembro muita coisa. Mas ele deixou de herança pra minha mãe quatro filhos e a minha mãe falou, ele morreu numa cidade aqui próxima, aqui no Ceará. Foi Acarape, que é próximo a Redenção, que é onde tem as histórias dos escravos. E ele morreu em Acarape e tá sepultado lá em Acarape. A minha mãe ainda é viva, a minha mãe tem 87 anos de idade, ainda é lúcida. Tem uns problemas de saúde, é minha dependente aqui pelos Correios, mas graças a Deus tá bem. Somos os quatro filhos, são quatro irmãos, todos casaram e eu tô divorciada. Só tem eu divorciada, mas eu tenho uma união estável com outra pessoa pra mais de 15 anos. E pronto, minha mãe ficou com os quatro filhos e a gente foi morar no interior, ela voltou com os quatro filhos para a casa dos meus avós que também eram humildes, eram pobres e lá ela foi trabalhar na roça pra sustentar a gente. E a minha vinda pra Fortaleza, eu vim pra Fortaleza em 1965, eu tinha dez anos de idade, tinha nove anos, ia completar dez e vim morar na casa de uma tia, aliás não era nem tia, era uma madrinha da minha mãe e a gente veio pra estudar. Aí eu vim primeiro, aí depois veio meu irmão e minha irmã do meio e ficou todo mundo em casa separada, sabe, veio só pra estudar. Era comida e o estudo, tinha dinheiro pra nada. Aí tinha que trabalhar, ajudar, aí foi quando, eu era tão pequena que pra lavar a louça, botaram um banquinho pra eu poder alcançar a pia. Aí lavava a louça. Aí fui estudar num grupo, a gente veio pra estudar, a gente estudava no interior. Mas como era muito, a cidade era humilde, a gente tinha vontade, a mamãe queria que a gente estudasse mais, ela trabalhava na roça, ela passava a semana todinha trabalhando no pé da serra, como dizia lá e no final da semana ela vinha pra trazer alimento, essas coisas, né, pra ajudar a minha avó. E a gente ficou lá esse tempo todo, aí veio pra Fortaleza. No final acabou vindo os quatro filhos pra cá, pra Fortaleza, estudando e eu passei, morei 11 anos na casa dessa minha madrinha. Mas lá tinha uma vantagem. Ela disse: “Quando você completar 18 anos, pode procurar um emprego.” Aí pronto, eu ficava lá, a gente não tinha direito a nada. Tanto que a minha juventude eu não usufrui porque ela não deixava ir pra festa. Só tinha direito de ir à missa e chegar em casa, e contar o sermão, pra saber se assistiu a missa mesmo (riso). Era rígida, ela não era... Ela foi ruim e foi boa a mesmo tempo, porque foi através dela que eu cheguei no meu trabalho onde eu tô até hoje. Meu primeiro emprego não foi esse, foi o segundo. Mas foi através do sobrinho dela que ele tava vendo, em 1975, tava havendo a transformação de DCT pra ECT, e foi 69. Então em 1975, o correio começou a fazer a disposição daquelas pessoas que eram 1711, né? Então transformou o DCT, que era Departamento de Correios em Empresa de Correios. Aí ele quis fazer, mudar tudo, porque era a Lei 1711, era Federal, aí passou a ser CLT. Então quem quis ficar teve que aderir a esse plano e quem não quis foi redistribuído pra outros ministérios. Aí ele tava vendo o concurso, aí ele veio, se inscreveu, fez, passou, aí foi avisar pra mim e pro meu irmão. Tanto que trabalha eu e meu irmão aqui nos correios. Ele entrou num dia, eu entrei no outro. Ele entrou no dia oito de Maio de 1975, eu entrei no dia nove de Maio de 1975. Aí a gente veio fazer a inscrição, eu não sabia em onde era os Correios, pra tu ter uma ideia. Eu vim fazer a inscrição com ele, aí fiz a inscrição, aí eu escolhi trabalhar na área administrativa. Como eu tinha treinado, eu já tinha terminado o segundo grau, não, tava perto de terminar o segundo grau, e no colégio - eu estudei no Colégio Municipal Castelo Branco, e lá tinha curso de datilografia, mas aqueles cursos bem por cima, que a gente não aprendeu a usar nem o carbono. Mas mesmo assim, com esse curso de datilografia, eu tirei um dez na prova de datilografia e passei, que era conhecimentos gerais, português, matemática, coisas da quinta série daquela época. Aí eu passei, meu irmão também passou. Ele foi chamado um dia antes. Aí pronto, aí assim começou a nossa história no correio, né? Eu antes tive um emprego, eu trabalhei seis meses na companhia de seguros, que foi a sobrinha dela que arranjou pra mim. Quer dizer, ela não foi boa, mas a família dela foi boa com a gente. Aí pronto, eu entrei no correio em 1975, comecei trabalhando na GP que na época era GP. Nessa época o correio era uma verdadeira ditadura, era gerência de pessoal. Aí foi transformando ao longo dos anos muitos nomes. Hoje é gerência de recursos humanos, mas eu trabalhei 19 anos na gerência de recursos humanos. Foi muito bom porque foi muito aprendizado. Agora, naquela época era tudo manual. Não tinha nada de informatizado, era tudo na mão. Aí eu trabalhei, a gente fazia as portaria, tinha muita poluição. Naquela época, hoje eu digo: “Meu Deus, hoje eu tô no Correio há 38 anos”. Aí eu vejo o correio hoje em dia, é um pai e uma mãe boa, porque o Correio era terrível. Olha, era uma ditadura tão grande aqui que a gente pra passar de um andar pro outro tinha um guarda em todas as divisórias. Ele ficava anotando as vezes que você saía, as vezes que você entrava. Pra você ir no médico, você tinha que levar uma autorização e o médico escrever lá dizendo que você esteve lá. Cansei de pegar táxi da Praça do Ferreira, da José de Alencar, pra cá, pra não chegar atrasada um minuto. E você novinha, começando o primeiro emprego, você fica assustado, com medo, né? Aí as coisas mudaram demais. Só que você fica com aquele ranço. Você vai vendo as coisas não vai acreditando no que tá acontecendo daquele jeito que tá acontecendo. Hoje em dia eu posso dizer que tá bem melhor.
P/1 – Me conta um pouco, me dá um causo, qual foi um fato marcante nesse começo de carreira aqui nos correios, que você se lembra ou alguma coisa.
R – Assim, de episódio? Não.
P/1 – Um episódio.
R – Algum episódio acho que até bobo. Eu trabalhava na gerência de recursos humanos e tava achando ruim porque lá era serviço demais. Tinha muito serviço. Eu fazia as ferias de todo o pessoal da diretoria regional, atualizava todas as carteiras profissionais. Quando eu entrava férias eu tinha desgosto, porque quando eu voltava a mesa tava assim de carteira pra atualizar. Tinha que atualizar tudo manual, trabalhava muito, a gente trabalhava muito mesmo. Era duro o negócio. Aí eu tinha vontade de sair, mas tinha medo. Aí um belo dia surgiu uma oportunidade, como o colega saiu da gerência, era o gerente, aí foi assumir assessoria de relações sindicais, e ele e outro, que tinha assessoria técnica, que tinha duas assessorias. Aí ele chegou pra mim e disse: “Fátima, quer ir trabalhar na assessoria técnica?”. Passei uma semana pensando, com medo. Eu tinha um medo que eu não sei explicar por que que eu tinha esse medo. Não sei se é porque acostumada a morar na casa dos outros, você se torna reprimida, você não tem muito amparo. Aí eu tinha um medo tão de grande de ir pra lá e não gostar. Sei lá, a mente se torna fechada. Aí o Helder falou:”Vai ser bom, você ser a minha secretária e secretária do Guabiraba”. Passei uma semana pensando, si eu disse: “Helder, eu vou”. Aí fui. Quando eu cheguei lá não tinha quase nada pra fazer. Rapaz, a diferença foi muito grande. Quase nada pra fazer em relação ao que tinha lá, certo? Porque o que fazer tinha,porque tinha que fazer os relatórios, tinha que atender os dois. Tinha um relatório pra fazer toda semana, tinha muita coisa pra fazer, mas em relação ao que tinha lá era pouco, né, realmente era pouco. Mas foi uma experiência muito boa, sabe, muito boa mesmo. E lá eu tive a oportunidade de ser convidada novamente pra ir trabalhar na gerência comercial. Outro medo, outra semana pensando. Aí eu disse, mas aí eu cheguei pro gerente e disse: “Rapaz, eu não sei nem quanto é que custa uma carta”, porque na área administrativa você não se envolve muito com o operacional. Então você trabalha na área administrativa, você sabe tudo da área administrativa, mas você não sabe nada da operacional. Quanto é que custa uma carta, como que funciona um sedex, o movimento. Aí ele disse: “Não, não se preocupe com isso não, que você vai aprender. Antes de você ir pra rua, você vai aprender”. Aí fui, o chefe era muito bacana, sabe, era o Santana, pessoa gente fina, que deixava a gente. Nessa época o correio não tinha aquela mentalidade de vendas. Então o cliente procurava os correios. Aí eles procuravam e a gente ia até eles pra fazer o contrato. Não tinha os concorrentes que tem hoje. Naquela época o correio era muito bom. Só tinha ele, que fazia tudo que era de entrega, correspondência, tudo era o correio. Então a gente não precisava procurar o cliente, o cliente procurava a gente. Então o telefone da gerência de recursos humanos, da gerência de vendas, ele ficava o tempo todo tocando e a gente agendava muitas visitas. Então era na faixa de seis assistentes só. Hoje em dia, só na gerência que eu trabalho, tem 25. Na época eram seis pra gerência todinha. Pra você ver como mudou, né? Aí a gente ficava fazendo os contratos, ia fazendo e assim eu fui. Olhe, eu adorei a gerência de vendas, é tanto que eu tô lá até hoje. Gosto muito do que eu faço, eu trabalho com clientes corporativos, eu atendo todo o grupo Edson Queiróz, que envolve a TV Verdes Mares, a Editora Verdes Mares, a Unifor, a Esmaltec, a Indaiá, a Minalba. Aí atendo o Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas dos Municípios, Secretaria da Educação do Estado do Ceará.
P/1 – Pessoalmente, assim, qual foi o maior desafio profissional?
R – Desafio profissional foi... Porque a gente trabalha com metas, hoje em dia o trabalho é diferente, a gente trabalha com meta, é uma coisa bem organizada, realmente é organizada, certo? Correio é bem estruturado e organizado nessa parte. Então nós temos muitos clientes e a gente trabalha com meta. Então tem uma meta, a minha meta esse ano é três milhões, novecentos e tantos mil, né, e a gente tem que tentar tirar esse dinheiro do cliente. Então a gente tem que oferecer uma coisa, oferecer outro serviço, e abordar uma maneira que isso traga um faturamento bom pra o correio. Tem que fazer as parcerias com os franqueados, tentar tirar o cliente do concorrente, convencer a trazer pro correio, aí isso às vezes é meio complicado porque o correio a gente não pode modificar tarifa. A gente tem vários tipos de tarifa, mas é diferente de um particular que chega assim: “Ó, a correspondência custa um e dez, eu faço pra você por sessenta centavos”. A gente não pode fazer isso. Mas o cliente acaba, o cliente particular, o órgão público ele já tá mais amarrado, porque ele tem que trabalhar com, tem o monopólio, ele então tem que trabalhar com o governo, com o estado, com o correio. Aí já fica, mas mesmo assim a gente consegue fazer uns contratos camuflados, faz a licitação, faz. E mais é isso, é correr atrás do prejuízo.
P/1 – As metas são as... E fala uma coisa, que é assim, essa é a parte bem institucional sua, seu envolvimento como profissional. E pensar numa coisa mais afetiva em relação aos Correios. Por exemplo, qual que é a sua primeira lembrança dos Correios?
R – Primeira lembrança? Meu primeiro salário. Olha, quando eu entrei no correio eu fiquei tão feliz que eu ganhava um salário mínimo, certo? Que na época é como se fosse hoje seiscentos e setenta cruzeiros. E sabe quanto era o salário mínimo do correio? Esse salário que a gente tinha? Mil e dezessete reais. Era assim, como se fosse dez salários mínimos. Ah, eu fiquei muito feliz com todo o dinheiro que e eu recebi, “Pronto, tô realizada”. Eu fiquei muito feliz, mas ao longo dos anos, com esses convênios, aí foram tirando, tirando, o dinheiro vai desaparecendo (riso). Vai desaparecendo nosso salário. Mas eu ganhava uns dez salários mínimos na época. Hoje em dia, olha, eu tenho 38 anos de serviço, com todos esses reajustes ao longo do tempo, foi tirando, foi tirando, 5%, agora foi 8%, mas na maioria é 5%. Eu tô com um salário de três mil e seiscentos reais, salário bruto. Aí tem o anuênio, quer dizer, se somar os dois dá uns cinco mil reais, pra quem tem 38 anos de serviço. Aí o mais agravante, eu já tô com 38, aí eles criaram um plano de cargos e salários, que prejudicou algumas pessoas, no caso no meu cargo, que eu sou assistente administrativo, foi prejudicado. Barrou, só vale a referencia salarial MN60. Quer dizer, tá na última referência do cargo, você vai “Deve ser um baita de um salário, última referência do cargo”, três mil e poucos reais. Aí você não recebe mais promoção, eu perco todas as promoções que vem, por merecimento, por antiguidade não recebe nada. E é 2,5%, digamos, eu tô perdendo todo ano porque diz que barrou ali, vai mais pra canto nenhum, já pensou? É triste isso, mas...
P/1 – Mas você tem alguma história, por exemplo, alguma carta que você recebeu, ou uma carta que você enviou, ou uma encomenda, ou uma história um pouco, digamos, mais de um lado afetivo, uma coisa mais corriqueira, ordinária, ou profissional?
R – Eu mandei muito poucas cartas, sabe? Eu não era muito de escrever. Essa parte das cartas, que tem esses episódios interessantes, é mais o pessoal que trabalha na área postal, nas agências, que eles recebem muito o público, né? Mas eu sempre trabalhei na área administrativa, então eu não tive muito contato. Meu contato com o público já foi pra vender, pra oferecer. Então não tenho assim nenhum episódio interessante.
P/1 – Período militar, por exemplo, como foi aqui? Nesses Correios, tá há 38 anos, se você entrou era um regime militar.
R – Era regime militar. Era por isso...
P/1 – Era diferente?
R – Era Por isso que no era regime militar era diferente, porque era como na ditadura, que você não tinha direito a nada. O correio não tinha nem água pra servir pra gente. Hoje em dia tem água em todos os andares, em todas as sessões. Se a gente quisesse água, tinha que comprar. A gente fazia uma cota, comprava um garrafão de água pra tomar. A gente mal podia sair pra lanchar, sabe? Era vigiado de todo jeito, era praticamente vigiado. Porque quando se coloca, que era empresa terceirizada, era uns guarda, esses guarda que fica fiscalizando, sabe? Correios sempre teve esse serviço de limpeza, de vigilância, sempre foi terceirizado, toda vida foi. E eles contratavam pra ficar em cada andar, cada andar ficava. O acesso às pessoas era impressionante. Existia uma hereditariedade muito grande, sabe? Uma... não é hereditariedade não, como é? Uma hierarquia. Hierarquia muito grande. Então a gente tinha um medo. Brasília pra gente era assim uma coisa assim intocada, sabe? Falava em Brasília, ninguém podia ligar pro pessoal de Brasília, ninguém podia falar nada, ninguém podia falar diretamente com o diretor. Se você fosse falar com o diretor sem falar com seu chefe de sessão, pra passar assunto, você era punido. Ou punido ou com advertência, se fosse reincidente, primeiro você levava uma advertência, não tinha nem pena, nem dó. “Ó, foi falar com diretor?”, advertência. Advertência por escrito ia pra sua ficha. Reincidiu? Suspensão. E eles quem decidiam o tanto de dias que ia suspender. Não tinha, não existia a constituição, né, isso foi antes de 1988, depois da Constituição de 1988 aí começou os direitos humanos, então você já pode reivindicar os seus direitos, mas você não tinha direito a nada. Se você fosse falar diretamente com o gerente sem falar com o chefe da sessão, você era punido, era chamado a atenção. Entrar na sala do diretor, falar com o diretor, pelo amor de Deus, “Fale com o seu gerente primeiro”. Então a gente tinha medo. Eu fiz parte também do grupo folclórico dos correios. Aqui a gente tinha um grupo de folclore imenso, era lindo, rapaz. Teve muitos CDs e DVDs gravados, foram dez anos de grupo folclórico, depois acabou-se. Começou acho que em 1995 e a gente foi criado esse grupo folclórico, foi muito interessante, era o encontro nacional. Aí teve um encontro nacional de grupos folclóricos. A gente chegou aí, primeira viagem foi pra São Paulo, foi lá o encontro nacional, foi maravilhoso conhecer todos colegas de outras regionais.
P/1 – Mas eu preciso entender melhor como foi isso, como que juntou, como que você foi parar nisso?
R – Mas foi assim, foi uma ideia que foi surgindo, porque disseram que ia ter, foi criado algum grupo, um colega que trabalhava numa chefia, ouviu falar que lá em São Paulo tinha criado um grupo folclórico. Aí foi ver como era, foram se informar, aí teve que contratar um professor e criar o grupo. Aí foi divulgando, divulgando, chamando um, chamando outro, num instante conseguiu fazer esse grupo e contratar o professor. Primeiro a gente foi com a Secretaria, com a Prefeitura Municipal que tinha um grupo folclórico, e a gente se uniu a eles e eles com alunos deles e a mestra deles, começaram a ensinar a gente. Ave Maria, foi uma graça.
P/1 – Ensinar o que?
R – Ensinar a dançar.
P/1 – Por exemplo, o que que vocês ensinaram?
R – Xaxado. A gente ensinava dançar as músicas regionais, porque a gente tem a rendeira, o xaxado, tira coco. Tem várias danças, então esse pessoal que trabalha no folclore ele entende bem. A gente montou o grupo, foi espetacular, a gente ensaiava todo dia aqui, dançavam depois do horário do expediente, aqui no saguão, a gente treinava aqui. Rapaz, foi bom demais. Aí tinha cantor, os instrumentos a maioria tudo era do correio. Foi delícia, esse grupo folclórico foi a coisa mais linda e nós fomos encontro nacional no Maranhão, em São Paulo, fomos fazer uma apresentação em Brasília, no evento. Era muito bacana, sabe, aí depois eu tive que sair, depois o grupo foi acabando. É tanto que o que permanece até hoje é o coral, porque tudo junto foi criado o folclore e o coral. Coral ainda permanece, nas o folclore acabou. Que pena.
P/1 – Mas isso era iniciativa do RH, era de vocês?
R – Foi da gerência de recursos humanos, certo, junto com a gerência de recursos humanos. Aí tinha colegas de todos os locais. Tinha muito carteiro, e tinha que ter os pares, mas foi muito interessante. A gente, foi muito divertido, foi muito bom, era bem animado, sabe? A gente fazia apresentação no final do ano aqui das pastorinhas, era muito bonito. Foi muito bacana, mesmo.
P/1 – Mas era uma coisa mais interna, assim, era pra vocês e se apresentavam pra vocês também só que de outro... Ou tinha abertura pra público externo?
R – Não, no final do ano tinha abertura, a gente já era convidado. A gente dançou em praça, dançava na Praça do Ferreira. Tinha o lançamento de um selo, um lançamento de uma campanha, aí apresentação do grupo folclórico. Quando tinha reuniões, encontros, que a gente fazia muitos treinamentos. Encerramento de treinamento, apresentação do grupo folclórico. Rapaz, era demais. Era um corre-corre pra trocar de roupa, veste uma roupa, veste outra, troca a roupa, era muito animado.
P/1 – Quantos que tinha m?
R – Era acho que uns 20 ou mais, era muita gente.
P/1 – Você lembra? Você consegue contar uma pra gente que foi o espetáculo que vocês fizeram? Você consegue descrever pra gente?
R – Que foi muito bom... Ai, todos foram muitos bons, mas de Brasília foi muito bom, em Brasília, num encerramento que teve lá de uma campanha, nós fomos convidados. Aí foi todo mundo lá, de avião, dançar lá em São Paulo. Foi muito bacana. E outra pra São Paulo a gente foi de ônibus, muito divertido esse passeio de ônibus, onde a gente parava fazia a festa. Aí o pessoal da prefeitura, porque eles tinham mais prática, né, então botavam os dançarinos deles, mesclavam com os nossos pra ficar, porque o povo não tava tão tarimbado, tinham uns que são meio duros pra dançar, eles já tinham mais molejo, mas no final já tava todo mundo... Aí depois o pessoal da prefeitura saiu, foi contratado um professor, que era o Ferreira Junior. Aí depois eu saí do folclore, tive que sair porque eu tinha muitas outras coisas pra fazer, aí depois resolvi estudar, fazer faculdade, que eu fui fazer a faculdade depois. Aí tinha que estudar, deixei, tive que deixar. Foram as circunstâncias, né, as coisas vão acontecendo, você acaba se afastando.
P/1 – Você disse que tá há 38 anos nos Correios e foi sempre nesse prédio que a gente tá?
R – Sempre eu trabalhei nesse prédio, você acredita? Nunca trabalhei noutro prédio. Trabalhei a minha vida inteira aqui nos Correios. No dia que eu sair do Correios, (riso). Eu já estou aposentada e continuo trabalhando. Aí e digo: “No dia que eu sair do correio eu vou sentir muita falta de vir pro centro todo dia”. Todo dia e eu sempre trabalhei nesse prédio. Trabalhei no terceiro andar, que era na gerência de recursos humanos, aí trabalhei no primeiro andar, no segundo andar, agora tô no primeiro andar.
P/1 – Mudou muito?
R – Mudou. Aqui já foi reformado, foi todo reformado. Esse piso daqui foi todo mudado, transformado, pintadinho, várias mudanças.
P/1 – O pessoal que entrou esse ano conta aí, como que era esse prédio. Mudou muito? Era mais bonito? Era diferente?
R – Não, agora está mais bonito.
P/1 – Agora tá mais cuidado.
R – Agora tá mais bonito. Tem uma estrutura antiga, né, era antigo, embora eles tenham conservado, mas o piso era piso feio. As escadas não eram bonitas. Ficou agora tudo bonito, ficou mais bonito com certeza. Mais conforto, porque naquela época, os computadores melhores, as mesas, as coisas foram melhorando ao longo do tempo.
P/1 – E o perfil desse funcionário dos correios, mudou desde que você entrou? Tem uma diferença de personalidades?
R – Tem, porque é como eu digo, o pessoal, aquele pessoal antigo, você vê uma diferença muito grande de quem entra agora, de quem era antigo. O pessoal antigo, eles vestem mais a camisa, sabe? São mais dedicados, eles lutam pelo correio. O mais novato, ele, eu não vejo assim, muitos deles não têm compromisso. Tá assim como se fosse uma passagem. Não sei se é porque hoje em dia a informação chega muito rápido, as coisas mudaram, o incentivo pra estudo, as pessoas estão mais dedicadas a estudar, fazer concurso, a melhorar. Então esses novos que eles entram, e eles estão cegos, eu acho que tem que procurar as melhorias mesmo. Eu até acho que se eu tivesse a cabeça que eu tenho hoje, eu não teria ficado esse tempo todo no correio, eu teria procurado fazer um concurso melhor pra tá ganhando melhor, porque eu tenho dois filhos, certo? Graças a Deus, eu amo o que eu faço e gosto muito dos Correios, que foi aqui que eu criei meus filhos, eduquei meus filhos, eu me mantive. A casa que eu consegui comprar, não com um salário muito grande, mas foi com o salário do correio. Eu não tenho outra renda, foi daqui. E meus filhos eu consegui educar daqui. Na época eu não podia comprar carro, vinha trabalhar de ônibus, pra eles poderem estudar num colégio melhor. Aí pronto, meu filho fazia faculdade, a minha filha também, mas o meu filho passou no concurso... que ele ia casar, “Ô meu filho, tem que estudar. Vai estudar pra um concurso, porque trabalhar em empresa particular não é hoje nem amanhã”. Aí ele foi, estudou, muito estudioso, graças a Deus eu tive muita sorte com os meus filhos, muita sorte mesmo. E ele passou na Polícia Rodoviária Federal. Ele hoje trabalha, já tem quase dez anos de PRF, mas o salário dele em relação ao meu, pelo amor de Deus. Ele ganha digamos, dez mil reais, eu ganho três mil reais. A diferença de salário é muito grande. A minha filha não trabalha porque ela casou, mas eu consegui que ela terminasse a faculdade. Ela tem dois filhos, eu já tenho quatro netos. Meu neto mais velho já tem 13 anos, vai fazer 14 agora e o meu neto mais novo tem seis meses. Então a minha filha tem dois filhos, tem a Júlia com dez anos, aí teve o Joel. É a que não trabalha ainda, mas como eles foram criados na época, na mão de empregada, posso dizer assim, eles sofreram muito em mão de empregada. É difícil, principalmente naquela época a gente não tinha telefone pra ficar ligando, eles passavam o dia na mão, e a gente não podia ir em casa almoçar porque era distante, tinha horário, aí eu não ia almoçar em casa, eu passava o dia aqui. Eu só dava assistência à eles à noite, quando eu chegava, e mudei muito de empregada, não durou muito com empregada, na época não. E hoje em dia que tá complicado, mas eles sofreram tanto na mão das empregadas, que ela resolveu cuidar do filho. Então ela ficou, quando ela tinha cinco anos: “Minha filha, vamos voltar a estudar, não lhe eduquei pra ser doméstica não” (riso). Aí eu consegui que ela voltasse a estudar. Aí o que que eu fazia? Eu saía de casa todo dia, eu moro no Montese hoje em dia, peguei, eu saía de casa seis e meia da manhã, pegava e Elba e a Julia, deixava a Júlia no colégio e deixava ela na faculdade. Aí ela voltava, pegava a Júlia e voltava de ônibus. E assim ela concluiu a faculdade dela e fez logo especialização. Aí ela ia se preparar pra tá fazendo concurso, né? Mas aí resolveu ter outro filho. Aí que eu dizia pra ela: “Minha filha, só um filho é muito pouco”, e a Júlia cobrava muito um irmão. Aí foi tudo bem, ela ainda é jovem, tem 33 anos agora, eu digo: “Minha filha, eu quero que você trabalhe nem que seja nos Correios” (risos). Porque mesmo trabalhando no correio, ela vai ter assistência médica e quando eu me aposentar, ela vai poder ficar, porque na atual situação eu não posso nem sair do correio agora, porque eu ajudo ela pagar o colégio. O marido dela é professor do Estado e do Município. Como aqui no Brasil também professor é muito desvalorizado...
P/1 – Infelizmente.
R – Infelizmente, que é impressionante, como o professor é muito desvalorizado, aí ela não pode, não tem condição. Aí eu ajudo a pagar o transporte escolar, o colégio da Júlia e assim vai.
P/1 – Fátima, a gente tá amarrando prá gente vai finalizar.
R – Eu que tô prolongando.
P/1 – Não, não se preocupe. Tem alguma história que a gente não perguntou, que você gostaria de contar? Que foi marcante pra você? Que você gostaria de compartilhar? Tem alguma coisa que a gente no fim não tocou no assunto, que você gostaria?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Acho que não.
P/1 – Gostou de conversar um pouquinho?
R – Gostei, bem interessante.
P/1 – Então Fátima, muito obrigado. Eu queria agradecer, pelo Museu, pelos Correios. Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTA
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