BNDES: 50 anos de história
Depoimento de Antonio Saraiva da Rocha
Entrevistado por Paula Ribeiro e Márcia de Paiva
Rio de Janeiro, 26/04/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: BND_HV005
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Boa tarde seu Antonio, gostaria de começar o nosso depoimento pedindo que o senhor nos forneça o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – É Antonio Saraiva da Rocha. 30/07/1949 em União, Piauí.
P/1 – O nome dos seus pais e a origem deles?
R – Erasmo Felipe da Rocha. Nasceu também no Piauí na cidade de Barras. Minha mãe é Ordantina Saraiva da Rocha também piauiense de Altos.
P/1 – Hum, hum. A profissão dos seus pais, Antonio?
R – Meu pai era farmacêutico prático, naquela época ainda não havia o curso. E minha mãe era professora primária.
P/1 – Os avós, tem lembrança dos avós?
R – Eu conheci apenas o meu avô materno. Visitava a gente com alguma frequência. Morava ainda em Altos que é a cidade da minha mãe. E não conheci os meus avós paternos.
P/1 – E irmãos, você tem irmãos?
R – Nós éramos em quatorze, hoje nós somos onze irmãos vivos. Sendo que os dois primeiros são do primeiro casamento do meu pai. Tem um casal do primeiro casamento e nove do segundo casamento que é o da minha mãe.
P/1 – Você podia contar um pouquinho como era a sua cidade, as suas lembranças de infância, Saraiva?
R – É, União, a exemplo de Teresina, que é a capital do Piauí, fica às margens do rio Parnaíba, que separa todo o estado do Piauí do Maranhão, de ponta a ponta. Tinha também uma lagoa e um riacho. Então, quer dizer, a infância do interior. Naquela época não havia televisão. A gente praticamente vivia nas águas, no futebol e aquelas brincadeiras do interior. É, a gente acha até pelo número de filhos, a gente tinha uma infância com muita liberdade. O único... Cobrança que tinha muito em...
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Depoimento de Antonio Saraiva da Rocha
Entrevistado por Paula Ribeiro e Márcia de Paiva
Rio de Janeiro, 26/04/2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: BND_HV005
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Boa tarde seu Antonio, gostaria de começar o nosso depoimento pedindo que o senhor nos forneça o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – É Antonio Saraiva da Rocha. 30/07/1949 em União, Piauí.
P/1 – O nome dos seus pais e a origem deles?
R – Erasmo Felipe da Rocha. Nasceu também no Piauí na cidade de Barras. Minha mãe é Ordantina Saraiva da Rocha também piauiense de Altos.
P/1 – Hum, hum. A profissão dos seus pais, Antonio?
R – Meu pai era farmacêutico prático, naquela época ainda não havia o curso. E minha mãe era professora primária.
P/1 – Os avós, tem lembrança dos avós?
R – Eu conheci apenas o meu avô materno. Visitava a gente com alguma frequência. Morava ainda em Altos que é a cidade da minha mãe. E não conheci os meus avós paternos.
P/1 – E irmãos, você tem irmãos?
R – Nós éramos em quatorze, hoje nós somos onze irmãos vivos. Sendo que os dois primeiros são do primeiro casamento do meu pai. Tem um casal do primeiro casamento e nove do segundo casamento que é o da minha mãe.
P/1 – Você podia contar um pouquinho como era a sua cidade, as suas lembranças de infância, Saraiva?
R – É, União, a exemplo de Teresina, que é a capital do Piauí, fica às margens do rio Parnaíba, que separa todo o estado do Piauí do Maranhão, de ponta a ponta. Tinha também uma lagoa e um riacho. Então, quer dizer, a infância do interior. Naquela época não havia televisão. A gente praticamente vivia nas águas, no futebol e aquelas brincadeiras do interior. É, a gente acha até pelo número de filhos, a gente tinha uma infância com muita liberdade. O único... Cobrança que tinha muito em casa, até porque meu pai tinha uma fixação por educação, era o estudo. Se fosse bem no estudo as outras coisas seguiam tranquilamente. Tinha o padroeiro da cidade, quer dizer, ainda tem, continua. É São Raimundo Nonato em agosto. E era a festa mais popular. Tinha tipo dez dias de festa, e encerrava no dia do padroeiro. Agosto. Eu não lembro mais que dia, mas o mês de Agosto. Isso foi o que marcou muito.
P/1 – Vocês curtiam essas festas? Vocês participavam?
R – Ah, sim. Essas festas eram montadas àqueles parques infantis com aquele monte de brinquedo. As barracas vendiam as bebidas e as comidas tradicionais. Tinha festa do Vaqueiro, tinha procissão. E aquilo era um evento muito forte na cidade. E a gente tinha alguns clubes lá, uns três mais frequentados. Um deles é o do Banco do Brasil. A famosa ABB. E tinha o Clube Comercial de União que eram os dois principais. E um outro lá que a gente frequentava, eu também já não lembro o nome. Quer dizer, a vida se resumia a ir nas incursões pelos rios, lagoas e o riacho, jogava futebol e a noite a vida era nos clubes. E mais algumas coisas obviamente, né? (risos)
P/1 – E a sua casa? Como é que era uma casa com quatorze irmãos? Como é que era a vida dentro de casa?
R – Quando eu me entendi por gente meus dois irmãos do primeiro casamento já eram adultos. A minha irmã também fez curso de Farmácia, trabalhava lá na farmácia.
P/1 – Que era de propriedade do seu pai?
R – Era propriedade do meu pai. E o meu irmão do primeiro casamento veio estudar em Minas, fez Engenharia Mecânica. Então essa minha primeira irmã logo depois casou, foi morar no sul do Piauí na cidade de Paulistana. Então nosso convívio foi pouco com eles. Agora, na verdade ficaram os outros irmãos do segundo casamento, convivendo nesse espaço em uma casa relativamente grande.
P/2 – Você na ordem é, dos filhos é...
R – Eu na ordem? (risos)
P/2 - … O do meio?
R – Devo ser o quinto ou o sexto. Quer dizer, a mais velha é _______, a Elza, o Juvenal, Gilberto, Afrânio e eu. Sou o sexto. Quer dizer, depois de mim vinha a Elizabete, o Érico, o Jorge e o Francisco Régis.
P/1 – Havia uma diferença de educação para as meninas e para os meninos, por exemplo, nessa época?
R – Não. Como eu falei, quer dizer, meu pai tinha essa fixação por educação e por exemplo. minha irmã mais velha do segundo casamento, é minha irmã de pai e mãe, também fez Farmácia. Foi estudar em Fortaleza. O meu pai sempre estimulava na medida em que as pessoas queriam estudar, ele não tinha fronteiras. Então quem quis estudar foi até onde quis, não teve nunca problema. Minha segunda irmã é a Elza, começou a trabalhar também, não chegou a se formar, mas trabalhou no DR onde acho que deve estar aposentada. E Elizabete é a caçula das mulheres, ela fez segundo grau, não continuou os estudos. Casou e ficou...
P/1 – E você… Em relação a sua formação escolar? Tinha algum anseio, quer dizer, desejava algum tipo de profissão? Como é que era o estudante Antonio Saraiva?
R – A gente lá no Piauí, àquela época a gente só conhecia basicamente duas profissões: era Medicina e Engenharia. Inclusive, quando eu fiz o Científico lá no Colégio Diocesano, é um colégio de padres Jesuítas, separavam as turmas entre o pessoal de Medicina e o pessoal de Engenharia. E eu optei por Engenharia. E aí terminei o segundo grau lá, naquela época era o Científico para fazer Engenharia. E vim para o Rio para fazer Engenharia. Chegando aqui foi que eu mudei de idéia. Aí procurei lá no roteiro dos candidatos a vestibular qual carreira que eu tinha alguma afinidade, aí escolhi Economia. Quer dizer, eu vim para cá para fazer o cursinho. Estudei no Baiense, na época era separado do Miguel Couto. Baiense era a parte de Engenharia e o Miguel Couto a parte de Medicina. Depois eles se juntaram. Não sei se hoje eles continuam juntos. Então eu fiz o Baiense até agosto. Quando chegou em agosto eu cheguei à conclusão que eu não queria fazer Engenharia. Aí eu fui estudar com alguns colegas para fazer Economia.
P/1 – Mas por que da escolha do Rio de Janeiro? E como é que foi essa sua primeira impressão quando chega na cidade?
R – É, tinha uma família lá da minha cidade, de União, eles já tinham alguns membros da família aqui no Rio de Janeiro, e o meu segundo irmão por parte de pai e mãe, o Gilberto, estudava no Rio, fazia Engenharia lá em Petrópolis, na Puc de Petrópolis. E com o apoio dessa família que a gente veio, tanto ele quanto eu, viemos para o Rio de Janeiro. Então quer dizer, já foi um seguimento da trajetória do Gilberto. Eu, obviamente, lá no interior... O Rio de Janeiro era uma cidade que todo mundo almejava conhecer e principalmente morar um dia. E por sorte isso aconteceu. Também tinha uma grande...
P/2 - Expectativa.
R - … É, uma grande expectativa em termos do Rio de Janeiro.
P/1 – Qual era sua expectativa em relação ao Rio? O que te movia?
R – É, o Rio de Janeiro, (risos) quer dizer, na minha cidade não tinha praia, então o fato de já ter praia, Copacabana. A parte cultural no Piauí era bastante precária. Eu digo em termos de cinema, teatro, essa coisa toda. Embora tivesse a cultura local que eu acho que naquela época a gente não dava tanta importância quando era criança. Hoje é que eu vejo que a cultura esta mais para o Nordeste do que no Sudeste. Essa coisa toda encantava a gente: Escola de Samba, futebol, Maracanã. São coisas que a gente quando tem ali os quinze, dezesseis anos pensa que aquilo é um outro mundo. Então juntou isso tudo. E aí até (risos) o pessoal do Nordeste tem uma história do cabeça chata, que o pai batia na cabeça da criança e dizia: “Quando você crescer você vai para o Rio de Janeiro.” (risos). E por isso a origem do cabeça chata.
P/1 – Agora você está falando da juventude na sua cidade. Vocês como jovens, o que é que vocês faziam? Onde vocês se reuniam? Tinha bailes? Como é que era um pouco dessa juventude lá?
R – É, quer dizer, até o ginásio eu morei em União. Fiz o primário e o ginásio na minha cidade mesmo. Agora a proporção que os mais velho iam crescendo, chegava na fase de Científico, naquela época, corresponde hoje ao segundo grau, a gente tinha um tio irmão da minha mãe que morava em Teresina. E minha mãe terminou também construindo uma casa em Teresina e o pessoal começou a ir para lá, por exemplo, minha irmã Enói foi para lá, depois foi a Elza, depois foi o Juvenal, o Gilberto e a gente foi seguindo esse mesmo roteiro. Então quando chegava na idade de fazer o Científico a gente ia para Teresina. Mas mesmo na época que eu morava em União, a gente ia com uma certa frequência à Teresina, é uma cidade, União fica a sessenta quilômetros de Teresina. Naquela época a viagem, eu lembro, minha primeira viagem foi tipo cinco horas, porque a estrada era muito precária, os ônibus também não tinham as condições que têm hoje. A gente tinha uma parada no meio da viagem para você ter uma idéia (risos).
P/2 - Muito bom.
R – Tomava aquele café com biscoito, com bolo frito, com a pamonha, que é uma outra pamonha, não é essa de milho. É uma pamonha de farinha de trigo, só conheci no Piauí. Não conheci em outro lugar. Então quer dizer, frequência de três em três meses, na época estava no ginásio, eu já ia em Teresina. E normalmente nas férias a gente passava algum período em Teresina. Até porque a minha cidade também não tinha dentista. A gente aproveitava as férias e tratava de dente em Teresina.
P/2 - Que férias, hein? (risos)
R – É (risos). Tinha um lado bom que era Teresina que já tinha parte de cinema. Tinha um teatro lá.
P/1 – Pois é, como é que era um pouco dessa vida cultural na cidade?
R – É, a gente em União teve uma época teve um cinema muito precário, mas em Teresina tinha dois cinemas que eram mais frequentados que é o Rex e o Cine Teatro. O Cine Teatro tinha também, além dos filmes tinha shows. Eu lembro que aquela época o grande nome que fazia sucesso no Piauí é o Waldick Soriano (risos). Não sei se vocês lembram da… É um cantor hoje considerado brega. Embora... A última notícia que eu tive ele morava na Ilha do Governador. Dizem que tem um bom gosto musical. Dizem que tem uma discografia de música clássica muito boa, mas era realmente, essa área hoje chamada brega. Além dos dois filmes tinha ali esses shows. Vicente Celestino cantando “O Ébrio”, deu origem também a um filme. Para mim um dos maiores cantores do Brasil, das vozes que mais me agradou. Hoje teria aí Agnaldo Rayol, tem mais ou menos o mesmo canto. Inclusive gravou algumas coisas de Vicente Celestino. E Carlos Alberto cantava bolero. Eu acho que ainda está vivo. Também tinha muito sucesso por lá. A noite tinha o baile lá no clube, a gente também frequentava. Teresina já tinha um pouco mais de clube, mas a gente ia mais para o que ficava no centro da cidade, onde as coisas aconteciam. Naquela época, nos bairro residenciais, a gente não tinha em geral essa atividade noturna. Tudo se concentrava no centro. Tinha um restaurante lá, um bar restaurante chamado Carnaúba, porque a cerca lá de carnaubeira deitada. Então ficava na esquina da Praça Pedro Segundo onde ficava esses dois cinemas e na esquina seguinte tinha o clube que a gente frequentava. Eu acho que era Clube Diários, se eu não me lembro, se não me falha a memória. Eu falo para o pessoal que eu tenho uma boa memória para esquecer, né? (risos). Então esses detalhes vão realmente se perdendo ao longo da...
P/2 - E as paqueras? Lá no clube? _____
R – É. Isso... (risos)
P/2 - Que música era, o quê? Forró? Com banda, como era?
R – Não, a gente tinha o forró, era mais uma música de interior. Por exemplo, em União a gente tinha mais forró do que em Teresina. Teresina já era esse estilo mais bolero, estilo mais brega. Aí quando surgiram os Beatles, como não podia deixar de ser o yê-yê-yê tomou conta do Brasil todo. Eu já ouvia alguma coisa de Bossa Nova, porque minha irmã mais velha gostava. Eu lembro quando ela levou um disco do Jorge Ben: Chove Chuva. Foi uma música que fez muito sucesso àquela época. Agora, depois dos Beatles e o Roberto Carlos aí os clubes passaram a ter a predominância do ritmo do yê-yê-yê. E aí a gente tinha até um grupo que foi formado lá no Piauí, Os Brasinhas...
P/2 - _____________________
R - … Que a introdução era uma das músicas dos Beatles. E colégio, rio – nossa praia lá era rio – baile, tudo envolve a paquera. E a pracinha, né, que...
P/2 - Pois é, eu pensei na pracinha _________.
R – Você andava naquela praça do interior, as mulheres giravam em uma direção e os homens em uma outra direção. Isso tanto em União quanto em Teresina. Claro que hoje isso não existe mais, mas naquela época era isso. A gente ficava rodando, roçava o braço um no outro e aí dependendo do clima, se desse luz alta a gente encostava (risos).
P/2 - Luz alta é bom (risos).
R – Começava a conversar e às vezes rolava. E depois nos bailes, né?
P/2 - E você veio para o Rio com quantos anos mais ou menos? ________
R – Eu vim para o Rio em 69, eu estava com dezenove anos. Eu ia fazer vinte anos em julho, eu cheguei aqui no início de março. Uma época realmente efervescente. Eu cheguei aqui, como esse meu irmão já estava aqui tinha uma colônia de nordestino ali no Catete, onde eu fui morar. Primeira rua que eu morei aqui foi a Bento Lisboa, esquina do Largo do Machado. O Largo do Machado, inclusive, à época tinha o nome de Praça dos Paraíbas. A exemplo lá da Praça do Lido lá em Copacabana. Então tinha ali uma colônia de nordestino, e a gente chegou aqui com pouco recurso e a gente pagava refeição no Calabouço. O Calabouço estava funcionando provisoriamente em um galpão ali próximo ao Aeroporto Santos Dumont. Ele antes era hoje onde é o Trevo dos Estudantes, e havia essa promessa de reconstrução do antigo Calabouço, que não veio a acontecer pela tragédia que aconteceu logo depois. Quer dizer, eu frequentei o Calabouço muito pouco tempo, porque logo depois teve a invasão do Calabouço, a morte do Edson e a partir dali encerrou o Calabouço e a gente começou a procurar os bandejões aí da cidade. Tinha o bandejão ali dos Bandeirantes, lá da Fundação Getúlio Vargas, e nas diversas universidades. Então esse foi o começo do Rio de Janeiro. E é claro quando eu cheguei aqui também, eu ainda estava naquela febre do yê-yê-yê, aí comecei a procurar alguns clubes aqui. A praia realmente para mim foi uma coisa muito agradável. Tinha, naquela época, uma grande frequência à praia. Eu ia à praia com muita frequência. Morava ali no Catete, a Praia do Flamengo ainda era banhável àquela época. A gente normalmente frequentava ali a altura da Rua Paissandu, era onde tinha alguns grupo que jogavam vôlei e as turminhas que a gente foi formando. A gente tinha o Paissandu que era famoso àquela época. Tanto o cinema quanto os barzinhos que ficavam ali na calçada. Era chamado a área alternativa ali da nossa região. E a gente vivia por ali. Eu estudava na Presidente Wilson onde ficava o Baiense, mais ou menos onde ficava a Academia Brasileira de Letras hoje. E quase em frente também ao Consulado Americano.
P/2 - __________
R – Àquela época era Embaixada.
P/1 – E nessa época você, de alguma forma, se inseriu no movimento estudantil?
R – É, eu cheguei aqui… A minha formação política ainda não foi dizer que eu tinha grandes conhecimentos, embora também não fosse um leigo, né? Mas não tinha, vamos dizer, aquela visão que eu via, por exemplo, no pessoal que frequentava o Calabouço. Todo dia a gente tinha um discurso, um discurso não, diversos discursos. E sempre contestando a forma como a ditadura tratava a estudantada. A confusão do Calabouço foi… Na época o Governador do Rio de Janeiro era o Negrão de Lima. Quer dizer, eu tinha ido jantar no dia que o Edson foi morto. Eu estudava com um colega ali no Baiense. A gente ia almoçar no Calabouço. Em geral a gente ia estudar na Biblioteca ali do Ministério da Fazenda para aguardar a hora da janta e economizar o do ônibus, porque a gente ficava próximo. Aí nós fomos jantar, quando a gente está saindo já tinham começado aquela algazarra. Depois a gente foi saber qual era o motivo, quer dizer, essa retomada do antigo espaço do Calabouço, o pessoal tinha uma reunião marcada para o dia seguinte com o Negrão de Lima para tratar do assunto. Aí na véspera ele diz que não ia ter mais o antigo Calabouço. Era aquele, e se o pessoal quisesse era aquilo mesmo. Aí começou a aglomeração. Foi quando chegaram os policiais. Deram lá os tiros e atingiram o garoto, que deu margem àquela efervescência do movimento de 68. A passeata dos cem mil, né? O garoto foi morto. Levaram ali para a Santa Casa de Misericórdia. Aí ficou aquela confusão da autópsia. Não queriam fazer na frente dos estudantes. Os estudantes não deixaram. Depois levaram para a Assembléia Legislativa que era ali na Cinelândia, onde hoje funciona a Câmara. Continuou a mesma confusão. Faz a autópsia ou não faz? Na presença dos estudantes ou não? Até que resolveram fazer a autópsia na presença dos estudantes. Na época quem fez a autópsia era o Deputado Estadual Jamil Haddad.
P/2 - _________________
R – Ainda hoje está vivo aí. Foi quem fez a autópsia do Edson.
P/2 - Isso deu para você acompanhar ou você soube ________________
R – Isso deu para eu acompanhar. Quer dizer, quando eu soube da confusão a gente voltou. A aglomeração já estava ali em torno da Santa Casa de Misericórdia e depois a gente foi até a Cinelândia. Aquilo virou a noite. O pessoal botou uma Bandeira Nacional para arrecadar fundos para o enterro, porque o Governo queria pagar o enterro, mas os estudantes não aceitaram. E depois dar o acompanhamento para o enterro até o Cemitério São João Batista. Não sei se vocês lembram, as luzes apagaram e os estudantes fizeram tochas de fogo, madeira, vela e papel e uma boa trajetória foi no escuro. E logo depois disso é que veio a famosa passeata dos cem mil. O grande líder da época era o Vladimir Palmeiras, continua aí também na ativa. E Travassos.
P/2 - Você foi na passeata?
R – Fui. Essa passeata eu lembro a figura de alguns padres, algumas freiras. Eu lembro do Chico Buarque também no movimento.
P/2 - Esses acontecimentos que te deram...
R – Aí acenderam a luz, né? Falei: “tem alguma coisa aí no ar”. Aí entendeu, comecei a ler, me inteirar e comecei a ter uma militância também política. A gente tinha sempre algum movimento. O Ministério da Educação ficava ali próximo do Baiense, onde hoje funciona alguma coisa do Ministério da Cultura. Aquele prédio que fica ali na Graça Aranha, o Capanema. O Edifício Capanema.
P/2 - Ah é, o famoso.
R – Então quer dizer...
P/2 - O Mec, né?
R – O Mec, é. Quando tinha algum movimento de estudantes a turma acampava por ali. Queria audiência com o Ministro da Educação.
P/2 – Mas aí você já estava na Universidade?
R – Não, não.
P/2 - Isso ainda se preparando, né?
R – Isso foi em 68, quando eu estava fazendo pré-vestibular. Toda esses acontecimentos eu estava fazendo o Baiense ainda, o curso preparatório para o pré-vestibular. Aí quer dizer, eu passei para a Candido Mendes. E o pessoal da Candido Mendes também tinha uma militância forte. O Diretório inclusive foi invadido, quebraram as máquinas de datilografia, xerox, etc e tal. Tinha uma participação importante. Quer dizer, na época quem estudava lá também fazia Economia, só que naquela época era anual, não era semestral. Gonzaguinha fazia Economia na Candido Mendes. Estudou um ano lá.
P/1 – Você passou então para Economia na Candido Mendes. Em que ano foi isso, Saraiva?
R – 69.
P/2 - Deixa só eu voltar uma pergunta.
R – Final de 68 para 69. Comecei em março lá na...
P/2 - Você estava contando que quando você ainda estava no Piauí você pensava até pela própria formação do colégio em fazer Engenharia. E aqui no Rio você mudou. Teve alguma razão que te despertasse para Economia?
R – Quer dizer, não era só... Não era só no colégio, não. No Piauí não se falava em outra.
P/2 - Em outra profissão.
R - Era Engenharia e Medicina, embora lá tivesse a Faculdade de Direito. É, acho que a faculdade mais antiga do Piauí.
P/2 - Do Brasil, né?
R – Mas toda infância ou até o final do segundo grau a gente falava: “ou vai fazer Engenharia ou o outro vai fazer Medicina”. Um ou outro dizia que ia fazer Agronomia, a gente achava que o cara era maluco, ou uma Filosofia, por exemplo. Mas é, quando eu cheguei à conclusão que não era a minha área Engenharia eu fui ver quais as carreiras que existiam. Comecei a ler e via que aquela parte de finanças me trazia interesse. Aí isso foi mais ou menos em agosto, e aí eu deixei o cursinho pré vestibular e fui estudar com os amigos em casa mesmo.
P/2 - Então foi por essa sua pesquisa mesmo, né? _____
R – É, eu como não era aquela eu fui ver o que é que, mas estava dentro do meu campo de interesse.
P/2 - Está certo.
R – E achei que o programa de Economia me interessava.
P/1 – No seu período de faculdade algum professor lhe marcou mais nesse teu curso?
R – Certo. Eu lembro que eu tive uma professora, Helga Magdalena. Era professora de Macroeconomia, acho que foi uma pessoa que me alertou para me dedicar um pouco mais ao estudo, porque eu da mesma forma que eu gostava de estudar, eu gostava do que o pessoal chama da malandragem, de praia, cinema, baile, teatro. Quer dizer, em setenta foi fundada a feira hippie. Foi outro movimento que marcou muito a gente na época. Aí tinha uns dois colegas, ele terminou sendo expositor na feira hippie durante algum tempo. Alguns até ainda continuam lá.
P/2 - Mas você fazia artesanato também?
R – É.
P/2 - O que é que você fazia?
R – A gente mexia com couro. Era bolsa, cinto, sandália, mas eu ficava mais na parte, vamos dizer, de criação. Porque trabalho manual nunca foi muito minha vocação. Embora no interior tenha trabalhado muito com essa parte. A gente fazia aquelas sandálias de couro com solado de pneu de borracha. Para cortar aquela borracha tinha que ter disposição, mas tinha uns três ali que tinham essa disposição. E a gente ficava bolando os modelos e metia a mão na massa, mas mais devagar, né?
P/1 – Mas vocês ocuparam, é a Praça General Osório, não é isso?
R – Sim.
P/1 – Vocês ocuparam informalmente o espaço?
R – Informalmente. Depois aquilo ficou reconhecido, inclusive como roteiro turístico, porque a gente tinha lá de turista, não só do próprio Brasil como de fora, enormidade. Depois eu acompanhei um pouco a evolução daquilo, burocratizaram demais e hoje você vai lá e tem muitos produtos industrializados. Então perdeu aquele espírito. Na época a gente botava um pedaço de lona no chão e era no chão mesmo. Porque aquilo...
P/1 – E o nome “Feira Hippie”? Vocês que deram ou foi a sociedade que acabou chamando vocês de hippie e informalmente se tornou...
R – É, quer dizer, como a maioria dos expositores era cabeludo e tinha aquela forma de se vestir, acho que o próprio movimento se auto denominou Feira Hippie. Isso foi em 1970, né? Foi inaugurada a...
P/1 – Como é que você se vestia?
R – É... (risos) já no Piauí algumas pessoas... Eu andei copiando essa, ___ eu tinha uma costureira, eu andei copiando alguns modelos de roupa do Roberto Carlos, na época, era o grande ídolo. Beatles e Roberto Carlos. E na época de Feira Hippie, quer dizer, eu tinha minha indumentária, vamos dizer normal. Gostava de uma bata, e sempre gostei de roupas floridas, coloridas, etc e tal.
P/1 – Bata (risos), é um nome que há tanto tempo a gente não ouve (risos).
P/2 - Voltaram a usar bata.
P/1 – Voltou bata, mas hoje são duzentos reais uma bata (risos).
R – Ah, agora um pouco mais sofisticada. Um pouco não, bem mais sofisticada, né? A gente, uma época também, esteve muito na moda fazer franjinha, né, na...
P/2 - Na calça.
R - … na calça jeans.
P/2 - Na bainha.
R – Na bainha, cobrindo o sapato. Teve a boca-de-sino.
P/1 – Comprava calça jeans naquele shopping de Copacabana? Não tinha um shopping lá na _________
R – Tinha ali na Siqueira Campos.
P/1 – Siqueira Campos.
R – Tinha, não só jeans, como tinha roupa de militares ou imitando, mas gostava muito de bata, mandava fazer umas batas, umas inclusive longas. Eu lembro até que uma época eu ia atravessando um túnel ali da Barata Ribeiro, e vinha uma, uma menina em sentido contrário a mim. Eu senti que ela estava um pouco assustada. Aí eu digo: “Já que ela está assustada eu vou assustar”. E quando eu cruzei com ela eu dei um berro. A menina disparou, foi embora (risos).
P/2 - Mas tinha...
R – Então, naquela época cabeludo ainda era uma coisa assim, que não era muito aceita, tá certo? E sempre dava a impressão do malandro, do xinxeiro, aquela coisa toda não. Então uma época em que a gente enfrentou alguns preconceitos.
P/1 – E aí a faculdade você concluiu em que ano?
R – Eu terminei em 72. Em 72 eu me formei. Eu continuei nessa empresa, quando foi...
P/1 – Que empresa?
R – É uma empresa de construção civil. Rui Moreira Ribeiro Companhia Ltda. Comecei a trabalhar lá em 69, e às vezes eu ia de camiseta. Quer dizer, misturando aquela figura que chamavam de hippie, na época, com escritório às vezes até chocava algumas pessoas que chegavam ali. “O que esse cara faz aí?” “Não, ele trabalha aqui.” Então...
P/2 - E no seu trabalho reclamavam ou não? Não deixavam?
R – Olha, era uma empresa pequena. O dono da empresa que era o Rui Moreira Ribeiro, pernambucano e a figura muito parecida com o Zagallo. Ele não gostava mas também não reclamava. Quer dizer, eu tive sempre uma preocupação de fazer as coisas bem feito. Então apesar disso terminou ocorrendo tudo bem. Tinha um outro engenheiro que era calculista. Nós trabalhávamos mais ou menos em conjunto: um fazia o cálculo o outro fazia a construção, era casado também com uma piauiense. Tinha um advogado, o Porto, era irmão desse ator Paulo Porto. Tinha um escritório do lado. E ______ virando aquilo uma família. Era ali na Avenida Churchill, do lado do, tinha o Ministério da Aeronáutica. A Aeronáutica ainda continua lá. Então a coisa terminou transcorrendo bem. Ficou aquela coisa das brincadeiras e aí não ligaram muito para isso, não.
P/1 – Mas você trabalha como economista depois na empresa?
R – É, eu comecei lá nessa parte de escritório como escriturário. E aí quer dizer, foi desenvolvendo o trabalho. Depois comecei a mexer com a parte de orçamento e custo de obra. Aí quando terminei eu continuei como economista lá até ir para a Floresta Rio Doce, lá em Belo Horizonte. Mas foi em 74, eu vi um anúncio no jornal para o curso de trainee da Vale do Rio Doce. Na época esse curso foi desenvolvido pelo vice-presidente da Vale do Rio Doce, o Hans Werner, algo nesse sentido. Um alemão. E a gente fez um curso de oito meses na Fundação Getúlio Vargas. E aí quem passasse nesse curso seria empregado em uma das empresas da Companhia Vale do Rio Doce. Aí perguntaram se eu aceitaria ir para Belo Horizonte trabalhar na Floresta Rio Doce que tratava do reflorestamento. A outra subsidiária que era a Cenibra, pegava a madeira e transformava em celulose e aquela enormidade do grupo Vale do Rio Doce, foi uma coisa que eu acho que me deu muita experiência, foi a época que eu tive contato com computação. A gente tinha o CPD da Vale lá em Vitória, e aí reunia o pessoal do grupo todo para ali no início do mês, entre dia cinco e dia dez fechar os demonstrativos financeiros de todo o grupo. Aí entrava primeiro a Vale do Rio Doce e depois vinham aquelas mais importantes. E a gente fazia também uma farra lá em Vitória, lá em Belo Horizonte também não tinha praia, para ir à praia tinha que ir para Vitória ou Rio de Janeiro, então era também uma festa essa ida.
P/1 - Mas quando você entrou na Vale, quer dizer, você tinha a dimensão da enormidade que era essa empresa?
R – Tinha. Essa época eu já tinha uma noção do mundo, vamos dizer assim. E é claro que você quando chega lá dentro, vai conhecer mais profundamente, vai ver que é muito maior do que você imaginava. Eu acho que àquela época eram 22 empresas do Grupo Vale do Rio Doce. Quer dizer, atuando principalmente ali em Minas e Espírito Santo, mas depois se espalhando pelo Brasil. Minas Gerais, eu acho que o desenvolvimento de Minas, passa pela existência da Vale do Rio Doce. E o Espírito Santo depois, por causa do porto, e parte também de reflorestamento, tinha uma parte no Espírito Santo. E a, inclusive a fazenda que a Vale tinha para fazer plantio lá das plantas naturais da reserva florestal era em Linhares, no Espírito Santo. Então aqueles dois estados deve muito seu desenvolvimento à existência da Vale do Rio Doce.
P/1 – E de alguma forma você se engajou, por exemplo, em uma associação de funcionários dessa empresa? Participava de atividades quer sejam políticas, culturais ou sociais ligadas aos funcionários, empregados?
R – É, minha primeira inserção nesse campo... Porque na Vale do Rio Doce à época eu não conheci nenhum movimento nesse sentido lá em Belo Horizonte. Mas quando eu fui para o Banco Central, ainda em Belo Horizonte já tinha a Asbac, associação do pessoal do Banco Central. O Banco Central em Belo Horizonte, pequeno, sei lá uns quarenta...
P/1 – Quando é que você se transfere? Quando é que você vai para o Banco Central?
R – Banco Central em 76. Aí teve uma eleição lá para a Asbac, para sessão Belo Horizonte, e aí eu participei daquela eleição. Quer dizer, já tinha também, em Belo Horizonte tinha participado do Conselho Regional de Economia, eu fui conselheiro lá no Conselho Regional de Economia. E fui chefe do Departamento de Fiscalização do Corecon. E a gente trabalhava em conjunto também com o Sindicato dos Economistas lá em Belo Horizonte. Mesmo espaço físico onde funcionava o Conselho funcionava o Sindicato.
P/1 – E como é que se deu essa sua ida para o Banco Central? Foi concurso? Foi convidado? Como é que foi?
R – Esse período que eu fiquei na Floresta Rio Doce, quer dizer, eu tinha sempre aquele desejo de voltar para o Rio ou à própria Vale ou para uma outra empresa. E aí surgiram alguns concursos em torno de 76. Eu fiz concurso para o Ministério da Fazenda, fiz concurso para o Banco Central e fiz concurso para o BNDES. Dos três o que me chamou primeiro foi o Banco Central. Como os concursos foram ali muito próximos, você vê que o meu período no Banco Central foi menos de seis meses. O Banco Central me chamou, final de 76, e no início de 77 o BNDES me chamou. Logo depois que eu entrei no BNDES, eu tinha feito concurso para Fiscal de Tributos Federais do Ministério da Fazenda o Ministério da Fazenda me chamou, mas aí eu optei ficar no BNDES. Achei que tinha mudado em pouco tempo. O BNDES, quer dizer, um local que eu gostei. Tinha já também a noção da importância do BNDES para o desenvolvimento do Brasil, e também o ambiente.
P/1 – Qual era o ambiente?
P/2 - O ambiente da cidade ou ambiente do próprio...
P/1 – Do banco.
R – Não, ambiente de trabalho.
P/2 - Do trabalho.
R – Eu entrei no BNDES nesse Departamento de Recursos. Na época o banco era muito espalhado em termos físicos. Ele ocupava o prédio central ali na Rio Branco, esquina de Visconde de Inhaúma e ocupava mais pelo menos, acho que uns dez endereços. Um andar aqui, dois acolá. E esse departamento que eu fui trabalhar ficava na Visconde de Inhaúma. Ali em frente à igreja, acho que é Santa Rita, né? Ali perto do Beco da Sardinha. E era só o nosso departamento. Então aquilo...
P/2 – Esse depar... Perdão, esse departamento de?
R – De recursos.
P/2 - De recursos.
R – Captação e... De recursos. O chefe, na época, era o Barcala. Quem entrou também na mesma época nesse mesmo concurso foi o Isaac. Foi trabalhar também nesse mesmo departamento, é do mesmo concurso. Hoje é o diretor da área de administração.
P/1 – Quais eram as atribuições desse departamento?
R – É, o Departamento de Recursos, na época, já havia uma grande discussão ali no departamento com relação também à participação do BNDES no Mercado de Capitais. Então tinha uma gerência de Mercado de Capitais e tinha uma gerência de captação de recursos. Foi quando acho que o Isaac começou a ter contato com as instituições financeiras internacionais, ele logo depois assumiu o cargo de gerente, quer dizer, a captação de recursos no exterior é feito lá através do Departamento de Recursos. E eu fiquei na gerência, gerência embrionária de Mercado de Capitais. O Zé Ribamar era o grande mentor dessa idéia, terminou sedimentando essa idéia. E depois essa gerência virou o Departamento de Mercado de Capitais. Então a gente tinha ali umas quarenta pessoas no departamento. A gente era muito unido, almoçava, normalmente na sexta-feira saía para tomar um chope. A gente já estava ali do lado do Beco da Sardinha. Tinha um restaurante ali do lado que a gente comia paca, que os ecologistas não nos ouçam, né?
P/2 - Paca?
R – É, realmente aquilo foi um clima que eu acho muito agradável. E claro, na época, havia também uma atrativo no BNDES que era financiamento de casa própria, Plano de Saúde também muito bom. Então essas coisas não me motivaram a trocar de emprego já que eu tinha saído do Banco Central há menos de seis meses.
P/1 – O que é interessante ver é como havia essa oferta de trabalho, né?
R – É, eu tenho...
P/1 – Você como economista, assim como havia emprego.
R – Eu...
P/1 - … e nessas instituições, né?
R – Eu falei nessas três oportunidades, mas na verdade para o Ministério da Fazenda eu fiz também um concurso para economista. Eu fiz para Fiscal de Tributos Federais, para economista. Só que esse até depois eu esqueci. Fiz um concurso para a Susep e fiz um concurso para a Sunab. Só que esses três salários eram bem inferiores às outras três. Então quer dizer, eu de repente tinha seis oportunidades de trabalho e de trabalho de qualidade. Obviamente eu citei esses três porque esses três são aqueles que estavam mais ou menos na mesma faixa salarial. Então realmente...
P/2 - Com os benefícios ainda, e com...
R – É, se a gente comparar com a situação de hoje, dessa meninada que está saindo das universidades sem perspectiva de trabalho, faz muita diferença. Aquela época quem quisesse trabalhar tinha muito mais oportunidade do que hoje.
P/1 – E aí você permanece nesse Departamento de Recursos até quando?
R – Pois é, aí é que eu te digo, eu não sei, mas eu acho que uns quatro anos mais ou menos. Ou cinco anos depois foi criado o Departamento de Mercado de Capitais. E aí a gente já passou a ser um departamento autônomo do Derec [Departamento de Recuperação e Créditos]. Eu nunca trabalhei no prédio sede, da sede do banco, a antiga sede. A gente ficou uma época ali na Candelária. Era um prédio onde ficava o Banespa em baixo. Depois próximo do banco, prédio ali também na Rio Branco, onde ficava a loja da Tavares, a loja de roupas em baixo. E eu só vim a trabalhar na sede do banco quando foi construída a nova sede do, do...
P/2 - Da Chile?
R – Da Avenida Chile. Então quer dizer, essa passagem de Derec para Demec para mim não teve grandes mudanças, porque foi uma gerência que ganhou uma amplitude de departamento.
P/1 – Já se usava essa sigla na época? Derec, Demec, vocês falavam assim?
R – Sim, o Demec veio de dentro do Derec. Aí continuou existindo...
P/1 – Não, eu sei...
R - … o Derec e o Demec, que era o Departamento de Mercado de Capitais.
P/2 - E me diga uma coisa: você também, como economista, como é que está a situação do país nesse momento, por 77, 78? Como é que o banco estava sentindo? O que se discutia da política econômica?
R – O que aconteceu com...
P/2 - Do país, do próprio mercado de capitais.
R – Pois é, aquela época o presidente do banco era o Marcos Viana. O Marcos Viana desse período todo que eu estou no banco foi o presidente que eu conheci que ficou mais tempo no banco. Até porque na época também, o ministro Reis Veloso – cujo Ministério a gente estava vinculado – ficou dois períodos no Ministério. Então era uma fase que eu acho que a economia não tinha grandes abalos. A gente não tinha, por exemplo, esses sustos que a gente escuta falar hoje. O risco de um país ir à bancarrota etc e tal. Acho que o banco tinha uma presença mais forte na economia. Não só pela sua atuação como pela sua participação nos planos de Governo. Esse período ainda não havia essa centralização excessiva do poder como hoje ocorre, exemplo com o Malan, é o super-ministro que todo mundo tem que se reportar a ele. Naquela época o Reis Veloso que era o ministro. Eu não sei se era Planejamento ou um outro Ministério, tinha autonomia de ação como tinha autonomia de ação o ministro de Agricultura, ministro de Transporte. Não havia essa concentração de poder na mão de um único ministro. E o banco participava muito da elaboração dos planos de Governo. Então era uma coisa que tinha uma expressão, acho que em termos de país maior. Embora o BNDES hoje administre uma gama de recursos muito maior do que aquela época obviamente, mas eu digo, havia a visão do BNDES como um órgão onde tinham elaboradores, pensadores, economistas que tinham contribuições a dar aos planos de Governo. A gente percebia também um, embora na época da ditadura, uma discussão interna maior em relação às funções do BNDES.
P/2 - Qual era o foco de atuação do banco nessa época? Tinha alguma prioridade? Qual era?
R – O banco se a gente for ver, quer dizer, o BNDES foi criado para fazer infraestrutura para a industrialização do Brasil, depois veio com a parte de substituição de importação. E ao longo do tempo se a gente vai vendo, embora obviamente cada período tenha lá suas prioridades, mas eu acho que nessa época o banco já atuava em toda a economia brasileira. Eu acho que todo o setor industrial, principalmente, tenha a presença do BNDES. Depois é claro, o banco também ultrapassou as fronteiras da indústria e começou a atuar em outros segmentos. Mas essa época o banco já tinha realmente uma expressão bem maior do que aquela do seu início, que era focado para assentar as bases da industrialização brasileira. Uma época era a petroquímica, outra época era o, sei lá, indústria de ponta e por aí vai, mas sempre ampliando mais as funções.
P/1 – Você falou de período militar. Tinham militares no BNDES?
R – Muito pouco. Quer dizer, se a gente for pensar em militar enquanto estrutura de poder a gente percebe que o BNDES ficou quase que imune a essa interferência. Se a gente for comparar com aí com as outras instituições, a própria Vale do Rio Doce, a Petrobrás é que tinha presença mais marcante. O BNDES pouco teve interferência com relação à participação de militares dentro da instituição.
P/1 – Agora em relação ao Departamento de Contabilidade que você __________
R – Já no Demec, eu comecei a participar da Associação, e aí fui conselheiro da Associação, ali no final da década de oitenta. O Conselho Deliberativo da Associação é que elegeu o vice-presidente. Eu fui o vice-presidente. E aí na sucessão de 88 eu participei encabeçando uma chapa que ganhou a eleição. E eu fiquei então quatro anos na Associação. Ao mesmo tempo que eu estava na Associação no final do segundo mandato, a gente só podia se eleger no máximo para dois mandatos consecutivos, teve discussão com relação a sindicalização do pessoal do banco. Porque até a Constituição de 88 os empregados públicos, das empresas públicas, eram proibidos de se sindicalizar. Na Constituição de 88 essa questão foi encerrada. Passou a ter direito de sindicalização todos os empregados, inclusive do setor público e das empresas públicas. Aí veio a discussão em relação a qual sindicato que a gente deveria se filiar. Havia discussão lá dentro do sindicato específico ou Sindicato dos Bancários, porque essa discussão também aconteceu no Banco Central. E aí tinha um segmento que embora minoritário, pensou nisso. Inclusive se juntar ao Banco Central porque achava que a gente era diferente dos bancários em geral. Mas prevaleceu esse nosso entendimento que deveria ser Sindicato dos Bancários. A gente fez uma assembléia, acho que 90% optaram pelo Sindicato dos Bancários e a gente se sindicalizou. E eu participei também na direção de uma dessas eleições e fiquei uns dois anos no sindicato também.
P/1 – Voltando um pouquinho: o que é que te motivou a encabeçar uma chapa na Associação dos Funcionários do BNDES?
R – É, a gente teve no banco um movimento dos empregados que eles chamaram, foi denominado Movimento Participação. Quando a gente começou a discutir papel da Associação como um papel além daquele apenas de recreação, lazer, social, social no sentido de festa, de eventos sociais.
P/1 – Que ela até então funcionava...
R – Ela começou com esse espírito. E aí esse Movimento começou a participar do Conselho. Começou a entender que ela deveria ter também um papel de representatividade, de reivindicação, já que a gente não tinha sindicato àquela época. Então o Movimento de Participação tem como início a gestão do Ivo. Foi o Ivo, ficou dois anos, dois mandatos, quatro anos. Depois a Sandra, mais quatro anos e depois que eu vim. Então quer dizer, o Movimento de Participação remonta aí o início de oitenta.
P/2 - Você pode dar o nome completo do Ivo e da Sandra?
R – Ivo Galvão, e a Sandra à época era Neiva. Hoje ela é Sandra Carvalho, separou e mudou de nome. Então foi o início, vamos dizer, das gestões que tiveram a presença do Movimento de Participação.
P/1 – Saraiva, então você podia falar um pouco mais do seu trabalho no Demec? Contar para a gente como é que era o trabalho?
R – É, quer dizer, eu falei daquela parte que a gente tava dentro do Derec, depois passou a ser um departamento e acho que foi um período muito rico na minha atuação no banco. Porque ao mesmo tempo que a gente fazia as análises para lançamento de debêntures, de ações, a gente tinha projetos e empresas que também estavam fazendo outros projetos que tinha participação do que a gente chama de áreas operacionais do Banco. E aí a gente tinha uma equipe multidisciplinar e a gente visitava as empresas. Foi uma época em que eu conheci a indústria de corpo presente. Acho que é fundamental para a gente que trabalha nessa área, tanto de mercado de capitais quanto na área de financiamento. E também possibilitou maior integração com os empregados dos outros setores. Conhecer algumas coisas que eu não conhecia na parte de engenharia e de funcionamento, o processo produtivo das empresas e também me deu oportunidade de conhecer boa parte desse Brasil. Embora...
P/1 – Fala um pouco dessas viagens conhecendo o Brasil.
R - Embora eu, vamos dizer, eu conhecesse relativamente bem o Nordeste, a parte do Sul eu não conhecia. Então eu visitei empresa no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. E aí você vê que realmente tem alguns países dentro de um só, as culturas, formas de expressão, forma de trabalhar, forma de se organizar. O Sul é realmente uma vida próxima do europeu. São Paulo acho que mais próxima da vida Americana. O Rio de Janeiro como Nova Iorque. Uma mistura de diversas culturas. Aí não dá para dizer se é isso ou aquilo outro e ver como o Brasil… Eu conheci muito o Brasil viajando a trabalho e uma boa parte viajando de férias. A gente vê, por exemplo a indústria do turismo aqui no Brasil, tem um campão enorme para explorar dada as riquezas: fauna, flora, culturas, expressões, o folclore, música, dança, teatro. Então, quer dizer, me possibilitou isso também, ao mesmo tempo que desenvolvia um trabalho que gostava isso me acrescentava um algo mais que é você viajar. É importante você viajar para trocar idéias, trocar informações e conhecer o país que você nasceu. Então eu acho que isso foi tanto profissionalmente como pessoalmente, foi o período, eu diria, mais rico da minha atuação no Banco. Eu digo dentro do Banco, porque na Associação também eu acho que a experiência é fabulosa.
P/2 – Mas você viajava com quem? Como é que era um pouco dessas viagens?
P/1 – Isso faz parte da cultura do banco?
R – É, o banco...
P/1 – Em conhecer os projetos, as indústrias.
R – Eu acho que uma das coisas importantes é você, além da questão teórica, do conhecimento intelectual que você coloca no papel pela sua formação, você conhecer fisicamente para saber o que é uma empresa, como ela funciona e as suas dificuldades, os seus processos evolutivos, como é que a gente está em relação aos outros países. Então eu acho que essa parte da viagem é parte integrante do trabalho do banco e isso é reconhecido. Tanto é que sempre foi feito assim e continua sendo feito assim. Quer dizer, não é só abstração teórica, você tem o conhecimento na prática de como é que as coisas funcionam. Eu acho isso muito rico para o seu desenvolvimento profissional e pessoal também, conhecer outras culturas, outras formas de expressão.
P/2 - Alguma que tenha lhe marcado mais nessas viagens, alguma...
P/1 – Alguma dessas empresas justamente que você achou mais legal, mais interessante o tipo de trabalho? Diferente?
R – Olha, eu diria o seguinte, em termos de Brasil para mim o Sul foi uma surpresa. O Nordeste já conhecia, mas o que deu para constatar é que o brasileiro trabalha, trabalha muito. Seja no Sul, seja no Sudeste, seja no Nordeste. Tem umas teses aí de que o nordestino é preguiçoso, o baiano mais ainda, né? Mas se você for ver nas empresas a dedicação ao trabalho é igual. É claro, a forma do pessoal do Sul trabalhar aparentemente é uma forma mais séria. Quer dizer, o nordestino é mais brincalhão, o mineiro é mais calado. Mas em São Paulo realmente eu achei um pouco rígido, sabe como que é? Não é, por exemplo mesmo o Sul que é uma cultura européia não é aquela coisa, vamos dizer, fechada dentro de um esquema. São Paulo, eu acho, embora o Caetano tenha feito uma música lá para São Paulo, eu acho que São Paulo tem pouco jogo de cintura. Acho que o relacionamento tanto no Sul, como no Norte, Nordeste, o Rio de Janeiro é, isso aqui é hors-concours, quem não se der bem no Rio de Janeiro não vai se dar bem em lugar nenhum.
P/1 – Você foi a trabalho para o Piauí?
R – Não, estive em Pernambuco, estive na Bahia, São Paulo algumas vezes. Minas, Mato Grosso do Sul. Estive... Os três estados do Sul eu conheci pelo BNDES, né? Claro, depois eu voltei, mas a primeira vez que eu conheci Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul foi através do trabalho do Banco. No Nordeste também estive na Paraíba, estive no Pará. Então quer dizer, entre viagens de serviço e viagens de lazer eu hoje só não conheço o Amazonas e o Mato Grosso, o restante do Brasil eu conheço. Acho que dá para ter uma noção da dimensão e da grandeza deste país, e da riqueza que tem nele. Eu acho que o Brasil é um país que para não dar certo tem que fazer (risos) muito estrago com ele.
P/1 – O Banco está com um projeto muito bonito no Piauí, ___ Teresina. Do multissetorial integrado. O que você acha desse projeto, Antonio?
R – Olha, eu realmente não conheço esse projeto. Você sabe, eu tenho certamente quase quinze anos que não vou para o Piauí.
P/1 – É mesmo? Tanto tempo assim?
R – (risos) Não é que eu não goste de lá, não, mas é que a família cresce e as atividades vão se multiplicando. E aí eu estou, até conversei com meu outro irmão que ora aqui para ver se a gente, o ano que vem, passa uns quinze dias lá no Piauí. Quando eu saí do Piauí, o Piauí quase não tinha indústria, o setor industrial lá ainda é muito precário, e eu sei que o banco apoiou umas duas ou três empresas lá, mas ainda o processo de industrialização do Piauí, acho que mesmo hoje ainda é incipiente.
P/1 – Mais alguma história dessas viagens que você contaria? Ou algum projeto também de alguma empresa que cresceu ao longo desses anos que você também acompanhou?
R – Eu não, que eu me lembro não visitei grandes empresas que sejam desses grandes grupos. Eu me lembro que quando eu visitei a Maguary era empresa nacional. Parece que a Souza Cruz comprou. Aquela fábrica de sucos, o que me chamou a atenção é que o processo de produção de castanha era quase igual ao que eu fazia lá em casa. Eu tinha impressão que aquela coisa era um canto lá em uma sala que eles faziam aqueles processos, quer dizer: não era exatamente igual, mas em nada mudava. Mas, por exemplo, quando eu visitei empresas no Sul a Altona, aquela empresa na área de metalurgia.
P/1 – Qual é o nome?
R – Altona, ________. Ao menos você vê, metalurgia é aquela imundície só. E aí você vê uma empresa relativamente limpa, aquela cultura alemã. Então você tem essas surpresas, porque para mim, olha, empresa grande depois que eu conheci a Vale do Rio Doce, aí grande mesmo tinha a Petrobrás. Eu acho que não tem nada nesse porte no Brasil, como eu falei, na época eu acho que eram 22 empresas que faziam parte do grupo. A empresa que eu acho, esse é o meu entendimento, não vi razão para ser privatizada. Eu até concordo que algumas que estavam por aí devessem ser privatizadas, mas Vale do Rio Doce eu não vejo motivo pela riqueza que era o grupo, pelo potencial de riqueza que ainda tem a ser explorado. Segundo algumas informações têm minério de ferro que tem reserva de quatrocentos anos. Então o recurso arrecadado, três bilhões é irrisório. Se a gente pensar que o Governo botou três bilhões dentro do Banerj para privatizar o Banerj por trezentos bilhões. Então três bilhões foi o que foi injetado no Banerj para saneá-lo, principalmente pelas dívidas do metrô, para vender por trezentos bilhões. Então não justifica uma Vale do Rio Doce ser privatizada por três bilhões. No meio dessa montanha que são as nossas dívidas internas e externa, isso não representa juro de quinze dias.
P/1 – Como ficou a posição dos funcionários, de uma maneira geral, em relação às privatizações? Ouve...
R – É, esse eu acho que foi o período mais polêmico no Banco, porque se por um lado, vamos dizer, você tem uma visão enquanto estudioso de algumas questões, o Banco - e aí para a população isso não passa - o banco cumpre uma função operacional do Programa Nacional de Desestatização que é definido pelo Governo. Enquanto órgão do Governo não pode se rebelar contra as suas atribuições... Embora, por exemplo, eu tenha uma visão diferente do que está sendo feito, mas as funções que a gente desenvolve ali é para colocar o banco em operação. Então havia esse conflito em algumas pessoas, que pessoalmente, politicamente não achavam o Programa da forma como ele foi desenvolvido, a melhor forma mas a gente enquanto empregado tem que cumprir as nossas atividades. O banco era apenas o gestor do programa defino lá pelo Governo através do Programa Nacional de Desestatização.
P/1 – Mas houve alguma manifestação interna dos funcionários? Não?
R – Quer dizer, um ou outro. Manifestação, vamos dizer, mais algumas pessoas se reunindo, porque na própria privatização da Vale a gente encontrava alguns colegas ali na Praça XV. Mas eu acho que a nós não cabia a função enquanto empregado de não realizar as atribuições que foram definidas para o banco. Agora, isso realmente é um segmento dentro do que foi planejado no Governo. Começou, a gente fala que começou na gestão Collor, mas não foi bem assim não. Esse projeto já é um pouco mais longo. O Collor eu acho que deu uma ênfase muito grande e ficou marcado. E é claro que o projeto de abertura da economia começou ali mesmo. Itamar Franco que hoje o pessoal diz que é nacionalista foi no Governo dele que foi privatizada a CSN. E inclusive com a invasão do Exército, a morte daquele pessoal. Então nós temos essas contradições: as pessoas dizendo que o cara é nacionalista, ele faz isso. Eu acho que a questão siderúrgica realmente não é uma questão do estado, mas eu acho que a forma como foi feita foi uma forma que contraria tudo o que o Itamar fez, por exemplo, na época da privatização da Vale do Rio Doce ele se colocou contra, não sei o quê, porque era um patrimônio nacional. E a CSN tinha também, esse braço era um símbolo, aquela atividade que era uma função do Estado era um símbolo que representava e a forma agressiva como foi tratada a questão. Então são as ambiguidades, por isso que o pessoal diz que o Itamar é mercurial: vai para cima e para baixo dependendo da...
P/1 – Saraiva, só voltando para o trabalho do Demec?
R – O Demec é o seguinte: eu fiquei um período na Associação, um outro no Sindicato, e além disso, eu em 84 entrei para a Uerj. Comecei a lecionar na Uerj.
P/1 – Em qual cadeira?
R – Eu lecionei em um monte de cadeira. Eu lembro que no primeiro semestre, na época que eu fiz prova, passaram dois professores. E aí uma semana antes de começarem as aulas o segundo desistiu. E aí me pediram a colaboração e me jogaram cinco cadeiras em um único semestre. Foi um semestre que eu quase não tive final de semana pelo volume de trabalho que eu tinha. Quer dizer, além do banco eu tinha que dar conta daquelas cadeiras. Depois obviamente eu reduzi o número de cadeiras, mas foi um semestre que depois que o sufoco passa você acha bom. Porque você superou alguns limites que você, de repente, se não fosse ali uma decisão de momento talvez você não enfrentasse aquele desafio, mas foi um semestre bastante cansativo. Com a minha atividade também na Uerj, eu não estava pensando em viajar muito, estava reorganizando a minha vida por aqui também. Então eu não fui para uma área operacional que certamente iria me demandar algumas viagens, eu acho bom mas também em determinado momento é bom você arrumar a sua casa e a sua vida. Então como o departamento de contabilidade não exigia viagens constantes eu fiquei um período lá também. Hoje eu me dou muito bem em geral com ampla maioria do pessoal do banco. Não vou (risos) dizer que tenha gente, vai ter seus adversários, tem, né? Então quer dizer, foi um setor também que eu...
P/1 – Mas nesse período você trabalhava e militava também na Associação? Você não era afastado?
R – Não, não. Quando terminaram meus dois mandatos na Associação, aí eu fiquei acho que mais um ano e pouco no Sindicato, foi que eu voltei a trabalhar no banco. Nesse período eu fiquei cedido para a Associação e um ano e pouco para o Sindicato, porque a gente tem aí no nosso acordo de trabalho, o presidente da Associação e diretor do Sindicato, a gente tem algumas liberações.
P/1 – Agora, nessa sua primeira gestão, que foi de 1988 a 1992, existe algum ganho que você, que tenha sido uma luta antiga dos funcionários que vocês tenham conseguido e que tenha mais marcado esse teu período?
R – Olha, esse primeiro período o que, além de ser nesse período que a gente ganhou o direito à sindicalização, a gente teve um momento, vamos dizer, de grande tensão dentro da Instituição. Foi o período Collor com a reforma administrativa e as demissões no setor público. Nós fomos também atingidos. Foi, digamos assim, a primeira greve no BNDES, o BNDES parou. E eu acho que aquilo tem um marco, tanto é que a gente fala que o banco é um antes e um depois da era Collor. Aquele período marcou muito as pessoas. Acho que desagregou um pouco também a esse sentimento de unidade dos empregados. O próprio movimento sindical foi muito atacado no Governo Collor e continua. E eu acho que a gente está em um momento de buscar alguma alternativa para as representações dos trabalhadores não ficarem enfraquecidas. É claro que a recessão, embora o pessoal diga que a gente está crescendo um ou dois por cento ao ano, a gente passou por períodos terríveis. A questão das dívidas que sangra o banco, parte dos recursos dos países chamados periféricos que é uma questão que a gente vai continuar enfrentando. A Argentina está aí. Eu acho que a Argentina leva uma geração para se recuperar. E sempre dizer, toda vez que acontece uma crise, hoje as crises não são isoladas. Isso é uma teia-de-aranha em que os reflexos se fazem sentir. Não só naquele país. A crise da Rússia, a crise da Argentina, a crise dos tigres asiáticos, a crise da Venezuela. E a gente está sempre vendo. México. Será que vai chegar a nossa vez? É dito que o Brasil é a terceira riqueza física do mundo, não é? Perde só para os Estados Unidos e China. Por isso que eu digo não dá para comparar o Brasil com a Argentina, mas no ritmo que a gente está eu acho que a dívida está ganhando uma dimensão, os encargos dessa dívida estão extraindo muitos recursos do país. E por isso a diminuição da oferta de trabalho.
P/2 - E nessa greve que você comentou como foi o engajamento dos funcionários e também a adesão?
R – Total.
P/1 – Essa greve foi em que ano? Você sabe?
R – Foi em noventa.
P/1 – No Governo Collor?
R – No governo Collor, na reforma administrativa quando a gente teve o primeiro processo de demissão no BNDES.
P/1 – De demissão?
R – Sim.
P/1 – Foi uma parcela significativa, você sabe precisar?
R – Foram cento e poucas pessoas.
P/1 – Cento e poucas pessoas.
R – Quer dizer, o prejuízo era maior. A gente conseguiu diminuir o prejuízo, mas o trauma ficou.
P/2 - Como é que era uma negociação dessas?
R – (risos) Uma negociação dessa era barra pesada. Isso foi a gestão do Modiano no BNDES. O _________ era o vice-presidente, era também o diretor da área de administração. Um período em que a gente não via sentimento na direção da casa. Era uma coisa numérica. Tem que cumprir isso. E aí a gente tratar com pessoas que você não vê coração dentro, é complicado. Nós tivemos também a participação da estrutura do banco tentando intermediar. E eu acho que isso também foi importante. Da mesma forma que vem uma ordem de cima para ter um determinado corte, a própria direção da casa, quer dizer, as pessoas que vivem dentro da casa tentando contornar. Mas foi um período que, acho que foi o período que mais marcou a vida do BNDES. Acho que a gente começou a sair dele agora.
P/2 - A casa voltou a ter coração?
R – É, nesses últimos anos o que a gente viu, a mudança de presidente do Banco foi muito frequente, como há muito a gente não via. E aí eu acho que até a gestão do Grow a gente não tinha, vamos dizer, um mar tranquilo. Digo em termos de relacionamento. Então eu acho que a forma como a gente tem negociado recentemente, eu acho que tem uma presença marcante da forma de se comportar do Grow. Acho que o Grow até para dizer um ‘não’, você às vezes aceita. Eu acho que também é importante frisar, a gente tem a presença de um diretor da casa já há muito tempo que é o Zé Mauro Carneiro, é uma pessoa que tem, na medida do possível, colaborado com essas negociações, mesmo no período das demissões. E agora na área de administração a presença do Isaac _______ tem possibilitado essas duas últimas negociações com relativa tranquilidade. A casa tem vivido momento mais tranquilo, porque antes do Grow a gente teve a presença do Calab, também foi outro momento de tensão. Em que as negociações não fechavam e se arrastavam. Aí também teve uma greve com adesão de 100% do pessoal. Foi um outro período conturbado por outra forma, por outra motivação. O próprio comportamento do Calab, a gente percebeu é que ele não teve costura externa e nem interna. E mesmo dentro do banco o que a gente visualiza, poucas pessoas não vão falar isso, é que mesmo na direção da casa ele não se amoldou. Então havia esse descompasso entre a direção da casa e a representação dos empregados e entre a própria direção da casa pelo comportamento do Calab. Então depois do Calab, a gente tem esse período em que como diz algumas vezes se conversa com pessoas normais. Aí realmente a gente teve um avanço importante. O Eleazar que a gente já tinha tido contato com ele. Ele já era diretor na gestão do Grow, disse que a política anterior será mantida no governo dele.
P/2 - O Grow inaugurou uma série de, um programa, 2001-2005?
R – É, eu acho que foi a...
P/1 – E foram essas mudanças todas ________ preparação de um programa ______.
R – Eu acho essa parte não está costurada ainda, é o Planejamento Estratégico. Acho que foi uma coisa que... Quer dizer, também isso antecede a gestão do Grow. Eu já ouço falar em planejamento estratégico há muito tempo. Aí o Grow herdou Planejamento Estratégico e que algumas pessoas comentam com a gente que parece que foram fazendo uma coisa sem saber exatamente qual era o final. Então essa coisa hoje não está bem resolvida. É claro que se isso fosse implementado em uma gestão do Calab certamente seria muito mais complicado ainda, mas de qualquer forma não é uma coisa que a casa assimilou. A casa como um todo. Não é pontual não, se você... Porque é uma mudança muito significativa em relação a uma cultura já sedimentada de quase cinquenta anos. E eu acho que, não sei, sei...
P/1 – O que muda? Você que está dentro sente com essas mudanças?
R – O que eu tenho conversado, vamos dizer, com o pessoal que está na atividade no banco, é a gente tinha ao longo da história do banco o que caracterizou o BNDES? É o conhecimento setorial. Quer dizer, o banco conhecia os diversos setores da economia. Por isso que ali dentro você tinha como globalizar o entendimento de como tratar as questões do desenvolvimento. Com essa nova visão do cliente-produto, eu acho que essa parte do conhecimento setorial vai ser muito prejudicada. Eu acho que talvez seja isso o que mais incomode as pessoas. E como essa nova visão trouxe uma nova forma de ação eu acho que esse período de adaptação... Acho que muita coisa tem que ser arrestada. O banco já tentou fazer isso lá atrás, nos idos de oitenta. E terminou voltando atrás. Então o pessoal compara um pouco com aquela, aquele outro momento, né?
P/2 - Quais são os maiores desafios hoje da Associação de Funcionários do BNDES?
R – A gente, quando eu voltei agora para a Associação, a Associação teve um momento assim vamos dizer que, o movimento de participação, as pessoas foram seguindo os seus caminhos e o movimento diminuiu, e eu acho que a Associação passou por um momento que baixa a sua autoestima. Então quando me convidaram para voltar para a Associação, eu não estava nem pensando naquele momento, mas como eu lembro de um processo sucessório um pouco antes do meu que a gente convidava as pessoas: “Ah, não. Estou muito ocupado. Tenho que trabalhar. Tenho que cuidar da vida. A família cresceu os compromissos aumentaram.” Aí quer dizer, a gente retomou essa discussão e participamos da chapa para dar essa recuperação da autoestima da Associação. E a gente teve uma primeira gestão, vou dizer um pouco conturbada, a gente fez uma chapa de composição e não deu certo, mas eu acho que essa nossa gestão a gente está recuperando essa autoestima da Associação. E a gente está tentando colocar em prática uma discussão também antiga, é a unificação das Associações. A gente tem as três associações das três empresas e...
P/1 – Quais são, por favor?
R – É a Associação dos Funcionários do BNDES, Associação dos Funcionários do BNDESPAR e a Associação dos Funcionários da Finame. Quer dizer, a AFBNDES foi criada dois anos depois do banco. O banco é de 52, nós somos de 54. O banco vai fazer agora dia vinte de junho cinquenta anos e a gente no dia quatorze de julho vamos, nós vamos fazer 48 anos. A Associação nasceu no mesmo dia da queda da Bastilha, lá da Revolução Francesa.
P/1 – (risos) A resistência.
R – A gente fez uma assembléia consultando inicialmente os associados da AFBNDES sobre a possibilidade de unificação das três Associações. 80 % do pessoal que votou, um pouco mais de 80% é favorável ao processo. E essas discussões vão ser travadas também nas duas outras associações e nós temos como desafio nessa próxima diretoria que vier assumir as associações – na AFBNDESPAR já houve eleição. O Adilson continua na presidência. E na AFBNDES e na Finame as eleições vão acontecer dia 23 do cinco. Então eu acho que o grande desafio, além de manter na parte reivindicativa, é o que o associado entende como papel principal da Associação. Isso já foi feita uma pesquisa científica através do próprio Ibope com os associados sobre a forma como eles viam a Associação. E o ponto mais marcante é a parte da representatividade. Os outros pontos também foram considerados importantes, mas esse é a razão pela qual o associado vê o fortalecimento da Associação. E dentro dessa visão a gente entende que hoje alguns problemas no passado que geraram a existência das três Associações se não estão superados, eu acho que quase superados. Eu acho que é hora da gente então juntar as forças em uma entidade só. Eu acho que esse vai ser o grande desafio das novas diretorias, das três Associações. Nós temos também a Associação dos Aposentados. A gente chama de Associação dos Aposentados, na verdade ela é a Associação dos Participantes da Fapes. Quem quiser se associar, pode. Agora, é claro que ela tem a atenção concentrada principalmente para os aposentados, têm as suas especificidades. Essa continua a existir. A gente tem um ótimo relacionamento com a direção da Apa. Ela tem ajudado a gente, tem colaborado em todos os processos que a gente participa. Então o projeto é unificar as três dos ativos e a Associação dos Participantes da Fapes, popularmente conhecida como dos Aposentados continua tendo a sua especificidade e a sua razão de existência.
P/1 – E a sua gestão, qual é o período da sua gestão?
R – É, o nosso mandato é de dois anos. Quer dizer, a minha, nossa gestão termina agora no final de junho. Na mudança aí do estatuto também foi permitido começar tudo do zero. Então ainda há possibilidade da gente… Não há um impedimento da gente participar das novas eleições. Então é uma questão que a gente está conversando para ver qual o caminho que nós vamos tomar.
P/1 – Agora eu queria perguntar como é você concilia vida política, militância, ser professor da Uerj [e o] trabalho?
R – É, o pessoal diz que (risos) tempo sempre é um fator limitador. É claro que quando você se dispõe a fazer diversas coisas, você obviamente vai ter que se organizar e sacrificar um pouco do lazer. Quem se mete em organização, em entidade representativa de uma coletividade, um grupo de pessoas tem que ter essa consciência. É e aí é claro, a gente em tese prejudica um pouco o lazer, um pouco a convivência com a família, mas está no sangue, aí não adianta, quer dizer, eu ainda sou diretor de planejamento da Casa do Piauí, um movimento que a gente está retomando aqui no Rio de Janeiro. Hoje eu moro em Maricá. Embora fique a sessenta quilômetros, mas é uma viagem que eu tenho que fazer. Mas é tanto a participação nesses movimentos, como dar aula, lecionar, são coisas que vão se impregnando. E, quer dizer, hoje a remuneração de professor, realmente eu acho uma coisa aviltante. Se eu não tivesse o BNDES certamente eu teria padrão de vida bem inferior ao que eu tenho hoje. Realmente eu acho que hoje só como complementação de remuneração. Como remuneração mesmo eu acho que foi um dos setores mais agredidos no país. Aliás a Educação e a Saúde. Hoje quem for trabalhar nisso ou trabalha em três quatro lugares o vai ter um padrão de vida sacrificado.
P/1 – Você tem filhos?
R - Tenho duas filhas. Já estão fazendo faculdade. Uma, não sei se porque via livros de Economia lá em casa, começou a estudar Economia. Dois anos depois parou, passou para Pedagogia, é a Roberta, a mais velha. Termina esse ano. E a Renata que está fazendo Publicidade. Embora quatro anos de diferença ela termina o curso o ano que vem. Exatamente por esses dois anos que a Roberta deixou do curso de Economia.
P/2 – Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida o que mudaria?
R – (risos) Olha, eu acho que algumas coisas eu começaria mais cedo. Eu não sei se o fato de ter nascido no interior, esse envolvimento com a questão da política. Não é só a política partidária. A compreensão de como as coisas se organizam, de como você tem a visão do que deve ser o teu país, de como as pessoas devem viver, como você pode lutar pra gerar oportunidades. Um maior número de pessoas participar desse processo econômico. A gente estava falando, quando eu me formei a gente tinha uma ampla gama de possibilidade de emprego. E aí aquela época também eu rodava o Rio de Janeiro de cabeça para baixo, nunca vi um revólver na minha frente. E hoje a falta de oportunidade de emprego, em consequência o aumento da miséria e o aumento da violência. Então hoje eu fui morar, eu estou morando em Maricá, não é porque eu não gosto do Rio, não, é porque a ameaça aqui é muito mais presente. E depois que você é assaltado uma vez é que você vê que o negócio é barra pesada. A sua condição de impotência diante de um grupo armado a tua volta, aí vê que você tem que afastar um pouco dos grandes centros urbanos.
P/1 – Você foi assaltado?
R – Sim. Eu, ali perto do BNDES mesmo. Em um barzinho que tem ali atrás dos Santos Vales, aquele prédio da Senador Dantas. Três pessoas fecharam o bar e a gente ficou ali a mercê da vontade dos assaltantes, onze e pouco da noite.
P/2 - Eu até lembrei agora, você fez esse comentário, você falou do programa de trainee que você teve.
R – Ah, sim.
P/2 - O BNDES tem esses programas de incentivo aos jovens, de treinamento?
P/1 – Cursos?
R – Hoje o BNDES tem o sistema de estagiário, contratado através do Centro Integrado Escola Empresa. Ele já teve algo parecido no passado, mas é um pouco diferente dessa ,concepção por exemplo, Vale do Rio Doce teve naquela época em que ela dava um curso que aliava parte teórica à parte prática do que era feito na empresa. Você tinha uma fase de preparação para entrar na empresa e já estar pronto a desenvolver as atividades. O estagiário eu acho que é a oportunidade para o jovem conhecer a empresa, mas tem aí as suas vantagens e desvantagens, porque enquanto estagiário a pessoa convive ali dentro do BNDES e terminou o período, como diz a pessoa cai no vácuo. Mesmo aquela sensação, estagiário hoje o cara considera um emprego. Acho que é a mesma sensação de perder o emprego, começar tudo do zero correndo atrás de trabalho e o mercado cada dia mais comprimido. Claro que esses dois anos ou algo semelhante que ele fique ali dentro vai lhe dar uma boa experiência, mas uma coisa provisória. Acho que não...
P/2 - E cursos, o BNDES oferece aos seus funcionários isso, vocês lutam por isso, por exemplo?
R – É, o banco vamos dizer, para o pessoal técnico eu acho que o banco oferece boas oportunidades. Se a pessoa quiser se dedicar, a gente tem ali um grande horizonte para percorrer. Agora para o pessoal de apoio eu acho que ainda é precário. Quer dizer, a própria rigidez da legislação com relação ao emprego público. Nós temos no banco ali certamente mais da metade do pessoal de apoio, pessoal do setor administrativo que é formado e só tem oportunidade de subir através de um concurso externo. Então a gente tem expectativas frustradas, porque a pessoa às vezes faz mestrado e continua fazendo aquelas atividades inerentes ao setor administrativo, mas isso uma parte não é culpa do banco, é a legislação. E alguns segmentos têm outro sistema. O primeiro ingresso é concurso mas a própria carreira dependendo da formação e do desempenho da pessoa ela pode galgar espaço na própria empresa. O pessoal da Ciência e Tecnologia que tem esse plano de carreira aprovado por lei também. Agora, no banco essa coisa realmente é muito rígida. Então nós temos, eu acho que uma boa estrutura para o segmento de profissional nível superior e precário para o segmento de apoio.
P/1 – Ao longo desses anos, desde a sua entrada até os dias de hoje, são quantos anos?
R – Fez 25 anos no dia vinte do quatro.
P/1 – Ao longo desses 25 anos o que é que mudou no BNDES?
R – No Brasil, né? (risos)
P/1 – E no Brasil? (risos)
R – Aquilo é um reflexo, é o que eu falei. No banco a gente tem a divisão em antes do Collor, depois do Collor. No Brasil um pouco parecido. Eu acho que a nossa experiência com eleição direta ainda não foi muito boa. O primeiro presidente eleito que já era conhecido para uma parte da população brasileira, que acompanhou a trajetória da família Collor lá nas Alagoas. Embora o Collor tenha nascido aqui, a família dele, o pai dele é gaúcho, mas a militância política dos Collor ficou marcada em Alagoas onde eles são detentores da concessão dos meios de comunicação, televisão, rádio, jornal, ligados a Globo, e a trajetória deles já era conhecida em Alagoas e de uma boa parte das pessoas mais esclarecidas. E aí a gente passou mais de vinte anos lutando por eleição direta, a primeira elegeu o Collor, que deu no que deu. Um esquema aí que depois veio a ser desmontado. Aliás, veio a ser desmontado porque foi o irmão que denunciou, porque eu lembro que na época que falaram na CPI da corrupção do Governo Sarney ela só não foi instalada porque tinha um esquema do Sarney com o pessoal do PFL e o relator da CPI era o Inocêncio Oliveira. Foi prometido para ele a Presidência da Câmara. Ele engavetou o projeto. Realmente foi eleito presidente da Câmara. E a CPI da corrupção do Governo Sarney não saiu. E hoje a gente está vendo lá no Maranhão que nada mais é do que essa sequência. Então eu acho que o Brasil, acho que os Promotores... A Justiça agora está começando a ter uma atuação mais firme, mas eu acho que essa área da corrupção precisa ter uma reação mais forte dos poderes constituídos e um pouco mais da própria população. Eu acho que isso é uma coisa que marca o país. E é claro que a gente enquanto estrutura do Governo sofre essas consequências. Recentemente a gente teve a história do grampo lá no banco, nós ficamos na mídia durante um bom tempo. Provocou inclusive a queda do presidente do banco na época. Então eu acho que esse Brasil… Essa elite que precisa tomar um pouco de vergonha. Acho que a experiência Collor foi boa nesse sentido. A gente tem alguns caciques aí também que tiveram seu poder destruído pelos processos corruptivos que eles estavam metidos. E mais aí uma meia dúzia. Eu acho que os processos são lentos para nossa existência física. Agora, eu acho que em termos de período histórico da queda do Collor até hoje o Brasil teve um avanço enorme no combate à corrupção. Bem abaixo do que a gente gostaria, mas eu acho que é uma sinalização de que esse país pode ser sério. O país não, as elites.
P/1 – E no banco o que mudou?
R – É, o banco é aquilo que eu falei para você. O banco hoje, acho que se a gente tirar essa polêmica em torno da privatização, o banco de uns cinco, seis anos atrás tinha um orçamento de cinco bilhões. Hoje o orçamento do banco é da ordem de trinta bilhões. O banco, se a gente botar essa máquina para funcionar algumas coisas que o banco já vem de alguma forma fazendo, acho um pouco tímido, mas é a questão do investimento vinculado à geração de emprego. A preservação do meio ambiente e eu acho que na parte, embora essa não seja, função principal do banco – mas eu acho que banco tem que pelo menos travar uma discussão em relação a isso – é investimento em pesquisa e tecnologia, é o que faz o país não avançar. Porque se a gente for comparar o que é gasto com pesquisa e tecnologia nos países... A gente tem a Finepe aí porque o investimento dela é irrisório se a gente pensar, não precisa pensar em grandes países, não. Eu acho que o investimento em pesquisa e tecnologia no Brasil deve ser menor que o de um, uma Esso, de uma Shell. De uma grande empresa. não precisa comparar. E a questão da Educação, a gente viu. À medida em que o ensino público foi perdendo a qualidade e diminuindo o tamanho, eu lembro nos governos militares a gente tinha cerca de oitenta a 85% do ensino público. Hoje a situação está invertida e um ensino realmente de péssima qualidade. Parece que de propósito para as pessoas não terem conhecimento do que se passa aí.
P/1 – Então você acha que precisava investir em Educação também?
R – Então eu acho uma coisa também que prejudica muito a ação do banco como dos outros setores das estatais é que as direções das empresas estatais hoje não têm autonomia de gestão em relação às autoridades do governo. Tudo que o banco vai fazer ele tem que consultar lá para saber se pode fazer, ou já vem uma determinação do que ele pode fazer. É essa concentração de poder que existe na mão de uma, duas pessoas, hoje caracterizado pela figura do Malan, tudo o que vai ser resolvido tem que passar na mão do Malan. Então eu acho que a autonomia administrativa e financeira do banco tem que ser um pouco ampliada em relação ao que existe hoje. Eu estou falando do banco mas isso se aplica às outras estatais. Eu acho que foi a grande mudança o poder de decisão que cada vez está mais concentrado em Brasília.
P/2 – Então para a gente finalizar, o que significa o BNDES para você?
R – O banco para mim se confunde com a industrialização e o com o desenvolvimento do Brasil. A gente está fazendo aqui algumas críticas e etc e tal, mas se a gente pegar o Brasil dos anos cinquenta e pegar o Brasil de hoje a gente vai ver que o avanço que aconteceu nesse período de tempo, apesar dos pesares, é muito grande. Se mais não acontece é porque a vontade política, às vezes, não está direcionada para isso. Então onde eu vejo uma indústria, uma grande obra, aquilo me lembra a imagem do BNDES. Eu acho que agora mesmo na parte ambiental que o banco está entrando é uma coisa fundamental, porque a gente acha que o meio ambiente é coisa, como disse um maluco, secretário do César Maia, dos ecochatos, o tal do Eduardo Paes. Esse aí se não tivesse o pessoal defendendo o meio ambiente a gente não sabe qual seria o final do planeta. Porque você vê, três quartos da superfície da Terra ocupado por água. Desses três quartos, se a gente for olhar para os rios que a gente conheceu por esse Brasil afora. Hoje você passa e vê um esgoto correndo, ou um filete de água, você vai perceber a consequência que isso pode trazer a longo prazo. Então eu acho que é outro ponto que o banco tem que cada vez exigir mais nos projetos que ele aprova. E eu digo a geração de emprego, trabalho, obviamente porque a privatização é outro ponto polêmico. Toda empresa que era privatizada, a primeira medida que eles tomava era demitir pelo menos a metade dos empregados. E aí era questionado: se o papel do banco, que é um banco de desenvolvimento, como é que ele vai desenvolver um projeto que vai fazer o contrário? Diminuir o emprego. Então realmente nós ficamos durante um período na berlinda. A gente até falava: “a gente não pode falar por aí que é do BNDES, porque ficava vinculado a essa história da geração de desemprego”, quer dizer, provocador de desemprego com esse processo de privatização.
P/2 - E o que é que achou então de ter dado o seu depoimento para o Projeto de cinquenta anos do BNDES? Ter deixado registrado a sua trajetória no banco?
R – Uma coisa que a gente também critica muito no Brasil é a falta de memória desse país. A gente vê alguns assuntos do Brasil e você vai buscar a fonte para respaldar seu estudo, para fundamentar seu estudo em outros países. A gente tem muito mais informação do Brasil nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França do que no próprio país. Outro dia a gente estava conversando isso também na Associação, porque a Associação, às vezes, vai buscar informações da Associação, se uma ou outra pessoa não tiver, a coisa realmente se perdeu no tempo. O banco fez aí um período o Projeto Memória que parou em um determinado ano, e ele agora está resgatando, e eu acho fundamental porque o banco tem recursos para fazer isso. A Associação até nem tem, mas mesmo assim a gente está pensando em fazer um Projeto Memória também na AFBNDES. Agora, no banco eu acho fundamental pela, acho que o campo de conhecimento que o banco tem de relacionamento e as informações que ele pode acumular que vão servir aí para as gerações futuras. Acho que nesse sentido os cinquenta anos do banco acho que estão possibilitando essa retomada do Projeto Memória lá.
P/1 – Então eu agradeço o seu depoimento. Muito obrigada pela...
P/2 - Obrigada.
R – Obrigado a vocês.
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