Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Andila Inácio
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Ronda Alta), 14/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV021
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
P/1 − Boa tarde! Maham, seja bem vinda, parente Andila! Estou muito feliz e o Museu também, de recebê-las aqui para essa entrevista, que vai ser eternizada no acervo do Museu da Pessoa, para o Brasil poder assistir a senhora, o mundo e as futuras gerações. Além de valorizar a história das pessoas, que é o nosso grande objetivo. Então, quero começar nesse tema das origens, perguntando o nome português da senhora e também o nome indígena.
R − Boa tarde Tiago! Eu sou imensamente grata de poder participar desse momento com vocês. Meu nome é Andila Inácio em português e em Kaingang é Nĩvygsãnh. Nĩvygsãnh é o nome Kaingang que eu recebi da minha mãe e da minha avó, né. Eu sou Kaingang do Rio Grande do Sul, é isso.
P/1 − São dois nomes que não são tão comuns né, Andila, e em Kaingang, né? Para quem não sabe a língua Kaingang. Eu gostaria que a senhora falasse um pouco os nomes, as origens dos nomes, principalmente Kaingang. E também quem deu esses nomes para a senhora?
R − Os nomes em Kaingang, eles são dados pelas pessoas mais velhas da família né, geralmente a avó. Os nosso kiuas também, que são os pajés. E eles são escolhidos conforme a metade exogâmica, né. Que o povo Kaingang é dividido em duas metades complementares, né. Então nós temos nomes que são Kamé e nomes que são Kairu, eu sou Kamé. Sou do lado guerreiro, pessoas fortes, na luta, né. E o Kairu, que é a outra metade, é a metade dos Kiuas, que são espirituais, espiritualistas, e eles cuidam de determinadas coisas espirituais do nosso povo, né. E o Kaingang é mais de guerra, de caça, de luta, dessas coisas. É mais ou menos isso. E os nomes são...
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Entrevista de Andila Inácio
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Ronda Alta), 14/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV021
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
P/1 − Boa tarde! Maham, seja bem vinda, parente Andila! Estou muito feliz e o Museu também, de recebê-las aqui para essa entrevista, que vai ser eternizada no acervo do Museu da Pessoa, para o Brasil poder assistir a senhora, o mundo e as futuras gerações. Além de valorizar a história das pessoas, que é o nosso grande objetivo. Então, quero começar nesse tema das origens, perguntando o nome português da senhora e também o nome indígena.
R − Boa tarde Tiago! Eu sou imensamente grata de poder participar desse momento com vocês. Meu nome é Andila Inácio em português e em Kaingang é Nĩvygsãnh. Nĩvygsãnh é o nome Kaingang que eu recebi da minha mãe e da minha avó, né. Eu sou Kaingang do Rio Grande do Sul, é isso.
P/1 − São dois nomes que não são tão comuns né, Andila, e em Kaingang, né? Para quem não sabe a língua Kaingang. Eu gostaria que a senhora falasse um pouco os nomes, as origens dos nomes, principalmente Kaingang. E também quem deu esses nomes para a senhora?
R − Os nomes em Kaingang, eles são dados pelas pessoas mais velhas da família né, geralmente a avó. Os nosso kiuas também, que são os pajés. E eles são escolhidos conforme a metade exogâmica, né. Que o povo Kaingang é dividido em duas metades complementares, né. Então nós temos nomes que são Kamé e nomes que são Kairu, eu sou Kamé. Sou do lado guerreiro, pessoas fortes, na luta, né. E o Kairu, que é a outra metade, é a metade dos Kiuas, que são espirituais, espiritualistas, e eles cuidam de determinadas coisas espirituais do nosso povo, né. E o Kaingang é mais de guerra, de caça, de luta, dessas coisas. É mais ou menos isso. E os nomes são escolhidos muitas vezes, também levando em conta sua metade tribal né, sua metade exogâmica. Ela é escolhida também conforme a aparência da criança, né. Por exemplo, a minha filha caçula, eu tive cinco filhas, porque eu queria muito ter um filho homem. Porque o Kaingang, ele é muito machista, os nossos líderes são todos homens. Então eu queria muito ter um filho homem para continuar a minha luta. Eu não tive, tive cinco filhas. Então a caçula, ela era tão pequenininha que a minha mãe deu o nome para ela de Beija Flor, é Kokoi o nome dela. Então muitas vezes eles dão os nomes conforme a aparência da criança, que parece com animal ou qualquer bicho do nosso meio ambiente, então ele recebe aquele nome. Então existem essas duas formas de se nomear uma criança. Conforme a sua metade exogâmica né, ou pela sua aparência, dado pelos seus mais velhos, ou pelo próprio Kuia.
P/1 − Muito bem! Bom, como o nascimento é um dia muito especial para uma família, para os pais, eu gostaria que a senhora também contasse como foi o dia do nascimento da senhora. A mãe da senhora relatou? O pai? Como foi esse dia do nascimento da senhora?
R − Sim, ela contou muita coisa para mim sobre o dia do meu nascimento, né. Porque era exatamente no dia 02 de novembro, que é dia de finados, né. Então enquanto se fazia… o pessoal levava flores, minha mãe preparada também para levar flores no cemitério para os nossos ancestrais que já estavam ali né, eu fui nascendo. Então enquanto eles celebravam a morte, eu nascia naquele momento. Então assim, ficou uma data bem… eu sempre falo para as minhas filhas: “Não é dia de fazer festa''. Eu não gosto muito de festa. E daí eu sempre falava para elas: “Olha, hoje não é dia de fazer festa! O dia do meu aniversário não é dia de fazer festa!” (risos). Daí depois que eu fiz 60 anos, né. Mas geralmente eu fazia para os familiares, assim né. E daí quando eu fiz 60 anos eu falei para elas: “A partir de agora, eu não vou mais dar festa para vocês. A partir de agora, vocês é que quando eu fizer o meu aniversário, vocês é quem vão providenciar a festa, vocês é que vão se virar para me dar a festa. Porque agora cada ano que eu passo com vocês é uma vitória para vocês”. Então ainda esses dias elas estavam às voltas com a festa de dia de finados né, que era meu aniversário (risos). Mas foi assim.
P/1 − É uma data que dificilmente a família vai esquecer, né? Por coincidir com esse dia 02 de novembro. Bom, a senhora falou da mãe da senhora e eu gostaria que a senhora pudesse falar quem é ela, o nome dela. Como a senhora descreveria? E a origem da parte da sua mãe?
R − Então, a minha mãe se chamava Joana. Ela não está mais entre a gente. Joana Caetano Inacio. Ela é natural da reserva indígena de Carreteiro, aqui no Rio Grande do Sul. Ela era uma mulher, assim, bastante forte, uma guerreira! Ela foi parteira da minha aldeia. Assim, uma mulher que esteve ao lado do meu pai, que foi… quase 40 anos, ele foi cacique na minha reserva, de onde eu sou, eu sou natural de Carreteiro. É uma das menores reservas aqui do Estado do Rio Grande do Sul, onde tem Kaingang, né. E a minha mãe sempre esteve ao lado dele nas lutas pelo povo, questão de saúde, sobrevivência mesmo, sabe? Porque apesar do Rio Grande do Sul ser o celeiro né, de… a gente tem comunidades daqui que não é de hoje, mas que há muito tempo vem enfrentando dificuldades de alimentação, né. Até porque as nossas reservas hoje principalmente, elas estão com a maioria das terras cultivadas, elas estão arrendadas, né. Então isso é muito complicado, enquanto as comunidades passam necessidades, dependendo de cestas básicas, de Governo, de Prefeitura. E sabe como é o povo ao redor, onde tem comunidade indígenas, são as que são mais preconceituosas são eles, né. Pessoal que não tem povos indígenas por perto, eles querem conhecer, eles ajudam, sabe? Mas o pessoal ao redor, geralmente são os que mais discriminam a gente. E minha mãe sempre esteve ao lado do meu pai nessa luta. Ela trabalhou na área da saúde, né. E o meu pai, ele era o Cacique, e eu lembro que… eu escrevo no meu livro isso, que o meu pai, não por ser o meu pai, mas ele foi o último dos Caciques. Que eu pude acompanhar o trabalho dele, até pela minha idade, né. Ele trabalhou, assim, eu acompanhei o trabalho dele, como eu sempre falo: “O último Cacique que eu vi, que realmente se preocupava com a sua comunidade da mesma forma como ele se preocupava com a sua família”. A nossa comunidade era a família dele. O que nós tínhamos em casa para comer, era o que todos tinham em casa para comer. As lavouras eram coletivas, pomares, tudo o que se fazia, caça, pesca. Ele naquela época já fazia açude de peixes, sabe? Para criação de peixes mesmo. E assim, sempre foi… assim, trabalhava e produzia o sustento. Então a gente não passava necessidade, porque eles trabalhavam e tinham o suficiente para alimentar toda a sua comunidade, até porque era pequena. Então eu via assim, ele tratar daquela comunidade, assim, de uma forma, como é que eu vou dizer, que eu não vejo hoje em Cacique nenhum isso, sabe? Ele não se preocupava só com a gente, com os filhos dele, com a família, não! O que nós tínhamos em casa, era o que todo mundo tinha. Sabe, eu lembro quando eles iam comer carne de porco né, algum bicho, assim, boi mesmo que eles criavam também, a comunidade toda participava, todos ganhando o seu prato. Depois de comer todo mundo junto, cada um levava um pedaço para casa. E não havia esse negócio de individualismo, sabe? O Cacique não era melhor do que qualquer outro membro da comunidade, né. Tratavam assim, as pessoas... eu nunca vi meu pai maltratando um índio, sabe? Até porque eram todos parentes, a gente é parente mesmo, né. Depois disso eu nunca mais pude acompanhar um trabalho como o meu pai desenvolvia, né. Tive os meus irmãos, eu tive três irmãos homens, mas nenhum deles seguiu o trabalho que meu pai deixou como legado para a família. E daí ele queria... eu não, eu acompanhei muito o meu pai, tanto que no meu livro, eu falo mais do meu pai do que da minha mãe. Porque como eu tive... a minha mãe era a terceira mulher do meu pai. Então eu tenho irmãos que são só por parte de pai, que gostavam da minha mãe, tratavam ela melhor do que os próprios filhos dela, né. Porque ela nunca fez distinção entre a gente. E ele... então eu tive esses três irmãos homens, mas nenhum deles seguiu, nem liderança eles quiseram ser. Então quando eu era... eu acompanhava meu pai nas andanças dele, né. Acampando, fazendo lavoura aqui, lavoura lá, que não eram essas lavouras contínuas, né. Um ano era aqui, o outro ano era lá e eu andava acampada com o meu pai, junto com nossa comunidade. Então chegou a época de eu estudar e eu não queria estudar, porque daí tinha que ficar lá com a minha mãe na aldeia para poder estudar. Eu não queria isso. Daí meu pai falava assim: “Você precisa estudar, eu quero que você seja uma advogada!” (risos). Ele me dizia, né. Daí eu lembro que um dia ele me levou para a escola, né. Daí comprou um caderno para mim. Me lembro perfeitamente como se fosse hoje, sabe? Aí eu fui para escola com ele, ele foi junto comigo. Hoje eu penso que era para fazer a matrícula, aquela coisa toda. Mas o meu professor o conhecia, ele era o Cacique, né. E daí chegando lá ele conversou com ele e me deixou lá. Eu conheci os alunos, porque eram todos da minha aldeia, né. E daí eu sentei naquelas classes, que era assim, três crianças em cada uma delas, aqueles bancos, né. Aí fiquei lá sentada com o meu caderno e o meu pai voltou para casa. E daí quando o professor começou a conversar comigo, eu não entendia o que ele falava, porque eu só falava Kaingang e ele falava português. Aí eu comecei a chorar. Aí ele... hoje eu imagino que ele tentava conversar comigo, me acalmar e eu ficava cada vez mais nervosa, né. E daí eu acabei saindo correndo atrás do meu pai. Alcancei ele antes dele chegar em casa e disse para ele: “Eu nunca mais vou voltar para a escola! Por que eu vou para a escola se aquele professor não fala nem a minha língua, como é que eu vou aprender? Eu não vou poder aprender assim! E eu fui enrolando ele. Eu voltei para a escola quando eu tinha 10 anos de idade (risos). Porque eu... já quando eu... já aprendi, já tinha aprendido algumas palavras em português. Daí ele me convenceu de voltar para a escola. Então ele fazia tanta questão que eu fosse advogada. Aí eu falo para as minhas filhas hoje, que eu tenho duas advogadas, né. Suzana é advogada e a Fernanda. Aí eu falo assim para elas: “O avô ia ficar tão feliz de ver vocês advogando hoje, né!”. Porque eu não tive a oportunidade de escolher a minha profissão. Quem sabe até eu teria optado, mas na época que eu tinha idade para estudar, a gente não tinha essa facilidade que tem hoje né, Tiago? Era tão difícil, né? Eu fiz parte da primeira turma de professores bilíngues, formados no Brasil. Eu sempre falo que o bilinguismo teve o seu berço aqui no Rio Grande do Sul, né. Então eu faço parte da primeira turma de professores bilíngues formados no Brasil. E assim a experiência com o bilinguismo, Tiago, apesar de ter sido pensado para proteger a nossa língua para que ela não morresse, para que a gente eternizasse a nossa língua. Ela não foi pensada para isso, ela foi pensada, porque as nossas crianças não aprendiam, como eu estou te falando... era impossível, eu sou educadora. Hoje eu percebo, era uma barreira linguística que estava havendo, era o empecilho do aprendizado das nossas crianças. O que acontecia, os professores acabavam não conseguindo alfabetizar as crianças. As nossas crianças eram taxadas de ter problemas, deficiências de aprendizado. Quando na verdade era uma barreira linguística. Então cansados de ver isso, eles entraram na década de 1970 com esse projeto de formação de monitores bilíngues, não eram nem professores, eram chamados monitores bilíngues. Por que? Para fazer essa transição da língua Kaingang para o português. Tanto que nós alfabetizávamos as crianças na nossa língua e ensinávamos as crianças oralmente o português. Aí depois, então, para os professores e professoras brancos, não indígenas, era bem mais fácil para trabalhar a desaculturação do nosso povo, né. Então nós fomos o... esse projeto foi pensado para isso. Mas eu sempre falo que nessa experiência, que não foi pensada para nos beneficiar, né. Porque na época, o objetivo era aculturar né, terminar com o povo indígena, que eles desaparecessem no meio da sociedade nacional, esse era o objetivo. E a gente foi usado para isso, né. Então as crianças, quando nós começamos a trabalhar, em questão de meio ano, as crianças estavam lendo, Kaingang, né. E eu via as nossas escolinhas cheias de cartazes e... sabe? Que eu não vejo isso hoje nas salas de aula, né. Então eu sempre falo para os professores. E a nossa formação, Tiago, era nível fundamental e nem reconhecido ele era. Eu descobri que não era reconhecido, que para está formando, continuidade na minha formação, eu tinha que ter... eu tive que fazer prova para poder eliminar o ensino fundamental, para poder fazer o segundo grau, sabe? Até fazer a minha formação. Então eu falo hoje para os professores: “Como é que as nossas crianças aprendiam com a gente?! E eu não tinha o estudo que vocês têm! E hoje vocês estão dentro das Universidades, fazendo formação específica para professores indígenas, né!”. E a gente não vê isso, a nossa língua está morrendo, né. Aí eu falo, eu sempre falo para eles que: “Apesar desse projeto de linguística ter sido pensado para acabar com a gente, culturalmente, fisicamente, tudo, né? Mas um povo que desaparecesse, a gente conseguiria... eles conseguiriam eternizar a nossa!”. Eu sempre falo, se a nossa língua Kaingang não tivesse sido escrita na década de 70, nós não falávamos mais a língua. Porque naquela época, naquela época os nossos familiares não queriam mais que a gente falasse Kaingang, porque era uma vergonha. A nossa língua era proibida, sabe? Chegamos... o povo Kaingang chegou a tal ponto, de ter vergonha de si mesmo, de não querer mais ser índio, sabe? Foi nessa época que entrou o bilinguismo aqui no sul do Brasil, e foi isso que salvou a nossa língua até agora. Então quando eu fiz minha formação no terceiro grau indígena no Mato Grosso, na Unemat, eu vi vários povos tentando resgatar a sua língua, sabe? É muito sofrido, eu sentia a dor que eles sentiam por terem perdido a língua, sabe? E graças a esse projeto, que não foi pensado para nos beneficiar, a nossa língua não morreu até agora. Ela é uma das línguas em risco de extinção. Mas nós ainda temos... eu estou trabalhando agora, a gente está trabalhando com o instituto Kaingang. A gente está trabalhando junto com a Universidade do Rio Grande do Sul, da UDESC, como os saberes indígenas, preparando um material didático para as nossas escolas. Eu falo para os nossos professores, que a gente... se a gente não conseguir virar a mesa agora e valorizar o que é nosso, a nossa língua dentro das nossas escolas. Eu falo para os professores de hoje, que para nós foi tão difícil, Tiago, sabe? Nessa época que eu estou falando, que a gente está alfabetizando as crianças e nos preocupávamos com o aprendizado delas, tentando ensinar a nossa cultura. E uma escola que dizia para gente: “Você não pode estar trabalhando isso aqui dentro dessa escola! Tá aqui o regimento desta escola, não permite isso! Não permite que vocês falem dentro da escola a língua de vocês!”. Sabe? Essa escola que nós enfrentamos, Tiago, sabe? E batalhamos para que a nossa língua fosse reconhecida dentro da nossa escola, para que a nossa cultura pudesse ser trabalhada dentro da nossa escola. Para que a nossa cultura fosse trabalhada dentro da escola, da nossa escola, sabe? Então não tinha quem bancasse a gente. Quantas vezes que a gente foi para Brasília com dinheiro da passagem, sabe? Então quando a gente começou a enfrentar essa questão legal mesmo, mais a questão da educação né, da escola indígena. As escolas dos Estados... Dos Municípios, estavam dentro das nossas aldeias, mas com uma legislação que não beneficiava em nada a nossa cultura, né. Então a gente começou a batalhar por isso. E a educação bilíngue, ela foi tão bem vista, ela foi tão bem sucedida aqui no sul do Brasil. Que na época a FUNAI que cuidava da educação escolar indígena. Então ela foi levada para outros povos em todo o Brasil. Então quando a gente começou a perceber que a educação... que o ensino bilingue que nós estávamos fazendo, estava facilitando a integração do nosso povo, o extermínio do nosso povo. Porque uma vez que as crianças aprendiam a falar o português, as professoras, os professores não indígenas entravam com o ensino de um povo, de uma civilização de valores que não eram os nossos. E aí começou né, toda a questão da “desidentificação”, a perda da identidade. Então quando isso foi, em meados de 70, por aí, a gente começou a dar aula, né. Quando foi na década de 80, por aí, meados da década de 80, a gente estava facilitando a deterioração da cultura do povo Kaingang, né. Os professores bilíngues, percebemos isso. Então é daí que a gente começou a lutar por essa escola indígena, uma escola diferenciada. E aí é que começamos a lutar por um ensino diferenciado que respeitasse a nossa cultura, a nossa língua e que ela fosse ensinada e trabalhada dentro da nossa escola, né. E foi assim, um movimento Nacional, porque até então já havia uma experiência de monitores bilíngues em muitos outros povos do Brasil. E esses professores, assim, parece que combinaram, se levantaram todos juntos para defender isso, né. E aí é que a gente levou... daí a mudança também da constituição, dando direito para que a gente... que os povos indígenas tivessem os seus direitos garantidos, né. Então dentro da legislação, eles criam interpasso da educação escolar indígena para o MEC. E daí olha só, Tiago. Eu podia acompanhar tudo isso, sabe? Porque daí me passaram, me tiraram da FUNAI, para o MEC. O MEC não sabia o que fazer com a educação escolar indígena. Eles não sabiam por onde começar, eles não sabiam nada. Aí fizeram uma reunião de 3/4 dias em Brasília. E nessa época nós já tínhamos criado a associação dos professores bilíngues, a PBKG aqui no Rio Grande do Sul e eu fui a primeira presidente. Então me chamaram nessa reunião. E daí eu fui, na época o COMIM, a igreja de confissão Luterana do Brasil, acho que é mais ou menos isso... a igreja evangélica ajudava a gente. Daí me deram passagem e tudo, né. Porque depois que eu descobri que, daí então, pagavam as nossas passagens. Mas chegando lá eu fui procurar o endereço no Ministério da Educação, consegui chegar até na sala e daí quando eu cheguei, eu vi a porta entreaberta, cheio de gente lá dentro, sabe?! Daí eu entrei e pensei: “De certo todo mundo está errado, né!”. Daí tinha alguém na porta e eu pergunte: “É aqui?”. Daí a pessoa me disse: “Sim, é aqui mesmo”. Daí eu fui lá para trás, sentei lá e fiquei olhando, digo: “Meu Deus, eu não vejo nenhum índio aqui! Se a gente vai tratar de educação escolar indígena, cadê os professores?”. Eu pensava comigo, né? Mas fiquei lá sem saber o que eu ia fazer. Dali a pouco alguém bateu assim no meu ombro, assim pelas minhas costas, daí eu olhei e era um índio que eu não conhecia, mas que me reconheceu também. Ele não está mais entre nós. Eu sempre falo para o Roni Pareci, que eu fiz formação com ele, era o pai dele, Daniel Cabixi. Daí ele me disse assim, ele também não me conhecia, daí ele disse para mim: “Nós podemos conversar?”. Eu disse: “Claro!”. Daí nós saímos da sala, mas ninguém nem percebeu, de tanta gente que tinha. Hoje eu consigo entender ao certo, eram os zoólogos, eram os antropólogos, os pesquisadores, que pesquisavam os povos indígenas, e todos aqueles, menos os professores indígenas que não estavam ali. Que se nós fossemos trabalhar com educação escolar indígena, o mínimo que eles deveriam ter feito era ter chamado alguns professores. Não precisava trazer todos, mas representações né, por Estado, por povo. E daí o Daniel, daí ele se apresentou, eu me apresentei para ele também, ele disse: “Você percebeu que nós somos só, os únicos dois índios que tem aqui somos nós?!”. Eu disse: “Pois é, eu percebi!”. Daí ele disse: “E agora, o que nós vamos fazer?!”. Daí nós decidimos que nós íamos falar para eles que, como que eles... enfrentar né? “Escuta, se vocês não trabalharem a educação escolar... cadê os professores? Quem é que vai trabalhar a educação indígena se não são os professores indígenas?!”. E fizemos. E daí a moça do MEC, que era responsável pela educação escolar indígena, ela falou assim: “Não, se vocês não quiserem participar, vocês não são obrigados a participar. Só que assim oh, eu quero dizer para vocês que o documento que nós vamos fazer vai sair, mesmo que vocês não participem”. Daí nós nos retiramos e fomos para a FUNAI. Ele disse assim: “Vamos lá para a FUNAI, vamos ver o que a gente faz”. Aí fomos, ele era mais... conhecia mais do que eu, porque eu era a primeira vez que estava indo para Brasília, né. Daí pegamos um táxi, fomos lá na FUNAI e conversamos, na época era o Marcos Terena. O Marcos Terena trabalhava na Funai. Daí ele já conhecia ele, né. Daí fomos lá conversar com ele, explicamos o que estava acontecendo e ele disse: “Olha, eu nem posso conversar com vocês agora, mas vamos fazer o seguinte: vou ligar para o pessoal que trabalha aqui e vamos almoçar juntos, daí a gente pode conversar sobre isso”. Daí nós fomos almoçar em um restaurante ali por perto, né. Eu sei que nós estávamos em cinco, eu era a única mulher, mais quatro junto com o Marcos né, mais o Daniel Cabixi. Então ali, Tiago. A gente pensou, daí nós falamos para ele que a mulher responsável tinha falado para nós, que se nós participássemos ou não, o documento ia sair, que ia direcionar a educação indígena no país, sabe? Era o documento base que ia sair dali daquele encontro. Daí eu não lembro quem, falou assim: “Então vamos fazer o seguinte: vamos fazer uns tópicos do que a gente acha que seja importante que seja tratado, que a nossa escola tem... vamos desenhar a nossa escola nesses tópicos. E daí fizemos. “A escola indígena tem que ser assim, assim e assado” E fomos fazendo os tópicos e colocando. E daí, depois a gente voltou lá e só dissemos assim para ela: “A nossa participação nesse evento vai ser este documento aqui, oh! Se vocês quiserem levar em conta, nós vamos ficar agradecidos, mas nós não vamos ficar nessa reunião.”. E voltamos, ele foi para o Estado dele e eu voltei para o Rio Grande do Sul. E deixamos lá. Tiago, dali um tempo saiu o documento, o parecer 03, parece que foi o primeiro documento, alguma coisa assim. A gente foi olhar assim, eles só colocaram em linguagem jurídica tudo aquilo que nós tínhamos colocado naquele papel. Graças a Deus, sabe?! Porque se não, sabe que eles inventam, as coisas no papel e aí a gente tem que engolir. Então eu sempre falo para os professores: “Eu sempre tive o prazer de ajudar a criar essa educação diferenciada, sabe? O que é essa educação diferenciada? Por que ela tem que ser diferenciada? Por que ela foi pensada assim, né? E como é que está agora?”. Aí então eu falo para os professores, Tiago. Porque, eu às vezes fico até indignada com eles, viu? Eu digo assim: “Gente, se vocês soubessem o que nós enfrentamos. Hoje eu vejo assim, vocês relevando, assim... nossa educação escolar indígena, ela começou aqui no Rio... o bilinguismo começou aqui no Rio Grande do Sul e daqui ela foi para outros Estados, outros povos. E os outros povos hoje... oh, eu fui fazer a minha formação no Mato Grosso, porque aqui no Rio Grande do Sul não tem, né. Eu fiz minha formação lá, com 200 professores indígenas, né. E nem lembro mais quantos povos... 60 e poucos povos diferentes. Tive que sair daqui. Quer dizer, um Estado que sai em primeiro lugar, depois abandona tudo. Os outros avançam e a gente continua aqui patinando, sabe? Nós já tínhamos que ter uma educação, uma Universidade que defendesse a formação dos professores indígenas, sabe? Criando um curso específico para professores indígenas. Claro que os nossos professores estão fazendo faculdade, suas graduações, pedagogia e outras áreas da educação, mas nunca é como uma formação específica. Hoje nós temos antropólogos, nós temos advogados, nós temos muitos índios especialistas que poderiam estar dando aula para esses professores, não é? Eu fiz a minha formação no Mato Grosso, os professores eram todos não indígenas, os professores indígenas eram auxiliares e coisa assim, né. Então a gente não avança nisso, sabe? E daí eu estou muito desanimada hoje, vendo a educação escolar indígena do jeito que está hoje, sabe? Se nós não conseguirmos virar a mesa nos próximos 10 anos, já era a língua Kaingang. Então hoje eu estou trabalhando nesse material didático para as escolas indígenas junto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, né. Os professores trabalharam nesse material e eu estou revisando a parte de Kaingang. Então ainda, agora eu estou me sentindo útil, sabe, Tiago? Mas nós poderíamos estar bem mais adiante na educação escolar indígena, sabe? Mas está tudo parado. É um Estado, assim, muito preconceituoso e tudo é tão difícil! Para a gente ocupar espaços é difícil, sabe, Tiago? O Sul você sabe como é que é, né?
P/1 – Olha, eu fiquei muito entusiasmado com a tua história da educação escolar indígena. Eu também sou professor indígena, fui formado na Licenciatura Intercultural de São Paulo, fiz outras coisas e vejo a necessidade de a gente retomar esse debate, né? Para ver em que pé que a gente está com relação à educação escolar indígena institucional, né? Mas eu gostaria também de perguntar para a senhora, como foi a sua formação cultural em Kaingang? As suas primeiras experiências? Como foram os primeiros ensinamentos do teu pai, da tua mãe, ou da tua avó? Falar um pouco dessa tua educação indígena, gostaria que a senhora pudesse contar um pouco.
R – Sim, Tiago como eu estava te falando, eu até os 10 anos de idade eu não frequentei escola. Tudo que eu aprendi até ali então, foi uma educação voltada para a educação de criança Kaingang mesmo, né. Mas é como eu estava te falando, nessa época, já pela questão política mesmo da época, né. O Kaingang não queria mais ser índio, como eu estava falando antes, né. A gente era tão discriminado, que os nossos pais não queriam mais nem que a gente falasse. Eu lembro que o meu pai chamava tanto a atenção dos meus tios e minhas tias, sabe? Que queriam ensinar a gente fazer um balaio, fazer os nossos trançados, sabe? Porque os nossos trançados, os grafismos das nossas cestarias, ela nos remete a essas duas metades complementares, ela conta a nossa história, sabe? É a nossa origem que está nela. E os nossos pais não queriam que nós fizéssemos. Meu pai não queria que nós fizéssemos o balaio, sabe? Daí as minhas tias queriam ensinar. E hoje eu aprendi a fazer depois de adulta já, para trabalhar os nossos grafismos né, que são as nossas marcas. Mas eu não pude aprender com a minha avó, com as minhas tias que queriam me ensinar. Porque o meu pai não deixava, ele não queria mais que... ele dizia que nós tínhamos que estudar, que nós não tínhamos que aprender era português mesmo, sabe? Eu não o culpo, era a situação da época, né. Ele só estava tentando, na opinião dele quem sabe, até protegia a gente. Mas mesmo assim eu consegui viver junto com outras crianças, então a gente acaba aprendendo, né. Eu tive, assim, uma infância muito livre, correndo pela aldeia, nadando nos nossos riachos. E eu lembro que meu pai… eles fizeram bastante açude de peixe, e daí, eu lembro que eu e meus primos, nós queríamos pegar peixes. E esvaziamos um açude, sem falar para ninguém. E daí, esvaziamos o açude, e claro que tinha muita água, e a gente não teve tempo de esperar, aí ficou vazando a noite inteira. No outro dia, era peixe que branqueava naquele… meu, nós aprontávamos cada uma, sabe. Então, eu sempre falo pros meus netos, né, hoje eu os vejo assim tão, assim com o celular, e isso e aquilo, uma infância assim, que parece que não tem graça, sabe? A gente fazia os nossos próprios brinquedos, e tudo era tão, tão sadio. E hoje a gente vê que nossas crianças desviaram disso. Hoje você vê até dentro das aldeias, a educação, como eu estava falando, ela já está bastante… tá mais para o lado branco do que Kaingang, né. A gente está brigando, para que a gente consiga levar pra dentro da nossa escola a nossa cultura. Nós já trabalhamos por exemplo, Tiago, nós já fizemos um livro chamado ‘‘Eg Rá Nossas Marcas’’, no instituto Kaingang, que foi a nossa associação, que a gente criou depois de 2000. Depois que eu volto da UNEMAT, Mato Grosso. A gente sofreu muito lá, nós éramos três Kaingang lá. Dessas 200 vagas, o pessoal disponibilizou 20 vagas para os outros estados. Então quando a gente foi fazer o vestibular lá, era mais assim, muito índio fazendo o vestibular, e daí, eu sei que nós conseguimos três vagas, dos Kaingang. E uma dessas vagas era minha, né. E a gente sofreu muito lá, Tiago, porque lá tem os povos do Xingu, e outros, né. Povos ainda que tem muito da sua cultura para mostrar, suas danças, suas pinturas. E a gente não tinha mais nada disso, Tiago. Então, daí, toda noite, eles tinham uma arena lá, onde toda noite, né, o pessoal assim, se apresentava, toda noite tinha povos se apresentando. A gente percebia que eles tinham prazer de se apresentar, sabe? Eles se pintavam, e aquilo era o orgulho deles, dançar, de mostrar a sua cultura. Então eles sempre falavam assim pra gente: ‘‘E vocês, Kaingang, quando é que vocês vão mostrar para nós a pintura de vocês, as danças, os cantos de vocês?’’. E a gente não sabia nada, Tiago. Não que nós não tivéssemos, nós tínhamos nossos velhos, que na época eu sabia que nós tínhamos, mas eu nunca dei atenção. Eu era professora, mas nunca tinha… assim, pensado dessa forma. Por isso que eu percebo, que a gente só se defende quando é atacado. E daí, eu percebi o quanto nós estávamos falhando na nossa cultura, sabe. Aí, terminando a minha faculdade, eu voltei para minha aldeia, e nessa época a gente já estava com o instituto Kaingang, e daí o governo federal foi lançando aquele projeto de pontos de cultura. Então nós fomos o primeiro ponto de cultura indígena, dentro de uma reserva indígena, foi o nosso ponto de cultura. Gerido só por mulheres Kaingang. Então, a gente começou a trabalhar com os nossos velhos. E daí, eu conversando com eles, nos nossos encontros, eu falei assim: ‘‘Olha, nós precisamos trabalhar a nossa cultura dentro das escolas, para nossas crianças, por onde será que a gente começa?’’. Daí eles me falaram assim: ‘‘Nós não vamos te falar nada agora, nós vamos, na próxima reunião que a gente tiver, daí a gente vai ter mais tempo para pensar’’. Falei assim: ‘‘Não, tudo bem’’. No próximo encontro eu perguntei: ‘‘Vocês pensaram, como é que a gente pode estar começando, trabalhar dentro das escolas?’’. Daí, eles falaram assim para mim: ‘‘Pois então, nós pensamos, e nós achamos que tem que trabalhar os grafismos’’. Eu nunca tinha pensado dessa forma, e daí eu perguntei: ‘‘Por quê?’’. Daí, o mais velho deles me falou assim: ‘‘Sabe, Andila, os nossos grafismos, da nossa cestaria, está toda a nossa origem, a nossa identidade, está nela, nos nossos grafismos. Então nós levando os nossos grafismos para dentro das escolas, nós vamos estar revivendo, trabalhando toda identidade Kaingang dentro desses grafismos’’. Ai, meu Deus, a gente não para mesmo para pensar. E aí, que nós… passado algum tempo, alguns anos, né. A gente escreveu o primeiro livro, já em cima desse trabalho ‘‘Eg Rá Nossas Marcas’’. Eu não tenho nenhum deles aqui agora, para mostrar para vocês. Mas é um trabalho lindo, sabe, que mostra os nossos grafismos, da época, tirados só da nossa cestaria. E daí, a gente foi trabalhando, Tiago. Nós tiramos os grafismos para fazer no corpo, e fizemos nosso grafismo em tear de prego, fizemos o… que esse que está aqui atrás, ó, Thiago, nós termos. Essa marca aqui é o kamé, é o meu, é a minha marca. Então a gente fez em tela, em vários suportes a gente fez. Aqui, ó, esse livro aqui atrás… esse é o tear de prego que a gente fez, lindos eles ficam, né?! Então nossos grafismos foram trabalhados em vários suportes, em telas, sabe, em paredes. As nossas escolas receberam aquelas pinturas, todas com as nossas marcas nas paredes, assim, sabe. Os desfiles de 7 de setembro, semana do índio, semana Farroupilha, as escolas desfilam, né. E as nossas escolas não tinham nenhuma diferença com relação às outras escolas, não tinha antes disso. Daí, Tiago, e daí as nossas crianças não queriam. Se escondendo, não querendo ser índio, aquela coisa. Tudo aquilo que eu também vivenciei. E daí, eu pensava: ‘‘Meu Deus, a gente tem que conseguir mudar isso’’. E daí, quando a gente começou a fazer as pinturas corporais com os nossos grafismos, ficaram lindos, sabe, Tiago?! E daí a gente começou a trabalhar os nossos artesanatos, os nossos brincos de pena, de contas, e fomos avançando com os artesãos. E daí, passado assim uns dois anos, e a gente trabalhando com os professores, a gente trazia os professores para trabalhar junto com a gente, dentro do… já em parceria com a Secretaria de Educação do Estado. Conforme fomos fazendo parceria, não conseguia trazer todos os professores, trazia representante, multiplicadores. Em pouco tempo as coisas mudaram, sabe, Tiago. Eu pude ver, assim, aqueles desfiles, que eu não podia ir lá para acompanhar esses desfiles na aldeia, porque são vários, né. Mas como o pessoal já vai colocando no Face, e fazendo as filmagens, e passando pra gente. Meu Deus, eu vivi para ver isso. Aqueles meninos jovens, entrando assim pro desfile, orgulhosos da sua pintura, orgulhosos de ser índio. Eu pude ver isso, sabe, Tiago?! Isso para mim era um sonho que eu estava realizando. Então, hoje, sair dos jogos dos povos indígenas, em Palmas, parece que foi, e daí foi uma representação nossa, já depois disso. Eles chegaram lá, se pintaram. Você sabe que os povos do Xingu, eles têm as pinturas, as mais bonitas são deles, né. Eles pararam e falaram assim: ‘‘Nossa, como são lindas as pinturas do povo Kaingang’’. Sabe, Tiago?! Isso graças ao trabalho que a gente fez. Então, eu estou fazendo a minha parte. Só que eu sou muito indignada com os nossos professores, eu falo para eles, gostam muito de mim. Mas eu digo para eles: ‘‘Se eu não falo, quem é que vai falar para vocês?’’. Então que seja eu, porque assim a gente tem esperança de que a gente ainda pode mudar. Com a formação que eles têm hoje, a gente agora neste governo, a gente espera ter mais apoio para fazer mais projetos, voltado para nossa cultura.
P/1 − Olha, eu estou tentado, para gente conversar outra hora sobre educação escolar indígena, algo fórum, vai ter um agora em Brasília. E graças a toda essa luta de vocês, já parabenizo vocês, e tenho muito orgulho de vocês terem lutado para que a gente pudesse conquistar tudo isso hoje. E, eu tenho ouvido também, os parentes sempre falando que o território é muito importante, sem o território a gente não tem educação escolar indígena, não tem saúde. Eu gostaria que a senhora pudesse falar um pouco dessa luta, principalmente dos Kaingang, pelo seu território. Que a senhora também pudesse contar um pouco do seu território pra gente.
R − Então, Tiago, como eu estava dizendo, nosso povo, o povo Kaingang é um dos maiores povos indígenas do Brasil, né, nós somos em torno de 60 mil Kaingang. Habitamos toda região sul do Brasil, de São Paulo até o Rio Grande do Sul. E nós temos as menores reservas indígenas, são as nossas. Então, o povo Kaingang tem aumentado de tal forma, que os nossos territórios já não comportam mais. A gente tem muita retomada, que esses anos todos ficaram parados, que não avançou em nenhum momento. São territórios que eram territórios nossos, comprovadamente, mas que não tiveram andamento nesses últimos anos, em função da política, né, indianista no país. Então, a questão de território é fundamental, se a gente não tem território, se a gente não tem local para que a gente possa trabalhar a nossa cultura, com as nossas crianças, que as nossas crianças são o nosso futuro. Se você ensina para eles a sua cultura, os seus valores agora, é ele que vai ser a liderança amanhã. Então quando eu vejo as nossas lideranças falhas hoje, eu percebo que elas são fruto da educação que a gente enfrentou lá atrás, entrando coisas estranhas no nosso meio, valores estranhos no nosso meio. Que hoje nós temos aí lideranças que não são comprometidas, né. Tiago, por exemplo, a questão das nossas terras, nós temos locais que são sagrados para nós. A minha reserva, por exemplo, Carreteiro é a menor reserva que tem, em torno de 600 e poucos hectares, então é muito pequenininho. Mas a nossa área era bem maior. Tem, inclusive, um local, que era o nosso local sagrado, onde quando tinha, assim, algum tipo de epidemia, alguma coisa assim, nós éramos levados lá, para que a gente pudesse banhar naquela água, que era uma água medicinal, ela é uma água medicinal. Hoje ela fica fora do nosso território. Então, os não-indígenas botaram lá uma Santa, e dizem que a Santa que é milagrosa, a gente sabe que não, é a água que é medicinal mesmo. E aquele para nós era um local sagrado. E hoje ela está fora do nosso território, por causa que foi diminuído o nosso território. E não está sendo reconhecido os nossos territórios, que a legislação Brasileira disse que ela deveria ser reconhecida e devolvida para nós, e não foi em tempo hábil. Hoje tem retomada disso, e que não está avançando. A gente espera que agora com esse governo eles possam, porque o povo Kaingang é um povo grande. E é um povo que está, assim, se multiplicando, sabe, então nós precisamos de mais território. E o pouco de terra que a gente tem, Tiago, elas estão arrendadas. Então a maioria das famílias não têm terra, e daí o que acontece, elas saem das reservas, porque ela precisa sobreviver. Com a pandemia, isso ficou… aqui no sul do Brasil, o pessoal sai muito para esses pomares de frutíferas, de plantação de alho, de fumo, eles vão trabalhar lá o dia para pode ganhar o sustento, né. Porque não tem terra, as nossas terras estão centradas na mão de poucos. Geralmente lideranças, e arrendadas para brancos. Enquanto a família só tem o lugarzinho da sua casa e não tem onde plantar um pé de mandioca para sobreviver. Essa é a realidade, né. Então, tanta coisa tem que mudar, sabe, Tiago?! A lei diz que as nossas terras… diz que nós temos o usufruto coletivo, para nós termos o usufruto coletivo, mas isso não está acontecendo. E as autoridades são coniventes. Eu digo que são coniventes, porque sabem e não fazem nada. Ó quanto índio tem morrido. A nossa instituição mesmo, Tiago, por volta da pandemia, por causa dessa situação, os índios começaram a passar fome dentro da nossa aldeia, porque não podiam sair para trabalhar. E daí começaram a passar necessidade dentro da… e aí, começaram a questionar as terras. E a nossa organização, um dos artigos do nosso estatuto é a defesa dos direitos coletivos, dos índios, né. E daí, quando o pessoal começou a denunciar a questão do arrendamento, e cooperativa de fachada e coisa, nós não podíamos deixar de apoiar eles, Tiago, nós não podíamos fazer de conta que não estávamos vendo nada. E nós fizemos, hoje. Nós fomos expulsos no ano passado dentro da nossa aldeia. Faz um ano que nós estamos exilados por aí. São 32 famílias que foram expulsas por causa disso. Então a gente denunciando o que está errado, o Ministério Público Federal vendo, o FUNAI vendo, eles sabem, mas eles parecem que apoiam, sabe, Tiago, fazem vista grossa. E daí essas famílias, não só essas famílias, como muitas outras que já tem saído por causa disso, por não ter terra, por não querer se levantar contra a situação, então eles pegam e saem. É por isso que tem muito índio também fora das aldeias, muito índio urbano, índio na beira de estrada, acampamentos retomados. Se você for ver, cada um tem uma história para contar, e geralmente partem disso. Então o território é, assim, fundamental para multiplicação, não só a do povo fisicamente, mas culturalmente. E o nosso futuro depende disso, se não nós estamos condenados à extinção, se isso não for garantido, né.
P/1 − É, nós falamos da luta pela educação escolar indígena, falamos aí agora da luta pelo território, pela terra, e também gostaria que a senhora pudesse falar sobre a luta pela vida. A senhora tocou no assunto da pandemia, da covid, e gostaria que a senhora pudesse contar um pouco de como foi esse momento aí na região, na comunidade, se chegou a falecer alguém da família. Como vocês enfrentaram isso?
R − Olha, Tiago, não foi fácil para nós, como eu estava te falando, a doença em si ela já… a pandemia em si, ela já foi terrível, ainda mais se passando necessidade. Que daí a própria FUNAI fechou as áreas, mandou fechar e não entrava ninguém, nem saía. Então, foi muito difícil pra gente enfrentar essa situação de necessidade, e você ver ninguém fazendo nada, a FUNAI não fazia nada, prefeitura também não fazia nada. A gente via coisas horríveis, sabe, necessidade assim na pele mesmo. Perdemos muitas pessoas, inclusive, o nosso cacique faleceu, de covid. Um dos primeiros da nossa aldeia foi o nosso cacique. Então depois disso tantas coisas ruins aconteceram, sabe, Tiago, muita… da nossa família mesmo, minha irmã, meu irmão, né, e muitas pessoas da família se foram nessa covid. Então foi um momento, assim, muito difícil para nós. Quem tinha condições, já não foi fácil para ninguém, né, Tiago. Ainda mais a gente que acompanhou junto com nosso povo, a gente fez projeto, tivemos que fazer projeto para distribuição de cesta básica. O fundo Brasil ajudou a gente, a nossa instituição, para que a gente pudesse alcançar alguma coisa para as famílias. E hoje a gente está fora da nossa aldeia. Mas agora a gente ganhou na justiça para voltar, porque a gente conseguiu provar que não somos nós que deveríamos ter saído de lá. Não eram essas famílias que eram para ser transferidas. Porque houve morte. Duas pessoas foram mortas em função da questão do território, de arrendamento mesmo. Eu acho que você teve oportunidade de acompanhar, porque foi divulgado no Jornal Nacional o que aconteceu com a gente. Então, eu sempre falo, Tiago, as minhas filhas sempre trabalharam, a gente não precisa viver em aldeia. Minhas filhas estudaram por uma questão de necessidade, elas vendo o meu trabalho. O simples fato deu… eu sempre falei para elas assim: ‘‘Eu não escolhi a minha profissão’’. E nem deixei as três primeiras filhas minhas que entraram na faculdade, eu não deixei elas escolherem, Tiago. Porque tinha um povo por quem nós tínhamos que pensar. Então duas advogadas FUNAI me falavam assim: ‘‘Quem é mesmo que tu quer matar?’’. Não era. Eu não queria matar ninguém, eu só queria garantir os nossos direitos. E eu pensava que nós tendo advogado, que fizesse isso, já estava tudo garantido. Só que hoje eu sei que não é bem assim, Tiago, né. Mas eu tenho uma médica, uma que é jornalista, e a outra é escritora, né. Então nós não precisamos viver dentro de uma aldeia, porque nós precisamos da terra, não. A gente se vira, eu sou funcionária aposentada. E a gente saiu de lá, mas ninguém passou necessidade, graças a Deus. Mas e aquelas famílias que foram para as estradas, que não tinham onde morar? Onde tirar o que comer, com os seus filhos, né. Então a situação não está fácil, sabe, a questão, a política interna dentro das nossas áreas por causa do arrendamento. Porque quem se levantar contra vai embora ou morre. Então não é fácil a questão do território. Eu, na década de 70, eu já enfrentava a questão das terras, que eu escrevi uma carta para o presidente Geisel em 75, pedindo, por causa já de arrendamento. A própria FUNAI tinha botado um monte de arrendatário em todas as áreas nossas, arrendando, né. Arrendando nossas terras. E depois acabaram por pressão, acabaram com o arrendamento, mas os arrendatários ficaram dentro das nossas aldeias. E se nós queríamos limpar nossas aldeias, nós mesmos tínhamos que enfrentar. E houveram muitas mortes naquela época. Daí que eu escrevi a carta para o presidente Geisel, na época, general, pedindo socorro. E fui perseguida por causa disso, fui ameaçada de morte, eu tive que me esconder. Aí na época, meu marido não era indígena, eu casei com o chefe do meu posto. E daí pedimos transferência lá para o norte, lá para um lugar bem longe, porque eu estava sendo ameaçada de morte, e eu fiquei uns oito ou dez anos por lá. Pará, Minas Gerais, Maranhão, aí depois voltei para o sul do Brasil. E voltei para o meu trabalho, pro meu povo, e daí hoje a situação é bem pior do que naquela época, sabe. Porque agora a situação é bem mais descarada, hoje nós temos as nossas lideranças indígenas aliciadas a autoridades e lideranças mesmo. Então se naquela época a gente podia contar com nossas lideranças, hoje a maioria delas, a gente não pode contar com elas para ajudar nesse sentido, né.
P/1 − É uma trajetória muito linda, mas também de muita luta, e resistência, de superação. E chegamos ao dia de hoje, né, no presente. E gostaria de perguntar para a senhora: quais são as coisas mais importantes hoje, quais são os sonhos, e qual o legado que a senhora gostaria de deixar?
R − Olha, Tiago, eu, na idade que eu tenho hoje, sabe, fora da minha aldeia, a primeira vez que eu saio para morar fora da aldeia. Porque embora eu tenha morado em outros estados, outros povos, eu sempre estive em uma aldeia. Hoje eu me sinto exilada, me sinto com meu direito prejudicado, não poder viver dentro da minha… Kaingang, não sei se é só Kaingang, ou se é Guarani, mas vocês andam bastante. O Kaingang é muito preso a suas raízes, por causa disso, onde estão os seus, que descanse, é ali onde a gente quer ficar. E daí eu me sinto lesada, nesse ponto. Então eu gostaria que meu povo não passasse mais por esse tipo de coisa, que eles pudessem viver dentro de suas aldeias, sem essas perseguições. Porque antes… porque eu fui servidora da FUNAI, eu era perseguida dentro da FUNAI, porque eu denunciava, porque eu era perigosa, porque eles tinham medo. Onde eu estava as pessoas já ficavam assim… as pessoas queriam me ver longe, Tiago, porque eu sempre… eu podia até não fazer nada, mas o simples fato de estar ali olhando. Eu percebo a mesma coisa hoje com as minhas filhas, elas são um estorvo para determinadas pessoas. Então eles querem ver a gente longe, e nós não temos que estar longe. Se as minhas filhas quiserem ficar, eu dou a liberdade para elas. Porque o que nós vivenciamos na minha aldeia, eu não quero nunca mais que nenhuma delas passe. Mas eu ainda quero voltar. Então elas me dizem assim: ‘‘A gente ganhou na justiça para voltar’’. Todas as famílias, 32 famílias, voltar com segurança. O juiz determinou dez dias para FUNAI, ministério público, polícia federal, para apresentarem para ele de que forma eles vão garantir a nossa segurança, dentro da nossa reserva. Sabe, Tiago, se na época que… na década de 70, 80, a gente tinha que enfrentar os brancos, muitas vezes a gente tem que enfrentar os nossos mesmos, aliciados. A própria FUNAI levou para dentro das nossas reservas o arrendamento. E uma coisa boa parece que é mais difícil de se aprender, mas aquilo que não presta o índio aprende loguinho. Então essa coisa do arrendamento é uma doença, ela se espalha, ela contagia, e mata. E a gente vê assim os nossos abandonando seus territórios de medo. E o pior, que as autoridades sabem e fazem vista grossa. Não é fácil. Então, o que eu mais quero, para o meu povo é paz, é tranquilidade. Porque não existe mais isso nas nossas aldeias, o que existe é briga, é morte, é enfrentamento. E tudo por causa de território, por causa de terra, por causa de arrendamento. Que se não é o arrendamento… se cada família pudesse ter um pedacinho de terra para plantar o seu milho, para criar uma galinha, a sua mandioca, a batata doce, o que ele vai consumir. Ele já não ia passar fome. Mas não tem, e isso eu acho muito triste, e acho uma falha muito grande daqueles que tem o poder de não deixar acontecer e fazem vista grossa. Porque são eles que está dizendo que eles deveriam ajudar a gente a garantir nossos direitos.
P/1 − É, tomara que a gente passe por esse momento. A gente torce muito para que o futuro seja diferente, e que a gente tenha os nossos territórios garantidos, e que a gente possa viver em paz, assim como a senhora disse. E indo para o final, eu fiz algumas perguntas, mas também deixo esse espaço livre, para a senhora poder contar alguma história que a senhora não pode contar até agora, esse espaço fica livre agora, se a senhora quiser contar alguma coisa que ficou de fora.
R − Eu gostaria de falar um pouquinho sobre o nosso trabalho no ponto de cultura. Esse nosso trabalho… nesse livro aqui, Tiago, tem o trabalho dos 15 anos do nosso ponto de cultura, nessa área da educação, e esse trabalho a gente fechou os 15 anos publicando esse material, que vai ser distribuído agora nas escolas indígenas, nas universidades. Nós temos um projeto que a gente vai estar distribuindo. Esse livro aqui, ele é um trabalho sobre a nossa cultura, sobre o Kaingang contemporâneo, que são trabalho com os professores, com os velhos, com os jovens, sobre essa retomada da nossa cultura. Tudo aquilo que eu falei, que a gente conseguiu resgatar da nossa cultura, dentro do ponto de cultura, elas estão registradas aqui. Então para nós é uma honra muito grande a gente poder contribuir com isso, sabe, Tiago?! Então, a gente espera que agora nesse novo governo, a gente possa estar trabalhando mais sobre a questão da nossa cultura, para levar para dentro das nossas escolas. Porque eu enquanto professora, enquanto educadora, eu sei que é através da escola que a gente vai poder mudar isso, Tiago. É por isso que eu estou dizendo que aquelas falhas que houveram na nossa escola, lá no passado, provavelmente essa influência que nós estamos tendo hoje, dentro das nossas aldeias. Porque a gente não formou líderes, sabe, comprometidos. Que a gente tenha oportunidade de trabalhar dentro das escolas a nossa cultura, aprender a valorizar o que é nosso, da nossa cultura, valorizar, respeitar. Valores que não foram ensinados mais dentro das nossas escolas, porque quem está com as nossas escolas na mão não somos nós. Aqui no Rio Grande do Sul mesmo, a maioria dos nossos professores, dentro das nossas escolas, são brancos. E os professores indígenas não sabem se valer da legislação, que hoje ampara a educação diferenciada, quando a gente poderia estar trabalhando esses valores. Eu já vi escolas nossas, valores Kaingang sendo ministrado por professor branco. O que ele sabe de nós, dos nossos valores? O que ele sabe que seria importante que os nossos alunos, que as nossas crianças soubessem, aprendessem, né? Então essa escola tem que ser repensada, Tiago, o mais urgente possível. Porque cada ano que passa a nossa língua está morrendo. É não é que a gente não tem a condição, nós temos professor que tem formação. Então eu acho que o que está havendo é uma falta de um trabalho voltado mais para, assim, para a retomada da valorização enquanto Kaingang. Não só dos nossos alunos, mas dos próprios professores indígenas, porque se a gente levar isso para dentro da escola, que o aluno veja aquilo que você valoriza, ele vai aprender, ele vai aprender com você a valorizar. Eu vi isso, eu vi no ponto de cultura, esses jovens nossos que não queriam saber mais de ser Kaingang. E ver eles dançando com aquela vontade, com aquele orgulho de ser Kaingang, com aquelas pinturas bonitas. Então eu percebi que é possível, sim. Basta que a gente queira, mas a gente tem que... mas os professores têm que se unir dessa verdade, e trabalhar dentro das escolas, que é isso que está faltando. Para que a gente possa ter um futuro melhor, e sonhar ‘‘Não, eu vou fazer da minha turma, eu vou ver em cada um deles um líder em potencial. Fazer a formação deles’’. Eu duvido. Então quando eu vejo hoje as nossas lideranças desse jeito, eu sei que foi falha na formação, na educação que ele recebeu, se não, não estava acontecendo isso. É isso, Tiago.
P/1 − Olha, eu concordo plenamente. Eu atuei durante 17 anos na rede estadual de educação escolar indígena no estado de São Paulo, e escolas indígenas. E quando eu me ausentei agora, não estou mais, foi um momento de repensar toda essa educação escolar indígena que nós temos hoje. E eu tive o contato com o texto do Bruno Kaingang, e ele fala, ele traz uma crítica em cima disso, que a gente deve pensar nessa instituição que está dentro das nossas comunidades, ‘‘Quem colocou ela sabe bem o que quer, e nós sabemos?’’.
R − Com certeza.
P/1 − Mas tá, eu acho que a história de vida é tua, tua trajetória, tuas experiências. Então a última pergunta é: como foi contar a sua história, parente Andila?
R − Olha, Tiago, eu não gosto de, como a Fernanda estava dizendo, de fazer um trabalho desses, de sentar e falar sobre, porque eu já fiz muito isso. Eu já dei palestra, eu isso, ou aquilo, e a gente não vê mudar nada, sabe, Tiago?! Então eu falo para elas: ‘‘Eu já cansei, agora é a vez de vocês, para fazer, porque já deixei a minha trajetória, já marquei o meu território, e estou deixando sucessores para continuar minha luta’’. Porque embora as minhas filhas tenham passado por tudo que elas passaram comigo, eu percebo que elas continuam firmes na defesa do nosso povo. Então eu fico feliz, que eu tenha… eu sou assim, bem conformada, bem… eu não me sinto devendo. Eu acho que o que eu tinha que fazer, eu fiz, com muito orgulho, eu penso dessa forma. O que eu tinha que fazer eu fiz. Agora, o pessoal que está aí que levem avante a nossa bandeira. Eu gostaria de me despedir, Tiago, falando um pouquinho Kaingang, para deixar registrado também, fazer uma despedida em Kaingang.
[Fim da Entrevista]
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