ENTREVISTA
ORIGENS
P: Dona Helena, primeiro gostaria de agradecer sua disponibilidade para essa entrevista. E queria começar pedindo que a senhora me diga seu nome completo, data e local de nascimento.
R: Maria Helena da Graça Lima. Nasci na cidade de Petrolândia, Pernambuco, no dia 27 de fevereiro de 1943.
P: Quem são seus pais?
R: José Correia da Graça, conhecido por Cazusa, e Antônia Silva da Graça.
P: E eles são de onde?
R: Os dois são do Brejinho de Fora.
P: A senhora sabe me contar como eles se conheceram? Como foi esse encontro?
R: Sei sim. Meu pai, antes de casar com minha mãe, foi casado com a irmã dela, Maria Firmina. Desse casamento nasceram três filhos: Maninha, Ilonso e Manoel — os três já faleceram.
O casamento durou pouco tempo porque a esposa dele ficou doente do coração. Naquela época, Petrolândia não tinha médico que cuidasse direito dessas doenças. Ela morreu muito nova, com 30 anos.
P: E como foi que seu pai se casou com sua mãe depois disso?
R: Antes de morrer, Maria Firmina pediu a meu pai que casasse com a irmã dela, Toinha — que era minha mãe. Ele respeitou o pedido, esperou o luto passar e depois casou com ela. Maninha, a filha mais velha, já tinha 15 anos na época. Manoel tinha morrido de cólera, que naquela época ninguém sabia o que era, mas hoje, pelos sintomas, a gente deduz que era.
P: E houve festa de casamento?
R: Não ia ter. Minha avó Firmina, que era casada com José Joaquim da Silva, disse que não ia fazer festa, porque ainda estava de luto pela filha. Mas tia Senhorinha, mãe de João Rodrigues, disse que ia fazer. Ia ter dois casamentos na casa dela: o de Cristina com Amaro José da Silva - que depois foi prefeito- e o de Marica com Alonso , então faria também o de Toinha, sua irmã, com Cazuza.
Ela fez uma festa de três dias no Brejinho. Ficaram esperando o padre vir de Tacaratu e, enquanto isso, era só comida, bebida e dança.
P: A...
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ORIGENS
P: Dona Helena, primeiro gostaria de agradecer sua disponibilidade para essa entrevista. E queria começar pedindo que a senhora me diga seu nome completo, data e local de nascimento.
R: Maria Helena da Graça Lima. Nasci na cidade de Petrolândia, Pernambuco, no dia 27 de fevereiro de 1943.
P: Quem são seus pais?
R: José Correia da Graça, conhecido por Cazusa, e Antônia Silva da Graça.
P: E eles são de onde?
R: Os dois são do Brejinho de Fora.
P: A senhora sabe me contar como eles se conheceram? Como foi esse encontro?
R: Sei sim. Meu pai, antes de casar com minha mãe, foi casado com a irmã dela, Maria Firmina. Desse casamento nasceram três filhos: Maninha, Ilonso e Manoel — os três já faleceram.
O casamento durou pouco tempo porque a esposa dele ficou doente do coração. Naquela época, Petrolândia não tinha médico que cuidasse direito dessas doenças. Ela morreu muito nova, com 30 anos.
P: E como foi que seu pai se casou com sua mãe depois disso?
R: Antes de morrer, Maria Firmina pediu a meu pai que casasse com a irmã dela, Toinha — que era minha mãe. Ele respeitou o pedido, esperou o luto passar e depois casou com ela. Maninha, a filha mais velha, já tinha 15 anos na época. Manoel tinha morrido de cólera, que naquela época ninguém sabia o que era, mas hoje, pelos sintomas, a gente deduz que era.
P: E houve festa de casamento?
R: Não ia ter. Minha avó Firmina, que era casada com José Joaquim da Silva, disse que não ia fazer festa, porque ainda estava de luto pela filha. Mas tia Senhorinha, mãe de João Rodrigues, disse que ia fazer. Ia ter dois casamentos na casa dela: o de Cristina com Amaro José da Silva - que depois foi prefeito- e o de Marica com Alonso , então faria também o de Toinha, sua irmã, com Cazuza.
Ela fez uma festa de três dias no Brejinho. Ficaram esperando o padre vir de Tacaratu e, enquanto isso, era só comida, bebida e dança.
P: A senhora lembra de alguma história dessa festa?
R: Lembro que Maninha, minha irmã por parte de pai, pediu ao meu pai para tirar o vestido de luto e vestir um azul-marinho de organdi, porque queria dançar. Ele deixou. E ela dançou os três dias. Disse que até esqueceu a tristeza. Era muito animado.
CONDIÇÃO DE VIDA
P: Sua família vivia toda ali por perto? Como era a vida no Brejinho?
R: Todo mundo vivia junto. A vida era de roça. O Brejinho era muito fértil. Não tinha cerca, cada um tinha seu pedaço. Plantavam coco, manga, banana, goiaba, cana. Na serra, plantavam feijão, milho, mandioca.
Meu pai fazia farinhada, a gente tinha farinha o ano inteiro. Tinha engenho de boi para fazer garapa e rapadura. Ele guardava a rapadura num caixão grande — era o café do ano inteiro.
P: Eles vendiam essas coisas?
R: Vendiam pouco. Era mais pra comer mesmo. Era fartura de comida, mas não tinha dinheiro. Não tinha emprego, cada um trabalhava por conta própria.
P: E quando é que vocês vieram morar na cidade?
R: Quem veio primeiro foi João Rodrigues, filho de tia Senhorinha. Ele veio chamado por padrinho Ovídio, meu tio, que tinha o Barracão (loja) onde vendia de tudo. Trouxe os sobrinhos pra trabalhar com ele.
Todos vieram morar com minha avó Firmina, na rua Dom Pedro II, em frente à farmácia de seu Augusto Barros.
P: E a senhora cresceu já na cidade de Petrolândia?
R: Já nasci em Petrolândia. Meu pai casou com minha mãe e veio morar aqui. Eu sou filha única de Antônia Silva da Graça.
INFÂNCIA
P: Como foi sua infância?
R: Maravilhosa. Eu só vivia correndo, brincando, pulando.
Outro dia, depois da missa, eu e Luzimere ficamos lembrando das nossas brincadeiras. Ela olhou pra mim e disse:
“Lena, eu tinha inveja de você.”
Eu perguntei: “Por quê?”
E ela respondeu: “Porque você levava os carretéis vazios de linha que sua mãe usava pra fazer renda, e a gente amarrava nos pés pra fingir que era sapato alto. Você também levava uns tecidos bonitos, e a gente fazia vestidos de baile. Os seus panos eram os mais bonitos.”
P: E esses tecidos vinham de onde?
R: Vinham do barracão do meu tio, padrinho Ovídio. Marisa, minha prima, pedia a Bebete, que trabalhava lá, pra cortar umas tiras bonitas de tecido pra mim.
Eu era pobre, filha de homem da roça, mas Marisa era neta de gente rica. Ela pedia os tecidos na loja pra fazer roupa das bonecas e vestido de casamento das bonecas.
A gente pregava as tiras com broche na roupa e saía desfilando pela linha do trem, brincando de moça.
P: E tinha outras brincadeiras?
R: Tinha demais. A gente fazia coroação. Teve uma vez que Helena, filha de Serginha, foi escolhida pra ser rainha. Ela era linda.
A gente fez uma roupa de papel crepom, colocou coroa com areia brilhante e saiu desfilando com ela pela linha do trem.
P: A senhora já queria ser professora naquela época?
R: Sempre quis. Eu brincava de escola, traçava o caderno igual ao da chamada da professora. Chamava os nomes, fazia ponto de cruz, ensinava as meninas a bordar.
Tudo que os adultos faziam, a gente queria fazer também.
P: E como era em casa? As crianças tinham obrigação?
R: Não. Naquela época, criança era livre. Só brincava. Não tinha obrigação doméstica, não.
O DESAFIIO DE ESTUDAR
P: E a escola? A senhora lembra da sua primeira escola?
R: Lembro sim. Minha primeira escola foi a municipal, com a professora Lurdinha Menezes, lá na rua do Funil.
Era um salãozinho com uma mesa grande e bancos compridos. A gente escrevia ajoelhada, com aquelas canetas de bico.
Derramava muita tinta nos cadernos. Lurdinha dava aulas muito boas, hoje vejo que eram pra adulto, de tão difícil que era.
P: Depois da professora Lurdinha, a senhora teve outras professoras?
R: Tive. Depois que Lurdinha foi trabalhar no SESP, quem assumiu foi Sílvia Costa, prima de Jacira, filha de seu Silvestre. Ela também foi uma ótima professora. Estudei com ela até ela casar e ir embora pro Rio de Janeiro.
Ela conheceu o noivo por carta! Casou-se com ele, e as alunas seguraram o vestido dela pra não arrastar no barro, porque não tinha carro, tudo era a pé.
P: Depois da escola municipal, a senhora estudou onde?
R: Fui pra escola 10 de Novembro, que era do estado. Tinha só duas salinhas, era na rua Dom Pedro II. Lá eu estudei o segundo ou terceiro ano. A farda era uma saia azul-marinho pregueada, com blusa de botão e gravatinha.
No 7 de Setembro, a gente ia cedo tomar banho no rio, fazia cacho no cabelo, colocava laço branco e desfilava. Era muito bonito.
P: E depois da 10 de Novembro?
R: Aí surgiu o exame de admissão para entrar no ginásio. Só tinha Jacira Costa como professora pra ensinar. O livro era grosso, difícil, era muito estudo. E o ginásio era pago. Eu tinha 12 anos. Mãe dizia que não podia pagar. Vendia ovo, coco, fazia renda, mas não dava.
P: Como conseguiu continuar os estudos?
Dona Helena: Meu primo João Rodrigues foi lá em casa e pediu pra minha mãe deixar eu trabalhar na barraca.
Disse: “Ela sabe ler, pode anotar fiado e somar as contas.”
Fui com 12 anos, trabalhar com Lídia, cunhada dele, na barraca azul, de madeira. Era eu quem abria cedo pra vender pão. Lídia chegava depois.
P: E o estudo?
R: João pagava. No primeiro ano, ele deu R$ 100. No segundo, R$ 150. No terceiro, R$ 200. E no quarto, R$ 250. Na medida que a mensalidade aumentava ele também aumentava o pagamento. Eu estudava à noite e trabalhava de dia. Passei direto em tudo. Na conclusão, João foi meu paraninfo.
P: A senhora lembra da formatura?
R: Lembro demais. Fomos pra Delmiro Gouveia comprar tecido de seda cristal branca e renda. As costureiras foram Jesse e Bezinha. Mandamos fazer vestidos lindos, com sapato branco de salto alto.
Eu nunca tinha usado salto. Treinei muito em casa pra poder dançar a valsa com João. Foi uma festa linda. A primeira conclusão do ginásio de Petrolândia
P: E depois que concluiu o ginásio, o que aconteceu?
R: Continuei trabalhando na barraca. A maioria das minhas colegas foi estudar fora. Marisa, Melinha, Vitória, Cecília… todas foram pro internato em Caruaru. Já estavam com os enxovais prontos, mala cheia.
Mas eu não tinha nada, nem dinheiro pra viajar.
P: A senhora queria continuar estudando?
R: Queria muito. Meu sonho sempre foi ser professora. Mas minha mãe disse que não tinha condições. Fiquei em casa, me conformando. Até que eu, Darci e Elza, que também não tinham ido pra lugar nenhum, ficamos procurando alguma opção mais barata, que fosse rápida.
P: Foi aí que descobriram o curso em Santana do Ipanema?
R: Foi. A gente soube que em Santana do Ipanema tinha um curso normalista de um ano. A gente já saía professora!
Eu disse: “Mãe, é um ano só. Eu quero ir!” Ela respondeu: “Minha filha, não posso pagar.” Mas a gente descobriu que só precisava pagar uma taxa única de R$ 300.
P: Como conseguiram resolver isso?
R: A gente pediu ajuda a Dona Almira, irmã de seu Gerson, que tinha uma cunhada chamada Alice, morando lá em Santana. Alice era muito amiga do meu pai. Dona Almira foi conversar com ele e disse:
“Seu Cazuza, o senhor é meu amigo. Não vai fazer essa desfeita. Eu mesma vou levar elas.” Ela ia num caminhão grande, que levava estrume pra Arapiraca e voltava com fumo pra vender.
P: E seu pai permitiu?
R: Permitiu. Disse: “Eu confio muito em você, Almira.”
Então fomos eu, Darci e Dona Almira na cabine do caminhão de seu Expedito Celestina. Chegando lá, Alice nos recebeu. Ela era casada com Tôca, irmão de Zézito Barbosa. Gente pobre, mas muito boa.
Ela disse: “Tenho só meu quarto e o das crianças, mas tem uma dispensazinha. Se trouxerem as camas, podem ficar.”
P: E a alimentação?
R: Alice cobrou R$ 500 por mês pra dar café, almoço e jantar. A gente topou. Já deixamos tudo certo e nos matriculamos na Escola Padre José Bulhões.
P: Como fizeram pra levar as camas e o restante?
R: Aproveitamos uma caçamba do DNER, que todo mês ia pra feira na cooperativa de Santana. Mandamos as camas, os panos e as comidas. Minha mãe tinha muito amendoim da roça, fazia doce de corte e cocada. Enchia as latas e amarrava num saco. Dona Naninha, mulher de Pedro Cordeiro, mandava doce de leite. A gente dividia: cinco latas pra Alice e os filhos, cinco pra gente.
P: Como era a rotina lá?
R: Difícil. A cidade era pobre. Só tinha energia em algumas casas de gente rica, na igreja e no clube. O resto era no escuro. A gente comia cuscuz de manhã e à noite, sempre o mesmo. À noite era com um pedacinho de carne que sobrava do almoço. Mas foi bom. A gente venceu.
P: Estudavam em que horário?
R: À tarde, porque não tinha luz na escola. Quando saía da aula, a gente sentava nos degraus da catedral e comia os doces que vinham de casa. Depois ia pra casa estudar no candeeiro. Mas aquele candeeiro soltava uma fumaça danada…
Um dia, fui assoar o nariz e saiu tudo preto. Eu disse: “Darci, olha isso!” Ela disse: “Isso é fumaça do candeeiro.” Aí deixamos de estudar à noite.
VIDA PROFISSIONAL
P: E quando se formaram?
R: A gente concluiu o curso. Não teve festa porque Zé de Caboclo (José Araújo da Silva, prefeito) queria que a gente viesse logo com os diplomas pra trabalhar. Entregamos os diplomas ao prefeito, mas a Secretaria de Educação mandou uma ordem: a gente teria que fazer uma prova de Geografia e História de Pernambuco pra revalidar os diplomas aqui no estado.
P: E como foi esse processo da revalidação do diploma?
R: A gente teve que fazer uma prova na DERE, em Floresta. Era sobre Geografia e História de Pernambuco, para o Estado aceitar o nosso diploma. Graças a Deus, passamos.
P: E qual foi o seu primeiro trabalho como professora?
R: Comecei logo em seguida, designada pra trabalhar na zona rural, na Serra do Livramento. Fui dar aula lá, era bem difícil chegar, mas fui com gosto. Era o que eu queria.
P: Como era dar aula nessas condições?
R: Difícil. A gente ia a pé ou de animal, levava o que precisava na bolsa, e as escolas não tinham estrutura, não. Mas a vontade era tanta, que nada disso pesava. As crianças vinham com caderno de papel de embrulho, a gente fazia o que podia.
P: A senhora sempre quis ser professora, não foi?
R: Sempre. Desde criança. Brincava de escola, fazia chamada, imitava as professoras. Meu sonho era estar numa sala de aula.
CHEGADA DA CHESF PARA A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM
P: E depois disso, onde a senhora trabalhou?
R: Trabalhei só na Escola Delmiro Gouveia. Passei 15 anos como professora. Ensinava da primeira à quarta série, que era o que tinha. Depois, chegou o pessoal da Chesf, por causa da barragem de Itaparica.
P: Nessa época, menininha de Zé de Caboclo, que era diretora, já tinha ido embora pra Recife, por causa das brigas políticas. A escola ficou sem direção. Aí Zé de Caboclo mexeu os pauzinhos com seu Belé, irmão do meu marido Pedro, e fui nomeada diretora do Delmiro.
Fiquei muitos dias sem querer assumir. Tava triste, acabrunhada, porque foi tudo feito calado. Mas acabei assumindo.
P: E a Sehora tinha feito o curso de Pedagogia?
R: Eu não tinha feito ainda, cursava História. Aí um dia, conversando com Janete- coordenadora da Faculdade de Arcoverde- sobre a possibilidade de mudar de curso, chegou uma moça de Petrolina, querendo vaga no curso de História. Ela disse: — Janete, me arrume uma vaga, eu dou aula de História e preciso sair de Pedagogia. Janete disse: — Menina, foi Deus que mandou essas duas se encontrarem aqui! Na mesma hora, fez a troca: eu saí como cursista de Pedagogia, e ela como de História.
P : E nessa época, já tinha os filhos dos engenheiros chegando por causa da barragem?
R: Sim! Berenice, que era supervisora da Chesf, junto com Fiorindo, foi morar na minha rua , ficamos amigas. Ela disse: — Helena, você não quer pegar uma turminha, não?Eu disse: — Berê, como é que dou conta da direção e de uma turma? Ela: — Mas são só os filhos dos engenheiros e de professores. Dez alunos. Aí fui. Era uma maravilha. Sabiam fazer redação, carta, telegrama… não davam trabalho. Fiquei com essa turma e com a direção.
Berenice foi juntando Gorete, Bernadete Matias, um monte de professoras, pra preparar elas pras aulas das empreiteiras. As reuniões eram no ginásio de Petrolândia. Mas um dia ela disse: — Helena, não venha mais de tarde, não. Fique só na sua escola, como diretora, e dê suas aulas. Eu já conheço seu trabalho.
P: E o pagamento nessa época era bom?
R: Muito bom! A gente era paga pelas empreiteiras: Odebrecht, Queiroz Galvão, Gilvan do Castro… O salário era excelente, parecia salário da Chesf, mas era das firmas mesmo. Todo mês, saía de uma empreiteira pra outra, sempre ganhando mais. Aí fui juntando dinheiro, fazendo poupança.
P: E por que a senhora saiu desse trabalho?
R: Berenice disse: — Agora vão passar vocês pra Chesf.
Eu disse: — Não quero mais nada. Vou embora. Já tinha um filho excepcional, que não tinha progresso em Petrolândia, porque não tinha fisioterapia. Ele já tinha feito muito tratamento no Recife, com apoio do DNER. Mas aqui ficou parado. Disse pra ela: — Eu preciso cuidar do meu filho. Ela disse: — Você vai perder a vaga! E eu disse: — Perco, mas vou cuidar do que mais importa.
Perdi mesmo, mas perdi feliz. O dinheiro que eu ganhei deu pra comprar uma casa em Caruaru, novinha, do jeito que eu queria, parecendo uma casinha de pomba. Ainda tenho minha casa lá.
SAÍDA DA TERRA NATAL
P: E como foi a mudança pra Caruaru?
R: No começo, não fui logo. Os meninos foram passar férias com o pai. Gonga já tinha ido com Fátima e Lene. Uma cozinhava, a outra levava ele pra fisioterapia. Os outros ficaram comigo, ainda estudando na escola da Chesf — que era ótima. Quando os meninos chegaram lá, mandaram dizer: — Mãe, a gente não quer mais voltar pra Petrolândia, não. Vai ficar aqui com painho. Aí decidi: pronto. Tava grávida de Jaidene, buchudinha, e fui embora de vez. Já era do Estado, fui transferida.
P: E em Caruaru, a senhora trabalhou onde?
R: Fui pro Colégio Nicanor Souto Maior, como professora. Mas o diretor, sabendo que eu já tinha sido diretora, me deixou na secretaria, ajudando com atas e tudo. Trabalhei lá seis anos, até me aposentar.
P: A senhora lembra o ano da aposentadoria?
R:Mais ou menos. Jaidene já tinha nascido. Foi por volta de 1989, quando Miguel Arraes mandou apressar a aposentadoria de quem já tinha 25 anos de serviço. Aí pedi minha aposentadoria e saí.
P: E aí depois de Caruaru? Morou a vida toda lá, agora tá de volta para Petrolândia?
R: Foi depois da pandemia que cheguei novamente em Petrolândia. Porque eu fiquei sozinha com Pedro lá. Aí foram casando, né? Os filhos foram saindo de casa, só tinha eu e ele. Aí Gláucia disse: “Mãe, não tá dando certo, não, essa pandemia. Vem embora para cá. Deixa passar essa fase de pandemia, venha para cá.” Aí a gente veio. Aí quando chegou aqui, foi morrendo os parentes dele, foi morrendo tanta gente, foi pior. Aí ele não quis mais voltar para Caruaru. Eu aluguei minha casa e fiquei morando em Maragogi.
Eu não lhe contei que eu fui para Maragogi com Pedro e Neilton. Neilton era professor em São José da Coroa Grande. E eu fiquei lá em Maragogi, aposentada, todos os dois aposentados, só trabalhando na igreja, fazendo exéquias dos defuntos e pregando missão porta a porta com padre Júnior.
E foi uma vida maravilhosa. Meu marido lá era ministro da Eucaristia e a gente tinha uma vida religiosa bem ativa lá em Maragogi. Aí foi quando aconteceu a pandemia.
RELAÇÃO COM A NOVA CIDADE
P: Aí a senhora veio morar em Petrolândia nova. A pergunta que eu faço é: e o que é que a senhora acha dessa cidade nova?
R: Dessa cidade nova eu acho tão difícil de decorar essas quadras, não aprendi ainda. Pouco eu saio, saio mais com Gláucia, minha filha, né? Aí vou de carro. “Quadra tal”... Eu sei que essa é a cinco. “Vamos na quadra oito”, “vamos na quadra nove”... Não sei, não sei onde mora ninguém. Só sei se ela me levar. Mas por chegar: “Onde é a casa de fulano?” Sei não ... ainda acho confuso, né?
SAUDADE DA VELHA PETROLÂNDIA
P: E de Petrolândia velha, o que é que a senhora mais tem saudade, o que é que a senhora mais sente falta?
R: É que em Petrolândia velha eu sabia o nome de todas as ruas e conhecia o povo que morava na Petrolândia velha. Aí eu tenho muita saudade quando eu encontro os ex-alunos. Rubinho do Mel me dá cada abraço... foi meu aluno também. Eu encontro muitos alunos assim que ainda tão por aqui, que moram aqui e que recordam de mim. Adelmar de Zé Deolina foi meu aluno. Adelmo e... outros alunos meus que morreram. Gilvan, de dona Eulália, foi meu aluno, morreu há pouco tempo. Morreu também Adilson dos Piau. Eu tenho eles nas fotos, né?
P: Então assim, pelo que eu tô entendendo, a saudade maior que a senhora sente da Cidade Velha é dessa convivência com as pessoas?
R: Sim, da convivência com as pessoas. A gente conhecia todo mundo, né? . E assim a gente sente saudade da antiga cidade. Eu sinto saudade dessa convivência com o povo, com as ruas, o nome de rua, de tudo que a gente sabia muito bem.
MENSAGEM FINAL
P: E se a senhora pudesse deixar um recado para essa nova geração que tá aqui na cidade, que recado a senhora daria? Essa nova geração que nasceu nessa cidade, nem conheceu a outra, já nasceu aqui...
R: O meu recado é que essa nova geração procure se aprofundar, conhecer o que foi a antiga Petrolândia. Que foi, antes de tudo, foi Jatobá, foi também Itaparica, para depois ser Petrolândia. Então, muita gente da nova geração não sabe que Petrolândia teve esses três nomes, né? Então a gente tem muita recordação bonita de Petrolândia.
É tanto que dona Anita, Anita de Raimundo Lima, que morava na estação — pronto — foi dona Anita que fez a arguição do meu exame de admissão. Dona Anita era uma professora nota 10, né? E ela arguia os alunos, só passava quem soubesse. A gente era que decorar o livro pra poder passar. Naquela época da decoreba.
Então, que os alunos de hoje procurem ver as raízes de Petrolândia, que são bonitas. Tem muita história bonita em Petrolândia.
P: Pois dona Helena, eu agradeço muito o seu depoimento. Foi riquíssimo. A gente agradece e espera que a nova geração aproveite suas memórias. Não é? Então, obrigada, viu?
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