A CUIDADORA DE VIDAS
A vida me trouxe grandes surpresas. Sempre compromissada com o lado direito dela construí família e bem cedo comecei a trabalhar. Os filhos virem e com ternura maternal procurei cumprir a doce missão de ser mãe.
Com o tempo aprendi que aquilo que mais amamos pode ser alvo de um grande sofrimento. Meu filho, aos catorzes anos, vítima de um prognóstico de nome estranho, Hebefrenia, bem depois Esquizofrenia. O dicionário me mostrou o significado das novas palavras, o sofrimento veio tirar as vendas dos meus olhos cegos e mostrou-me os porões escuros de um adolescente enlouquecendo. Armei-me de todos os meios para tentar ajudá-lo, mesmo sendo uma simples professora trabalhando na zona rural de um município distante dos grandes centros.
Ele precisaria fazer Psicanálise que me deixou preocupada uma vez que naquele tempo somente as grandes cidades poderiam oferecer profissionais capacitados para tratá-lo, além do meu bolso pequenino de uma professora do Estado do Rio de Janeiro.Não podia cruzar os braços, lancei-me à sorte. Semanalmente viajava com ele para o Rio de Janeiro em busca de melhoras e terapias que pudessem ajudar nos seus problemas de exacerbação de comportamento, com delírios, fantasias, agressividade, fugas. Um quadro muito triste que me trazia aflição diante do desconhecido.
Os conflitos em casa eram constantes entre pai e filho. O pai na sua ignorância pensava que com surras tudo seria resolvido. O tempo, sim o tempo que veio mostrar que a cada dia eu teria que me revestir de muita força para ajudar aquele filho. Continuei batalhando e aprendi a lidar com a situação ajudada por uma excelente médica, a Dra. Borges que a cada encontro mostrava-me o quanto eu era importante na minha família e que se eu me perdesse todos se perderiam e afundariam comigo.
Aquela médica, vinda da Bahia...
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A CUIDADORA DE VIDAS
A vida me trouxe grandes surpresas. Sempre compromissada com o lado direito dela construí família e bem cedo comecei a trabalhar. Os filhos virem e com ternura maternal procurei cumprir a doce missão de ser mãe.
Com o tempo aprendi que aquilo que mais amamos pode ser alvo de um grande sofrimento. Meu filho, aos catorzes anos, vítima de um prognóstico de nome estranho, Hebefrenia, bem depois Esquizofrenia. O dicionário me mostrou o significado das novas palavras, o sofrimento veio tirar as vendas dos meus olhos cegos e mostrou-me os porões escuros de um adolescente enlouquecendo. Armei-me de todos os meios para tentar ajudá-lo, mesmo sendo uma simples professora trabalhando na zona rural de um município distante dos grandes centros.
Ele precisaria fazer Psicanálise que me deixou preocupada uma vez que naquele tempo somente as grandes cidades poderiam oferecer profissionais capacitados para tratá-lo, além do meu bolso pequenino de uma professora do Estado do Rio de Janeiro.Não podia cruzar os braços, lancei-me à sorte. Semanalmente viajava com ele para o Rio de Janeiro em busca de melhoras e terapias que pudessem ajudar nos seus problemas de exacerbação de comportamento, com delírios, fantasias, agressividade, fugas. Um quadro muito triste que me trazia aflição diante do desconhecido.
Os conflitos em casa eram constantes entre pai e filho. O pai na sua ignorância pensava que com surras tudo seria resolvido. O tempo, sim o tempo que veio mostrar que a cada dia eu teria que me revestir de muita força para ajudar aquele filho. Continuei batalhando e aprendi a lidar com a situação ajudada por uma excelente médica, a Dra. Borges que a cada encontro mostrava-me o quanto eu era importante na minha família e que se eu me perdesse todos se perderiam e afundariam comigo.
Aquela médica, vinda da Bahia para o Rio de Janeiro foi construindo a mãe e o filho. Eu me alimentava das sobras do divã e esfaimada ia me fartando do pouco ou do muito que vinha no meu prato quase sempre vazio de boas informações.
Não só o meu filho como também a minha mãe que morava conosco sofria do Mal de Pânico que mais tarde passou ao Mal de Alzheimer e a perda da memória precisando da minha tutela permanente por onze anos. Nessa altura a médica que no início me apoiara havia se mudado para outra capital mais distante e eu havia trocado de médico estando agora aos cuidados de outro, um anjo de Deus na minha vida que pode dar, com competência e dedicação, continuidade ao tratamento daquele filho e agora daquela mãe na Psiquiatria levada a sério.
Ele foi tratado dos catorzes aos quarenta e quatro anos quando, por septicemia faleceu em um dia de desaviso. Sepultei aquele filho com profunda dor e sempre carregando comigo o pesado fardo de ter sido a cuidadora única daqueles dois
enfermos queridos, filho e mãe, perdidos nos meandros da doença mental, tendo ainda uma pesada jornada de trabalho.
As letras, os livros, a poesia, o conto de cada dia me acompanhavam. Sempre procurava extravasar os meus sentimentos de dor nas páginas de um livro estudando sozinha, escrevendo e buscando a leveza do sonho na arte de escrever, na palavra que edifica. Superar era preciso! Era preciso ver o arco-íris mesmo em dias frios e nublados. Era preciso sorrir com todos os dentes. Era preciso estar à frente daquela família que agora tinha uma menininha crescendo e descobrindo o mundo, a minha filha.
Trabalhava para equilibrar com dificuldades as contas da família com muita sabedoria econômica fazendo sempre a arte de “multiplicar os pães”. Era professora de Língua Portuguesa. Ensinava os meus meninos a pensar e a produzir textos. Voava com eles em um encantado tapete mágico esquecendo as dores da vida e trabalhando os meus projetos com a motivação de levá-los à leitura, ao mundo dos livros, às bibliotecas, à cidadania pelo saber. Foi este o meu pilar. Construir mundos na sala de aula. Partilhar o gosto pela literatura crescer e provocar o crescimento das muitas turmas que pegava de fevereiro a dezembro.
Meu filho morto, sepultado, minha filha crescendo, estudando, sempre independente e procurando seus caminhos com os seus próprios pés. Minha mãe envelhecendo, a doença progredindo e os anos de mocidade galopando dedicados à causa de ser a CUIDADORA deles com a ajuda dos médicos amigos que souberam me orientar no seu exercício profissional honesto a como sobreviver lidando nesse contexto familiar conflituoso.
O salto, ainda mais um salto para pular o obstáculo maior da idade que avançava, do tempo que escasseava nos calendários que ainda estavam por vir. Lia, estudava, fundei para mim a minha “oficina de versos” e diariamente passei a cuidar dos versos. Ao mesmo tempo em que temperava as saudades do filho falecido e que via a minha menininha se emancipar e cuidava da minha mãe como um bebê de noventa anos mergulhava na minha “oficina de versos” e brincava com as letras de forma agradável e lúdica dando rasteiras no sofrimento. Viva, eu estava viva!
Aos noventa e seis anos despedi-me para sempre da minha mãe. Agora, sem eles, o que fazer? Como prosseguir? Da cuidadora de pacientes mentais nasce a cuidadora de versos que passa a semear letras nas estrelas, que passa a montar nos raios de sol, que passa a enxergar o invisível a cada emoção sentida. Saí dos miligramas das tarjas pretas para lidar com o universo das palavras que me fascinavam sempre, desde a infância. Procuro visitar escolas educando para a paz através da poesia que acalenta as nossas emoções e constrói a cidadania. Um trabalho gratificante que desenvolvo em comunidades carentes necessitadas de novos horizontes e novas esperanças.
Participo hoje de muitas associações e academias literárias. Meus poemas já foram publicados em português, espanhol, francês e italiano tendo hoje inúmeras antologias editadas em vários estados do Brasil e no exterior.
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