Mulheres Na Construção Civil
Entrevista de Maria Amélia Silveira
Entrevistada por Bruna Ghirardello e Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 26 de maio de 2023
Entrevista nº MNCC_HV004
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:19) P/1 - Boa tarde, Maria Amélia. Tudo bom?
R - Boa tarde, tudo certo!
(00:25) P/1 - Então, para começar, eu gostaria que você se identificasse com o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R - É Maria Amélia Adissy Silveira. Nasci em doze de abril de 1945, na cidade de São Paulo, capital. Paulistana.
(00:47) P/1 - E qual é o nome dos seus pais?
R - Os nomes? É Alberto Adissy e Antônia Bearzzi Adissy, falecidos.
(00:59) P/1 - E o que os seus pais faziam quando você era criança?
R - Meu pai tinha um comércio na [Rua] 25 de Março, comércio grande, era um comércio atacadista. Na ocasião, vendia-se muita meia para senhoras, que você usava muito mais do que hoje em dia, distribuía para todo o Brasil. Mamãe também ajudava na loja, e eu às vezes ajudava também, quando tinha que terminar os estudos. E depois, com doze, catorze, treze anos, tinha que terminar logo, passar de ano, né, como a gente falava; terminar logo os estudos rápido, para em dezembro ir ajudar, porque havia muito movimento naquela ocasião.
Depois papai queria que a gente, eu e minha irmã, minha irmã mais velha… Porque tinha… Eu sou mais velha, mas tinha minha irmã também, [com] dois anos a menos; se a gente se interessasse por ficar na loja… Ele falou: “Chega uma hora [que] eu vou estar cansado, quero fechar. Vocês não querem ficar?”. Mas daí eu pensei, pensei, achei que não ia gostar daquilo e preferi continuar estudando. Foi aí que eu fui fazer Engenharia. Naquela época era o científico, como a gente falava, e depois Engenharia.
(02:42) P/1 - E como a senhora descreveria o seu pai e a sua mãe? O jeito deles, como eles...
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Entrevista de Maria Amélia Silveira
Entrevistada por Bruna Ghirardello e Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 26 de maio de 2023
Entrevista nº MNCC_HV004
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:19) P/1 - Boa tarde, Maria Amélia. Tudo bom?
R - Boa tarde, tudo certo!
(00:25) P/1 - Então, para começar, eu gostaria que você se identificasse com o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R - É Maria Amélia Adissy Silveira. Nasci em doze de abril de 1945, na cidade de São Paulo, capital. Paulistana.
(00:47) P/1 - E qual é o nome dos seus pais?
R - Os nomes? É Alberto Adissy e Antônia Bearzzi Adissy, falecidos.
(00:59) P/1 - E o que os seus pais faziam quando você era criança?
R - Meu pai tinha um comércio na [Rua] 25 de Março, comércio grande, era um comércio atacadista. Na ocasião, vendia-se muita meia para senhoras, que você usava muito mais do que hoje em dia, distribuía para todo o Brasil. Mamãe também ajudava na loja, e eu às vezes ajudava também, quando tinha que terminar os estudos. E depois, com doze, catorze, treze anos, tinha que terminar logo, passar de ano, né, como a gente falava; terminar logo os estudos rápido, para em dezembro ir ajudar, porque havia muito movimento naquela ocasião.
Depois papai queria que a gente, eu e minha irmã, minha irmã mais velha… Porque tinha… Eu sou mais velha, mas tinha minha irmã também, [com] dois anos a menos; se a gente se interessasse por ficar na loja… Ele falou: “Chega uma hora [que] eu vou estar cansado, quero fechar. Vocês não querem ficar?”. Mas daí eu pensei, pensei, achei que não ia gostar daquilo e preferi continuar estudando. Foi aí que eu fui fazer Engenharia. Naquela época era o científico, como a gente falava, e depois Engenharia.
(02:42) P/1 - E como a senhora descreveria o seu pai e a sua mãe? O jeito deles, como eles eram?
R - Ah, a mamãe era muito ativa, muito, tanto em casa, quanto nos negócios. Papai era uma pessoa muito dócil também, sempre muito honesto nas coisas, muito direito, muito prestativo com os amigos. Tinha muitos amigos na região ali, comerciantes também. Tanto com os amigos quanto com os irmãos, sempre ajudou muito. E tínhamos uma vida bastante boa.
(03:38) P/1 - Vocês moravam perto ali da 25?
R - Não, não. Morávamos no bairro do Ipiranga.
Papai ia para a 25 toda manhã, cedinho. E a mamãe ia depois do almoço; de manhã ela ficava em casa, geralmente. Ela colocou a gente… Na época nem tinha os maternais [como] hoje, mas ela foi pedir para a freira de um colégio que tinha lá no Ipiranga… Eu acho que eu tinha uns dois anos, dois e meio. Não tinha os maternais de hoje, né? Mas daí eu fui com uns dois anos e meio, não sei se três, para a escola, porque como ela saía para trabalhar, ela achava que ficava melhor na escola e eu fui bem cedo.
(04:44) P/1 - E a senhora tinha falado sobre uma irmã mais nova, são só vocês duas?
R - Não, eu tenho também um irmão, bem mais novo que a gente. Minha irmã tem dois anos de diferença, depois eu tenho com meu irmão uns dez anos de diferença, ou doze, até. Depois veio o meu irmão. Éramos duas moças, depois veio mais um irmão, que também é engenheiro.
Na minha família tem muito engenheiro, talvez eu tenha sido a primeira, mas depois teve uma profusão grande de engenheiros. O meu irmão fez depois Engenharia, a minha cunhada, casada com ele é engenheira, eu casei com um engenheiro que conheci na Poli, meus dois filhos fizeram Engenharia, eu tenho sobrinhos engenheiros, meu irmão é casado com uma engenheira também… (risos) Tem muitos engenheiros hoje em dia.
Minha irmã é médica, não fez Engenharia, não.
(05:54) P/1 - Conte um pouquinho da sua infância, como eram as brincadeiras que a senhora gostava de fazer?
R - Era muito bom naquela época. (risos) A gente não tinha problema de ficar na rua, então brincava-se muito na rua. Brincava muito na rua com as amigas que tinha, com as vizinhas que moravam lá perto, então era muito gostoso.
Eu lembro até de uma ocasião que.. Acho que iam asfaltar, pavimentar a rua, não sei se… Acho que talvez fosse de barro, eu não me lembro muito bem disso, então [tinha] aqueles paralelepípedos que se usavam, grandes. Acho que era a prefeitura, empilhavam todos aqueles paralelepípedos. Aquilo lá era uma brincadeira, porque ficava meses até eles terminarem todos os serviços, fazer a base, todas as camadas. Então a gente ficava brincando com aqueles paralelepípedos. (risos)
Brincava de correr, brincava de boneca, brincava de tudo. Depois veio a era da televisão, que antes não tinha. Tinha um dos vizinhos que comprou a televisão primeiro - era relativamente cara, então nem toda casa… Mesmo com a televisão no Brasil, nem todo mundo tinha ainda. Quando eram umas seis horas, começava o Sítio do Picapau Amarelo, então ele deixava abrir a porta e a janela, e toda a criançada ia lá assistir. São coisas muito boas, brincadeiras boas que fazíamos.
Lembro bem de uma pessoa, de uma família com bem poucas posses, que destoava um pouco da média do pessoal do bairro, que era de classe média. Eles moravam em um porão de uma casa, acho que era alugada e tinham muitas crianças. A gente brincava muito com eles e também era uma interação boa, diferente, mas boa. São coisas assim que a gente lembra.
Na época de férias, geralmente íamos para Santos. A minha avó por parte de pai tinha pressão alta, então o pessoal falava que Santos era bom para quem tinha pressão alta. Papai nunca saía da loja, porque não dava para deixar o comércio, não tinha quem ficasse, então eu ia com a minha mãe, minha irmã e levávamos a vovó para Santos, a vó Amélia. O nome dela era Amélia. Interessante!
(09:31) P/2 - Eu ia te perguntar exatamente sobre isso, se você chegou a conhecer os seus avós.
R - Eu conheci bastante a avó Amélia. Por parte da minha mãe tinha muita interação com a minha avó e com o meu avô. O meu avô por parte de mãe tocava violão, era uma pessoa muito alegre, reunia os amigos para tocar. Naquela época até se saía…À noite, como não tinha televisão, as pessoas se sentavam na calçada, tocavam e conversavam. E a minha avó cuidava da casa, cozinhava muito bem. Eu não conheci só o meu avô por parte de pai, parece que eu tinha dois anos quando ele faleceu, então não cheguei a lembrar.
(10:29) P/2 - E tem memória de algum cheiro, de alguma comida da infância que você lembre com carinho?
R - Ah, na casa da vovó tinha pé de goiaba, que era gostoso. Pegava a goiaba do pé mesmo e comia, isso era muito bom. E os Natais eram muito animados na casa da minha avó, porque a vovó por parte de mãe era descendente de italianos - do meu pai era de libaneses. A minha avó, descendente de italianos, reunia muita gente no Natal, então a gente ficava… Eu ajudava também, porque naquela época a criançada ajudava um pouco - inclusive matávamos as galinhas, porque naquela época a galinha não vinha embrulhadinha no supermercado, vinha no engradado, viva, e tinha que matar a galinha para pôr na mesa tinha que matar, senão não comia. (risos) Então matava-se as galinhas.
Vinham muitos parentes, cunhados da minha avó, se reunia muita gente no Natal. Era muito interessante. Só que ela ficava uma semana antes: “Ah, vem ajudar a nonna”. A gente falava nonna, porque era avó italiana. “Vem ajudar a nonna, que precisa matar as galinhas. Precisa depenar, precisa temperar”, então a gente ajudava a fazer isso. Era muito bom! [São] as lembranças que a gente tem…
(12:07) P/1 - E a história do seu nascimento? A senhora sabe alguma história? A sua mãe lhe contou como foi o dia?
R - A história do meu nascimento? Contou sim. Eu nasci em doze de abril de 45. Mamãe disse que foi parto normal, que é aquele sofrimento para nascer, que demorou um pouco. Ela diz que lembra do meu pai entrando lá no quarto [e dizendo:] “Olha, eu tenho uma notícia. O Roosevelt morreu!” Foi o dia que morreu o Roosevelt, [presidente] dos Estados Unidos, em doze de abril de 45. Ela falava: “Eu estou quase morrendo aqui e você vem falar do Roosevelt! O que eu tenho que ver com Roosevelt?” (risos)
Depois tem o fato da família do meu pai, que eu falei que eram descendentes de libaneses, então tem uma tradição que as filhas mulheres que nasciam tinham o nome da avó, que é Amélia, e os filhos homens tinham o nome do avô. Então todo mundo: “É Amélia, Amélia!” Minha mãe falou: “Não! Minha filha vai se chamar Maria Amélia. Eu faço uma concessão, deixo o Amélia, mas vou pôr Maria Amélia.” Ficou um pouco, acho que uma pequena briguinha, mas no fim ficou Maria Amélia.
Meu pai tinha vários irmãos, então quando a gente se reunia e tinha festa, ou reuniões com os irmãos dele, tinha que falar: “É a Amélia do José, a Amélia do Jammil, a Amélia do Carlos”. Tinha que falar o nome da moça e do pai, senão você não sabia quem era. (risos) Eu era a única que era Maria Amélia.
(14:12) P/1 - E avançando um pouquinho na sua infância, quais as recordações que a senhora tem dos seus primeiros dias na escola?
R - As recordações que eu tenho não são tão boas. Como eu falei, eu fui… Não são tão boas no sentido de eu era muito criança, muito nova; eu não entendia muito, acho, o que era escola e naquela época você não tinha esses preparos para um maternal. As freiras queriam que você ficasse… “Agora é hora de de ficar quieto, de repousar”, porque era classe pequena, de Jardim [da Infância], né? Eu era a mais nova dos mais novos, eu acho. [Elas diziam:] “Tem que ficar quieta.” [Eu respondia:] “Eu não quero ficar quieta, eu não quero dormir.” Elas ameaçavam, brigavam com a gente, sabe? (risos). Punham de castigo. Era isso, mas no fim era normal.
Depois fui para uma outra escola no Ipiranga também, de padres. E sempre eram bastante rígidos os professores, em termos de disciplina, mas eram aulas boas, que a gente gostava muito.
Sempre gostei muito de matemática, desde pequena eu ia bem, ia muito bem na escola. Em termos de nota eu ia muito bem, era sempre uma das primeiras da escola. Eles colocavam no fim do mês a premiação, uma referência para os bons alunos. Fui bem, não tive muitos problemas na escola, em termos de acompanhar, de seguir. Depois estudei o primário, depois ginásio… O maternal [fiz] em uma escola, depois eu fiz o primário nessa outra. Nessa escola que eu fiz o primário, na ocasião não tinha o que era o ginásio, hoje em dia eu não sei como é que se chama….
(16:51) P/2 - Fundamental ll.
R - Fundamental ll, isso. Daí fui para um outro colégio de freiras também. Só que elas tinham normal, que era para professoras, mas não tinha clássico ou científico, então elas puxavam muito para que a gente fizesse o normal e até [diziam:] “Vocês não sabem o que é fazer colegial, científico fora. Vocês não vão poder sair de casa nunca, vão ter que estudar muito!” Ameaçavam, forçavam para que você fizesse. E eu falava: “Será que eu não vou?” “Não, não vai poder ir em um cinema, em uma festinha, porque tem que ficar [estudando] direto. E nem sei se vocês vão acompanhar.” Era uma pressão muito grande! Por conta disso, até fiquei na dúvida.
Ninguém tinha curso superior em casa, nem papai e nem mamãe. Tinham só… Não sei se o primário, ou o ginásio, mas minha mãe ficou assim, “Ah, melhor ser professora, fazer curso de contabilidade, talvez, ou secretariado. Engenharia é coisa complicada, coisa mais de homem.” Fiquei na dúvida se eu ia mesmo conseguir acompanhar.
Você fica naquela dúvida: “Será que eu vou começar a fazer?” Depois a minha mãe [disse:] “Ah, você falou que ia fazer e não fez”. Parei um ano em função disso, para ver o que eu ia fazer, se eu ia fazer mesmo. [Ela dizia:] “Não, vai fazer um curso de bordado.” “Eu vou fazer, mas não é o que eu gosto, costura ou bordado.”
Depois que passou esse ano, [eu disse:] “Eu vou fazer mesmo, seguir para fazer o curso de exatas”. Na ocasião nem se falava muito de Engenharia, mas depois deu certo. (risos) Fiz e passei, foi bom!
O curso da faculdade foi muito interessante - não só o curso em si, como a diversidade, porque você sai de um bairro onde as coisas são muito… Acabam sendo muito homogêneas, aí você pega uma USP e você tem uma diversidade muito grande de pensamentos, de pessoas de várias partes do Brasil. Foi muito, muito importante! Muito bom!
(19:50) P/1 - E tinha outras mulheres também no seu curso, na sala?
R - Tinha poucas. Vocês veem, por uma das fotos que eu deixei aí… Acho que tinha… Eu fiz Engenharia Química, depois fiz uma pós-graduação em umas áreas de [Engenharia] Civil. Não cheguei a fazer o curso de Civil, mas fiz várias cadeiras. Quando eu estava fazendo o mestrado, eu estava mais voltada para fazer uma cadeira de Civil. Na Engenharia Química, que era onde tinha um pouco mais de mulheres, acho que tinha quatro na minha classe, quatro ou cinco, uma que tinha repetido, sei lá, mas não eram mais que quatro ou cinco. E na escola toda também, devia ter dez, quinze, no máximo, em todas as modalidades de engenharia. Não sei se chegava a isso, naquela época tinha poucas. Mas foi bom.
(21:00) P/1 - A senhora sentia alguma diferença no sentido de: “Olha, vocês são mulheres”. Existia algum tipo de preconceito na hora das aulas, das provas?
R - Eu acho que não. Meu marido, que era o meu colega da faculdade, disse que os professores favoreciam as mulheres, mas eu acho que não. Ele fala isso, mas eu tenho a impressão que não. (risos) Não, eu não sentia que houvesse diferença ou preconceito de alguma parte. Acho que não.
(21:43) P/2 - Voltando um pouquinho, como é que foi a sua juventude fora da escola? Você saía? Como você fazia para se divertir?
R - Ah, sim. A gente saía. Era cinema, bailes. Tinha bastantes bailes, que se fazia entre as pessoas conhecidas.
(22:06) P/2 - Lá no Ipiranga?
R - No Ipiranga. Alguém tinha uma garagem, fazia os bailinhos. Ia ao cinema, passeava, depois começava a namorar um pouco e por aí vai. (risos)
(22:31) P/2 - Você começou a namorar o seu marido nessa época da faculdade?
R - Não, mas eu já estava quase para sair da faculdade. Eu acho que foi depois, do quarto para o quinto [ano].
(22:45) P/2 - E como é que foi entrar na USP? Você falou um pouco que você encontrou a diversidade lá, mas como foi a decisão de ir para a USP?
R - Eu tinha… A gente sempre acaba dando preferência, porque era uma das escolas mais famosas, a Poli[técnica]. Eu tinha passado na Mauá, no Mackenzie… Os que eu tinha feito eram Mauá, Mackenzie e a Poli. Passei e resolvi ir para a Poli, embora fosse mais longe de casa.
Na realidade, eu não tinha passado na Poli, eu tinha passado na Mauá e na Mackenzie. Fui fazer até matrícula na Mauá, porque eu ia cursar. Depois me contataram da Poli, porque naquela época entravam 360 pessoas em toda a engenharia, era pouca gente. Hoje em dia são mais de seiscentas, acho, não sei quantos. Muita gente que tinha passado… Alguns iam para o Ita [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], porque escolhiam a parte de Aeronáutica, talvez alguns do interior fossem para a Unicamp e sobrava algumas vagas que não eram preenchidas, então o pessoal do grêmio da Poli - que era um pessoal muito atuante, depois eu fui conhecer - falou: “Não, se o governo paga para ter 360 alunos se formando, por que nós vamos ter 350, 340?”, por conta dessas vagas não preenchidas. Eu era uma dessas pessoas que tinham ficado muito perto dos 360, então fizeram um movimento todo, chamaram a gente. Tinha mais, não era só eu, e daí passou, a partir daquele ano, a serem preenchidas; quando tinha tantas vagas sobrando, eles chamavam. Mas foi um movimento do próprio grêmio, que fez pressão para eu poder ter esse direito, que era uma coisa justa. Aí que se tomou mais consciência dessas reivindicações que o grêmio fazia. Foi bem interessante.
(25:52) P/2 - Você chegou a participar do grêmio depois?
R - Participava, sim. Foi muito bom.
(26:00) P/1 - Tinha algum evento social ali, alguma festa, alguma reunião de alunos?
R - No grêmio? Tinha, tinha muita coisa. Tinha a parte de esportes, eu jogava vôlei. Depois, com o pessoal da… Se a gente conseguia juntar uma meia dúzia, daí ia jogar vôlei. Saía-se para treinar e participava, porque sempre tinha os encontros da Poli com a Medicina. Além de jogar um pouco, participava dos outros campeonatos em que os rapazes participavam, tudo isso.
De menina, acho que era só o vôlei. Os homens tinham natação, basquete, canoagem. Tinha várias atividades. Participei bastante, na Poli, de várias atividades esportivas e também de eventos sociais. Não tinha WhatsApp naquela época, então fazia muito… Ajudava a fazer as apostilas de algumas matérias, passava no mimeógrafo, reproduzia aquelas aulas para distribuir entre os alunos. Fazia muita coisa.
(27:32) P/1 - E teve algum professor que marcou, que a senhora lembra até hoje das aulas?
R - Tinha uns horríveis, né? Cálculo 1, cálculo 2… (risos) Era horrível.
Tinha uns bem folclóricos. Porque normalmente a gente… Eu fiz, acho, meio ano de cursinho, junto com o terceiro colegial. O professor de cursinho tem mais didática e na Poli, principalmente naquela época, os professores eram… Eles sabiam muito, mas não tinham o menor interesse em fazer uma aula boa, que motivasse, que fosse bem feita; eles davam a matéria e “você se vira”. Era muito por aí. Eles davam todas as ferramentas: “Olha, isso daqui é assim, assim. Tem que estudar isso assim e assim”. Mas quase que a gente precisava depois, ao longo da vida, se desenvolver sozinhos. Eu acho que é bom o curso lá, porque eles te ensinam a buscar os caminhos que você precisa. Os professores sabiam, logicamente, tinham um bom conhecimento de toda a matéria, uns eram catedráticos e não sei o que, mas na hora de você ter uma didática maravilhosa, eles não tinham a mínima… Não tinham esse dom e nem queriam, nem se esforçavam por ter.
Não sei se hoje em dia melhorou, mas eu acho que não, porque a gente conversa ainda com pessoas que passaram por lá, depois os meus filhos estudaram lá também. O pessoal tem que se virar mesmo.
(29:44) P/2 - Maria, eu fiquei curiosa para saber se você teve professoras mulheres nessa época?
R - Tive uma professora, acho que foi só uma, que não era muito boa, não. Essa daí a gente achava que nem sabia… Essa daí era uma das que nem sabia dar aula. (risos) Eu tive uma professora, eu acho que foi só uma, o resto eram todos homens. Ela dava aula no laboratório de química inorgânica, eu acho. Mas quase não tinha professora, não. Acho que na Poli toda eram muito poucas.
(30:39) P/2 - Quando você se formou, o que você fez da sua vida? Você começou a trabalhar? Como é que foi?
R - Eu comecei a procurar emprego e vi uma oportunidade de trabalhar no IPT de São Paulo, o Instituto de Pesquisas [Tecnológicas] da própria USP, que era na própria Cidade Universitária. Fui trabalhar no setor de pavimentação, porque os materiais que eram usados… Começou a ter um desenvolvimento grande de estudos dos materiais, quimicamente dos materiais. Você tem influência dos agregados na pavimentação, a acidez do agregado, mesmo da fratura com que ele sai da rocha, do formato e dos materiais que eram emulsões asfálticas, que eram materiais um pouco mais novos, os asfaltos. Por conta disso, comecei a fazer o mestrado voltado para área de [engenharia] civil, porque eu trabalhava em um setor que era ligado à engenharia civil.
Bom, depois… Isso foi o começo, que era a impermeabilização. Depois a gente fazia os ensaios, fazia alguma coisa de campo também, quando precisava. Foi quando coincidiu com o início do metrô de São Paulo, da primeira linha do metrô de São Paulo, linha Norte-Sul, que tinha uma especificação. Era um consórcio alemão, era Rotifer… Ah, não sei. Tinha três ou quatro firmas, em uma delas o projeto tinha vindo da Alemanha, então tinha uma coisa bem forte sobre a impermeabilização, um capitulo bem grande sobre a impermeabilização, porque na ocasião foi feito o… A primeira linha foi feita no sistema que o pessoal chama de coating coverage, que era abrir a vala na rua - ficou anos para terminar, né? Naquela vala se construía o túnel, se impermeabilizava aquele túnel e depois fechava com a terra e recompunha a rua. A primeira linha foi construída assim, antes de ter os tatuzões, que depois iam por dentro da terra, quer dizer, facilitava muito; era muito mais ágil, não tinha o transtorno todo. Mas isso foi mais ou menos em 69, 70, logo depois que eu tinha me formado.
Por conta disso, a exigência deles era muito grande quanto aos materiais, então só podiam entrar no metrô, na obra, materiais que fossem aprovados pelos laboratórios. Só que aprovados pelos laboratórios… Não era laboratório, porque ninguém falava nada de impermeabilização. Quando você ia perguntar na fábrica, ou para o cara que estava transportando, se o asfalto era bom ou não era bom, às vezes eles punham no dente: “Ah, esse daqui está mais ou menos. Esse daqui não está bom, não!” Aquela peãozada que carregava. Ou então jogava no chão o bloco de asfalto, aquele asfalto mais endurecido, que é usado em impermeabilização. “Ah, esse daqui, do jeito que ele quebrou está legal. Esse outro, não” Só que isso dependia de temperatura, do dia, se era inverno, se era verão, quer dizer, não tinha base científica nenhuma, zero. E o metrô: “Não, nada disso. O material tem que sair daqui e ir para Alemanha, porque vocês estão falando que não tem teste, não tem laboratório aqui para testar, então tem que ir para Alemanha testar. Tem que voltar o resultado do teste”. Naquela época, nem fax acho que tinha, ainda.
Nessa altura, as fábricas ficaram doidas, porque eles falaram: “Bom, eu não sei se eu faço o material e estoco”. Mas até ir o material para lá, até fazer o teste, até voltar o resultado, era um mês que empata o capital e fica perdido, daí eles falaram: “Não, não foi aprovado”. Ou então se eu não fabrico, na hora: “Ah, foi aprovado, mas não tenho o material para entregar”. Quer dizer, então começaram a ir lá para o IPT. “Escuta, vocês não dão um jeito aqui? Fica um negócio muito ruim para a gente, muito moroso.”
Tinha umas três, quatro fábricas de asfalto na ocasião, para impermeabilização. “Maria Amélia, dá um jeito nisso!” Aí a gente começou a estudar.
Alguns testes eram comuns, que a gente fazia para os asfaltos de pavimentação, mas para os outros era diferente. E além do asfalto, ia um feltro no meio das camadas que estavam especificadas, então tinha que testar o feltro, testar o asfalto; tinha alguns outros ensaios que não tinham a ver com pavimentação, então nós começamos a estudar.
[Pedimos:] “Vocês primeiro trazem as normas, para saber como é feito o ensaio.” Trouxeram as normas em inglês, em alemão. Eu falei: “Eu não sei ler em alemão.” E aí nós começamos a estudar, eu e o pessoal que trabalhava lá junto.
O IPT sempre tinha dificuldades de comprar equipamentos novos, tinha que adaptar um monte de coisas para poder… Você não conseguia pegar o dinheiro e comprar. Não tinha essa, tinha que empenhar, o governo precisava de não sei o que, porque uma parte do dinheiro do IPT era do Governo do Estado. Conseguimos fazer uma adaptação dos ensaios e começamos a fazer lá, aí foi um alívio para o pessoal.
Fomos contratados pelo metrô para fazer [os testes]. Além de ter os ensaios aprovados dos materiais, eles queriam que a gente fosse ao campus, cortar uma parte do que tinha sido aplicado, para ver se estava de acordo com o que estava no projeto; depois eles reparariam aquela parte, então era tudo muito controlado.
Foi aí que se começou a falar de impermeabilização como uma atividade de engenharia, não como um negócio assim, aleatório: “Pega o material e vai fazendo.” A gente começou a fazer isso, fazer esses ensaios lá no IPT e por conta disso o setor mudou para Pavimentação e Impermeabilização.
Teve um simpósio de concreto, que até o que era o cabeça da Vedacit… Vocês falaram que a Vedacit que patrocina [esse projeto], né? Era o doutor Curt, que era muito amigo meu. Ele estava neste simpósio. Era um simpósio de concreto, lá na Cidade Universitária; não sei se o título era Concretos Impermeáveis, alguma coisa assim. [Ele disse:] “Tendo tanta gente reunida aqui, vou passar uma lista. Quem teria interesse em fazer normas para impermeabilização?” - não tinha nenhuma aqui. Como o doutor Curt tinha muito contato com a Alemanha, lá eles já tinham as normas, tanto é que o metrô seguia essas normas, daí se reuniu um grupo que começou a fazer as primeiras normas de impermeabilização aqui no Brasil - [era] ABNT o nome dele.
(40:28) P/2 - Maria, eu queria saber duas coisas. A primeira é: o que falavam do metrô quando começaram as obras? E qual era o clima em torno da construção?
R - Em termos de público, de povo? O pessoal estava animado, porque o metrô era uma evolução em termos de transporte. Em termos de construção, não sei se eu tenho o alcance de dizer o que o mercado de construtoras… Já tinha um consórcio fechado. Era… Não trouxe, não vou me lembrar. HD… H era de Hochtief, não sei se [o D] era Deconsult. Tinha uma empresa brasileira que já fazia parte do consórcio; eram três empresas, eu acho, então já estava mais ou menos fechado aquele pacote.
Teve muitas indústrias que se beneficiaram, porque, por exemplo, foram quantidades enormes de cimento, aço, materiais de impermeabilização que se vendeu para isso. As indústrias nacionais se beneficiaram, as que tinham a ver com os insumos que o metrô precisava tiveram um crescimento bom naquela época.
Foi uma coisa interessante, embora, como eu falei, tenha demorado; foi um processo longo essa primeira linha. Mas a impermeabilização ficou boa, porque era bem… (risos) Depois eles começaram… Nas outras linhas já foi se barateando bem mais, porque acabava ficando cara, era um sanduíche bem espesso de materiais.
(42:53) P/2 - A outra pergunta é que eu queria saber se quando você fez aqueles testes, a sua equipe fez aqueles testes de tirar, recortar um pedaço, se estava boa a impermeabilização?
R - Estava, acho que a maior parte. Eu estava com uma barriga “deste tamanho”, estava grávida da minha filha e ia nos buracos do metrô tirar amostra. (risos) Mas estava boa, sim.
(43:23) P/2 - E até então não se falava em impermeabilização no Brasil?
R - Parece que o túnel da [Avenida] Nove de Julho foi impermeabilizado, mas como eu falei, não era uma atividade controlada, não era uma atividade de engenharia. Então, o material… “Que material você vai usar?”. “O que tem aqui. É o que eu produzi aqui, tá bom ou não?” “Ah, eu não sei se está bom, mas vai lá e usa”, entende? Parece que o Viaduto Santa Ifigênia foi impermeabilizado, mas a parte de ferro toda veio da Inglaterra; os insumos para a impermeabilização eu acho que também vieram de lá.
Faziam algumas coisas, mas eram assim, sem ter… Como eu falei, não tinha quem ensaiasse os materiais antes, não tinha normas técnicas. Mesmo que eu ensaie, qual é o parâmetro? Está bom ou está ruim? Eu não sei, porque se você não tem uma especificação, você não sabe se aquilo está dentro ou não da especificação.
A partir daí eu participei também ativamente dessa comissão de estudos. A gente se baseou nos aplicadores e nas indústrias que existiam aqui, também em normas estrangeiras que já existiam, para poder ter alguns parâmetros. E acho que foi em 72, por aí, que saiu a primeira norma de impermeabilização aqui no Brasil. Hoje em dia já tem muitas, eu participei quase sempre dos comitês. Fui por muito tempo gestora do CB 22, que era de impermeabilização da ABNT. Hoje em dia é um outro colega aqui que assumiu. Mas é isso.
(45:34) P/2 - Maria, você estava contando sobre você estar com um barrigão na obra do metrô, e como foi essa gravidez? Como foi trabalhar grávida? Tinha horários ou foi normal?
R - Foi normal. No IPT era um grupo… O IPT é muito grande, mas era um grupo muito bom, de nível muito bom. Nunca tive nenhum problema de trabalhar lá como mulher e mesmo durante a gravidez. Eu só achei ruim quando eu falei que estava... A gente estava fazendo as normas, daí quando terminou o pessoal [disse:] “Vamos fazer um…” Não lembro se era almoço, ou jantar de comemoração. Só que eu estava indo para o hospital, aí não participei da parte boa. (risos) Mas foi tranquilo, até sei lá, duas gravidezes - tenho dois filhos. Como a gente sempre trabalhava muito, então passa que nem percebe, nem dá tempo muito de reclamar, ou de achar alguma coisa ruim, porque o dia a dia é corrido e vai se levando.
(47:07) P/1 - E como foi a fundação, a criação do Instituto Brasileiro de Impermeabilização?
R - A partir desse grupo que estava fazendo as normas, o pessoal falou: “Ótimo! Agora a gente vai ter pelo menos uma norma que oriente um pouco. Mas agora a gente precisa mostrar para o meio que pode haver uma seriedade maior nessa atividade de impermeabilização. Por que não criar um Instituto que congregue as boas empresas de aplicação de impermeabilização e de fabricantes também, se junte a todo esse pessoal?”
Naquela época não se falava ainda em projetos de impermeabilização como hoje em dia tem. A atividade já [era] palpável, mas naquela época ainda não se chegava a tal ponto. E foi aí que esse grupo [disse:] “Vamos criar um Instituto, porque aí a gente faz certas exigências: que as empresas tenham um engenheiro responsável, que os produtos fabricados sejam de acordo com as normas que existem, e as outras que passarão a existir.” Aí se começou a fazer normas para vários materiais.
Também foi uma época [que], junto com o metrô, a gente tinha… Teve também um boom por causa de Brasília. Tinha muitos prédios lá, muita arquitetura do Niemeyer que precisava receber impermeabilizações, até algumas especiais - tanto as obras públicas, quanto, depois, as outras. Então foi uma época que teve essa exigência maior por impermeabilizações bem feitas, de acordo com normas, com critérios de engenharia, pelo menos.
(49:46) P/1 - E nesse período a senhora percebeu algum aumento de mulheres trabalhando nessa área?
R - Não, naquela época ainda era pouco. Hoje em dia nós temos já um número muito considerável de mulheres trabalhando, quase que… Não chega a ser igualdade em [relação ao] número de rapazes, mas aumentou bastante. Depois, como eu estava falando, a gente insistiu muito em vários simpósios, na necessidade de fazer projetos de impermeabilização, porque quando você tem a impermeabilização, ela interage com várias outras atividades da construção, então ela interage com o paisagismo, com hidráulica, com elétrica, entende? E com estruturas. Quer dizer, há uma ligação grande disso tudo.
Quando você resolve isso… Às vezes há conflitos entre as áreas; tem uma junta de dilatação e eu quero passá-la no meio da piscina. Mas não é o lugar apropriado, porque é um lugar mais difícil de impermeabilizar. Você vai pôr uma junta que é uma descontinuidade? Quer dizer, dá para tratar uma junta em uma laje comum, mas dentro de uma piscina é complicado. Quando você consegue dirimir essas interferências, quer dizer, chegar em um ponto comum entre as diversas agentes que atuam na construção, quando você consegue dirimir isso a nível de projeto, você chega na obra com tudo mastigado, tudo muito mais fácil de executar. E quando tem algum problema a nível de projetos, você apaga… Antigamente a gente apagava uma linha e já escrevia, hoje em dia você deleta alguma coisa no computador e refaz, entende? Mas o custo disso é mínimo.
Se você só vai ver isso na obra, sem ter nenhum projeto, quer dizer, você vai ter que quebrar alguma coisa, vai ter que gastar mais material ali; às vezes vai gastar um piso que já estava ali por cima da impermeabilização, então os custos são muito maiores. Então se passou a falar muito nos simpósios e depois, hoje em dia… Não digo que é uma realidade a nível de Brasil, porque o Brasil é muito desigual; a nível de São Paulo, Rio, você já tem essas exigências, de projetos de impermeabilização.
Tem muitas arquitetas que fazem isso, engenheiras também - eu chego a desenvolver um pouco dessa atividade também. Tem mais mulheres e até donas de empresas de execução de impermeabilização. Eu, logo no começo, brincava que o melhor era ter uma empresa só de mulheres trabalhando na obra ali, porque o sucesso da impermeabilização é muito na área de detalhes: é um arremate aqui no cano que está passando ali, é um cantinho que tem que ser colocado o material direito. Eu falava que era muita coisa de detalhes em que as mulheres geralmente são melhores, são mais detalhistas; não são melhores em geral, mas por cuidar mais dos detalhes. Era quase que um serviço análogo a uma costureira, que você pega os arremates, os detalhes para fazer a coisa bem feita.
Hoje em dia já tem um número bom de mulheres, naquela época tinha muito pouco, tanto é que na ABNT me lembro que quase não tinha mulheres. Depois começou a participar uma ou outra que era estagiária em alguma empresa, mas muito pouco. Hoje em dia cresceu bastante, já tem um número significativo; a gente vê nas reuniões, nas reuniões de comissões, nos simpósios.
Agora em junho vai ter um simpósio, aqui em São Paulo. Tem tido boa aceitação, boa repercussão, aí vem gente do Brasil todo. E tem bastante trabalhos. Já vi alguns dos trabalhos do simpósio, já tem mulheres que fazem, os homens também. Vai ser um bom simpósio, eu acho.
(55:07) P/1 - Conte um pouquinho pra gente dos seus trabalhos na ABNT.
R - Na ABNT eu sempre participei das comissões de estudo. Depois de muito tempo [pensei:] “Ah, não. Precisa de alguém para gerenciar o comitê.” É um serviço um pouco mais… Quase que burocrático. Eu participava um pouco das reuniões, das comissões, mas você tem muitos serviços mais burocráticos, de formatar as normas, de mandar para a ABNT, daí vai para o público em geral dar as opiniões, dar a votação. Você vota a favor ou contra, ou faz algumas objeções técnicas e depois a comissão volta a analisar tudo isso para depois sair a norma efetivamente, para o meio técnico todo.
Eu fiz esse trabalho por uns… Não me lembro por quantos anos, uns quatro ou cinco anos, ou mais até. Pelo menos uns quatro anos eu fiz e depois eu falei: “Ah, não. Agora chega.”
Eu tenho um colega que está no IBI também, sempre participei muito do IBI, de todos os simpósios brasileiros, desde o primeiro que a gente conseguiu fazer. Conseguimos fazer naquela época, totalmente sem recursos. Quase conseguimos fazer um primeiro simpósio na USP; arrumamos um auditório, não lembro mais de qual das faculdades era aquele auditório… Não sei se era da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo], mas acho que não era da FAU, não sei. Arrumamos lá e conseguimos fazer sem recursos].
Hoje em dia você tem assessoria para isso, para aquilo, para aquilo outro, para organizar o simpósio; naquela época a gente mesmo fazia tudo. Fui responsável por um simpósio que foi no Maksoud Plaza, foi muito bom também. Fizemos alguns fora de São Paulo, mas fora de São Paulo é meio complicado a logística. Fizemos um no Sul, no Rio de Janeiro fizemos acho que dois ou três, mas é isso, um baita trabalho. (risos)
Eu participei sempre. No começo mandava alguns trabalhos; hoje em dia eu mais analiso os trabalhos, para selecionar os que podem ser colocados em plenário. Às vezes participo do julgamento, porque tem sempre uma premiação. Mas hoje em dia você consegue patrocínios das indústrias, quer dizer, já é um mercado, vamos dizer, consolidado, coisa que em 1970, ou 75 ainda não era. (risos) Ainda era o comecinho, o embrião, mas hoje em dia o setor está bem consolidado, está bom.
(58:58) P/2 - Em que ano começou o IBI?
R - Eu não sei se começou em 73… Alguma coisa assim, entre 72 e 75, eu não sei precisar a data. Eles fizeram um livro, se eu soubesse tinha trazido aqui. É um livro que tem um histórico do IBI, que até conta parte do que eu contei para vocês, do metrô principalmente, dessa atividade no IPT na ocasião. Depois eu consegui fazer os ensaios e lá tem as datas todas direitinho, de cabeça eu não vou lembrar, não. Por aí, era por volta de 70 e pouquinho. Eu não sei quantos anos tem, não, eu não sei.
(59:58) P/2 - Maria, outra coisa que eu queria saber é se tem alguma história do seu trabalho em campo, nos testes de impermeabilização, que seja engraçada, que tenha sido marcante, ou que seja triste também, mas que tenha sido marcante.
R - Eu estava falando que eu tive… Pelo menos não me recordo muito de episódios assim, de preconceito por ser mulher. Mas uma vez eu estava no IPT e tinha que ver uma impermeabilização de uma caixa d’água, aquelas em torre, lá em cima, enormes, em uma indústria em São José dos Campos. Não lembro mais que indústria era, mas era em São José dos Campos. Daí fui lá eu, né? O IPT: “Vai lá ver o que está acontecendo.” A gente era muito solicitado para fazer laudos do que estava errado, do que tinha que arrumar.
Praticamente tinha que subir aquelas escadas de marinheiro. Era muito alto, quase trinta metros. A fábrica quase parou, porque quando eu cheguei lá - eu era bastante nova, ainda - eles olharam assim: “Vai subir aí? “Tem que subir, né? (risos)
Eu senti que se eu fosse homem, eles não iriam fazer tanto movimento, mas ficaram olhando para ver se eu ia subir de fato. E subi, tinha que dar conta daquilo. Disso aí eu me lembro, foi meio gozado.
E em obras, muitas obras relevantes até, ainda vou ainda um pouco - trinta metros eu não subo mais, em escada de marinheiro, não. (risos) Naquela época, os prédios em construção não tinham nem elevadores para carga. Eu cheguei a subir mais de vinte andares em escada, mesmo; era meio duro, calor às vezes.
Em prédios teve muitas obras relevantes. Há pouco tempo eu fiz um serviço no… Eu fui fazer um acompanhamento no Instituto Tomie Ohtake, aqui pertinho, em um prédio bonito. Foi feita toda uma reimpermeabilização em um dos andares, precisava ser feita. Acho que tem outra obra ainda para ser feita, porque passam vinte, 25 anos… É o máximo de durabilidade de uma impermeabilização, então você tem que refazê-la toda. E refazer impermeabilização é chato, porque você tem que tirar o piso, tem que chegar na impermeabilização, remover, refazer, repor tudo, então o serviço envolvido acaba sendo grande em função disso. Obra nova é muito mais fácil, está construindo, então eu vou lá, impermeabilizo, depois o pessoal vem e faz o acabamento.
Então é isso, muitas obras. Eu não vou lembrar de uma mais marcante, cada obra tem uma particularidade. (risos) Tem obras muito grandes, tem obras às vezes pequenas, mas que por um detalhe ou outro… Uma vez fui à catedral de Brasília e tinha muito problema, porque é uma obra difícil. Geralmente as obras do Niemeyer são trabalhosas, tem muito detalhe; são obras difíceis de você impermeabilizar, porque quanto mais detalhes você tem, mais complicado é fazer esses arremates todos com perfeição. É complicado! Às vezes você impermeabiliza e depois tem que fazer um acabamento, e nas obras dele, ele quer que fique… Ele não quer que ponha uma massa por cima, então tem todo esse histórico.
Uma vez acompanhei um pouco no Centro Cultural [São Paulo] também. Era uma obra que tinha bastante problema de impermeabilização, quase todo lugar tem. (risos) São detalhes que você vai vendo.
Depois de um certo tempo, eu resolvi sair do IPT. Comecei a achar que eu não estava aprendendo mais tanta coisa lá, que já tinha esgotado o tempo. Fui trabalhar no setor privado e foi bom, porque fui trabalhar em uma fábrica de impermeabilização, que foi a Viapol. Acho que para mim foi bom, acho que você aprende mais coisas, evolui, tem outras visões.
No começo era: “Não, ninguém sai do IPT”. Porque no IPT você não é mandado embora, tem uma certa estabilidade. É difícil ser mandado embora, vamos dizer, tem uma certa estabilidade boa. Mas aí eu comecei: “Ah, não. O IPT é muito longe! O meu filho depende de mim! Eu saio todo dia cedo!” Sabe quando você começa a achar desculpas para você mesmo? Porque alguma coisa não estava bem. (risos) “Não, vou sair!”. “Ah, ninguém saí do IPT!” Eu tinha quase dezoito anos de IPT, alguma coisa assim. Falei: “Não, eu vou sair!” E saí, não me arrependi não, foi bom! Quer dizer, são fases que você tem que passar e eu acho que tudo acaba sendo uma evolução. Tive contatos diferentes, foi bastante bom.
(01:07:05) P/1 - E depois dessa fase que a senhora disse que passou no setor privado, atualmente, quais são as suas atividades nessa área?
R - Hoje em dia eu faço um pouquinho de projetos. Não procuro muito, mas alguns me procuram; [são] mais prédios menores, não coisas muito grandiosas. Tem outros escritórios com estruturas melhores para fazer, com mais desenhistas para fazer todo um trabalho bom de projeto de impermeabilização, mas eu faço um pouco.
Faço assessoria e faço um pouco de perícia nesta área que sempre tem muita demanda - não ligada ao juiz, mas ligadas às partes; uma das partes está em litígio, tem muita coisa de litígio. Até pouco tempo, eu fiz uma perícia, aí era para o juiz, mas era uma engenheira que era perita responsável e como essa área de impermeabilização é muito específica e lá tocava muito impermeabilização, ela me contactou e a gente fez juntas. Era no parque Anhembi, uma coisa muito grandiosa. Foi feito.
Faço um pouco de… O que mais eu faço? Na segunda-feira eu tenho que fazer uma… Eu sou credenciada pelo INMETRO [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia] como especialista na área de impermeabilização, então quando tem algum credenciamento de empresas, laboratórios, ou empresas na área de impermeabilização, eles me chamam, geralmente. Tenho que fazer uma segunda-feira, em Caieiras, ligada a impermeabilização. Dá para se divertir um pouco com isso, é bom. (risos)
(01:09:33) P/2 - Maria, eu queria saber qual foi o momento mais desafiador da sua carreira.
R - Chega uma fase… Quando os filhos são pequenos, é uma fase um pouco difícil, porque criança um dia está com tosse, no outro está com amigdalite, um dia com não sei o quê. Embora, graças a Deus, meus filhos tivessem boa saúde, [tinha] essas coisas de criança - um dia é catapora, um dia é não sei o quê. Muitas vezes eu levei, não sei se um ou dois, comigo lá para o IPT. No IPT tinha essas facilidades. [Eu dizia:] “Fica quieto aí, pega alguma coisa. Vai rabiscando aí que eu tenho que trabalhar aqui.” Mas [em] algumas épocas você fica assim, meio… “Está difícil, está complicado.”
Uma vez fui viajar e fiquei, acho, dois ou três meses nos Estados Unidos. Tinha um filho de um ano aqui; deixei, porque era um programa interlaboratorial que foi feito lá, que precisava ser feito pelo IPT, então às vezes é complicado. Mas o meu marido sempre me apoiou bastante nesse ponto. Uma vez eu falei: “Acho que eu vou largar tudo isso.” Ele falou: “Você pode largar, não há problema, financeiramente, mas não vá dizer amanhã para os seus filhos que você não fez sua carreira por causa deles.” (risos) Aí eu parei para pensar: “É melhor continuar.”
Depois foi bom. Há pouco tempo, uma moça nova que é dona de uma empresa, também com o mesmo problema, [me perguntou:] “Como é que você conciliava?” Eu contei essa história, falei: “Continue firme! Criança às vezes cobra, né? “Você veio tarde, você não me deu atenção!” Mas daqui a pouco o seu filho vai seguir a vida dele e você tem que seguir a tua, né? Então não desista.”
Eu lembro uma vez que eu estava… No meu tempo não tinha esse negócio de ter muita reunião de pais, de ir à escola. Minha mãe nunca ia em escola nenhuma, ela tinha a atividade dela, o trabalho dela. A gente ia para a escola, voltava, tinha que estudar e pronto; não tinha esse negócio de reunião da mãe, dessa interação maior que hoje em dia eu sei que tem. Mas quando estavam [na escola], meus filhos uma vez [disseram:] “Tem reunião, tem que vir.” Vi o recado da professora: “Tem que comparecer tal hora”.
Lembro que eu estava em Campos do Jordão, estava no IPT nessa ocasião, mas tinha um serviço lá, nossa! Voltei correndo para participar da tal reunião, falei: “Sei lá o que é, né? Diz que tem que participar, todas as mães vão.” Aí eu chego lá, toda esbaforida, já atrasada. Falei: “Tem algum problema com os meninos?”. “Não, não. É mais para conhecer as mães.”
Eu fiquei muito brava. (risos) “Por que você não falou? Eu mandava uma fotografia, sei lá.” (risos) Você corre rios e terras para poder chegar lá na tal reunião, achando que… Eu falei: “Sei lá o que é, né? Se é algum problema…” Então às vezes a escola praticamente faz uma pressão; se uma mãe não vai, já não é bem vista. E tem esse lado do trabalho, às vezes é difícil você acertar tudo.
Na época, o mais complicado acho que foi isso. Mas depois, hoje em dia, acho que até gostam, primeiro porque a criança acaba tendo que se desenvolver, ter mais, vamos dizer, autonomia. Como a mãe não está, está o dia inteiro fora, eles acabam tendo que se virar com a escola. Hoje em dia tem muita mãe que fica em cima das lições; como a gente não tinha tempo, eu [dizia:] “Vocês têm que se virar”. E se viraram bastante bem também. Isso também ajuda, você não fica muito superprotetora. É bom.
(01:14:36) P/1 - Falando dos seus filhos, como foi para a senhora ser mãe?
R - Ah, para mim foi muito tranquilo. Eu, graças a Deus, não tenho nenhum problema com os filhos, nem com… O pessoal fala muito da adolescência. Não sei se até por conta disso - eu sempre trabalhei muito, então eu não tinha muito tempo, vamos dizer, para me lamentar - também não tinha motivos. Eles não me deram problemas, sempre estudaram direitinho e os dois se formaram, cada um faz o que quer, o que gosta. Como eu falei, um fez Engenharia, mas agora trabalha com música, é o que ele gosta. “É o que você quer? Você vai ganhar menos dinheiro do que em engenharia, mas é isso que você quer? Então, se tá bom para você, ótimo!" É isso, cada um tem que tocar a sua vida.
Não tive grandes problemas, a não ser nessa parte de quando eles são mais dependentes, na primeira infância, aí você acaba tendo… Eu me vali da minha mãe, que ajudava um pouco quando precisava.
Quando o meu segundo filho nasceu, eu consegui no IPT trabalhar meio período por um tempo. Eles me deixaram trabalhar meio período, então eu ficava um pouco em casa, aí: “Tá bom, essa criança não cresce nunca? Já acabou! Você vai ficar até os dezoito anos esperando para voltar a trabalhar?” (risos). Aí voltei a trabalhar o período [integral], mas foi mais ou menos tranquilo, não tive problema com filhos, não.
(01:16:36) P/2 - Eu queria saber o nome deles e o nome do seu marido também.
R - Meu marido trabalha em engenharia, em outra área, área industrial; faz projetos bem grandes e importantes. [O nome dele é] Cláudio Arlindo Silveira. Meus filhos, um é o Arthur, esse que trabalha com música, e o mais velho é Otto Silveira, esse que mora na Inglaterra. Ele trabalhou muitos anos na Motorola; esse ano ele saiu, teve uma oferta boa da empresa McLaren, que é inglesa também. Ele está trabalhando lá como engenheiro de telecomunicações. Eles fazem… A gente conhece McLaren de Fórmula 1, mas eles têm muita coisa, o grupo. Eu não sei bem que serviço que é, um negócio de… Ele trabalha muito com radiofrequência, trabalhou muito na época da Copa; na época da Copa do Brasil ele estava aqui, logo depois ele foi embora. Eles fazem alguns sistemas para proteção, prevenção de ataques, ou de vandalismo, ou de ataques terroristas mesmo, então tem todo um sistema que eles vendem e que a polícia ou o governo monitora de uma central. Acho que é mais ou menos isso que eles fazem lá na Europa, em trens também, em aeroportos, ou para governos também, [ele] trabalhava muito ligado a governos.
(01:18:46) P/2 - E você já é avó, ou não?
R - Não. Todo mundo é econômico hoje em dia, todo mundo tranquilo.
Esse meu filho que está na Europa viaja muito, a serviço e a passeio. Ele gosta de passear, lá tem muita facilidade, porque é tudo muito próximo. E eles tem lá um sistema de… As férias dele são contadas em dias. Ele entrou agora na McLaren, outro dia [disse:] “Eu vou passar três ou quatro dias na França.” Quando ele está estressado ele vai para a França. [Eu perguntei:] “Mas você começou agora, você vai?” Porque lá você pode trabalhar um mês e já tem direito a um, dois dias de férias, e você não tira como aqui, que é obrigado a tirar pelo menos quinze dias ou às vezes, pela idade, até um mês inteiro. “Dois dias de férias eu já saí.” Você junta com sábado e domingo, pronto, pega quatro dias.
Há pouco tempo ele estava em Praga. Eu falo: “Que bom, né? Aí é uma beleza!” É isso, ele vai contando, junta com um ou outro feriadinho que tem, ou fim de semana, e sai, então [ele diz]: “Não dá tempo de ter filho.” É assim, estão econômicos hoje em dia, a turma não quer saber de nada. (risos)
(01:20:24) P/1 - Eu queria perguntar sobre esse período da pandemia. Como foi o trabalho durante esse período?
R - Isso foi complicado, mesmo. Parou quase tudo, a gente ficou quase sem serviço. Meu marido também ficou em casa. Na realidade, a gente já estava aposentado, então financeiramente tinha o dinheiro da aposentadoria, mas as outras atividades não dava para fazer.
A construção parou também, né? Não chegou a parar, quer dizer, não se contratava mais projetos, não tinha. E se evitava também de ir, principalmente em obras; tinha muita gente, mesmo indo com máscara. Eu não me lembro se eu cheguei a ir, só mais no finzinho eu fui em uma ou outra vez, mas mais no fim da pandemia, quando estava mais próximo do fim; no começo não se saía, não. Meu marido também, depois…
Hoje eu trabalho muito em casa. Por vezes vou um pouco em obras, às vezes ainda, mas trabalho muito de casa, no computador. O meu marido se recusa: “Ah, não. Eu não consigo trabalhar de casa.” E realmente, os projetos de indústria são coisas muito grandes. “Ah, não. Eu só consigo ver na folha impressa. Só vou voltar a trabalhar quando puder ir direto para o escritório.” “Tá bom.” Então paramos.
Realmente, foi um período… Para nós não foi tão ruim, porque financeiramente não não afetou tanto, vamos dizer. Meu filho também, esse que trabalha com música, parou quase toda atividade, porque essa parte parou mesmo. O que mora lá fora, ele já trabalha de casa, sabe? Mesmo quando estava na Motorola, ele ia só uma ou no máximo, dependendo do período, duas vezes por semana para firma, mas geralmente era uma ou às vezes nenhuma. Ele se acostumou a trabalhar, tem muita disciplina para trabalhar em casa, então ele já avisou mesmo nesse outro serviço: “Uma ou duas vezes. No começo duas vezes por semana já está mais que bom, [no] mais é de casa.”
Quando ele vem para o Brasil, uns oito, dez dias ele tira férias, mas o resto ele trabalha por aqui também, trabalha aqui com o computador do Brasil mesmo, aí tem que levantar às seis da manhã, por causa dos horários de lá. Ele foi se adaptando, não teve outro jeito.
Foi um período ruim, porque você não tinha contato nem com família; procurou-se não ir para outros núcleos que não fossem já os de casa. Foi um período chato, porque você não tinha vida social também, você não tinha... Não ia sair com amigo nenhum e foi ruim. Até que se começou a tomar vacina, mas também até começar… A gente tomou relativamente rápido, porque éramos mais idosos, mas os filhos não tinham tomado. Foi muito chato para todo mundo e para muita gente financeiramente ficou uma coisa muito ruim, no país todo. A gente não saía, não tinha atividade.
Na ocasião eu tinha uma passagem que eu tinha comprado; naquele ano, o primeiro ano da pandemia, eu ia em abril para a Europa. Estava tudo fechado, aí só depois de… Acho que foi ano passado que nós conseguimos ir com aquela passagem. Tem que pedir, tem que ver as datas, aquela burocracia toda. Ainda bem que conseguimos não perder.
Tinha conhecidos que tinham outro tipo de viagem, mas que perderam. Tenho uma amiga que ela falou: “Olha, eu tinha uma viagem toda para a Europa, que a gente sonhava em ir”. Eu acho que ela nunca tinha ido com o marido. “Era em Portugal”, não sei mais aonde, “e tudo isso virou uma semana no Rio Grande do Sul”. Aí eu falei: “Dê-se por feliz!” (risos). Por sorte eu tinha comprado pela British [Airways] e eles não fizeram… Não foi tão difícil retomar a viagem, mas teve muita gente que perdeu muita coisa.
Foi um período triste aqui do Brasil, um dos períodos ruins aqui - quer dizer, de todo lugar, todo o mundo foi ruim, mas aqui acho que [foi] particularmente ruim. Demorou muito a vacina, muita gente morreu, muitos conhecidos. Tenho um cunhado que ficou muito ruim, teve quase morte; está melhor hoje em dia, mas com muitas sequelas ainda, sabe? Não é a mesma pessoa que a gente estava acostumado, que tinha uma atividade. Ficou muito limitado por conta das sequelas da covid, como tem muita gente que ficou também.
(01:26:53) P/2 - Maria, antes da gente ir para as perguntas finais, eu queria saber… Você tinha contado por cima sobre a sua relação com a Vedacit. Queria saber se tem alguma história sobre a Vedacit e você que você queira contar?
R - Eu sempre tive muita amizade com o pessoal da Vedacit, sabe? Mas nunca, por conta dessas atividades na ABNT… Conheci todos eles, a esposa do doutor Curt, a Glorinha, que tomava… Não sei se hoje em dia toma conta do [Shopping] Center Norte. Tivemos sempre uma relação muito boa de amizade, mas nunca cheguei a trabalhar com eles.
Eu me lembro desse episódio, que foi o doutor Curt que incentivou a criar as primeiras normas. O pessoal até fala, porque o meu filho se chama Otto, o mais velho… [Perguntam] se não tinha a ver com o Otto Baumgart, mas meu marido também é descendente de alemães e foi ele que escolheu o nome do primeiro [filho] - do segundo fui eu que escolhi. Mas sempre admirei, conheci muito uma moça que trabalhava no laboratório, era muito bacana também.
Estive algumas vezes lá e tecnicamente tinha muito respeito pelas atividades que eles desenvolviam - até mais que isso, eles preservavam muito os funcionários mais antigos, pelo menos naquela época. Hoje em dia eu não sei como está, porque eles profissionalizaram muito a diretoria toda da Vedacit; antigamente, era o pessoal da família que tomava conta. Hoje em dia acho que eles participam, os filhos, os netos participam, não sei se do conselho, mas não com atividade de direção. E eu admirava muito que eles preservavam muito os funcionários antigos, diferente das outras empresas nacionais, que normalmente não tinham essa preocupação, sabe? O pessoal que estava com eles há tempos, os vendedores ou mesmo colaboradores da empresa, eu sei que eles sempre levavam isso em conta e eu achava bonito da parte deles como empresa.
Sempre tivemos um relacionamento muito bom, até quando eu estava na Viapol - eram concorrentes deles. Eu imagino que até, talvez, pela amizade com o doutor Curt, se eu precisasse de emprego, fosse lá pedir algum dia… Acabou não calhando e ficou sempre a amizade, muito boa amizade.
Os filhos eu conheci um pouco também, na época mais recente. Até admirei que você falou que foram eles que sugeriram o meu nome, interessante.
O pessoal do setor de impermeabilização me tem em boa consideração, não sei bem por quê. Há pouco tempo tinha um técnico, hoje em dia ele tem uma empresa, uma revenda de impermeabilização na Bahia e ele começou a fazer - fiz o ano passado - um programa que ele chamou de ERME. “Mas o que é o ERME? Ele me convidou: “Você não pode vir tal data na Bahia?” “Não sei, Elton, sei lá. Eu falei para você quanto está a passagem para a Bahia.” “Bom, comprando antes sai mais barato.” Eu falei: “Mas o que é esse ERME?” “A gente vai fazer um encontro de impermeabilização, mas paralelamente vai ajudar uma instituição, vai angariar o pessoal, os fabricantes, quem pode colaborar. Só que eu vou criar um prêmio, o prêmio Maria Amélia Silveira.” Eu falei: “Devo estar morrendo, já, pra virar nome de prêmio. Que negócio é esse?” Ele criou um prêmio, me deu o prêmio. (risos)
Esse ano vai ser em Recife, o segundo prêmio Maria Amélia Silveira. Eu falei: “Meu Deus, eu nunca pensei em virar nome de prêmio!” (risos) Só que esse eu não posso ir, porque vai ser em setembro e eu vou para a Inglaterra. (risos) Eu prometi enviar para ele uma mensagem de lá por vídeo, dar algum jeito para quando estiverem em Recife. Então o pessoal… Do IBI… Recebi sempre muitas comemorações.
Há um tempo atrás também, não sei quem indicou, que eu nunca… Quer dizer, eu fiz muita ART [Anotação de Responsabilidade Técnica], a responsabilidade técnica junto ao CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia,] porque para muitos serviços o pessoal pede para recolher a ART, mas nunca tive contato direto com o CREA. E uns anos atrás o CREA me homenageou, os engenheiros com mais de cinquenta anos de atividade no… Sei lá eu o porquê. Eu falei: “Eu não tenho tanta relevância assim.” Teve uma sessão lá, deram um diploma não sei das quantas, falei: “Então está bom, estou realizada.” Mas eu não fiz muito mais coisas.
Hoje em dia todo o pessoal novo que está chegando já está em um nível que eu considero muito superior ao que a gente chegou, entende? Porque as ferramentas são melhores, de informática, e o pessoal tem mais contato, até mais facilidade com normas técnicas estrangeiras e de contato por conta de fabricantes de multinacionais que aqui estão. Eles têm mais contato com o pessoal de fora. Acho que o pessoal está em um nível muito superior, até, ao meu, o que é muito bom, porque eles já começam em um negócio… Tem por que evoluir muito mais. É isso.
(01:34:19) P/1 - A gente vai para as últimas perguntas, Maria Amélia. A primeira é: quais são os seus sonhos para o futuro?
R - Meus Deus. (risos) Complicado.
(01:34:34) P/2 - Qualquer sonho, não precisa ser necessariamente profissional.
R - Olha, eu me sinto plenamente realizada, tanto profissionalmente, quanto como mãe, como esposa. O meu sonho é poder continuar, acho que contribuindo um pouco com a atividade, no que eu sei fazer que é impermeabilização e principalmente [com] o que eu gosto muito de fazer, que é ensinar um pouco o pessoal que está começando, tanto engenheiros ou arquitetos que estão começando nessa área.
Muita gente me diz, hoje em dia: “Eu segui essa carreira porque quando vinha na ABNT você falava com entusiasmo, e eu me empolguei também.” Isso eu acho muito bacana, eu gosto dessa parte de tanto ensinar, vamos dizer, engenheiro, arquiteto, como ensinar o pessoal na obra, porque a gente reclama muito da mão de obra, mas a gente não dá muito para eles, entende? As fábricas fazem de uma forma incipiente, às vezes, alguns cursos, mas você não tem uma coisa muito sistemática para passar informação, então como é que esse pessoal, que não teve nem muita informação formal de escola, vai entender como é que ele tem que fazer?
Às vezes o cara me fala algo, eu falo: “Está errado, isso não é assim.” “Mas o meu avô, meu pai fazia assim, meu tio fazia assim.” Quer dizer, a experiência que eles têm é sempre assim, muito precária, eu acho, então é muito legal ensinar.
Eu gostaria nunca de perder essa capacidade e poder ensinar o pessoal que precisa, o pessoal mais novo, ou o pessoal de obra que possa precisar de alguma orientação boa.
(01:36:53) P/1 - E quais são as coisas mais importantes para a senhora hoje em dia?
R - Eu acho que na minha fase é ter uma saúde razoável para poder continuar minhas atividades, é ter um bom relacionamento familiar, isso é muito importante, e ter também esse bom contato com todo o meio profissional que eu tenho. Quando eu vou em simpósio, vou em todas as empresas; hoje em dia eu não estou ligada a nenhuma delas, mas mesmo quando estava [eu ia], então é ter amizade com todos. Isso eu acho que é bastante importante, é bem gratificante essa parte.
(01:37:53) P/1 - E qual é o seu legado?
R - Meu legado? (risos) Eu sempre falo que a gente deve continuar, enquanto você tem vida, tem saúde, sempre procurando aprender mais dia a dia e não perder também a capacidade de ensinar o que você sabe para os outros. São duas coisas, porque você nunca tem o domínio todo de tudo, você sempre precisa aprender mais em qualquer atividade; em qualquer atividade que você tenha, você sempre tem o que aprender. É buscar essa junção com o pessoal mais novo, que tem a contribuir, como eu falei, na área de informática, na área de contatos externos e também passar um pouco do que você sabe para os que estão começando. Isso eu acho que deve ser o legado de todo mundo, você procurar sempre na sua profissão aprender a cada dia mais e ensinar também.
Hoje em dia poucas pessoas gostam de ensinar, às vezes por temor, por vaidade, por temor de concorrência. Quando você consegue passar informação para os outros, todo mundo cresce, eu acho, e isso é melhor para todos, principalmente para a sociedade toda.
(01:39:47) P/1 - Então a gente vai para a última pergunta. Como foi contar a sua história para a gente hoje?
R - Eu não sabia o que esperar, mas foi muito gratificante! Foi muito boa, muito boa! O pessoal todo muito bacana, nada me constrangeu. (risos) Eu me senti entre amigos também.
Eu não imaginava o que seria, primeiro que eu não imaginava que era um Museu de pessoas, né, Museu da Pessoa que chama. Eu não tive tempo de procurar na internet, mas vou procurar o que é um museu de pessoas e quais as pessoas que estão aí. Agora que eu vi lá algumas coisas e falei: “O pessoal lá que passa por aqui é importante, né?” Isso é importante! E é bacana isso, porque você… Acho que no Brasil a gente tem pouca gente se preocupando em manter memórias de lugares - a gente destrói tudo aqui, não deixa pedra sobre pedra - e de pessoas também. Porque se a gente for… A gente acaba tendo que valorizar um pouco e nós temos pessoas relevantes em vários setores. É importante você manter esse histórico, que eu acho que lá fora se preserva mais, tanto as coisas locais, tanto obras. Principalmente em São Paulo, você assiste uma… Parece que cada vez mais as pessoas querem arrasar com tudo, principalmente em uma cidade como a nossa, a parte financeira se sobrepõe a quase tudo, então fica difícil de você ter muitas coisas históricas preservadas. E de pessoas também, quer dizer, bem ou mal, tem pessoas relevantes no setor. É bacana ter [essa memória], eu vou estudar, eu vou olhar, só não tive tempo. (risos)
No ano passado eu trabalhei bastante, acho que agora já está passando um pouco o boom da construção - pelo contrário, eu acho que vai ter até um… Lançou-se muita coisa, principalmente aqui em São Paulo; acho que agora vai ter uma calma maior, então acaba diminuindo um pouco a demanda por serviços, a não ser essa parte de perícia, sempre tem algumas coisinhas que aparecem. Aí eu vou ter tempo de olhar quem está no Museu da Pessoa, quais são as pessoas que estão no Museu da Pessoa.
(01:43:17) P/1 - Então, em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece muito pela conversa de hoje!
R - Foi muito bom estar aqui com vocês, belo trabalho. Bom trabalho para todos!
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