Projeto Memória dos Bairros
Depoimento de Sada Ocimoto Oda
Entrevistada por Stella Franco e Marina D’Andrea
São Paulo, 27 de setembro de 2000
Código: MT_HV014
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
R - Meu nome é Sada Ocimoto Oda, nasci em Itaquera, na colônia de Itaquera, em 6 de outubro de 1930.
P/2 - Dona Sada, e qual o nome dos seus pais e a atividade deles?
R - É, meu pai se chamava Takisuki Oshimoto e minha mãe Kimi Oshimoto, e eles eram agricultores, né, mais fruticultores.
P/2 - A senhora conhece a origem da sua família, materna e paterna, seus avós?
R - Eles são de Chiba, da província de Chiba, né?
P/2 - E a cidade?
R - Cidade Tateyama.
P/2 - Sei. E eles chegaram a vir para o Brasil?
R - Eles chegaram para o Brasil, no Brasil em 1922, né?
P/2 - Quem?
R - Meus pais.
P/2 - Ah, os seus pais, seus avós...
R - Meus avós ficaram lá no Japão.
P/1 - Qual é o nome dos seus pais?
R - Meus pais, Takisuki Ocimoto e Kimi Ocimoto.
P/2 - E por que eles vieram para o Brasil em 1922?
R - Olha, eu acho que eles têm... meu pai já era aventureiro, né?
P/2 - Ah, é?
R - Quer dizer, com vinte anos já tinha saído uma vez para o exterior, né?
P/2 - Ah, é?
R - É então, eu acho que eles criam um novo horizonte, né?
P/2 - Para onde que eles foram no exterior?
R - Meu pai?
P/2 - É.
R - Quando ele tinha vinte anos ele foi para Peru, México, Estados Unidos, depois retornou para o Japão.
P/1 - Ele foi fazer o que nesses países?
R - Ele acho que foi fazer pé-de-meia, eu acho, ele conseguiu, né?
P/2 - Conseguiu?
R - Conseguiu. Ele fez curso de Mecânica lá nos Estados Unidos e falava muito bem inglês e lia assim revistas life, essas coisas.
P/2 - Ah, é?
R - Mesmo depois de certa idade ele continuou lendo em inglês, né?
P/2 - E desses países ele veio para o Brasil?
R - É, ele escolheu Brasil.
P/2 - Ou ele voltou para o Japão?
R - Não, ele voltou dos Estados Unidos para o Japão,...
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Depoimento de Sada Ocimoto Oda
Entrevistada por Stella Franco e Marina D’Andrea
São Paulo, 27 de setembro de 2000
Código: MT_HV014
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
R - Meu nome é Sada Ocimoto Oda, nasci em Itaquera, na colônia de Itaquera, em 6 de outubro de 1930.
P/2 - Dona Sada, e qual o nome dos seus pais e a atividade deles?
R - É, meu pai se chamava Takisuki Oshimoto e minha mãe Kimi Oshimoto, e eles eram agricultores, né, mais fruticultores.
P/2 - A senhora conhece a origem da sua família, materna e paterna, seus avós?
R - Eles são de Chiba, da província de Chiba, né?
P/2 - E a cidade?
R - Cidade Tateyama.
P/2 - Sei. E eles chegaram a vir para o Brasil?
R - Eles chegaram para o Brasil, no Brasil em 1922, né?
P/2 - Quem?
R - Meus pais.
P/2 - Ah, os seus pais, seus avós...
R - Meus avós ficaram lá no Japão.
P/1 - Qual é o nome dos seus pais?
R - Meus pais, Takisuki Ocimoto e Kimi Ocimoto.
P/2 - E por que eles vieram para o Brasil em 1922?
R - Olha, eu acho que eles têm... meu pai já era aventureiro, né?
P/2 - Ah, é?
R - Quer dizer, com vinte anos já tinha saído uma vez para o exterior, né?
P/2 - Ah, é?
R - É então, eu acho que eles criam um novo horizonte, né?
P/2 - Para onde que eles foram no exterior?
R - Meu pai?
P/2 - É.
R - Quando ele tinha vinte anos ele foi para Peru, México, Estados Unidos, depois retornou para o Japão.
P/1 - Ele foi fazer o que nesses países?
R - Ele acho que foi fazer pé-de-meia, eu acho, ele conseguiu, né?
P/2 - Conseguiu?
R - Conseguiu. Ele fez curso de Mecânica lá nos Estados Unidos e falava muito bem inglês e lia assim revistas life, essas coisas.
P/2 - Ah, é?
R - Mesmo depois de certa idade ele continuou lendo em inglês, né?
P/2 - E desses países ele veio para o Brasil?
R - É, ele escolheu Brasil.
P/2 - Ou ele voltou para o Japão?
R - Não, ele voltou dos Estados Unidos para o Japão, depois ele veio para cá, eu acho que, não sei se ele tinha, assim, vontade de ficar para sempre, né, mas acontece que depois de certo tempo, as pessoas não tinham recursos para voltar, né, tinham que ficar mesmo.
P/2 - E quando ele veio para o Brasil, ele se fixou onde?
R - Lá em Registro.
P/2 - Registro é uma cidade?
R - É, igual São Paulo, interior de São Paulo.
P/1 - Vale.
R - Vale, vale depois.
P/2 - E a senhora sabe o que ele veio fazer?
R - Olha, ele ficou em dúvida se ele ia, é, abrir uma oficina mecânica ou então seguir a agricultura, né, mas ele achou, mais assim certo, agricultura.
P/2 - Entendi.
P/1 - Quer dizer, ele abandonou o que ele tinha aprendido, e tinha guardado dinheiro para eles poderem vir, né, porque eles vieram para cá, pagando passagem.
R - Pagando passagem, comprando... eles vieram com recurso mesmo, né, agora eles... depois o que mais?
P/2 - Ele já estava casado com a sua mãe?
R - Sim, já estava casado.
P/1 - Ele comprou terras no Vale do Paraíba, ali na região?
R - Sim, comprou, comprou.
P/1 - E aí a senhora sabe o que eles começaram a plantar?
R - Eles plantaram acho que arroz, essas coisas, né?
P/1 - E sabe se foi bem...
R - Sabe, eu não sei se eles foram bem, mas acontece que houve uma chamada assim no jornal, que tinha um terreno assim perto do centro de São Paulo, né, e aí ele, como sempre, queria que a gente estudasse, então visou essa parte de facilidade para ir para a escola, por isso que veio para Itaquera.
P/1 - Todos os filhos nasceram lá em Registro?
R - Não, só minhas duas irmãs mais velhas.
P/2 - E são quantos filhos ao todo, dona Sada, quantos irmãos a senhora tem?
R - Quatro.
P/2 - Quais os nomes?
R - É, Miyoko Ocimoto, aliás tem que falar o nome atual?
P/2 - Por quê? É diferente?
R - Não, porque casaram depois.
P/2 - Ah, não, pode ser o...
R - Miyoko, Vitória, Paulo e Sada, né?
P/1 - Então são quatro filhos?
R - Sim, quatro.
P/2 - E a dona Miyoko nasceu aqui no Brasil?
R - Nasceu lá em Registro, é.
P/2 - Ah, tá. E conta a história para a gente do nome dela que a senhora estava contando.
R - Ah, então, ela, ela atravessou três oceanos e já estava, minha mãe já estava esperando, né, quando ela embarcou lá do Japão, então meu pai, colocou o nome de três oceanos, né?
P/2 - Que é Miyoko?
R - Que é Miyoko. Miy é três. Miy é três, o é oceano.
P/2 - E co?
R - Co é filho, então...
P/2 - Filho.
R - ...filha do oceano.
P/1 - Ah, quase filho.
P/2 - Dona Sada, a sua mãe contava a história de como era a viagem de navio, que eles vieram, né?
R - Sim, minha mãe disse que não saía da cama, porque ela estava assim grávida e também acho que com saudade dos pais, acho, disse que ela não saía da cama, né, ficou dormindo o tempo todo.
P/2 - Por quantos dias, a senhora sabe?
R - Olha, naquela época demorava bastante, né, não sei quantos dias, isso eu não sei, viu?
P/1 - A Miyoko era a primeira filha?
R - Sim, primeira filha.
P/1 - Ah, tá.
R - Agora já é falecida, né?
P/2 - E depois dela?
R - Vitória.
P/2 - Vitória.
R - Ela nasceu também lá em Iguape, né, Registro. Ela veio para cá com dois anos e pouco, para Itaquera, né, depois ela estudou, ela fez Direito. Aliás, foi a primeira advogada mulher nissei, né?
P/2 - Ah, é?
R - É, acho que sim, pelo menos lá da colônia de Itaquera.
P/2 - Colônia de Itaquera.
R - Até hoje ela está exercendo.
P/2 - A senhora tinha dito que seu pai colocou o nome dela por uma razão especial.
R - É, porque meu pai gostava muito do Victor Hugo, né, então colocou Vitória, veio menina, então colocou Vitória.
P/2 - Ele lia Victor Hugo, ele gostava.
R - Sim, ele gostava, ele gostava muito de ler, né, tanto é que o objetivo dele era fazer os filhos estudarem, então, apesar de todas essas dificuldades, ele fez com que a gente estudasse, né?
P/1 - Então, ele tinha comprado a propriedade em Registro, é isso? Para plantar.
R - Sim.
P/1 - Aí vendeu em Registro e veio para a colônia?
R - Aliás, ele vendeu, mas acho que ficou assim, como dado, né, porque a pessoa que comprou depois, ficou por isso mesmo, né?
P/1 - Não pagou?
R - Eu acho que não. Meu pai não era assim, eu acho que nunca foi de ter apego a dinheiro, né, ele queria formar pessoas, ele sempre falava que tem que formar a pessoa, né, pessoas de sociedade, esse era o objetivo dele.
P/1 - Mas voltando um pouquinho, a senhora sabe o que ele fez nos países aqui da América do Sul?
R - Ah, ele fez de tudo, disse, para sobreviver, ele fez de tudo, né, parece que trabalhou em tudo, como garçom, como qualquer coisa assim.
P/1 - Para depois ir para os Estados Unidos e...
R - Isso, ele estudou, fez curso de Mecânica, né? Até tinha a carteirinha de anotação dele, tudo em inglês, assim, sabe, mas depois ele, não sei, ele achou que era mais certo a Agricultura, dava mais retorno, né, dava mais estabilidade, então ele escolheu, optou por Agricultura.
P/1 - Voltando mais um pouquinho atrás, por que ele saiu do Japão?
R - Olha, o motivo, eu acho que... ah, o motivo verdadeiro é meio difícil de falar, né, mas acho que ele queria novos horizontes, eu acho que...
P/1 - Ele era primeiro filho?
R - Não, caçula, caçula, e minha mãe era a mais velha, né?
P/1 - Os outros filhos também saíram do Japão?
R - Não.
P/1 - Ficaram?
R - Ele é o único que saiu do Japão.
P/1 - Tinha sua mãe, depois tinha um mais velho, é, não, segundo filho era homem, era uma mulher, depois veio um homem, eram quantos filhos?
R - O quê, o da minha mãe?
P/1 - Japão, no Japão.
R - No Japão, minha mãe tinha, quer dizer, minha mãe tinha uma irmã e mais dois irmãos menores, ela era mais velha, né?
P/1 - E ele era o caçula, seu pai.
R - Meu pai, caçula, mas eu acho que ele só tinha irmãos, não tinha irmã.
P/1 - E lá, eles plantavam, também era agricultura?
R - Meu pai era agricultor, na família de meu pai todos eram agricultores, agora, da minha mãe não, eles tinham lá um, é, como que é, de veraneio, que alugava barcos de veraneio, com barcos, né, assim bem no...
P/1 - Obrigada mesmo, pela passagem para trás, agora voltando onde a gente estava, vocês estavam já chegando aqui em São Paulo, na colônia.
R - É, por causa que saiu no anúncio do jornal que tinha um lugar ótimo para agricultor, perto das escolas e tudo mais, aí abriu a colônia de Itaquera, né?
P/2 - Sei, e a senhora sabe em que ano seu pai mudou para a colônia?
R -1920... assim que chegou, eu acho que foi em 1925, né, acho que é 1925.
P/2 - A colônia tinha sido recém-fundada, então?
R - Isso, porque, aliás, eles foram os pioneiros...
P/2 - Ah, é?
R - ...do, da segunda leva, né, acho que foi uma diferença de seis meses por aí, mas eu digo que são pioneiros.
P/2 - Sei. E dona Sada, como era a casa da infância da senhora?
R - Olha, minha casa para época, eu acho que era uma das, como é que se diz, porque era de alvenaria, era muito difícil naquela época, né?
P/2 - Ah, é?
R - E eles, eles construíram uma casa ali, mas uma casa muito simples, né, olha, tinha uma área de um alqueire e pouquinho, e eles plantaram um tantinho assim para experimentar as coisas que podiam, experimentar se não dava certo, empatava dinheiro e não dava certo, né, fazia outra coisa e não dava certo, até acertar.
P/1 - O que eles plantaram?
R - Tentaram abóbora, disse que abóbora de tudo quanto é tipo assim, cheinho que via (a plantação), mas não tinha quem comprasse, né?
P/2 - Ah, é?
R - É.
P/2 - E aí, aí teve que parar de cultivar?
R - É, teve que parar cultivar, quer dizer, aí foi gastando, gastando, gastando, só despesa, né, não tinha retorno mesmo.
P/1 - O que mais eles tentaram?
R - Depois frutas, né, aí com a plantação de pêssego, aliás, avicultura também entrou no meio, viu, avicultura.
P/2 - Avicultura?
R - É, avicultura, meus pais tinham também criação de galinhas.
P/2 - De galinhas, para o que era?
R - Dava para sobreviver, para a venda de ovos e de carnes, né?
P/2 - De carne também?
R - De galinha, não era de frango.
P/2 - Sei. E como é que era o cotidiano na sua casa dona Sada, vocês almoçavam juntos?
R - Bom, é, almoçar juntos era meio difícil porque cada um tinha um horário, não é, porque a gente estudava e meus pais tinham que tocar a lavoura, né?
P/2 - Mulher trabalhava na lavoura?
R - E como!
P/2 - É mesmo? Conta para a gente, dona Sada.
R - Porque, olha, as mulheres tem que, lógico, fazer as coisas de casa, não é, e depois ir para a lavoura, né, quer dizer que é uma tarefa dupla, eu acho.
P/2 - Cuidar dos filhos.
R - É, cuidar dos filhos, cuidar da cozinha, cuidar de tudo, né?
P/1 - Era sempre comida original do Japão, ou não?
R - Não, também por falta... é por dificuldade de adquirir alimentos de um país, porque não dá para fazer comida japonesa sem os ingredientes, né, então ia se adaptando assim à comida brasileira mesmo.
P/1 - A senhora falou da abóbora, a senhora sabe o que mais eles tentaram plantar?
R - Tentaram vários tipos de abóbora, depois morango, né, e no começo morango era assim: as pessoas carregavam, não sei como é que se fala, carregavam nas costas o, como é que fala...
P/2 - Cestas.
R - Cestas, cestinhas. Andava o meu pai, e ainda morava a quatro quilômetros da estação, né, mas tinha outros que moravam mais longe também, andava até a estação para pegar o trem e levar até o mercado.
P/2 - Mercado Municipal?
R - Mercado Municipal.
P/2 - Ia com a cesta nas costas?
R - É, cesta nas costas, porque era assim essa luta das pessoas que entraram, os pioneiros, né?
P/2 - Puxa! E o pêssego?
R - Depois do pêssego, a própria pessoa que fez o loteamento daquela área toda, da gleba, ele tinha uma muda de pêssego, né, depois achou que aquilo lá ia dar certo e começaram a plantar.
P/2 - Como é que ele chama?
R - Senhor Ishibashi, né?
P/2 - Ishibashi?
R - É, está no começo do livrinho ali.
P/2 - Do livro, sei.
R - Ele que foi o idealizador, né, e a colônia não tinha assim uma terra fértil, sabe, porque só tinha barba-de-bode? Capim.
P/2 - Capim.
R - Barba-de-bode, né, então porque os primeiros ali, os carmelitas, já tinham utilizado aquela terra, né?
P/1 - Os carmelitas, é, você sabe?
R - Sim.
P/2 - Não.
R - Era dos carmelitas, né?
P/1 - Conta aí.
R - Tanto é que a Igreja do Carmo era chamada assim por causa desses carmelitas, né?
P/1 - Eles que plantaram nessa região?
R - Plantaram, depois não sei, colheram, depois não trataram e então, venderam, né?
P/1 - Quer dizer que quando chamaram para formar a colônia era uma terra já...
R - Já, já usada.
P/2 - Já usada.
R - Estava empobrecida, isso mesmo.
P/1 - E a senhora sabe qual era a área?
R - Da colônia total, eu assim de cabeça não sei, né, mas até Guaianases também era dos índios. E ali tem uma história muito interessante dos índios, de que esses jesuítas curaram o cacique, né, então em agradecimento eles deram essa terra de Guaianases, era dos carmelitas.
P/2 - E essa história é lendária?
R - Não, não, é lendária, uma pessoa que gostava muito de pesquisar, ele pesquisou.
P/2 - É mesmo.
R - Tem ali no livro.
P/2 - Ah, depois eu vou dar um olhada.
R - Olha sim que é muito interessante, viu?
P/1 - Agora, para plantar e ter boa colheita de morangos, de pêssegos e tal, dizem que os japoneses tinham uma técnica de cultivo que era só deles, a senhora sabe sobre isso?
R - Sim, mas, ah, também teria cultura de tomate, então uma família grande, uma família bem grande chamada Nakamura, já ia desistir de continuar na colônia, né, mas se eles desistissem, olha, a colônia ia ser muito abandonada mesmo, né? Porque se eles saíssem, uma família grande e tudo... Então, a companhia deu uma forcinha para eles tentarem mais uma vez, aí deu certo essa vez, o cultivo de tomate, né?
P/1 - Companhia o quê? Que companhia a senhora falou?
R - Pastoril, Companhia Pastoril.
P/2 - De onde era?
R - Era dos donos da gleba, né?
P/1 - Essa Companhia Pastoril era dona da gleba da colônia?
R - Isso, eles que lotearam, né?
P/1 - É, mas venderam as lotes?
R - Venderam sim, venderam os lotes.
P/1 - De que área mais ou menos era cada um?
R - Um alqueire a três alqueires, né?
P/1 - E todo mundo estava comprado o terreno, não tinha alguma conta?
R - Não, eles foram vendendo assim primeira gleba, segunda, por sessão, sabe?
P/1 - Mas eles administravam esse loteamento, essa companhia?
R - Não, eles só, administrar não, as pessoas pagavam as parcelas devidas para eles, né, e tanto é que muitas vezes, foi assim protelando o pagamento, né, porque as pessoas estavam em dificuldade mesmo, viu, muita dificuldade mesmo.
P/1 - Então era uma espécie de administração dessa entrada de prestação dos terrenos.
R - Isso, isso.
P/1 - E quando tinha alguém em dificuldade, entravam...
R - Entravam, é, eles, ajudar não, esperavam um pouquinho assim, né?
P/1 - Sei, sei.
P/2 - Dona Sada, criança participava da agricultura também?
R - Sim.
P/2 - A senhora chegou a trabalhar com a terra?
R - Eu cheguei sim, quer dizer, meus pais eram assim mais, como é que fala, mais liberais, né, deixavam mais à vontade, mas tinham valores assim que...
P/2 - Obrigava.
R - ...obrigava e pagava também, né, tinha família que pagava sim.
P/2 - Ah, é? Como é que era isso?
R - Assim, eu não sei quanto é que pagava, né, mas sei que pagavam para os filhos.
P/2 - Por exemplo, pagava para o filho, uma família pagava para o filho do vizinho?
R - Não, não, não.
P/2 - Para o próprio.
R - Os filhos trabalhavam para a família.
P/2 - Para a família e recebiam?
R - Isso daí é uma exceção, de pagar, as pessoas ajudavam mesmo.
P/2 - Era tipo uma mesada?
R - Isso, mesada, em bom sentido, né?
P/1 - Bom, mas é que eu queria chegar às minhas perguntas, havia uma técnica trazida pelos japoneses do Japão para fazer essas hortas e essas plantações?
R - Isso foi bem depois dos pioneiros, né. Eles chegaram na época que a colônia já tinha escolhido, optado por plantação de pêssego, então eles trouxeram técnicas mais avançadas lá do Japão, né, mas isso não foi desde o começo não, foi quando a colônia já estava mais ou menos estabilizada, sabendo o que tinha que cultivar, né? Agora, os pioneiros sofreram porque não sabiam o que cultivar, né?
P/2 - Era por tentativa e erro?
R - Por tentativa, tentativa, e mais frustrações do que frutos mesmo, né?
P/2 - E como é que a senhora descreveria seu pai e sua mãe, dona Sada?
R - Olha, eu acho que tive uma sorte, eu acho meus pais excepcionais mesmo, viu, porque eles se dedicaram mesmo para que a gente estudasse, né? Não tinha, às vezes, nem condições, mas eles fizeram estudar mesmo. Minha irmã, a minha irmã mais velha não estudou muito, né, mas ela era professora de corte e costura, de culinária, essas coisas, e a minha segunda, que é advogada, ela fez curso anglo-latino e depois fez a PUC, né, quer dizer, meu pai não tinha essas condições, mas eles fizeram de tudo mesmo, e meu irmão é professor lá da escola, como é que chama, Escola de Engenharia Mauá, ele é professor lá, ele estudou no Mackenzie, né?
P/2 - E a senhora também.
R - Eu, eu estudei até o colegial, eu fiz escolas particulares, depois a, a USP não, a USP é grátis, né, mas...
P/2 - Fala para a gente o curso que a senhora fez para a gente deixar registrado.
R - Eu fiz o curso de Anglo Germânicas, né?
P/2 - E era na Faculdade de Filosofia?
R - É, Faculdade de Filosofia da USP, na Maria Antônia, primeiro, né?
P/2 - E era comum entre as famílias japonesas mandar os filhos para estudar?
R - Naquela época acho que não, principalmente quem trabalhava na agricultura não tinha essas condições, né, tinha umas pessoas assim filhos de engenheiros, essas coisas, aí dava para estudar mesmo, né, mas senão...
P/1 - Agora no tempo da colônia, quando a senhora e seus irmãos tinham que estudar, como é que vocês vinham até a cidade, de lá?
R - Olha, eu comecei a estudar, eu comecei o Primário com sete anos, como todo mundo né, e a gente fazia caminhada de quatro quilômetros.
P/1 - E onde era a escola?
R - Ali no centro de Itaquera, onde é atualmente a prefeitura de Itaquera, era uma escola chamada Álvares de Azevedo, né?
P/1 - Com quantos anos a senhora começou a estudar lá?
R - Sete anos.
P/1 - Com sete anos?
R - Sete anos, até 11, né, fiz tudo. E depois quando eu coloquei...
P/1 - Mas não era uma porção de crianças.
R - Tinha, tinha umas vizinhas também, íamos em três ou quatro pessoas, né? Agora, o Ginásio, eu fiz na cidade, porque lá em Itaquera não tinha, então a gente andava quatro quilômetros, pegava maria-fumaça, trem cheinho, cheinho mesmo, né, e fazia todos os dias esse percurso.
P/1 - Ia até a escola que era onde? O Ginásio.
R - Eu fiz o Ginásio no Liceu Acadêmico São Paulo, lá na rua Oriente.
P/1 - Oriente?
R - Lá na rua Oriente, né?
P/2 - Dona Sada, que lembranças a senhora tem lá da escola de Itaquera, do grupo escolar?
R - Olha, eu achei uma escola ótima mesmo, porque naquela época as professoras eram dedicadas, não digo que agora não são, né, e os alunos eram mais obedientes, não é? E respeitavam os professores.
P/2 - E como é que era o entrosamento entre os filhos de japoneses e os brasileiros?
R - Olha, eu não tive muita dificuldade, a não ser aula de catecismo, né, porque meus pais falavam sempre assim: “Olha, depois que vocês crescerem, escolham a religião que quiserem”, né, porque eles eram budistas, mas eles deixaram assim. Então, a gente chegava na escola e tinha aula de catecismo e nessa hora a gente era como se fosse, como é que fala, ateu, essas coisas eram consideradas, como que se diz...
P/1 - Mas vocês queriam aprender ou não queriam, porque eram budi..., vocês não eram budistas?
R - Não, não, não, nós não éramos, aliás, o meu pai nem falava nada da religião, né, ele sempre falava “escolhe o que vocês quiserem”.
P/2 - Mas a senhora achava que tinha uma resistência por parte dos próprios...
R - É.
P/2 - ...brasileiros.
R - É isso, em relação a isso, né, como se quem não fosse católico fosse uma, como é que é?
P/2 - Ateu, um herege.
R - É isso, discriminação.
P/2 - Discriminação.
P/1 - Mas vocês não estavam indo à aula de catecismo?
R - Porque era obrigatório, né?
P/1 - Mas a professora discriminava também?
R - Não, não, não era professora, era o padre que vinha dar aula de catecismo naquela época.
P/1 - E ele discriminava?
R - Ele propriamente não, mas a... que dizer, discriminação mesmo, né, tanto é que a primeira coisa que eu fiz quando tive meus filhos foi batizar católicos, né?
P/2 - Batizou?
R - Batizei.
P/1 - O que o padre fazia, como a senhora sentia essa discriminação?
R - Olha, como meu pai tinha dado essa liberdade de escolha, né, eu não tinha assim vontade de ser católica também, sabe, ficava lá na aula assim, olhando aquelas coisas. Ameaçava, né, (riso) quem não fosse católico ia para o inferno e mostrava aquelas coisas que nunca esqueci, aquilo lá eu lembro até hoje, viu?
P/1 - Mostrava o quê?
R - Mostrava um desenho assim do, de inferno assim, né, e mostrava que quem não fosse católico iria cair lá dentro e nunca saía, sabe, sempre ficaria, nunca sairia de lá, até hoje eu lembro.
P/1 - Então a senhora vai ficar lá. (riso)
R - Mas eu não ficava com medo. Aquilo me impressionou assim, mas não deixou com medo, porque se eu tivesse medo, eu acho que pediria para me batizar. Também foi só, eu acho que no primeiro, segundo ano, só, depois tiraram aula de catecismo, né?
P/2 - E tinha que ir de uniforme para a escola?
R - É, no Liceu usávamos avental.
P/2 - Avental, que cor que era?
R - Branco.
P/1 - Queria também perguntar se além da religião, os alunos brasileiros discriminavam os japoneses?
R - É, só na época da guerra, quando eu tinha, acho que, onze anos, já estava no Ginásio, né, o professor era tão assim, como é que fala, tão nacionalista, tão patriota, tinha professor que dizia assim que discriminava, né? Tanto é que para viajar assim na maria-fumaça tinha gente que tinha que ter carteira de identidade, eu tirei carteira de identidade com onze anos, porque senão não podia viajar.
P/1 - Por ser japonês?
R - Não, por ser brasileira, por ser brasileira, mas tinha que ter carteira de identidade, mostrar a carteira.
P/1 - Os outros também ou só os descendentes de japoneses?
R - Só os descendentes de japoneses, os de alemães eu não sei, só sei dos japoneses, e naquela época não podia ter reunião também, associação também, não podia ter associações, né?
P/2 - A senhora sabe de algum exemplo, de alguma pessoa que tenha sido mandada de volta para o Japão? Existiu isso?
R - Lá da colônia não, mas, sabe, tinha umas, eu não sei se era um grupo que trazia notícias falsas a respeito da guerra, né, então...
P/1 - A senhora vai falar agora daquela divisão, né?
R - Sim.
P/1 - Os que acreditavam na vitória e tem um nome que eu me esqueci, os que eram...
R - Katigumi. E os outros, makegumi.
P/1 - Isso, isso.
P/2 - Como é que isso acontecia?
R - Eu acho que na colônia tinha mais ou menos metade, metade, ou então a maior parte era do katigumi mesmo, que acreditava nesses boateiros, né?
P/1 - Que era a vitória?
R - Que era a vitória. E tinha muita gente aí que... muita gente não, eu conheço uma família de Chiba mesmo, que vendeu a propriedade que tinha na colônia, porque disse que o navio já vinha buscar, porque o Japão ganhou, tinha ganho a guerra.
P/1 - Como é que era a reação, o relacionamento entre as duas facções, era hostil?
R - Olha, hostil, hostil mesmo.
P/1 - Houve assassinatos, brigas?
R - Não, briga, briga não, né?
P/2 - Mas não se conversava, como é que era?
R - Eu acho que era meio difícil ter uma amizade assim, né, das pessoas esclarecidas e não esclarecidas, aliás porque não tinha um meio de adquirir notícias verdadeiras, né, porque já que tinham proibido a circulação de jornais em idioma japonês, não tinha como, né?
P/1 - Ninguém sabia nem em português?
R - Quer dizer, sabiam, mas eles não acreditavam, acreditavam mais nesses... tinha algumas pessoas que sabiam ler, né, então esses é os que tinham filhos na escola e tudo mais, né?
P/2 - Quais que eram os jornais japoneses?
R - Naquela época
P/2 - É.
P/1 - Em Itaquera.
R - Tinha o São Paulo Shimbun.
P/1 - Mas isso era aqui da Liberdade.
R - Sim, mas não tinha de Itaquera, Itaquera só tinha o que no tempo do Clube dos Estudantes, nós lançamos o jornal CEIense (?), né, mas fora isso, propriamente de Itaquera, agora tem, né, mas naquela época não tinha. Nippak, tinha o Nippak e o Paulista.
P/2 - Eles eram escritos em japonês?
R - Em japonês e uma parte em português, né, mas nessa época de guerra eu acho que parou a circulação dos jornais, né, e olha, esse pessoal de katigumi era fogo mesmo, né?
P/2 - Como é que a sua família se posicionava nessa época? Seu pai, sua mãe?
R - Meu pai, olha, meu pai, como ele lia muito assim, né, ele não foi atrás desses boatos, mas também ele não enfrentou ninguém para contra argumentar nem nada, ele ficou na dele, então, problemas assim de briga não tinha também, né?
P/1 - E quanto tempo durou essa divisão da colônia?
R - Acho que ficou uns cinco anos, né?
P/1 - Bem mais do que durou a guerra?
R - Então, é.
P/1 - E terminou, como que é que terminou?
R - Essa divisão?
P/1 - Essa divisão, é.
R - Foi aos poucos diminuindo, né?
P/1 - Bom, a relação da colônia com o bairro durante esses anos todos, como é que era, com o bairro de Itaquera?
R - Em que ponto?
P/1 - Geral, vocês iam fazer compras, como é que era o comércio, em Itaquera?
R - Olha, o comércio lá, naquela época, acho que tinha umas três, quatro mercearias, né, lá era onde a gente gastava, e excepcionalmente, coisas de comida japonesa, essas coisas, você tinha que vir para a cidade, senão não tinha lá, né, lá em Itaquera, né?
P/1 - A senhora sabe por quantas pessoas mais ou menos a colônia era representada, quantas pessoas formavam essa colônia?
R - Umas duzentas famílias, né, agora deve ter bem menos, porque muitas pessoas já venderam e foram para outros lugares, né?
P/1 - Dona Sada, e eram comum viagens com os pais durante a sua infância, adolescência?
R - Olha, com os pais, é, eu acho que não tinha essa condição mesmo, viu, a gente saía assim com meu pai naquela associação e essas coisas, né, com minha mãe também, e a gente ia no clube, né?
P/2 - Conta um pouquinho como que era a Fujinkai, Joshikai e o clube da colônia?
R - Olha, foi assim o, em primeiro lugar tinha o Seinenkai. Era a associação de moças, essa aqui foi a primeira associação que surgiu lá na colônia de Itaquera.
P/2 - Seinenkai?
R - É. Em 1927, né?
P/2 - E moços?
R - De moços.
P/2 - O que eles faziam lá?
R - Eles é, quer dizer, a primeira coisa que eles fizeram foi um Dokai. Dokai, vocês sabem, é gincana poliesportiva.
P/2 - Ah, é?
R - É, foi fundada em 1927, por todos os solteiros, assim, rapazes, né, e todos...
P/2 - O que tinha nessa gincana, de jogo?
R - Olha, tinha de corrida, tinha tantas coisas assim.
P/2 - A senhora viu alguma?
R - Bem depois, né, porque essa aqui foi antes de eu nascer, no dia 27, né?
P/2 - Mas isso continuou, né?
R - Continuou e continua até hoje, até hoje continua.
P/2 - É mesmo?
R - Todos os anos. Foi fundado, o primeiro Dokai, para comemorar o, como é que se diz, o nascimento do imperador do Japão.
P/2 - Ah, é?
R - É. Agora não, agora se comemora no dia primeiro de maio.
P/1 - Do príncipe Akihito?
R - Não, é do imperador Hiroito, né?
P/1 - Ainda, lá atrás.
R - Era, atrás, sempre no dia 29 de abril, né?
P/2 - E por que pulou para o dia primeiro de maio?
R - Eu acho que é porque primeiro de maio é feriado e também depois deixou de comemorar, né?
P/2 - O nascimento.
R - O nascimento, e passou a ser uma, assim, uma atividade tradicional da colônia.
P/2 - E onde acontecia e acontece?
R - Lá no clube, lá no clube, já foi alguma vez para o clube?
P/2 - Não, não.
R - Não?
P/2 - Ainda não, preciso conhecer.
R - É, então, ah, falando nesse clube aí, foi erguida uma sede enorme lá, mas só com a contribuição das pessoas que moram lá.
P/2 - Ah, é?
R - Contribuição financeira e de mão-de-obra também.
P/2 - O que foi aquilo?
R - Uma sede, lá, enorme.
P/2 - Uma sede nova?
R - É nova, foi em 1950 e pouco, mas foi com, como é que fala, foi só com o esforço assim da união das pessoas da colônia.
P/2 - Sei.
P/1 - E como é que é hoje em dia, como é que ele funciona desde então, a história dele?
R - Agora nesse negócio de Seinenkai, além de ser um Dokai, eles abriram a escola do curso de japonês dominical.
P/2 - Ah, é?
R - É, e o professor vinha lá da cidade para dar aulas só aos domingos, né, depois em 1932 assim, eles construíam a primeira sede, assim sete por dez, também com recurso próprio, né? E tudo foi assim, tudo assim em união com as pessoas.
P/2 - Dona Sada, e essas associações Seinenkai, Joshikai e Fujinkai, é, a senhora disse que a mãe da senhora foi presidente e a irmã também.
R - Ah, sim, então esse de Seinenkai, né, foi o meu primo, na época que o meu primo era presidente que construíram esse de sete por dez, né, e esse prédio foi usado também para aulas do curso particular de Primário.
P/2 - Sei.
R - E depois com...
P/2 - E o das mulheres, como é que era?
R - Deixa eu ver, o das mulheres...
P/2 - Não precisa se preocupar com a data, eu queria que a senhora descrevesse para a gente quais eram as atividades.
R - Ah, a Fujinkai foi fundada em 1940, né, para aprender culinária, tricô, crochê, essas coisas.
P/2 - E quais as reuniões?
R - Reuniões, sim, eu acho que eles se reuniam uma vez por semana, né, aos domingos, eu acho.
P/2 - Todas as mulheres da colônia iam.
R - Moças, mocinhas da colônia.
P/2 - Ah, mocinhas, entendi. E tinha...
R - Depois desse Fujinkai, né, a associação... Primeiro assim, ela surgiu como associação de mães, sabe, para tratar da educação dos filhos, essas coisas, mas depois, sugerindo para que formasse uma Fujinkai mesmo, mesmo que as mulheres, as senhoras não tivessem filho em idade escolar, né, que participassem, e foi fundado o Fujinkai em 1958, e minha mãe foi a primeira presidente dessa associação Fujinkai, né?
P/2 - Sei, e o que vocês faziam no clube para se divertir, o clube era o local de diversão da colônia?
R - Sim, sim.
P/2 - O que vocês faziam lá para se divertir?
R - A, o clube Seinenkai aí, também ficou com aquela divisão, essas coisas, tinha uma divisão das pessoas que estudavam e das pessoas que não estudavam, né, então estudei. Seinenkai se dedicava para beisebol, sumô, essas atividades aí, sumô, judô essas coisas, né, e o Clube dos Estudantes partiu assim para voleibol, basquetebol, essas coisas, tem tênis de mesa, né?
P/2 - Essa diversão esportiva?
R - Esportiva, é.
P/2 - E outras diversões, dança, baile, tinha isso?
R - Ah, o Clube dos Estudantes também iniciou curso de negócio de dança, né, bailes.
P/2 - Que dança que é?
R - Assim de, de como que é?
P/1 - Salão normal.
R - Bolero, de fox, fox trot, samba, marcha.
P/1 - Mas iam pessoas não japonesas?
R - Como?
P/1 - Iam brasileiros?
R - Iam sim, porque era promovido pelo Clube dos Estudantes, e o Clube dos Estudantes não fez essa discriminação de fechar a porta para os não descendentes de japoneses, né, então era assim uma sucessão de... E a gente para pegar um bailinho andava quatro quilômetros.
P/1 - A pé?
R - A pé.
P/2 - E como é que era, tinha luz na época?
R - Tinha, tinha luz sim, nessa época já tinha luz, acho que foi em 1958, por aí.
P/1 - E aí usava nas casas ou na rua?
R - Nas casas, nas casas.
P/1 - Na rua não?
R - Na rua não.
P/1 - E não tinha asfalto?
R - Não, tanto é que quando nós viemos estudar na cidade não tinha nem asfalto, né, então, no dia que chovia era um lamaçal, né, e a gente trocava de calçada assim, ia com tênis, tênis igual que tem hoje, né, trocava numa mercearia, né, e punha outro sapato para ir para a cidade.
P/1 - E não tinha como ir de condução, não tinha ônibus?
R - Não tinha, ônibus não tinha naquela época, ônibus foi uma coisa mais recente, e não tinha nem ônibus nem metrô, né, só tinha aquela maria-fumaça.
P/1 - E como era esse trem maria-fumaça?
R - Maria-fumaça era um trem assim, como é que é, locomovido por carvão, né, isso, e era super cheio mesmo. Super cheio mesmo, viu, porque não tinha outro meio de viagem, né, locomoção.
P/1 - Mas era limpo?
R - Olha, limpo nunca foi, agora que é limpo, mas naquela época, sabe, que as pessoas quando chegaram à Itaquera, o trem já vinha cheio, né, então a gente que era assim menina, entrava na frente das pessoas que estavam sentadas, naquele espacinho assim, senão não tinha como.
P/1 - Por que ele vinha de outro lugar?
R - É, ele vinha de Mogi, né, Mogi, Calmon Viana, né?
P/1 - E festas tradicionais japonesas, tinha no bairro?
R - Bom, tinha o Undokai, nós comemorávamos dia primeiro de janeiro.
P/2 - Dokai?
R - Undokai, Dokai é de gincana poliesportiva, né?
P/2 - Ah, tá, é esse que a senhora falou.
R - Agora nós tínhamos esse do primeiro de janeiro e outras datas assim.
P/1 - Mas como que era comemorado, o que era a festa?
R - A do primeiro de janeiro?
P/1 - Todas, né, que tinha.
R - No primeiro de janeiro, olha, por incrível que pareça a gente cantava, cantávamos hino nacional do Japão, que chique, né?
P/1 - Em que lugar?
R - Kaikan, lá no Kaikan mesmo, lá na sede.
P/2 - O que significa Kaikan?
R - Kaikan é sede
P/2 - Sede?
R - Sede de associação, Kai é associação, Kan é prédio, né?
P/1 - É com k que escreve ou com c?
R - Agora pode se escrever com c, né?
P/1 - Kaikan?
R - Pode se escrever com c, mas escreve geralmente com k para...
P/1 - Mas todas essas festas tradicionais eram dentro desse Kaikan?
R - Isso.
P/1 - Não eram na rua.
R - Não, não, não, lá era, como é que é, centro de, para todas essas coisas, todas essas comemorações, palestras, todas as coisas.
P/2 - E a decoração das festas?
R - Decoração das festas, sabe que decoração não tinha não, um vaso de flores, uma coisa assim só.
P/2 - E a roupa?
R - A roupa, tinha uniforme.
P/2 - Ah, é, como era esse uniforme?
R - Era uma saia azul-marinho com pregas e uma blusa branca, só, era uniforme único, uniforme mesmo, e as pessoas iam do jeito que...
P/2 - Que quisessem?
R - É.
P/1 - Em que ano começaram as lojas com os alimentos japoneses, com aquela variedade, lá em Itaquera?
R - Em Itaquera, vamos ver, 1957...
P/1 - Aí já tinha, já tinha venda.
R - É sim, aí uma pessoa já abriu umas lojas ali, japoneses, né, abriram lojas ali e começaram a vender.
P/1 - E por falar em loja, como é que era o comércio normal lá em Itaquera?
R - Lá na colônia, na saída da colônia tinha duas, nós chamávamos isto de vendas, né, duas mercearias só. Hoje em dia já tem um Carrefour, não é, vocês já viram, né?
P/2 - Já.
R - Hoje está completamente mudado, mas naquela época tinha duas vendinhas na saída da colônia, e umas aqui perto da estação, né?
P/1 - Agora, como é que a senhora conheceu o seu marido?
R - Olha, o meu marido foi imigrante após a guerra, sabe, a cooperativa tinha esse projeto de encaminhar os imigrantes nas casas dos seus sócios, né, que quisessem, e o meu pai solicitou, ele foi lá, assim que eu conheci.
P/2 - Mas ele foi fazer o que lá, não entendi, dona Sada?
R - Para lavoura.
P/2 - Para lavoura.
R - É, é, e depois, eu acho...
P/2 - Ele chegou da guerra, depois da guerra e aí não tinha o que ele fazer, é isso?
R - Não, ele já veio com esse propósito lá no Japão, ele já era contratado.
P/2 - Entendi.
R - Com contrato tudo feito lá no Japão, né?
P/2 - Então ele veio trabalhar para o pai da senhora?
R - Sim, sem conhecer, é lógico, foi por intermédio da cooperativa.
P/2 - E de onde ele era, seu marido?
R - Hiroshima.
P/2 - Hiroshima. E ele sentiu de perto os efeitos da guerra?
R - Sentiu.
P/2 - Como é, o que ele conta para a senhora.
R - Ele disse que estava, ele tinha quantos anos, dez anos, sei lá, ele disse que não foi atingido porque estava dormindo, né, não foi no horror não.
P/1 - Ele não se lembra da devastação?
R - Sim, lembra, lógico que lembra, né?
P/2 - Que mais ele contava para a senhora?
R - Mas ele, sabe, dessas coisas assim ele não gostava de contar não, viu?
P/2 - Porque é muito marcante.
R - É.
P/2 - E aí a senhora ficou conhecendo na casa da senhora?
R - É na minha casa mesmo.
P/2 - E como é que foi o namoro? O pai era muito bravo, muito severo?
R - Não, porque minha mãe gostava assim que eu casasse com ele também, né?
P/2 - Ah, é?
R - Depois eu acho que eu também gostei, depois podia dar uma continuidade à lavoura do meu pai, né?
P/2 - E tinha casamento entre japoneses e não japoneses na colônia?
R - Muito raro, mas tinha sim.
P/2 - E como é que isso era recebido?
R - O, esse casamento de japoneses?
P/2 - É.
R - Com brasileiros, você diz?
P/2 - É.
R - Olha, muitos eram contra, naquela época eram contra mesmo, né, e era visto como uma coisa assim, sabe, algo...
P/1 - Escandaloso, né?
R - Escandaloso, não sei, não sei se cabe essa palavra, né, mas não era visto como uma coisa natural não, normal. Os pais eram contra, queriam que mantivesse a tradição de japonês casar com descendente de japonês mesmo, né?
P/2 - Dona Sada, e tinha...
R - Eu principalmente, era contra casamento dos japoneses com não japoneses, né?
P/1 - Era?
R - Eu era assim, hoje eu vejo que não, porque meus dois filhos estão casados com brasileiras.
P/2 - Ah, é?
R - E a minha filha é noiva de um brasileiro também. (risos)
P/2 - Os seus genros então sofreram um pouquinho, depois a senhora...
R - Não, não, isso era antes, na minha idade assim, né?
P/2 - Sei.
R - Mas assim de preservar sempre a tradição e tudo mais, eu era muito assim, sabe como é, depois, depois não.
P/2 - E tinha antigamente uma forma das famílias tratarem os casamentos dos jovens?
R - Ah, tinha, tinha.
P/2 - É.
R - Tinha sim.
P/2 - Como que é que acontecia isso?
R - Assim por conveniência do serviço?
P/2 - Isso.
R - Então tinha muito, de apresentar, tinha sim, na minha época, ainda tinha sim.
P/2 - E aí, se escolhesse um noivo que a moça não queria, era obrigado a casar?
R - Também tinha esses casos sim.
P/2 - É?
R - É, tinha muitas pessoas que não sabiam falar não para os pais, então acabavam casando, né, mas essa minha irmã mais velha foi assim por apresentação.
P/2 - Ah, é?
R - Mas, eu acho que ela gostou dele mesmo, (riso) sabe, na apresentação. (riso)
P/2 - Foi bom então?
R - É, acho que foi bom.
P/1 - A senhora disse, não sei se eu entendi bem, que o seu marido era monge.
R - Sim, ia ser, ia ser, ele estava se preparando, mas depois, é, eu não sei se eu devo falar isso, mas, bom, ele ficou sabendo assim, como que se diz, que nem sempre os monges faziam o que pregavam, né, então disso ele não gostou, e tanto é que não seguiu mais.
P/1 - Se desiludiu, né?
R - Se desiludiu, porque fala uma coisa, prega uma coisa e também eles não seguem, né, então, ele não quis seguir.
P/2 - E aí a senhora se casou com ele em que ano?
R - Foi em 1957.
P/2 - 1957, e como é que foi, teve festa?
R - Teve, lá mesmo, na minha casa.
P/1 - Como é que era a festa?
R - A festa lá de casamento é normal assim de convidar as pessoas mais chegadas.
P/1 - Não tem nada especial por serem japoneses?
R - Não, não porque a gente não era assim tradicionalmente japonês, porque meu pai já era muito assim, viveu pouco tempo no Japão, né, afinal, não é, até os vinte anos, depois ficou mais tempo fora e então...
P/2 - E a senhora já tinha se formado quando a senhora, se formado não, já tinha entrado na faculdade, quando a senhora se casou?
R - Já, já.
P/2 - Como é que foi, vamos contar um pouquinho essa história da faculdade, dona Sada.
R - Olha, a faculdade, eu entrei em línguas germânicas e, aliás, eu fui deixando essa matéria de História, né, que é matéria de primeiro ano. Não podia levar além do terceiro ano, ou passava naquela matéria ou desistia, hoje em dia não é, né?
P/2 - Não.
R - Mas naquela época era assim, depois que eu acabei desistindo.
P/2 - As outras matérias, a senhora passou?
R - Sim.
P/2 - E aí, História, a senhora não gostava de História.
R - Ih, mas aí tem uma história muito, tá ligado, né?
P/2 - É, se a senhora quiser a gente edita.
R - Foi assim, eu estudava no colégio Anglo Latino e tinha um professor de História muito rigoroso. Eu gostava da matéria, naquela época eu gostava, né, e um dia, eu emprestei um caderno para uma colega e no dia que o professor ia ver o caderno, - no Colegial, ele fazia isso, né - ela me falta. Ela não foi para a escola, aí o professor falou assim: “zero”, né, falei: “mas se a pessoa não veio?” E ele: “eu falei não, não tinha nada que emprestar e não sei o quê, zero”, zerinho ali. E quando eu entrei na faculdade, não é que o professor de História era o mesmo?! (riso)
P/2 - Qual era o nome dele dona Sada, a senhora lembra?
R - Espera aí, não quero me meter não, eu nem sei, viu, eu nem lembro mais, viu?
P/2 - E onde...
R - Só sei que ele era um professor, uma pessoa super inteligente, né, que defendeu tese em alemão, ele disse que foi três vezes viajar para a Alemanha e voltou para defender tese em alemão, né?
P/2 - E ele dava História do quê?
R - História Medieval, Antiga e Medieval, e também eu não gostava assim porque “segundo a lenda, segundo não sei o quê”, não tinha nada assim de concreto, sabe, então aquilo lá, além de poder, de ter antipatia, uma certa aversão pelo professor, a matéria era assim de não estar pegando em nada, “segundo a lenda”, nem sabe o que é isso, não é, imagina-se que aconteceu, não sei o quê, não entrava mais na minha cabeça de jeito nenhum, viu?
P/1 - Era aqui no colégio Anglo Latino?
R - O Anglo Latino? Era.
P/2 - E como que era o bairro da Liberdade nessa época?
R - Nessa época, acho que não tinha tantas lojas assim, né, e a gente andava de bonde naquela época, né?
P/2 - Ah, é?
R - Era bonde, eu sei que eu pegava bonde para ir até a...
P/1 - Estação?
R - Não, até a escola, né?
P/2 - Onde a senhora tomava bonde?
R - Bonde tomava na praça da Sé. Incrível, né, a gente nem imagina mais, né, os trilhos e tudo mais.
P/1 - E a senhora chegava até a praça da Sé de quê?
R - É, aí era de trem, né, mais o bonde ali na Concórdia, na Roosevelt, né, depois pegava outro bonde até praça da Sé, depois na praça da Sé pegava para ir para a escola.
P/2 - Como que era o bonde, dona Sada?
R - Ah, o bonde era, tinha um bonde chamado camarão, que era fechado, né, e outro todo aberto assim, e os cobradores passavam assim por fora para cobrar, né?
P/2 - E qual que a senhora gostava mais de tomar?
R - Olha, naquela época não tinha assim de gostar, o primeiro que aparecesse você tinha que pegar (riso) para não perder a hora.
P/2 - Ah, tá certo.
R - E não tinha opção mesmo, viu?
P/2 - E voltando lá para Itaquera um pouquinho, a senhora lembra quando é que foram instaladas as luzes? A senhora falou que na década de 1950 foram instaladas luzes lá, né?
R - Década de 1950.
P/2 - E vocês faziam como para se virar?
R - Nós tínhamos o lampião de gás, lampião à gás, lanterna à gás, né, era assim, a cozinha era assim à lenha, né?
P/2 - E na época da instalação, a senhora lembra como é que foi, as pessoas erguendo postes, essas coisas?
R - Erguendo postes foi uma coisa mais simples.
P/2 - Ah, é? Como é que foi?
R - Olha, fizeram uma, sabe que eu nem prestei atenção assim de como é que foram erguidas essas coisas, depois é que entrou assim televisão, geladeira, essas coisas todas, né?
P/2 - Telefone?
R - Telefone foi uma coisa também bem depois que entrou, né?
P/2 - Sei.
P/1 - A senhora chegou a ajudar seus pais no cultivo da plantação?
R - Olha, muito pouco, viu, porque como eu era caçula também, mas era uma delícia, minha mãe, Ada, me tratava como para não trabalhar, sei lá, sabe, eu acho que ela foi assim, inclusive, quando a gente ia para cidade tinha que sair no escuro assim, né, ela acompanhava a gente com a lanterninha na mão até um certo lugar onde a gente encontrava com outras meninas, né, aí ela voltava para casa para tocar tudo aquilo lá, né?
P/2 - E como que era em volta assim, o caminho?
R - Ah, é tudo mato, tudo mato.
P/2 - Alto.
R - Não, é mato, mato.
P/2 - Mato alto? Não, rasteiro?
R - Não é muito alto, mas também tinha uns lugares assim que tinha bastante mato alto mesmo, né, e pior que quando a gente encontrava uma vaca, um boi assim na beira da estrada, a gente tinha medo, né, então entrava na cerca assim e saía do outro lado (riso) e daí um medo terrível.
P/1 - Mas não tinha, lá não tinha assalto, não tinha violência, né?
R - Violência não tinha tanto, até que uma moça podia andar meia-noite ali no caminho, tudo desolado ali, não tinha, não acontecia nada, né?
P/2 - Como que era o chão, dona Sada, de terra?
R - Terra e quando chovia a gente mergulhava até, afundava mesmo na lama, viu?
P/2 - E aí tinha que chegar na escola?
R - Não, a gente quando ia para a cidade, a gente trocava de sapato.
P/2 - Trocava o sapato.
R - De calçado, né?
P/1 - E carnaval, tinha carnaval por lá?
R - Carnaval assim na colônia não, surgiu depois quando o Clube dos Estudantes começou, é, a organizar bailes, essas coisas, aí sim, né, a gente dançava no carnaval também.
P/1 - Depois então que a senhora ficou sendo católica, né, não ficou?
R - Eu? Não.
P/1 - Não ficou sendo.
R - Não, não.
P/1 - O padre, aquela história do padre, a senhora acabou não ficando católica?
R - Não.
P/2 - Qual que é a religião da senhora hoje?
R - Hoje sou cristã, sou evangélica.
P/2 - Ah, evangélica. E qual a igreja a senhora frequenta?
R - Igreja Universal do Reino de Deus.
P/2 - E onde que tem essa igreja?
R - Olha, tem em todas as partes, viu?
P/2 - Bem, mas lá em Itaquera tem?
R - Lá em Itaquera tem.
P/1 - A senhora frequenta lá?
R - Não, eu frequento no Tatuapé. Sabe por que, sempre que eu viajava assim de Metrô, eu via aquilo lá, Igreja Universal do Reino de Deus, né, “Jesus é o Senhor”, está escrito ali, né? Então eu falei: “é aqui que eu vou, né, e eu entrei, assim, porque eu estava assistindo um programa de televisão, eu vi o bispo pregando muito bem, muito bonito, muito, né, e aí eu fui até a Bela Vista, porque ele estava dando culto lá em Bela Vista. Então, aos domingos, eu comecei a frequentar lá na Bela Vista, aqui na Bela Vista, né, e depois eu fui para o Tatuapé.
P/2 - E os seus filhos?
R - Meus filhos são católicos, quer dizer, católicos não praticantes, aquilo lá, eu batizei quando eles nasceram, sem nenhuma obrigação, sem nenhum...
P/2 - E ninguém seguiu o budismo?
R - Não.
P/2 - Seu marido também deixou o budismo?
R - Quer dizer, deixar, deixar não, né, porque quando, por exemplo, tinha uma missa assim de amigo assim, ele sempre estava, ele ia lá.
P/2 - E como é que é lá na colônia, essa questão da religiosidade, dona Sada?
R - Eu acho que a maior parte é budista e ainda segue direitinho, tem um altar assim.
P/2 - Tem um templo lá?
R - Templo na colônia não tem.
P/2 - Não?
R - Não.
P/2 - E como é que eles vão fazer as suas orações?
R - Mas as orações, cada família tem aquele altar, oratório?
P/2 - Oratório. Dentro de casa?
R - Dentro de casa, todas as famílias, acho que têm.
P/2 - Ele precisa sair para...
R - Não, quando tem assim, por exemplo, tem um casamento, uma missa, essas coisas, eles vão até o templo.
P/1 - Onde é o templo?
R - Templo tem aqui na cidade, no Jardim Saúde.
P/1 - Mas não tem em Itaquera?
R - Itaquera também tem um sim, tem, só que as pessoas quando querem casar, não sei o quê, querem um templo assim mais, eu não sei que tipo de templo que tem lá em Itaquera, mas não deve ser grande não, deve ser...
P/1 - A senhora não casou no templo?
R - Não, não.
P/2 - Dona Sada, eu queria que a senhora falasse um pouquinho sobre cinema na sua juventude.
R - Ah, o cinema era assim, desde que começou a associação lá na colônia, o, como é que fala, iam exibir cinema lá no Kaikan mesmo.
P/2 - Ah, é?
R - Sabe, marcaram, contratavam assim, não sei, contratavam uma pessoa do cinema e eles iam exibir cinema lá.
P/2 - E que filmes que eram?
R - Ó, filmes assim de romance essas coisas, víamos assim, como os que se exibiam no...
R - ...nos cines, eles levavam.
P/2 - E filmes japoneses?
R - Filmes japoneses. Não, era exclusivamente filmes japoneses, porque era contratada pela associação lá da colônia, né?
P/2 - E as pessoas da colônia não saíam para os cinemas japoneses da cidade?
R - Sim, saíam sim.
P/2 - Quais que eram os cinemas japoneses?
R - Os cinemas japoneses aqui, tinha aqui na liberdade, né, tinha o Cine Niterói, Cine Jóia, acho que Cine Jóia também, que exibiam filmes japoneses, né?
P/2 - A senhora veio alguma vez?
R - Eu vim algumas vezes.
P/2 - Como que era então?
R - O cine, você fala?
P/2 - É, todo o percurso lá de Itaquera.
R - Ah, a gente tinha que andar, pegar o trem, o ônibus, naquela época já tinha ônibus de Itaquera até a cidade, né, assim.
P/2 - Aí vinha para cá?
R - Sim.
P/2 - E aí quando chegavam no cinema, só havia japoneses?
R - Eu acho que a maioria era japonês mesmo, viu, e também, quando os meus filhos eram pequenos, nós levávamos para o zoológico, isso a gente fazia com muita frequência.
P/2 - Ah, é? Como é que vocês iam?
R - Ah, também com todo aquele percurso, acho que naquela época já tinha ônibus lá da colônia até Itaquera e depois pegava outro ônibus, mais outro ônibus, né?
P/2 - E as crianças gostavam?
R - Ai, mas como gostavam, viu?
P/2 - O que elas gostavam mais?
R - Olha, especialmente mais é do ambiente assim de passeio, né?
P/1 - Eu não perguntei para a senhora, seu marido ainda é vivo?
R - Não, ele faleceu, faz sete anos que ele faleceu.
P/1 - Qual era a última atividade dele?
R - A última atividade dele era, como é que é, ele trabalhava na cidade, ele era o oficial produtor de uma indústria, né, ele estava como oficial produtor, uma coisa assim.
P/2 - Dona Sada e qual é o aspecto que a senhora mais gosta do bairro de Itaquera, o que a senhora mais gosta de lá?
R - Sabe, aquilo lá é uma coisa assim, primeiramente, meus pais gostavam muito do local, né, eles se dedicaram mesmo ali, só saíram de lá por necessidade, sabe, então já tem isso no meu sangue, eu acho, sabe, tanto é que meu filho também, o que mora aqui, o Sérgio, ele foi, ele não mora aqui, mas ainda frequenta.
P/2 - Ah, é?
R - Ainda frequenta, sabe, é como se fosse, como é que fala, um lar, né?
P/2 - O que a senhora menos gosta de lá?
R - Sabe que não tem nada que me desgoste lá, tem muita gente que fala assim: “ih, agora tem ponto de ônibus na frente da sua casa”. É só gente, como é que fala, que vem implicar com as coisas ali, né?
P/2 - E o que mudou desde que a senhora...
R - Ah, mudou tudo, mudou tudo mesmo, o desenvolvimento lá, foi mesmo bastante, né?
P/2 - A senhora acha que o desenvolvimento foi para melhor ou teve consequências negativas?
R - Eu acho que, bom, sempre tem uma pequena parte negativa, mas isso não é só na colônia, isso aí é coisa geral, né, não é uma coisa local, então eu acho que o desenvolvimento foi muito bem vindo mesmo, né?
P/2 - A senhora acompanhou a construção das cohabs? (PAUSA)
R - Sim, acompanhei, quer dizer, muitas pessoas diziam que era, como é que é, bom, eu não vou dizer aqui nenhum nome, né, (riso) mas é que é muita população, né, explosão demográfica é demais aqui em São Paulo, não é? Não é coisa só de Itaquera, não tem espaço para nada.
P/1 - É, é verdade.
R - Porque não tem uma coisa planejada, não é? Cresceu de tal forma assim que não tem mais espaço, lá em Itaquera também, aqui em Itaquera, eu acho, não tem espaço, é tudo tomado por, como é que é, comércio de rua, não é?
P/2 - Pelos camelôs, a senhora está falando?
R - É comércio de rua, né? (riso) Lá em frente da minha casa também.
P/2 Ah, é?
R - Eu não me incomodo, eu falei assim: “faço votos que vocês faturem, né?
P/2 - E quando que começou isso?
R - Foi neste ano, viu?
P/2 - É?
R- Que começaram a ocupar ali em frente, né, mas olha não me incomoda porque não está me gastando nada, não está diminuindo nada meu, então não tem nada.
P/2 - E o que tem de lazer no bairro para vocês?
R - Olha, o bairro agora tem o Sesc, né?
P/2 - A senhora já foi lá?
R - Olha, para falar a verdade, eu nunca fui, e tem as cerejeiras também.
P/2 - O que é?
R - No Parque do Carmo, todos os anos têm uma festa de cerejeiras, quando no auge da...
P/1 - Da primavera.
R - Não, eu acho que não, bem antes da primavera, hein, cerejeiras, as flores da cerejeira abrem antes, eu acho.
P/2 - O que é essa festa, dona Sada?
R - Festa de cerejeira.
P/2 - Mas o que é cerejeira?
R - Cerejeira é, são plantas assim que dão, acho que uma flor original do Japão, né, cerejeiras.
P/2 - E quem vai para essa festa?
R - Olha, disse que junta tanta gente lá, meu filho é um membro da diretoria lá da...
P/2 - É basicamente a comunidade nipo-brasileira ?
R - Eu acho que hoje em dia não, acho que é frequentado por todos, organizado pelos japoneses, isso sim, mas frequentado por todos.
P/1 - A associação do seu filho, ele é diretor de que associação?
R - Dessa associação das cerejeiras.
P/1 - Tem uma associação só para isso?
R - Tem, tem, tem, tem só para isso.
P/1 - Tem muitas cerejeiras no Parque do Carmo?
R - Acho que sim. E nesse dia que se comemora, eles põem um bazar assim, vendem alimentos, pastéis, não sei o que mais.
P/1 - Também é festejado no Japão, a senhora não sabe?
R - De cerejeira, de cereja?
P/2 - É, é.
P/1 - Quando está florada.
R - Festejada mesmo no Japão, acho que não, hein, eles vão visitar sim onde tem essas plantações, né, mas acho que festa mesmo assim, acho que não.
P/2 - Ô, dona Sada, conta um pouquinho, a gente esqueceu de falar da festa da rainha do pêssego.
R - Olha, essa festa foi iniciada no ano de... quando que teve, foi o jornal?
P/2 - Esse aqui?
R - Esse, de que ano que é?
P/2 - Esse aqui é de 1952.
R - Esse é o quarto, quarta festa.
P/2 - Então foi 1948.
R - Foi, iniciou em 1948 e terminou em 1960 e... A primeira Festa do Pêssego foi em 1949, né, e terminou, a última festa, a décima sétima festa, foi em 1969, aí terminou, aí não teve mais, sabe?
P/2 - E que bonita essa moça, quem que é ela?
R - Minha vizinha.
P/2 - Ah, sua vizinha.
R - Minha vizinha.
P/2 - E como é que era essa festa, tinha uma rainha, o que acontecia?
R - Olha, a turma convidava as autoridades do Estado, né, secretário da Agricultura, governador, eles iam lá para inaugurar a festa, e tinha assim...
P/2 - E era feita para quê, para reunir dinheiro, para depois...
R - Não, mais assim para vender, tinha exposição de frutas melhores assim que eram premiadas e tudo, né, e também para a venda.
P/2 - Ah, vendia?
R - Vendia pêssego, porque aconteceu o seguinte: as pessoas tinham muito assim trabalho em cultivar, não é, mas na hora de vender tinha tantos atravessadores que era muito reduzida depois, a venda assim, nas festas não.
P/1 - A senhora sabe qual é a técnica do pêssego, para plantar o pêssego, para ele não ficar bicado de pássaros?
R - Ah, esse daí é o seguinte: dá muito trabalho isso, viu, depois da florada, né, aparecem os frutinhos, aí vai escolhendo os frutos melhores e vai, como é que é, como é que fala? Retirando os... (É preciso) deixar poucas, poucas frutas para dar umas frutas maiores, né, aí quando chegava num certo tamanho, ensacava um por um.
P/1 - Mas ainda é assim ?
R - Ainda pêssego é assim.
P/2 - E depois? Aí amadurece?
R - Amadurece, aí colhe e depois...
P/2 - Vende.
R - ...vende. Então, mas esse trabalho aí é um por um, amarradinho...
P/1 - Aquele saquinho que estava na caixa é o mesmo que estava no pé, não, é outro?
R - O saquinho é o mesmo.
P/2 - É o mesmo?
R - Quer dizer, quando estiver muito feio assim, troca, né? Agora de nêspera, meu pai tinha bastante nêspera, aliás, isso que eu acho que custeou nosso estudo, né, a nêspera, e nêspera é um fruto menor, né, e dá em cacho, e naquele tempo que meu pai cultivava ele fazia de fruto por fruto assim, um cacho, né, agora depois entraram essas, chegaram outras pessoas assim do Japão mais tarde, então começou fazer um saco maior, um saquinho maior assim de jornal para cobrir o cacho inteiro.
P/2 - Aí era mais fácil?
R - Mais fácil, né, mas no tempo de meu pai não, ele fazia um por um assim, cacho inteirinho, então a gente ajudava a tirar o arame assim, porque amarrava, segurava outro arame, né, e a gente sempre...
P/1 - O saquinho.
R - ...ajudava para tirar o arame.
P/2 - Tirar ou colocar?
R - Ah, depois do fruto maduro, a gente colhia...
P/2 - Ah, e tinha que tirar do saquinho.
R - ...e tinha que tirar saquinho, né, aí a gente tinha que tirar arame, isso também era um trabalho bastante grande, viu, depois não, depois chegaram esses mais, mais, como é que fala?
P/1 - Modernos.
R - Modernos assim, fizeram, começaram a fazer um saco maior para cobrir...
P/1 - A nêspera, mas no começo continuava um...
R - Sim, na... na... pêssego não tem como, como fazer, tem que fazer um por um, então assim, quando era época de cobrir de saquinhos parecia outra florada, porque ficava tudo branquinho, né?
P/1 - Não tem fotografia?
R - De saquinhos assim?
P/1 - É, de...
R - Acho que não, viu?
P/2 - E o cheiro, dona Sada, tinha cheiro bom?
R - Ah, o cheiro de quando tinha flores também era um cheiro bom, né, depois quando os frutos estavam maduros também, era um cheiro... Era perfume mesmo.
P/2 - Qual que cheirava mais?
R - Acho que é o fruto.
P/2 - Mas o pêssego ou a nêspera? Nêspera não...
R - Nêspera não, só o pêssego.
P/1 - Nêspera é aquela ameixa?
R - É, amarelinha.
P/1 - Amarelinha.
P/2 - Amarelinha. Dona Sada, e só a jovem solteira que podia ser rainha da Festa do Pêssego ou casada também?
R - Não, para ser rainha, princesa, só solteiras.
P/2 - Só solteiras? E a senhora chegou a se candidatar alguma vez?
R - Não.
P/2 - Não?
R - Não.
P/1 - É, agora a gente precisava ver o Metrô, como é que foi a história, a chegada do Metrô lá e todo esse capítulo do Metrô.
R - Capítulo do Metrô, eu acho que o Metrô foi começado na época de... foi, pelo menos terminou, eu acho que foi com o Montoro que começou, né, no governo Montoro, depois o Quércia que inaugurou o Metrô de Itaquera, né, inauguração, agora quem começou foi antes, né?
P/1 - E teve festa do Quércia?
R - Ah, teve sim, teve sim, só que naquela época meu filho não participava, eu também não participei.
P/2 - A senhora não foi?
R - Não.
P/1 - Bom, então foi inaugurado, e aí? Durante as obras, a senhora sentiu algum transtorno?
R - Não, por causa que é muito afastado, bastante afastado assim da rodovia, né, então não tinha problema não.
P/1 - E, quando a senhora andou de Metrô pela primeira vez, qual foi a sensação?
R - Ai, uma sensação assim de, como é que fala, um espaço menor, né, mais conforto, mais limpeza, porque Metrô é uma beleza de limpeza e tudo mais, né? Então, a gente antigamente, quando a gente andava de trem, de maria-fumaça ou de ônibus, não podia marcar assim dez e meia, porque nunca chegava na hora, não dava para prever o quanto de atraso, né, mas agora não, com Metrô, a não ser que aconteça alguma coisa de energia, queda de energia, alguma coisa, a gente pode prever quanto tempo leva para chegar num lugar, né?
P/2 - A senhora acha que foi melhoria então?
R - Ah, melhoria mesmo, viu?
P/2 - E como a senhora faz para ir até o Metrô?
R - Eu vou de ônibus.
P/2 - Pega um ônibus, vai até o Metrô.
R - Agora, tem aquele trenzinho expresso, né, que se for com aquilo lá, da minha casa acho que é doze minutos e vem direto até o Tatuapé, não parei.
P/1 - A senhora desce no Tatuapé ou desce no Brás?
R - Eu desço, quando eu vou até o Tatuapé, eu pego o expressinho ali que é mais rápido, né?
P/2 - Para ir na Igreja, né?
P/2 - Tá bom, dona Sada, bom, vamos falar um pouquinho agora que a gente já está terminando, com quem que a senhora mora hoje?
R - Eu moro, hoje, sozinha.
P/2 - Ah é? E como que a senhora ocupa seu tempo?
R - Olha, meu tempo, eu não sei se estou ficando mais lerda ou alguma coisa assim, que o tempo acaba tão rápido assim, quando...
P/2 - É o tempo que está passando mais depressa, né, dona Sada?
R - Eu não sei, sabe, eu falo assim: “nossa, mais já, né?” Estamos no fim de setembro, eu sempre falo: “eu e Deus”.
P/2 - E o que a senhora faz? Fala para a gente.
R - Olha, eu faço é écharpes de seda.
P/2 - Pintura.
R - É.
P/1 - A senhora...
R - Eu vou criando assim...
P/1 - ...não dá mais aula, né?
R - Não, não dou aula não. Eu leio, eu ainda pego assim as coisas para traduzir, para não me esquecer, sabe, porque se a gente deixar de lado...
P/1 - Não dá, né?
R - ...esquece, não é, então eu faço questão assim de assistir programas em inglês, né, e também de, como é que fala, de traduzir algumas coisas de japonês para português, né?
P/1 - Nenhum dos seus filhos ficou em Itaquera, né?
R - Engraçado, é isso que eu acho interessante: “ah, ah, mãe, eu não quero sair de Itaquera, porque nós nascemos aqui”, e quando eu vejo, todo o mundo saiu, né?
P/1 - E a senhora não quer sair?
R - Não.
P/1 - Quer ficar lá?
R - É, eu acho que qualquer lugar é lugar, né, ainda mais (porque) foi o lugar em que meus pais se amavam tanto, né, e eu acho que também meus filhos querem um lugar assim para, como é que se diz, um ponto de, como é que é?
P/2 - De encontro?
R - Lá em Itaquera, né?
P/1 - Ah, uma base ali.
R - Isso, uma base, estão armando base. (riso)
P/2 - Quartel-general.
R - É, eles estão defendendo o quartel-general. (riso)
P/1 - E eles vão lá?
R - Vão, vão sim.
P/2 - Dona Sada, e quais as lições que a senhora tirou da sua experiência de vida que a senhora gostaria de contar, deixar registrado?
R - Experiência de vida?
P/2 - É.
R - Vamos ver, sabe que, eu acho que as pessoas devem sempre batalhar, né, não deixar assim, não parar, sabe, eu acho que as pessoas têm que sempre procurar alguma coisa de útil, produzir alguma coisa, eu acho que é isso daí.
P/2 - E a senhora tem algum sonho que a senhora gostaria de realizar?
R - Eu acho que o sonho era ver meus filhos assim formados e tudo mais, e eu trabalhei para isso, então eu acho que já realizei essa parte, agora estou realizando de outro jeito assim, né?
P/2 - Então a gente agradece a sua contribuição.
R - Imagina, eu não sei se eu...
P/2 - Tá ótimo!
P/1 - Foi ótima, a entrevista.
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