Entrevista de: Luzia Batista
Entrevistado por: Jonas Samaúma
Gravado por Marcos Curupira Carvalho e Yule Neves.
São José do Egito, Pernambuco, 21 de setembro de 2024.
Projeto Vidas em Cordel, Mestres do Cordel.
Conte sua história.
Entrevista a PCSHV1406.
P1:
Ia pedir pra você começar com uma poesia.
Pode ser com o seu cordel mesmo.
R:
Então, eu lancei um cordel contando a minha história, do que se passou comigo agora há tempo poucos atrás e ainda tô sentindo a dor da perda dos meus, inclusive os meus que eu perdi agora há pouco, de 2022 pra cá, são Meu esposo Antônio Nunes de Oliveira.
São a minha mãe Maria Batista de Oliveira, seis meses de diferença de um para o outro.
Minha irmã Maria também, que a Covid levou.
Tem também o meu filho José Adéval, que foi falecido em 2009 pelo um acidente horrível.
Passou 15 dias no Recife na restauração, mas infelizmente não teve cura.
Deus tomou de conta do meu filho e me deixou sentir na dor, a saudade e o desespero, mas estou atravessando com fé em Deus, que Deus é quem faz de tudo e a gente não pode fazer mais do que Ele.e tô aqui esperando vocês, aguardando quem chegar e quem quiser me visitar, me conhecer.
A minha humilde casinha está aqui e recebo com muita honra e prazer a todos que vierem.
Então, aqui eu posso recitar o meu trabalho. Eu disse assim:
Deus me dê um santo alcance
Com seu divinal poder
Me ajude a escrever
Te peço mais uma chance.
Que meu improviso avance
E me traga mais poesia.
Ô meu Deus, como eu queria
Ver mamãe de novamente
Sorrindo na minha frente
Quem tanto me fez companhia.
Oh, meu Deus, que morte ingrata!
Levou João e Antônio.
Eram meus dois matrimônios.
Hoje a saudade me mata.
Minha tristeza retrata
A minha fotografia.
Minha fisionomia
Já está bem diferente.
Só por perder minha gente
A quem me fez companhia.
ô morte ingrata e cruel
Levou José Adéval
O meu filho original
E o meu pai Manoel.
Com certezas estão no céu
A minha irmã Maria.
Levaram a minha alegria
Me deixaram sozinha somente
Só recordando minha gente
Por quem me fez companhia.
Hoje eu me sinto sozinha
Pensativa e solitária
me sento lá numa área
que tem na minha cozinha
só pensando em mamãezinha
tudo quanto ela fazia
o que ela me dizia
Está gravado em minha mente
Eu choro diariamente
Por quem me fez companhia.
Um filho só que eu tinha
O único que Deus me deu
De um acidente morreu
Meu Deus que sorte esta minha!
Um dia de tardezinha
Ele de casa saía
Numa moto que dirigia
Veio tropeçar em um trilho
A morte levou meu filho
E me deixou sem companhia.
Eu pensando em meu esposo
Que de meu filho era o pai
Hoje o triste pranto cai
O meu sistema nervoso
O destino rigoroso
Me fez o que eu não queria
Na hora que João morria
Apertou a minha mão
Me deixou na solidão
No mundo sem companhia
Lembrando o João Mariano
Que dele ainda me lembro
No dia 2 de novembro
De 97 o ano,
Eu vi João se acabano
Na mais horrível agonia,
Mas ainda me dizia
Dele está chegado a hora
Deu-me um adeus e foi embora
E me deixou sem companhia.
Sete anos eu passei
Lamentando a viuvez
Mas pela segunda vez
Com Antônio eu me casei.
Um juramento prestei
lá no pé da sacristia
tão feliz que nós vivia
Mas o golpe do destino
Levou Antônio dormino
E me deixou sem companhia.
Na hora que eu acordei
Antônio já estava morto.
Foi o maior desconforto
Na vida que eu já passei.
Eu ainda lhe chamei
Mas ele não respondia
porque morto já o via.
Lamentei perante o povo.
Meu Deus, eu fiquei de novo
No mundo sem companhia.
Quando o dia amanheceu
Antônio tinha morrido.
Lembrei, meu filho querido
Que há anos faleceu.
Forte remorso bateu
Para mim naquele dia.
Mas alguém assim dizia
Luzia, tens paciência
Que a divina providência
Levou tua companhia.
De mamãe eu já cuidava
Que doente ela já vinha
Fiz tudo por mamãezinha
Pra os hospitais eu levava.
Mas ela não melhorava
Não andava e nem comia.
Quando mais não resistia
O seu mal não teve cura.
Hoje está na sepultura
E eu sem sua companhia.
Ó Deus, perdi os meus pais
Uma irmã, esposo e filho.
Meus olhos perderam o brilho
Portanto chorei demais.
Meus planos sentimentais
Lágrima quente, lágrima fria
Na minha face corria
Banhando todo meu rosto
Me envolvi num maior desgosto
Num mundo sem companhia
Aqui vou finalizar
Minha fracassada história.
Vou descansar a memória
Pra depois continuar
Se Jesus me ajudar
quero passar na pesquisa
Que eu nem sei onde precisa
botar um ponto na seta
Eu nem sei se sou poeta
repentista ou poetiza
P:
Maravilhoso!
R
É essa a minha história mais recente.
Agora tô com o outro cordel pra ser lançado na gráfica, mas só vai tá pronto quando o meu documento chegar, porque eu sei que vocês sabem que todas as pessoas têm que trocar os RGs, né?
Então, eu levei o meu, mas tá demorando demais. Ainda não chegou. Até o CPF tá pra lá também.Aí quando chegar é que eu vou receber ele pra poder até resolver minhas coisas que eu tô necessitando.
P:
Qual que é o nome dele, desse cordel?
R:
Esse cordel?
É: "Deus, eu e os meus"
P:
Dona Luzia, a senhora nasceu que dia?
Eu nasci no dia de sexta-feira, dia 4 de abril, dia de 1952.
Estou com 72 anos, mas ainda estou trabalhando.Trabalhei na agricultura, me criei na roça e ajudando os meus pais. Tomei conta de casa, me casei, fui para São Paulo, voltei e estou por aqui. Casei de novo e sucessivamente meus dois esposos estão com Deus. Eu tô sem eles na terra, mas estou com eles no meu coração.
P:
Você lembra como é que foi o seu nascimento mesmo?
Seus pais te contaram a história de como você nasceu?
Você nasceu em casa?
R:
Nasci em casa. Na mão da parteira, como falavam antigamente.
Hoje não, hoje é as enfermeiras nos hospitais e os médicos.
Hoje mãe de família não tem mais seus filhos em casa como antigamente, como eu fui nascida.
Inclusive, no livro eu tenho uma história que conta muitas dessas coisas.
P:
Você sabe de cabeça?
R:
Não, não, não, sei não.
Eu sabia, mas esqueci todos.
P:
Um trechinho só.
R:
Um trechinho só, tem umas horas que eu disse assim.
Fui da terra, no ar para o espaço
Fui em busca de mais material
Pra botar no meu verso original.
Se eu quiser, Deus querendo, eu tudo faço.
Vi Apolo no sol, dei um abraço
Mas não pude aguentar o seu calor.
Vi Diana com tanto refletor
Que seu brilho tremeu na minha vista.
Sou mulher, sou poeta, repentista
Só não sei se o meu verso tem valor.
P:
Você aprendeu a fazer poesia como?
R:
Eu é o seguinte, quando eu era criança, meu sonho era estudar.
Então, tem uma história assim, tem uma poesia feita nesse assunto.
Meu sonho era estudar, mas eu já tinha problema de visão.
Eu perdi a minha vista com idade de 2, 3 anos de idade por conta de um remédio que me deram.
Então esse remédio mexeu com a minha visão e eu me criei quase sem enxergar nada, mas nunca fiquei sem trabalhar, nunca fiquei sem fazer minhas obrigações.E assim, continuei. Eu queria ir pra escola.Meus pais choravam, porque eu não entendia o porquê. Eu não podia estudar, mas eles sabiam. Eles choravam, mas não queriam me dizer Eles vieram me explicar já tarde.Nessa época não tinha a tecnologia da ciência, das medicações que tem hoje.Não tinha, até o médico era difícil.
Nós não víamos a um médico por aqui, por perto .Só tinha se fosse nas capitais. Então, mas tinha muita cantoria de pé de parede.Não sei se vocês sabem o que é.
P:
Quer explicar pra gente?
R:
Cantoria de pé de parede que eu conheci e tem hoje ainda. Dois poetas, cada um com a viola na mão, improvisando, improvisando, fazendo repente. Até as modalidades de hoje é diferente.
Tinha repente, improviso que eles cantavam era de sextilha. Sextilha e de seis linhas. Hoje tem de seis linhas, tem de sete linhas. Tem decassílabo, inclusive esse cordel que eu tô com ele lá em lançamento Ele é feito em decassílabo que eu intitulei: Meu Sonho de Poeta.
Eu posso até recitar se vocês quiserem também. Então, aí comecei. Meu pai, ele não era poeta, mas ele gostava, ele amava a poesia. Quando tinha uma cantoria por perto, na região, ele ia, ele não perdia nenhuma cantoria, ele me levava. Eu achava aquilo muito bonito, eu dizia assim, papai, eu vou fazer aqueles dois homens que estavam fazendo, papai, eu vou fazer também. Eu pequena, com 7, 8, 9 anos de idade, aí ele ficava rindo de mim. Ele dizia, mas, Luzia, você sabe o que significa isso? Sei não, pai, mas quem sabe se um dia eu não chego lá. Cheguei, com idade de 14 anos, eu comecei a cantar de improviso com os poetas, com os outros poetas. Eu bem pequenininha lá, os poetas me convidavam e eu ia fazer as cantorias.
Então, nessa época não existia celular, não tinha como eles se deslocar até minha casa, mas tinha os programas de rádio, inclusive Rádio Pajé, o de Afogados da Ingazeira, é uma rádio que pra mim serviu de escola. Tinha não sei se vocês lembram ou se não conheceram, tinha o professor Osmar Cardoso, que dava aula pelo rádio na Rádio Clube do Recife. E a gente alcançava essa rádio aqui, nos outros rádios mais antigos. Hoje não, hoje só tem esses rádios de modalidade nova. Então, não tem mais essas rádios. Pra gente pegar uma rádio de Bahia… Oh, meu Deus, eu via muitos programas na cidade, nas rádios de Bahia. À noite, eu dormia, eu perdia sono, só ouvia naqueles programas que eu achava, eu gostava, eu amava. E aquilo tudo eu ia juntando. Pra mim era a minha escola. Eu dizia, mãe, eu quero estudar, pai Eu quero ir pra escola. Eu vejo minhas amiguinhas ir pra escola e eu não posso ir. O porquê vocês não deixam que eu ir? Depois foi que eles tentaram me explicar o porquê que eu não podia ir. Eu me conformei. Mas, nas cantorias, meu pai fazia questão de me levar. Então, eu fui pegando a carona deles, fui pegando os deixos do terminado verso, fui pegando tudo e depois eu já tava cantando. Depois eu já tava cantando. Aí eu ia fazer minhas cantorias com os poetas que me convidavam pelo rádio. Então, eles sabiam que eu tinha esse rádio em casa, que era um professor que eu tinha dentro de casa. Então, eles avisavam:
“Luzia, atenção.
Luzia Batista, tem cantoria pra mim e pra você em tal lugar, em tal canto, tal dia, tal…” Aí dizia a data do mês, da semana.”
P:
No rádio?
R:
No rádio. E eu escutava tudo. Quando era no outro dia, eu enviava carta avisando se eu poderia ir ou não. Eu já escrevia, mandava escrever. Uma carta pra mim, pra o nome daquele poeta que já tava me convidando. E eu botava no correio e ele recebia lá.
P:
E você tocava violão também?
R:
Tocava.
Como é que...
Meu pai, meu pai comprou logo um violão assim pra mim. Depois eu ganhei outro de presente também, mas o tempo acaba tudo, né? Pois é, era desse jeito. E aí você aprendeu de ouvido a tocar viola? Agora, eu nunca aprendi pra tocar viola. Eu acompanhava o meu parceiro, do meu lado.
Mas eu pelejava, meu pai sabia tocar viola, meu pai não tinha coxinha pra ele não tocar.
Mas Deus não me deu esse privilégio. Dessa sabedoria eu sabia tocar o instrumento.
É assim.
P- Você falou que pequenininha você já ia nas cantorias né?
R- Era.
P- Quem que eram os cantadores na época que você ia pequenininha? Você lembra de alguém?
R –Lembro. Era João Lavadeira do Norte.
Era Helena da Silveira.Lavadeira do Norte é falecido.
Helena ainda existe em Afogados da Ingazeira.
Era José Feitosa de Lima.Era Laranjinha do Sertão, só que o nome dele era José, não sei do restante, mas ele era conhecido por Laranjinha do Sertão, um bom poeta. Tinha Miguel Sem Preço.
Tudo nessa região aqui de Itabira, pra chegar. Solidão era João Moraes.
Então Zé Zé Lulu, aqui São José do Egito, era filho da terra. Tinha o Manoel Xudu, que não era daqui da terra, mas ele sempre frequentava a região daqui. Fiz cantoria com ele também.
Zezé Lulu, Manoel Xudu, João Moraes de Solidão, João Moraes de Itapetim, João Luiz de Itapetim, eram os poetas que sempre eu cantava com eles. Então, fui para o Recife. Eu tenho cinco viagens de Recife nessa época. Fiz várias cantorias lá no Recife. Com Antônio Aleluia, com Saturnini Barbosa, Negrão do Paraná e Antônio Nunes de Oliveira também, que era parente do meu marido.
P- Você podia contar a história de qual foi a sua primeira cantoria, você como cantadora?
P- Sim. Me fizeram uma surpresa. Tinha um senhor que era primo do meu pai e muito amigo da família. Então, ele me levou em Campina Grande. Ele me levou em Campina Grande pra mim fazer um exame, tudo por conta dele. Agora sim. Ele disse que agora eu usei o seguinte, que eu cantava muitas coisas decoradas. Eu cantava muitas coisas decoradas como romances, que hoje é cordel.
Antigamente era romance. Um cordel hoje, a gente faz ele com 10 estrofes, 12, 14. Mas o romance era o quê? Era aqueles livrinhos… Por exemplo, o tamanho desse livro meu, eu dava o nome de romance folheto. Meu pai comprava na feira, trazia pra casa, a minha mãe lia pra mim e ligeirinho eu decorava aquele romance da primeira página até a 32, 40 páginas, dependendo do que fosse o tamanho do folheto. A página tinha o quê?Tinha cinco estrofes, seis em cada página e eu decorava com facilidade. Eu era muito decorista, hoje eu não sou mais.Então, meu pai comprava os romances, era Pavão Misterioso, era Os Sofrimentos de Célia e as Três Espadas de Dores, era Elisa e Pedro Gomes, era Juvenal e o Dragão, Irene e… agora eu esqueci o nome do parceiro, era Irene e o outro homem lá, e Coco Verde e Melancia, Essas eram as histórias que eu decorava. Aí meu pai chegava da feira com um folheto desse. Minha mãe lia ele todinho pra mim, porque ela tinha muita leitura. Então, ela lia ele todinho pra mim e eu digo, pronto mãe, fecha a página, amanhã a senhora vai ler pra mim a primeira página. Quando era no outro dia, ela lia a primeira página pra mim.
Ela lia novamente aquela página e eu já dizia sozinha. Eu já dizia sozinha. Até a derradeira.
Na derradeira, eu recitava igual eu recitei esse cordel agora. Não era com maior facilidade que eu decorava. Eu era muito decorista, eu era muito ativa. Hoje não. Hoje devido a tanto aperreio que já passei. A idade também avançada. Não tô mais aquela luzinha do passado. Eu tenho que reconhecer isso e espero que os amigos entendam a minha situação. Então, foi essa a minha história.
P- Mas aí você falou que a sua primeira cantoria foram fazer uma surpresa em Campina Grande.
R- Sim. Não. Foi um tratamento em Campina Grande. Eu já ia passando batida. A minha surpresa da primeira cantoria foi o seguinte. Esse amigo da gente, que era primo do meu pai, ele me convidou pra mim ir cantar essas histórias que eu contei agora, dos romances que eu decorava, e ele gostava muito de ir pra minha casa às noites, claro, de lua, que não tinha energia nessa época, nas zonas rurais. Ele ia pra minha casa às noites, aí chegava e dizia, tu vai cantar uma história das que tu sabe.
Eu cantava, ficava, se juntava 10, 15 pessoas na calçada e todo mundo ficava ali compartilhando e eu cantava e eles gostavam muito. Aí ele dissesse, ele foi, convidou, ele convidou um poeta e aqui é que eu fazia um verso de improviso, né? Por minha conta, por minha própria cabeça, pela minha própria cadência. Eu fazia um verso de improviso. Então, aí ele diz, ele convidou um poeta Um poeta pequeno, ele não era poeta renomado, ele não era aprovado, ele era um simples amador da poesia. e levou pra casa dele, convidou muita gente, assim como que fosse uma surpresa de aniversário pra mim. Aí ele disse, olha, você vai na minha casa sábado, você vai cantar umas histórias boas lá, que tem gente já certa pra ir ouvir suas histórias que você sabe. Então, a gente vai fazer uma vaquinha, lá pra gente, o tratamento seu é por minha conta, mas a vaquinha que eu tô exigindo é pra você. É pra você, não é pra seu tratamento. Isso eu fui, consegui. Lá tava esse poeta lá do lado, com a viola, só ele com a viola e eu não. Então, foi a primeira cantoria que eu fiz, de improviso ao lado de outro poeta foi essa no sítio Passagem da Cobra.
Foi no sítio Passagem da Cobra, perto de Riacho de Baixo, São Sebastião do Aguiar.
Então, aí foi a minha primeira.Depois o povo achou bom e começaram. Aí os poetas também entraram em contato ligeiro também comigo e foi comigo conhecendo. Aí quando era no sábado, meu pai fazia trato com os poetas onde eles se encontravam pra me levar até eles. E assim a gente fazia as noites de cantoria em São José do Egito, na cidade Teixeira, Itapeti,Cacimba Salgada, Cacimba de Rosa, que era sítio. Tabira, Afogados da Ingazeira. Tinha semana que eu saía de casa na sexta-feira, mas meu pai vinha chegar na segunda, fazendo cantoria pelo mundo afora.
E e ganhava meus truques . Quando eu ganhava aqueles meus truques, eu me sentia feliz.
E mais feliz não era tanto pelo dinheiro, como era pela minha sabedoria, que o povo admirava.
Tinha outras mulheres que cantavam também? Nessa época, não.
Você era a única mulher que… Eu até me sentia chateada, né?Meia um pouco chateada, porque era só eu de criança. Eu era uma criança com 14 anos de idade, nessa época. Mas eu levei o peso da viola até 30 anos de idade, eu não queria casar. não queria. Meu sonho era cantar e pronto, e acabou o resto. Mas quando vem, quando Deus manda, nós temos que receber, né? Aí Deus me enviou uma pessoa e eu casei, fui embora pra São Paulo, morei um ano e seis meses lá. Lá mesmo fiz umas cantorias por conta da fama que eu já tinha levando daqui.e os amigos lá do meu marido, porque ele era de lá de São Paulo. Eu ainda já penso assim, como foi que eu casei com uma pessoa lá de longe?
P- Foi morar onde lá em São Paulo?
R- Eu morei em Ribeirão Pires.
P- Ribeirão Pires?
R- É interior de São Paulo.
P-E aí você cantava onde lá?
P- Como é que era?
Lá eu cantava em Mauá. Eu fiz cantoria em Mauá, fiz cantoria em Suzano, fiz cantoria em Itaquera.
Deixa eu lembrar mais. Santo André. Eram esses setores que a gente cantava.
P- Eu queria voltar na realidade um pouquinho, antes de você chegar. Daqui a pouco a gente volta para São Paulo, mas eu queria saber um pouco como é que era a sua vida na roça, lá criança?
R- Minha vida na roça era o seguinte, eu criança, eu ia para a roça, mas meu pai Ele não queria deixar, mas eu era insistente. Meu pai não era só meu pai, ele era meu pai e meu amigo.
A minha mãe do mesmo jeito. Meu pai morreu novo. Então, ele ia pra roça, eu ia mais ele.
Aí ficava, eu ia pegar uma enxadinha pequena, eu ia limpar o mato, assim, capir o mato, né? Mas meu pai dizia, minha filha, não pode, você tá arrancando a lavoura. Você tá cortando, ao invés de arrancar o mato, eu ia arrancando a lavoura Ele não deixava. Aí eu chorava com aquele desgosto, mas eu ficava no pé dele. Ficava no pé dele. Então, quando era na palha, na colhetia de feijão, feijão verde, ô gente, eu ia mesmo. Eu pegava um balaio, eu ia, mas ele… Eu ia enchendo aquele balaio de vages de feijão e enchendo um saco. E eu enchia mesmo. Um saco de feijão. Dizia, ói pai, aqui eu não vou arrancar os pés não, pai. Vou arrancar só as vagas. do feijão, cato de algodão, que nessa época tinha também. Mas depois minha mãe me deixava em casa, não queria que eu fosse não. Nem meu pai queria, nem minha mãe queria. Eu ficava em casa. Então, quando era tempo de milho verde, tinha feijão verde, a gente quebrava o milho, levava pra casa. Eu ia, daquele milho na palha, eu era quem ia fazer pamonha, fazer canjica, eu era quem fazia. Ralava o milho, despalhava o milho, ralava no ralo. Minha filha, não faça isso que você vai ralar os dedos. Eu digo, eu sei, porque não importa, mas eu faço. E fazia. Minha mãe ia pra roça, mas quando chegava pra mamãe, a mamãe tava cozinhada, a canjica tava feita. Moendo na máquina, milho seco, não sei nem se vocês sabem o que é. Era tipo moinho, mas era a gente rodando assim na mão, né? Então, eu despalhava o milho seco, tirava da espiga, eu desbulhava o milho, deixava o sabor pra lá, e o milho eu ia botar água pra ferver, jogava dentro da panela. Bem por uma hora dessas assim, o milho já tava de molho.
Pra no outro dia de manhã eu desmanchar aquele milho todinho em farinha, xerém, cuscuz. Era o meu trabalho da minha juventude. Era isso Eu já trabalhei. Carregar lata d'água na cabeça, minha visão nunca impactou. Não. Eu carregava lata d'água na cabeça de longe, até de dois quilômetros de distância, eu carregava lata d'água na cabeça.
P- É mesmo?
R- E como é que não desviava?
Não, não.
Eu já era correta no caminho, tudo. Depois que eu fiz um tratamento, eu fiquei bem melhorada da vista, fiquei bem melhorada, mas o decorrer do tempo e o sofrimento que a gente passa, os atropelos da vida é quem faz acabar com a visão da gente.
P- E você já chegou a fazer algum verso enquanto você estava na roça, assim, criar alguma poesia? Fiz, só que eu não lembro, não decorei.
P- Não decorou?
R- Não decorei.
P- Mas fazia?
R- Fazia.
P- Não era isso que meu pai admirava, meu pai contratava cantoria com os outros poetas.
Ás vezes, ele dizia assim, ó, Luzia, minha filha, eu vou levar você pra feira. Eu digo, pai, o que é que eu vou ver na feira, meu pai? Só que eu nunca cantei em meio de feira, não. Ele nem aceitou, nem eu nunca quis. Minhas cantorias eram à noite, com muita gente aplaudindo, e eu e outro poeta improvisando. Aí eles diziam, não, nós vamos, porque assim, se às vezes aparece alguma cantoria por lá, aí nós já ficamos lá mesmo, tem casa pra gente ficar, casa da família, que era na cidade, a gente vai pra lá, pra casa da família, e a noite já tá lá.E era, acontecia várias vezes, aconteceu isso.
Aconteceu cantoria, eu já fazia cantoria em Tuparetama, e eu ia pra São José do Egito, que hoje é o dia da Feira de São José do Egito, e a gente se encontrava com os poetas, e a gente marcava a cantoria pra… oito dias, quinze dias pra frente. Aí eu já ia pra feira pra ir lá e ir pra Tuparetama cantar de noite. E assim, sucessivamente, eu levei minha vida até a idade de trinta anos de idade.
P- Você podia me contar um pouquinho como era São José do Egito nessa época?
Você nasceu, foi quando? Você falou cinquenta e um?
R-Cinquenta e dois.
P -Cinquenta e dois?
P- É.
P- Como era São José nos anos cinquenta, nos anos sessenta assim?
R- Era atrasado. Hoje tá mais evoluído. Hoje está mais, mas a cidade cresceu muito. As cidades não tinham hospital adequado nas épocas. Era só posto médico. Mas depois que cresceu a política, que os políticos foram se exercitando, foi havendo eleição, e foi aparecendo prefeito que não existia.
Existiam só algumas pessoas demais de sabedoria que comandavam a cidade. Mas passar a cidade, eu não tô lá, eu não lembro qual foi o ano que passou a cidade. Mas quando eu era criança não tinha cidade, não. Era só tipo assim, como esses povoados pequenos.Depois, hoje, São José do Egito, a gente cresceu bastante. Hoje tem mais coisas evoluídas lá dentro da cidade. Tem prefeitura, tem banco, tem caixa, que não existia isso. A aposentadoria nessas épocas não tinha. A aposentadoria veio entrar em vigor nos anos de 1976, por aí pra cá.
P- Da onde é que vem, você sabe, essa coisa de São José ser a terra dos poetas? Da onde vem isso?
R- Isso aí eu nunca, eu não posso nem te explicar, e posso ao mesmo tempo, porque registraram, devido à terra ser terra, desse imortal da poesia, porque tinha muita gente e até as mulheres eram poetas.
P- Luzia ia pedir, se não fosse muito, pra você fazer um improviso sobre a sua infância.
Sobre a minha infância?
Eu lembro quando eu contava
Sete anos de idade
Numa praça da cidade
Com uma amiga, eu brincava.
Foi aí quando chegava
Alguém que eu não conhecia.
Falou comigo, ô, Luzia
Eu vim te dar um abraço,
Pra você deixar o laço
Do porte da poesia.
Falou baixo em mim
Esse alguém desconhecido.
Murmurou nos meus ouvidos
E a mesma voz repetia.
Em alto som me dizia
Inda és inocente
Aguarde divinamente
Que eu desço de um nevoeiro
Que eu sou o mensageiro
Do porta-voz do repente.
Numa lâmpada florescente
Toda coberta de luz
Um anjo de olhos azuis
Pousou bem na minha frente.
Me disse de novamente
Eu venho te dar um aviso
No meu trabalho eu preciso
Dizer que tu se conforme
Que enquanto você dorme
Vai receber improviso.
Lindo dos cabelos lisos
Olhar bem atraente
Com os lábios sorridentes
Pra mim soltava um sorriso.
Disse de novo eu preciso
Com você uma pesquisa.
Não vai ficar indecisa
Na sua mão, eu seguro.
Aguarde que no futuro
Você vai ser poetisa.
A minha amiga Eloísa
Perguntou, tu tá doente?
Por que tu tá diferente
Que o teu olhar me avisa?
Amiga, você precisa
Me contar o que tu viu.
Naquilo o anjo subiu
Me acenou com a mão.
Senti que meu coração
Sentiu quando ele partiu.
Vi quando o anjo subiu
Numa nuvem cor de gelo.
Ainda procurei pra vê-lo,
Mas outra nuvem o cobriu.
Luísa também saiu
Eu fiquei desesperada.
Tropecei numa calçada
E confesso que eu quase morro.
Ainda clamei por socorro
E não dei mais conta de nada.
Vo tanta gente espalhada
Na hora que eu acordei.
Que eu nem sei de onde veio
Na hora que eu acordei,
Com mãe estava abraçada,
Toda de planta banhada
E ao lado papai querido.
Que hoje está falecido,
Já não estou mais vivendo
Papai não me arrependo
De ter feito teu pedido.
Do que tinha acontecido?
Papai assim perguntou.
Onde colheu essa flor?
De galhos lindos florido.
Pai foi um desconhecido
Que de um ano vendeu
Para mim apareceu.
E me entregou esta rosa
A prenda mais preciosa
Que a natureza me deu.
Por isso, aqui estou eu
A minha história contando.
Não sei se eu estou sonhando
Ou se vero aconteceu.
O meu corpo adormeceu
Quando a rosa eu recebi.
Devagarinho eu saí
Sem saber para onde ia
Com um anjo em companhia.
Nem dei fé quando eu dormi.
Quando eu acordei
Senti um aroma diferente,
Perfumando o ambiente
Da casa onde eu nasci,
Que me criei e cresci
Numa casinha singela,
Os meus pais cuidando dela
E eu cuidava da flor
Que ainda hoje eu estou
Sentindo saudade dela.
Oh Deus, quanto a vida é bela
Mas tem gente que não sabe
Que só o coração de mãe cabe
O amor dos filhos dela.
Tem tantos que nem lhe zela
Nem sequer dá-lhe atenção
Trata sem educação
Não sabe o que a mãe sofre.
Coração de mãe é cofre
De guardar ingratidão.
Eu dedico esta canção
Para a mamãe que fiz agora
Para Deus e Nossa Senhora
Que me deram invocação
Fui buscar inspiração no altar do infinito.
Eu quero deixar escrito
A minha história completa
Que eu nasci para ser poeta
De São José do Egito.
P- Bravo! Essa é uma das coisas mais maravilhosas. Que eu já vi na minha encarnação.
R- Muito obrigada. Eu não mereço isso, não. Mas meus sinceros agradecimentos. É grande
E fé em Deus. Porque eu vou chegar mais e vou subir mais.
P-Será que a gente pode continuar mais um pouquinho ou você quer fechar já? Eu tô pensando… Por exemplo, você contou que foi pra São Paulo, não foi?
R- Foi.
P- Será que você poderia contar a sua viagem pra São Paulo improvisando? Um pouco como foi?
R- Não, assim, eu me casei aqui, fui embora para São Paulo com a minha esposa. Chegando lá, fiquei. Então, ele já tinha preparado casa pra gente. E a gente fiquemos lá. Passei lá um ano e seis meses. E não deu certo pra gente ficar lá porque eu passei mal. Eu não me dei muito bem lá na terra de lá. Muito frio. Outra hora muito quente. E assim, ele se deixou pra vir embora. A gente veio um passeio aqui. Quando chegamos aqui, ele disse, minha filha, ele só me chamava de amor.
Só me chamava de amor. Ele não chamava o meu nome de Luzia. Era muito difícil. Amor, eu não quero mais ir embora pra São Paulo. Você se sente muito bem aqui. Você tá saudável aqui. Mas, então, eu vou ficar aqui com você mesmo. Fizemos, fiquemos aqui. Passei oito meses dentro da casa da minha mãe, eu e ele. Aí foi quando meu filho nasceu. Criei ele aqui, com prazer. Aí, então, construímos aqui onde eu hoje estou. Já tenho aqui, isso foi nos anos 84, que essa minha casinha foi construída. E a gente mora aqui. E eu faço o vestido.
Minha história é essa. Então, depois a gente foi lá pra São Paulo novamente, um passeio.vA gente saiu daqui pra passar três meses ou quatro em São Paulo.vEu passei mal de novo.vEu não vou deixar a minha roça dormir. Oh, que grande roça.vAqui, eu vou levar ela pro natural dela.
Aí viemos e fiquei onde eu estou até hoje. Ele faleceu, perdi ele. Passei sete anos como eu acabei de contar a história. Viu, casei de novo com outro rapaz. Fiquemos aqui. Ele faleceu também de um infarte. Ele infartou. E...
Mas eu tô aqui contando a minha história.
Ainda tô com vida.
Não tô com a saúde total.
Não tô com a minha vista completa
Mas confiando em Deus eu vou seguindo
E vou atravessando a reta.
Mas eu nunca vou deixar na minha vida
enquanto existir no mundo de ser poeta.
P- Qual foi a cantoria que mais lhe marcou assim? Todas as cantorias. Tem alguma que teve alguma história especial que foi aquele dia que você nunca esquece, sabe?
R- São vários, meu filho.
P- Pode contar elas.
R- São várias. Eu fiz cantorinha Afogados da Ingazeira, na cidade. Jamais eu esquecerei essa cantorinha, de tão boa que foi. Na cidade, Solidão também, foi outra.
P- Quer contar um pouquinho como foi, assim, descrever? Pra quem nunca viu uma cantorinha na via, contar pra gente ver como foi, assim, um detalhe. É assim, eu ia para as cantorias e eu chegava lá, eu já era recebida pelo dono da casa. O dono da casa era quem convidava as pessoas. E eu chegava lá assim pela tardinha, só estava a família de casa e algum vizinho e tal. Aí quando ia chegando, passando as sete horas da noite, aí não, aí a casa enchia de gente. Ia chegando, ia enchendo, ia chegando gente, ia a casa enchendo de gente. Quando eram 9 horas da noite, a casa não cabia mais o povo. Tinha dias de a gente cantar do lado de fora, numa calçada.
R- E uma cadeira, que as cadeiras da casa dos vizinhos não dava conta. Então, ajuntava as pessoas. Os que moravam vizinhos já levavam suas cadeiras de casa. A gente ficava cantando e a população assistindo, aplaudindo de frente. Aplaudindo de frente. Aí, então, ali a gente fazia a cantoria, tinha a bandeja em cima da mesa, eles colocavam uma mesa em cima da calçada, em cima da calçada eles colocavam duas cadeiras e um banquinho em cima da mesa, colocavam uma bandeja, que ali todo mundo que ia, ia pingando algum dinheiro lá em cima, né? Então era o que a gente ganhava cantando. Era desse jeito. Algumas dava mais gente, outras dava menos gente. E a que mais marcou foi a que eu fiz em 5 barras de solidão. A que mais marcou também, em São José do Egito, todas foram bem marcantes pra mim. E Itapeti também.Teixeira, na Paraíba.Tudo era cantoria. Meu esporte era esse. Era trabalhar de dia e cantar de noite.
P-E aí por que que te marcou tanto? O que era uma cantoria marcante pra você? Era marcante porque eu me sentia feliz. Eu me sentia feliz, me sentia muito bem aplaudida pela população.
Depois, no outro dia, estava o comentário. A família mesmo, os conhecidos, admiravam comigo. Muita gente… Quando eu chegava das cantorias em casa, as pessoas vinham na minha casa, vinham me aplaudindo em minha casa. Diziam que me admiravam. Eu sei o que era, sem saber ler, sem estudar, nunca na escola. E assim, meu filho, era grande prazer, grande alegria pra mim. São essas as marcas do meu passado. Será que você poderia dar o presente de fazer.. Você contou que tem um livro, fez cantoria, aprendeu a fazer um improviso sobre a sua vida de poeta.
Sua vida de cantadora, de repente?
R- A mim, divido o decorrer do tempo. E os meus sacrifícios, que eu venho atravessando muito peso pra me fazer o passo, mas não fica perfeito.Mas eu vou dizer assim.
Por que, meu Jesus, por que
Me concedeste sem vista?
Nem sequer tenho o direito
De ler nenhuma revista.
Mas se for porque não mereço.
Mas mesmo assim te agradeço
Porque nasci repentista.
Aí eu vou essa de sete linhas. É um improviso de sete linhas. De sete, é, sete linhas.Então, é assim, é sucessivamente a minha história que eu tenho a conta esta. Então eu vou recitar pra vocês, que eu sei que vocês ainda vão ver o cordel que eu vou receber daqui uns dias. Tô esperando receber meu documento pra poder fazer o lançamento deste cordel. Então, eu disse assim:
Me deitei pra dormir descansar,
O cansaço da luta, o dia a dia,
Neste sono sonhei com a poesia,
Me chamou, convidou-me pra cantar.
Eu parei um pouquinho pra pensar
A poesia me veio com um sorriso.
Disse a mim, eu desci do paraíso.
Vim trazer-te a lembrança do divino.
No pinálico mais alto do destino
Eu encontrei o valor do improviso.
Neste sono eu entrei pelo uma mata
Em um canto esquisito tão deserto
Vi a lua de mim chegar pra perto
Tão bonita, branquinha, cor de prata
Vi um homem fazendo serenata
Veio trazendo nos ombros um violão
Disse a mim imobilize uma canção
Para me recordar nosso passado
Com você já fiz verso improvisado
Já conheço da sua invocação
(Me referindo a um poeta falecido, né)
Poesia e apertou a minha mão
As mãozinhas tão fria, tão gelada
Nessa hora eu fiquei apavorada
Senti logo um aperto no pulmão.
Uma dor invadiu meu coração,
Pedi força a Jesus e ele me deu.
Me peguei com a Maria, me valeu.
Socorrei minha mãe imaculada,
Nisto eu vi o romper da alvorada.
Com pouquinhos o dia amanheceu.
Vi a barra do tempo aparecendo
Com os brilhos pras bandas do nascente
Nesta hora eu olhei para o poente
Vi a treva da noite se escondendo
Vi o claro do dia amanhecendo
Vi as aves voando na floresta
Andorinha, canário, fazem festa
Jaçanã, os nambus, corduniz
Os espanta, boiada, juritis
Como quem diz adeus, a hora é esta
Como a linda acordasse de manhã
No gojeio dos galhos de campina
Nevoeiro passar deixa nebrina
A ovelha sacode a sua lã
Rouxinol, pica pau e ribaçã
Sai voando nas matas verdejante
Um cabrito pulando na vazante
Se falasse, dizia vai chover
Tudo isto pra gente conhecer
Como as coisas de Deus é importante
No pinálico da serra eu me subi
para ver se encontrava algum parente,
Deparei-me com o bote da serpente
E eu correndo da cobra me escondi.
Pelo outro pinálico eu me desci
Me encontrei com um tigre e um leão
Uma anta, um veado, um dragão.
Gritei forte, ô meu Deus que atropelo
Me livrai meu Jesus do pesadelo
Ajudai-me o autor da criação.
Nessa hora acordei agoniada,
Mas fiquei sem saber aonde estava.
Nisso eu vi alguém que me olhava
Com o gesto semblante de uma fada.
Conheceu que eu estava aperreada.
Me falou, ô poeta, ainda é cedo.
Não precisa temer nem criar medo.
Escutei tua voz a me chamar.
Atendi, vim aqui pra te ajudar.
Só não vim descobrir o teu segredo.
Seja forte, poeta, siga em frente.
Pense em Deus que você não está só.
Cada gota que cai do teu suor,
Molha a ponta do véu do teu repente.
Cada estrela que tem no oriente,
Tem um brilho da Santa Imperatriz.
Cada vela acesa da matriz,
Ilumina o caminho pra tu passar.
Cada verso que tu improvisar,
Com certeza te deixa mais feliz.
Deu um tchau e saiu devagarinho
Foi andando e olhando para trás
Como quem me dizia, venho Lmais
Novamente a cruzar no teu caminho.
Me entregando uma rosa minha sem espinho,
Me entregou essa flor e me dizia,
Leve a flor, guarde em sua companhia,
Que ela tem a sagrada luz do sol,
Tem o salmo do cerco jericó,
Que ela vai te encher de poesia.
Comecei deste dia para frente
A pensar e criar literatura.
Essa flor tem aspecto de cultura,
Cada dia que passa é mais recente.
Tenho ela guardada em minha mente
Gravei bem nas entranhas do juízo.
Desta flor, cada hora que eu preciso
Cada pétala da rosa é um improviso
Que ela vai me encher de poesia.
Eu aqui finalizo a minha história
No momento acabei de relatar,
Peço a quem me ouvir e me escutar,
Saiba que eu tirei todos da memória.
Concluí nessa minha trajetória
Juntei tudo e botei no meu repente.
Tenho tudo guardado em minha mente
Que na minha santa sagrada poesia
Cada noite que passamos é mais um dia
E menos dias de vida para a gente.
P-Maravilha!
R- Muito obrigada, não mereço, mas agradeço.
P- Pra gente fechar a entrevista, Mestra Luzia, eu ia falar pra você, falar um pouquinho do seu livro, como é que foi, o que aconteceu, o que te chamaram, o que você publicou, conta a história dele.
R- Meu livro… Este livro é o seguinte. Chegou um casal de gente na minha porta.Perguntou a mim.
se eu conhecia Luzia Batista. Eu perguntei pra essas pessoas: o que manda? Porque a gente tem que perguntar, né? O que manda? Aí essa pessoa disse, não, é porque assim, a gente tem uma boa fama desta pessoa, a gente sabe que esta pessoa é poetiza e se chama Luzia e eu gostaria de conhecer ela.
Você pode me mostrar onde é a casa dela? Eu digo, se for por isso aí, tá muito pertinho dela, tá falando com ela. Aí vinham de lá, me abraçaram, me cumprimentaram, né? Aí eu mandei eles entrarem dentro de minha casa. Eles entraram e nós conversamos, nós levamos um bom papo e tal.
Aí ele falou, o rapaz falou assim, Dona Luzia, o que tal pra você lançar um livro de poesia? Porque eu tô vendo que a senhora A senhora é poetisa de verdade. Eu recitei umas estrofes pra eles e aí eles viram, né? Estou vendo que a senhora é poetisa de verdade. Que tal pra senhora lançar um livro?
Eu digo que tá difícil. Mas por quê? Você com tanta história desse jeito. Eu digo que tá difícil porque eu não sei ler, eu não sei escrever. Eu não sei pegar no papel. Eu não sei nem pegar numa caneta. Como é que eu posso escrever um livro? Aí ele disse, não, nós ajuda. Nós ajuda.Nós só não vai fazer um verso de improviso pra senhora. Mas a gente toma de conta, a senhora grava.
A senhora tem celular? Eu disse, tenho sim. Então, a senhora grava no seu celular, depois passa a gravação pra nós, que nós toma de conta. Nós faz isso pra senhora. Aí ele… Isso eu fiz. Gravei.
Gravei a...as estrofes que eram para ir para o livro, tudo que tem nesse livro saiu da minha cabeça.
Não o cabeçalho do livro, como está aqui. Não o cabeçalho do livro, como está aqui. Aí, meu marido, ele também não era poeta, mas ele cantava um pouquinho. Ele cantava não, ele recitava, ele criava. Então, aqui tem a parte deles também, que ele fez uns versos e dizendo, só que eu não sei se eu posso dizer agora, que eu não estou lembrada das estrofes. Eu sei que ele fazia os versos e dizia, eu tenho orgulho de ser o esposo de Luzia. Então, está no livro. Quatro estrofes dele, que ele fez.
E o resto, eu tomei de conta. Que pena que eu não tenho decorado. Eu decorei, gravando, e meus amigos tomaram conta da gravação e fizeram. Então, aí vai vir o lançamento do livro.
Dona Luzia, você vai lançar esse livro, você é quem vai escolher o canto, se é na sua casa, ou a senhora quem vai decidir se é na praça, Aí a gente entrou em contato e fiquemos...
Eu gravei num grupo escolar. Esse livro foi lançado num grupo escolar. Veio gente. Veio gente que o grupo não cabia as pessoas. A sala de aula lá não cabia as pessoas, era gente demais.
E assim, sucessivamente, fiz o livro. Vendi 300 cópias desse livro. Andei dando umas pra família e tem dinheiro atrás de comprar mais. Digo, não tenho mais. Só tenho o meu. O meu eu não posso desfazer dele. O meu eu não posso desfazer dele. E pra mim pedir esse mesmo livro, eu posso pedir, mas precisa eu pagar um bom dinheiro. E pra fazer esse aqui, eu não gastei nada. Nada, nada, nada.
Meus amigos fizeram patrocínio, ganharam, se juntou escola, se juntou prefeitura, se juntou casa de negócios, comércios, essas coisas, né? Tudo por conta dos amigos lá, desse casal de gente, que ainda hoje, eu amo esse povo de coração. É a Isabel Moreira, Belinha e Vinícius Gregório.
Foi quem fizeram isso pra mim. Que Belinha, ela é muito sábia. Sábia. Ela é uma poetisa muito sabida. Ela ganhou agora um… Ela passou no… Meu Deus, agora fugiu da memória. Eu sei que ela ganhou um bom dinheiro agora. Foi um… Ô, Rosiane! Eu queria saber, eu acho que ela lembra.
Foi um negócio que ela… que ela foi premiada, ela foi sorteada. Ela é muito sabida. Então ela que...
Só não tem dela aqui nem uma poesia, tá? Nem uma poesia dela, não tem Só tem o cabeçal do livro que ela fez lá para o lado da gráfica e resolveu tudo para mim. E ainda hoje eu prezo essa criatura. Ela vem na minha casa, eu vou na casa dela, da mãe dela, que é o amor de pessoa. Ela é o amor de pessoa, o pai dela, a mãe dela. E a gente, eu vou lá na cidade, quando eu vou na cidade, só não vou na casa dela se não der pra ir. Mas ela vem aqui na minha casa, nós se conversa, nós se comunica por telefone, eu ligo pra ela, ela liga pra mim. Assim, nós nunca perdemos o nosso contato e nem nossa amizade.
P- E você cantou até que idade?
R-Até uns 40 anos. Até uns 40 anos eu cantava. Mesmo assim, meu marido nunca proibiu. Nenhum dos dois. O outro que eu casei por último, ele queria que eu cantasse também. Eu cantava assim. Eu não vou para as cantorias dos outros poetas. E lá, se eles me veem eu chegar na cantoria, parece que quando eles me veem, eles me cumprimentam logo.
Vêm me encontrar na porta, na chegada. E quando eles estão cantando, eles me convidam.
Agora a vez é de Luzia Batista. Venha cá, Luzia, você também tem que cantar pra nós. Aí eu canto com um, canto com o outro. Mas agora eu não estou podendo cantar por conta da garganta. É muito cansativo.
P- Mas você parou por quê? Até hoje você ainda canta um pouquinho..
R- Eu parei assim, meu amigo, porque eu… Mudei meu modo de vida. Comecei a criar família, criei dois filhos. Um que Deus me deu e essa mocinha que tá aí que foi eu que criei ela, já de outra família. Eu tomei conta dela, tinha dois anos. A luta da casa também não deixava. Eu tinha meus compromissos com o marido, com o filho, só que meu marido, nenhum dos dois empatou. É tanto nele que se fosse uma pessoa que dissesse assim, ah, você agora é mulher casada, você vai cantar mais, não era? Mas não, não existia isso não, entre nós não. Eu fiz dois casamentos, foi dois sacramentos, todos dois na igreja católica. Era muito bem casada, nós éramos unidos, nós não brigávamos com nenhum dos dois. Veja o que eu falei no cordel. Ele faleceu, mas seja feita as vontades de Jesus, do Deus, né? E ainda eu estou por aqui. Aí, resumindo a história.
Não é só vocês que saíram dessa distância toda pra vir até a minha casa. Já veio me visitar, já veio me conhecer gente de São Paulo, gente até da França já veio. Veio um da França, veio um da França e um da outra e o outro fugiu da memória também. Vem pra cidade, Eu não sei falar nem com vocês brasileiros, que eu acho que vocês são. Eu vou saber falar com gente do exterior. Mas como ele entendia a minha linguagem, então ele falava assim também, pós-brasileira. Mas aqui e colá eu dizia, olha, infelizmente eu não sei o que você está dizendo. Foi um francês, Da Itália. Um italiano. Vem aqui da minha casa também. Vem pra São José do Egito. Tem os amigos também, né? Aí os amigos de São José do Egito. Traz eles na minha casa. Liga pra mim primeiro.
Luzia, você tá em casa? Eu digo que tô em casa sim. Eu vou levando um povo de gente aí pra sua casa. Pra você que quer conhecer você: Posso levar? E abrir a boca e dar um não como assim eu não disse a vocês. Então, já fiz, cantei pra emissora de rádio, me levaram pra emissora de rádio pra mim cantar. Assim, se você é poeta, eu sou poetisa, você tá com uma viola, eu tô com outra, não falta que a gente canta na hora. Criar na hora, não. Não falta, não. Mas pra gente criar, sim, é mais difícil.
É mais difícil. Não era, não, mas pra mim tá sendo agora.
P- Luzia, tem alguma… Alguma história que você teve com algum pássaro que te marcou, algum contato com algum pássaro?
R- Não, só esse que eu leio, que tá do cordel que vai ser lançado, né? É, que eu falei nas árvores.
E tem também um aqui no livro. Tem um aqui no livro que tem… Como que eu tivesse perdida na mata. Uma tardezinha, nem uma tarde chuvosa, eu saí da minha casa pra dar uma passeada pela mata, lá eu me perdia. Aconteceu isso não, entendeu? Mas eu criei e fiz. Fiquei com três quilômetros distante da minha casa, Mas Deus me mostrou o caminho de casa. E eu voltei e cheguei na minha casa. Meus pais estavam nervosos. Um bocado de coisa está nesse livro.
P- Mas aconteceu isso mesmo?
R- Não. Não. Eu inventei tudo, mas você sabe que poeta… Você não sabe dizer que todo poeta mente? É, mas o Barros fala, né?
P- E, Mestra, assim, tem essa coisa de… Você teve alguma conexão com alguma árvore? Ou alguma planta que você tem alguma conexão importante?
P - Eu amo minhas plantas. As árvores, eu amo minhas árvores . Eu gosto de fruteira. Eu gosto de fruteira, como vocês estão vendo aqui, um lindo pé de manga. Você já plantou alguma árvore?
R- Plantei Isso foi eu que plantei.
P- Você que plantou? Eu que plantei. Tem ali no quintal mais pé de manga, pé de pinha, pé de goiaba, tem lá pé de laranja, ali tem pé de laranja. Tem um pé de limão, que era uma maravilha, era um amor o pé de limão, mas eu mandei cortar. Cortei essa semana, tá ali as folhas dele, acabando de secar pra mim poder queimar. É, ele me dava muito trabalho esse pé de limão. Sujava muito. Você tá vendo esse terreiro desse jeito. Eu varro ele todinho, toda semana. Esse daqui foi varrido quinta-feira. Hoje é sábado, tá desse jeito que vocês estão vendo.
P- Tem alguma história importante, alguma coisa que aconteceu que foi uma história, assim, Marcante pra você que você não contou e quer deixar contado?
R- Não, que todos pra mim foram importantes. Todos pra mim foram importantes.
Meu tempo de criança, da minha inocência, da minha juventude. Da minha juventude, depois a minha inocência, a minha juventude, a minha adolescência. Passei a crescer mais, ficar mais madurinha. Hoje eu tô na idade que estou. Aí tudo isso fica marcando a minha...A minha história, meu tempo de criança, minhas amigas, minhas colegas. Ia pra escola e eu ficava chorando porque não ia. Quando elas saíam pra escola, meu pai e minha mãe iam me explicar, me consolar, me confortar, me conformar, por qual motivo que eu não podia ir pra escola.
E… Assim, sucessivamente, meu filho. Eu… Tem hora que eu até fico pensando, meu Deus, como é que eu cheguei até onde eu cheguei, onde estou hoje.
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