As festas naquela rua.
Ah se aquela rua fosse minha!
Bento, julho é o mês do monge São Bento. Magnífico! Misterioso alquimista.  Também o seu mês. Foi quando você, mesmo sabendo de todas as dificuldades que estaria passando o planeta Terra, você não abriu mão e decidiu: eu quero nascer em 2020. Confesso com toda certeza que foi o ano mais difícil para o planeta. E, mesmo assim, você aceitou. São Bento é Magnífico e você Maravilhoso. Nesse mês cantamos parabéns. Quantos parabéns já cantei. Muitos. Muitos que não consigo lembrar. Mas lá, naquela rua cantei um parabém que também não esqueço. Era um dia de semana de outono. Eu tinha lá meus 7 anos. Uma das minhas irmãs me disse: - A Maria de Lourdes está fazendo aniversário e convidou a gente. Você quer ir? Pensei logo no bolo. Senti o cheirinho e o gosto. Na hora: - claro. Então se arruma, fica bem bonito que a gente vai. Não pensei duas vezes. A tarde caindo, corri para o banho. Lavei bem lavado aqueles joelhos esbranquiçados e escoriados de tantas raleadas. Passei na cozinha, melei minha mão com pouquinho de azeite e taquei nos cabelos. Corri no espelho e fiz um Elvis a minha moda naqueles cabelos negros. Pronto. Estava bonito como minha irmã pedira. Fiquei rodeando a minha irmã para que ela não esquecesse e se apressa se. Calma. Já vamos. Espirrou um laquê nos cabelos. Um pó cheiroso prá caramba nas bochechas e melou rapidamente os beiços de vermelho. Pronto. Estava bonita como a Claudia Cardinale. E saímos. Benção pai. Benção mãe. Não demorem. Cuide de seu irmão. E você seja bonzinho. Eram mais ou menos 18 horas. Esqueci-me de te contar Bento. Eu tinha um problemão para resolver. Medo. Depois das 18 horas sofria com a escuridão. Tinha medos e não contava para ninguém. Via mulheres vestida de noivas com rostos feios, via homens gritando e correndo por corredores, crianças feias chorando. Via tudo. Tudinho. Eram as almas penadas que minha vó dizia. E elas...
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					As festas naquela rua.
Ah se aquela rua fosse minha!
Bento, julho é o mês do monge São Bento. Magnífico! Misterioso alquimista.  Também o seu mês. Foi quando você, mesmo sabendo de todas as dificuldades que estaria passando o planeta Terra, você não abriu mão e decidiu: eu quero nascer em 2020. Confesso com toda certeza que foi o ano mais difícil para o planeta. E, mesmo assim, você aceitou. São Bento é Magnífico e você Maravilhoso. Nesse mês cantamos parabéns. Quantos parabéns já cantei. Muitos. Muitos que não consigo lembrar. Mas lá, naquela rua cantei um parabém que também não esqueço. Era um dia de semana de outono. Eu tinha lá meus 7 anos. Uma das minhas irmãs me disse: - A Maria de Lourdes está fazendo aniversário e convidou a gente. Você quer ir? Pensei logo no bolo. Senti o cheirinho e o gosto. Na hora: - claro. Então se arruma, fica bem bonito que a gente vai. Não pensei duas vezes. A tarde caindo, corri para o banho. Lavei bem lavado aqueles joelhos esbranquiçados e escoriados de tantas raleadas. Passei na cozinha, melei minha mão com pouquinho de azeite e taquei nos cabelos. Corri no espelho e fiz um Elvis a minha moda naqueles cabelos negros. Pronto. Estava bonito como minha irmã pedira. Fiquei rodeando a minha irmã para que ela não esquecesse e se apressa se. Calma. Já vamos. Espirrou um laquê nos cabelos. Um pó cheiroso prá caramba nas bochechas e melou rapidamente os beiços de vermelho. Pronto. Estava bonita como a Claudia Cardinale. E saímos. Benção pai. Benção mãe. Não demorem. Cuide de seu irmão. E você seja bonzinho. Eram mais ou menos 18 horas. Esqueci-me de te contar Bento. Eu tinha um problemão para resolver. Medo. Depois das 18 horas sofria com a escuridão. Tinha medos e não contava para ninguém. Via mulheres vestida de noivas com rostos feios, via homens gritando e correndo por corredores, crianças feias chorando. Via tudo. Tudinho. Eram as almas penadas que minha vó dizia. E elas sabiam que eu tinha medo. Borrava-me de medo. E eu sabia que iríamos passar por baixo daquelas bananeiras. Jesus. – Você não tem medo, mana? – Do quê? De almas penadas (falei bem baixinho e rapidinho) para elas não escutarem. Você é bobo. Faz igual eu: não liga para elas que elas não irão te assustar mais. Jesus de novo. 
Lá fomos nós Bento passar por aquelas bananeiras. Era pertinho. Lá na frente dava para ver a casa da Lourdinha. Uma lâmpada acessa mostrava que a noite havia chegado. Mas e sempre tem um, mas Bento. Tinham as bananeiras. O vento frio de outono soprava balançando aquelas folhagens. Um vento frio soprou no meu cangote. Olhei para trás e não vi ninguém. Sebo nas canelas. Aquele corredor de bananeiras era muito comprido. Fechava os olhos e tentava caminhar assim mesmo. De repente alguém despenteou meu tipo Elvis. Jesus novamente pelo amor de Deus. Estávamos quase chegando quando alguém pôs uma mão gelada nos mocotós de uma das minhas pernas. – Mana! Me espera. Chegamos. Pensei comigo mesmo naquela hora: “Nossa Senhora, se não fosse minha irmã, acho que não conseguiria ir para aquela festa”.
A casa estava acessa. Entrem. Que bão que vocês vieram. Minha irmã já estava dizendo que não viria ninguém para festa. Mas Deus é bom e mandou vocês. Senta Zezé. Quiria não. Estava todo arrepiado de tanto sustos. Na sala caiada um quadro da sagrada família abençoava os presentes.
A mesa, no centro, forrada com uma toalha xadrez verde. E lá um bolo. Amarelo. Parecia de fubá. Estava torcendo que fosse. Minha irmã deu um leve beliscão para que eu tivesse modos. Não sei se foram os sustos, Bento,  eu estava desesperado de fome. Doido pra atacar aquele bolo. Comer tudinho duma vez só. Outro beliscão. Cantar parabéns? Ainda não. Espera chegar mais gente. Não fica bem. Está bom. Vamos esperar mais um pouco. Bento de Deus! Senta Zezé. Está bom assim. O frio dos medos já estava passando. O quadro da Sagrada Família me passava coragem e os arrepios iam sumindo.  Na sala estava quentinho, mas lá fora... Gente, vamos cantar os parabéns. Espera mais um pouquinho. Deixa acabar a Voz do Brasil e quem tiver ou não a gente canta, num é não Zezé? É. Minha irmã lembrou-me com olhares o pedido lá de casa: e você fica bonzinho. Mais bonzinho que aquilo era impossível. A barriga incomodando, pedindo aquele bolo. Passei um cuspe na mão e ajeitei os cabelos. Qualquer dia vou pedir pro meu irmão emprestar a brilhantina dele. Deixa eu trabalhar que vou ter tudo isso. E aí Elvis vou ficar famoso como você. Gente acabou a Voz do Brasil. Vamos cantar parabéns. Quem veio veio e quem não veio perdeu, né não, Zezé ? É. Então desliga o rádio que chegou a hora de cantar o parabéns.  Enfim fomos para os parabéns. Apaga a luz. Acende. Apaga luz achei. Apaga então.
Parabéns pra você, nessa data querida. Ah! Quando cantamos o parabém para você Bento. Distante mas tão pertinho. Dois anos. Maravilhoso, Bento. Naquela casa também cantamos.
E não foi um. Foi dois. Dois também não foram: quatro. Quatro também não. Gente, vamos cantar de novo. Parabéns. Foram cinco vezes. Cinco também não. Mais uma vez. E aquele bolo rodopiava na minha mente. Só mais uma vez então.De novo. Mais uma vez para ela ter muitos anos de vida. Parabéns. Até minha irmã que não era de falar nada já me olhava enviesada. Mãe chegou todo mundo? Chegou (eu e minha irmã). Deus é bom, filha. Vamos cantar só mais uma vez. Só mais uma vez? Jesus novamente (até Jesus na sala e no quadro sorria e abria as mãos: calma, Zezé.). Gente, vamos cortar o bolo. A faca. Onde está a faca? Acende a luz. Aqui a faca. Aqui minha barriga não guenta mais. – Aeeeeeeeeeeeee! E o primeiro pedaço é pra quem Lourdes? Prá mãe. Aeee! E o outro ? Pra você, mana. Aeee! Bom. Tá demais de gostoso. Quer um pedaço, Zezé. E o outro? Pra Conceição. Aeee! Brigada. E agora pra quem? Pra quem? Pra Zezé que ficou bonzinho o tempo todo. Aeee! Brigado. – Jesus, quer um pedacinho?Brigado, Zezé. Sorrimos. Sorrimos com sono chegando. Já vão? Espera. Leva um pedacinho de bolo. Minha irmã não quis. Quer Zezé? Fiz que sim com a cabeça. Minha irmã olhou-me enviasada. Querendo dizer : esqueceu o que paimãe falou? Ficar bonzinho. Assim mesmo quis Bento. E novamente o problemão estava chegando: voltar e passar por aquelas bananeiras, Bento. Jesus. Jesus não. Nossa Senhora. Nossa Senhora também não. Deus. Deus, Jesus, Nossa Senhora me ajudem que vou ter que voltar por aquelas bananeiras. Faz do jeito que mãe ensinou: com dois eu te vejo, mas com três eu te espanto: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Porque eu não me lembrei disso na ida, meu Deus! Se acalma, Zezé. Deus é bonzinho. Passei sebo nas canelas, segurei firme no pratinho de bolo e seguí as passadas firmes de minha irmã. Benção pai. Benção Mãe. Deus abençoe vocês, meus filhos. A noite esta mais fria. Despentei o Elvis e dei boa noite.
No dia seguinte, bem cedinho corri com prato de bolo. – Benção vô! Vô, fecha os olhos e abre as mãos. Aquelas mãos trêmulas se estenderam e eu chorei de alegria quando coloquei o prato de bolo nas mãos de meu avô. Nossa, Zezé ! Que bonito. Come, vô pro senhor ver. Meu vô provou. Gostoso, Zezé. Onde você conseguiu esse bolo? – Ah, vô ! Uma história cumprida. Não é tão cumprida como o senhor conta. Mas é cumprida sim, vô. Qualquer dia eu conto pro senhor. Meu vô sorriu. Foi assim. Ah! Se aquela rua fosse minha!  
Não lembro Bento se contei ou não essa história pro meu avô. Sei que ele adorou o bolo de fubá.
E agora estou contando. Gonzaga falou certa vez: De pai pra fio. E eu conto: De vô prá neto. 
Com todo carinho do mundo para meu neto Bento no mês de seu aniversário. Deus te proteja e ilumine sempre. Para todas as minhas irmãs até a que não está mais aqui e gostava dessas histórias. Meus pai e mãe. E aquelas pessoas daquela rua. Deus abençoe todos vocês.
Foram tantos parabéns naquele dia que a Lourdinha deve chegar aos 110 anos.
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