Entrevista de Pedro Henrique Cipresso Pereira
Entrevistado por Sofia Tapajós
Recife, 17/06/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1454
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Entrevista de Pedro Henrique Cipresso Pereira, entrevistado por Sofia Tapajós, Recife, 17 de junho de 2025. Projeto Vida, Vozes e Saberes e Um Mundo em Chamas, entrevista número PCSH_HV1454. Obrigada, Pedro, pelo seu tempo e disponibilidade. Queria começar perguntando o seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Pedro Henrique Cipresso Pereira. Eu nasci em Uberlândia, Minas Gerais, em 1984.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - O nome do meu pai é Paulo Sérgio Pereira e o nome da minha mãe é Sara Liza Cipresso Pereira.
P/1 - Você pode falar um pouco deles, como que eles são?
R - Então, meu pai é engenheiro, trabalha com engenharia, ele é natural de Santos, no litoral de São Paulo, então sempre foi uma influência bacana assim para mim, em relação ao mar, em relação à praia. Minha mãe é enfermeira, hoje ela não trabalha mais, é aposentada, mas é formada em enfermagem, ela é do sul de Minas, uma área é fria e assim eu lembro dessa memória de ir pra lá sempre tá bastante frio por ser no sul de Minas, eu sempre tive um uma afinidade mais tropical, mas é uma memória que eu tenho assim dela não sentir muito frio e eu tinha bastante frio quando era pequeno então a memória que eu tenho dela assim.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - A história deles eu acho que é da faculdade, na verdade, eles estudavam na mesma faculdade, meu pai fazia engenharia e ela fazia enfermagem, e acabou que eles se conheceram na faculdade. Parece que… eu lembro um padrinho meu, que foi até o cupido que apresentou eles, então eles estavam numa festa em comum lá, e acabou que eles se foram apresentados, e aí se conheceram e ficaram juntos.
P/1 - E Pedro, você sabe como eles escolheram o seu nome?
R -...
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Entrevistado por Sofia Tapajós
Recife, 17/06/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1454
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Entrevista de Pedro Henrique Cipresso Pereira, entrevistado por Sofia Tapajós, Recife, 17 de junho de 2025. Projeto Vida, Vozes e Saberes e Um Mundo em Chamas, entrevista número PCSH_HV1454. Obrigada, Pedro, pelo seu tempo e disponibilidade. Queria começar perguntando o seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Pedro Henrique Cipresso Pereira. Eu nasci em Uberlândia, Minas Gerais, em 1984.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - O nome do meu pai é Paulo Sérgio Pereira e o nome da minha mãe é Sara Liza Cipresso Pereira.
P/1 - Você pode falar um pouco deles, como que eles são?
R - Então, meu pai é engenheiro, trabalha com engenharia, ele é natural de Santos, no litoral de São Paulo, então sempre foi uma influência bacana assim para mim, em relação ao mar, em relação à praia. Minha mãe é enfermeira, hoje ela não trabalha mais, é aposentada, mas é formada em enfermagem, ela é do sul de Minas, uma área é fria e assim eu lembro dessa memória de ir pra lá sempre tá bastante frio por ser no sul de Minas, eu sempre tive um uma afinidade mais tropical, mas é uma memória que eu tenho assim dela não sentir muito frio e eu tinha bastante frio quando era pequeno então a memória que eu tenho dela assim.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - A história deles eu acho que é da faculdade, na verdade, eles estudavam na mesma faculdade, meu pai fazia engenharia e ela fazia enfermagem, e acabou que eles se conheceram na faculdade. Parece que… eu lembro um padrinho meu, que foi até o cupido que apresentou eles, então eles estavam numa festa em comum lá, e acabou que eles se foram apresentados, e aí se conheceram e ficaram juntos.
P/1 - E Pedro, você sabe como eles escolheram o seu nome?
R - Então, tem uma história até que eu acho que é curiosa sobre isso. Na época, em 1984, não era tão confiável a questão de sexo, né? De o exame já detectar se era menino, se era menina, então tinha o hábito, às vezes, de ter um nome pra menino e um nome pra menina, né? E era 90% de, parece que certeza, que eu ia ser menina. Então parece que tinha Flávia, eu não lembro do outro nome, mas era Flávia, um dos nomes femininos, e aí nasceu menino. Naquela angústia ali não tinha muito nome de menino tão preparado, aí acho que minha mãe gostava do nome Pedro, e aí meu pai também topou e acabou que foi mais ou menos isso. Até onde eu me lembro é isso.
P/1 - Legal. E você falou do seu pai, dessa relação com o mar. Você lembra da primeira vez que você viu o mar?
R - Eu não lembro exatamente, mas eu lembro que foi interessante, porque eles disseram que eu só queria ficar no mas, não queria sair. Porque eu nasci em Minas e meu pai, por ser de Santos, a gente tinha o hábito de ir sempre pra praia nas férias, né? Férias escolares, a gente sempre ia pra praia, foi a vida toda assim. Só que no primeiro ano eu nasci, parte da minha família morava em Santos, minha avó e tal, então eles queriam que me conhecessem, o bebê que tinha recém-nascido, então a gente já ia logo pra praia pequenininho. Só que aí eu lembro que eles contam que me deixaram lá e eu queria ficar entrando no mar, não queria ficar... ficar na areia. E tem uma história interessante também que eu sumi na praia uma vez, até hoje minha mãe conta essa história, acho que tem essa história um milhão de vezes [risos]. Que eles estavam lá e eu era, sei lá, dois aninhos assim, três aninhos começando a andar, aquela história, né, menino pequeno não para, só que eles chegaram na praia, eu sempre fui bem agitado, segundo eles. Chegamos na praia, quando eles estavam montando ali a barraquinha, a cadeirinha, sai e sumi. Parece que eu fiquei uma hora sumido, uma coisa assim, então, foi uma aflição bem grande, né? E dizem que quando foi procurar, eu tava brincando com outra criancinha lá, fazendo castelinho lá e com outra família já e não tava nem sabendo o que tinha acontecido, então, minha mãe sempre conta essa história que foi bem angustiante, que foi uma hora com a criança perdida na praia, as praias cheias, né? Litoral ali de Santos, São Paulo, muita gente na praia, então foi uma hora de angústia, mas aí me acharam e toda vez que ia, me deixavam mais perto, para eu não ter o perigo de fugir. E meu filho é a mesma coisa, quando a gente vai pra praia com ele, ele tá maiorzinho agora, mas quando a gente ia pra praia com ele pequeno, ele sempre tinha a tendência também de correr, de sumir, a gente tinha que ficar sempre de olho.
P/1 - E a sua casa em Uberlândia, quando você era criança, como que era?
R - Eu cresci num prédio, que era um prédiozinho de apartamento, assim, era bacana porque era tipo condominiozinho que tinha bastante vizinho, bastante gente, né? Então tinha uma piscininha, tinha uma quadra de futebol, tinha uma área verde, então era como se fosse uma área bem... Eu lembro de brincar muito lá fora, sempre ter muita atividade, fazer amizade com os vizinhos, então sempre tinha uma turma bacana, essa época foi bem tranquila, a época da minha infância. E quando eu tinha uns 10 anos, mais ou menos, a gente se mudou para uma casa, que aí tinha também bastante espaço, bastante verde e tal, mas já era mais isolado, assim, porque não tinha mais os amiguinhos ali da vizinhança, né? Era mais os amiguinhos da escola. Mas eu acho que eu já era um pouco maior, então, foi tranquilo, assim.
P/1 - E do que você brincava com seus amiguinhos vizinhos?
R - No prédio, eu sempre gostei muito de esporte, né? Então, no prédio, eu estava ou jogando futebol, ou eu tava correndo, brincando de pega-pega, ou eu tava na piscina. Então, sempre foi bem, assim... A gente era bem ativo, né? Menino de antigamente, né? Brincava ali de futebol de dez da manhã às cinco da tarde, se deixasse, não queria nem parar pra comer. Então, é, foi uma infância bem assim, ativa. Uma cidade menor, uma cidade do interior, então não tinha tanta violência, eu lembro da gente ser bem, bem solto, né? Brincar, brincar na rua, brincar em todo... Todo o tempo ali era pra brincar. Sempre fui... Não queria ficar em casa, não. Queria estar na rua brincando.
P/1 - E quando você foi pra casa, você disse que tinha bastante verde, o que que tinha de lá de planta?
R - É, era assim, uma casa que tinha uma área também de lazer, tinha uma piscininha, mas aí tinha minha avó e minha mãe sempre gostaram muito de planta, então tinha orquídea, tinha pé de bananeira, tinha uma área verde bem grande e eu morava quase na beira de um rio, né? Que é um rio que corta a cidade, que antigamente era bem interessante, tinha tartaruga, capivara, hoje é um rio bem poluído, infelizmente, mas era um rio bem interessante e tinha muito verde em volta, então eu lembro da minha avó assim, minha avó sempre foi muito companheira minha de infância, ela até faleceu tem dois meses, com 104 anos, então ela viveu bastante. E ela gostava sempre de fazer a caminhada no fim de tarde ali na beira do rio, então sempre eu era o parceiro dela de fazer caminhada com ela, ver as plantas, ver os animais, foi um estímulo bem forte assim pra mim também, gostar da biologia e ter um contato com a natureza e o meio ambiente.
P/1 - Você pode descrever um pouco como era essa paisagem dessas caminhadas?
R - É legal perguntar isso, porque eu fecho o olho assim e ainda lembro de algumas coisas, porque realmente, hoje em dia, se você for nesse local, eu tenho 40 anos de idade agora, isso que eu tô narrando, eu tinha 10, então fazem 30 anos, era um local bem, assim, selvagem ainda, sabe? Então era tudo verde, para mim era tipo uma mega floresta. Noção também da gente menor, né? A gente tem uma noção diferente um pouco da proporção de espaço. Então era como se fosse uma área de mata mesmo, uma floresta fechada assim, eu lembro de eu caminhar, olhar pras árvores, ver os passarinhos e tal. Aí teve um dia que eu queria levar um estilingue, né? Pra pegar os passarinhos. Aí minha avó, “não, meu filho, a gente vai ver os passarinhos, não é pra matar os passarinhos”. Aí eu, “ah, tá”. Aí nem levei o estilingue e tal, isso aí também me marcou. E hoje em dia é só prédio, tudo em volta desse rio virou uma mega área urbanizada e especulação imobiliária e tudo mais, mas eu lembro realmente de ser uma área bem, bem preservada. Acho que se pegar a imagem de satélite, coisas de 30 anos atrás, você ia ver que só tinha vegetação mesmo ali em volta desse rio, a gente andava uma hora e era só verde. Infelizmente, só ficou na memória agora.
P/1 - E você pode falar mais da sua avó? Como que ela era?
R - Então, essa minha avó era bem próxima, assim, de mim, né? Foi... Muitas das coisas que eu gosto e que eu tenho afinidade, assim, foram coisas que eu aprendi a fazer muito com ela. Cozinha, né? Sempre gostei de cozinhar, então, ela sempre me deixava lá, acompanhava o que que ela tava fazendo e tal. Ela sempre foi bem afetuosa, assim, carinhosa. Às vezes, eu brigava com o pai e a mãe, era pra ela que eu... que eu ia e ela que dava esse afeto, então... Ela era de Santos, né? Essa história da praia também está muito dela. Ela era de Santos, ela é nascida e criada na praia a vida toda. Só que quando meus pais mudaram para Minas, que meu pai passou num concurso na universidade em Minas, em Uberlândia, então... Ele virou professor da universidade e acabou que ele mudou pra lá. E aí, minha avó e meu avô ficaram ainda em Santos, só que aí meu avô faleceu… teoricamente jovem, sei lá, 60 anos, um casal ainda jovem. E minha avó ficou sozinha, aí realmente ela ficou sozinha, chateada, e meu pai organizou para ela mudar para morar mais perto dele, ele era o filho único, só tinha ele e tal, então aí ela se mudou para Minas e deixou o mar. E ela sempre reclamava, “eu gosto de morar perto da praia, eu gosto de fazer minhas caminhadas”. A caminhada que a gente fazia no fim de tarde, nas plantas, na floresta, era pra lembrar a caminhada que ela fazia na praia, que ela caminhava de manhã e de tarde, todo dia na praia. Então era meio pra ela tentar... tirar um pouco dessa memória. E ela também me trouxe muito a memória do mar, ela sempre gostou muito de comer comidas do mar, ela sempre gostou muito de estar na praia, falar sobre os peixes. Ela gostava de ir na feira de manhã para escolher siri, escolher os pescados e tal. Então, esse contato também com o mar sempre foi bem forte dela. Tanto que quando eu fui fazer biologia marinha, fui estudar o mar, ela sempre era muito deslumbrada com isso, sempre gostou muito.
P/1 - E o que você aprendeu a cozinhar com ela?
R - Eu aprendi tudo assim, né? Depois que eu fui fazer faculdade, eu fui morar sozinho, o pessoal ficava até impressionado. Eu sabia fazer feijão, sabia fazer arroz, sabia fazer lasanha, sabia fazer tudo assim. Então, sempre que ela estava na cozinha, eu estava ali acompanhando, ficava conversando com ela e ficava vendo os processos. Então, ela fazia bacalhau, na época que tinha Semana Santa, eu aprendia os pratos que ela gostava. Ela fazia feijão branco, que ela é de origem portuguesa, ela fazia feijão branco, grão-de-bico, que eram comidas que a gente não comia muito naquela época, era uma coisa até meio diferente. Ela fazia uma feijoada que era de grão-de-bico, ao invés de usar o feijão preto, né? Usava as carnes e tal, então, várias coisas, né? Ela gostava muito de tomar café, então eu era pequenininho. Aí meus pais falavam, “criança não pode tomar café”, só que ela sempre me dava café escondido. Então, eu tomava um cafezinho ali escondido com ela, então, sempre teve esse contato, assim, das coisas, né? Da cozinha. Ela sempre estava na cozinha e eu sempre estava na cozinha com ela. Meu irmão ficava até com um pouco de ciúme disso, era engraçado.
P/1 - E o seu irmão, como chama?
R - Meu irmão chama Paulo. Paulo Sérgio. Só tem um irmão, é um irmão único. Ele é engenheiro também. Trabalho hoje em dia com meu pai, mas na verdade assumiu, meu pai já não é tão... tá mais velho, então meu irmão é que acaba que assumiu a empresa que meu pai montou de engenharia e tal e eles trabalham juntos, teoricamente, lá. Meu irmão sempre viveu lá, acabou que não conseguiu sair muito ali da zona de conforto e vive lá até hoje na mesma cidade. E eu acabei saindo de lá mais jovem.
P/1 - E como que era a relação de vocês quando vocês eram crianças?
R - Foi boa um tempo, mas acabou que teve um momento que não passou a ser tão... Não sei, eu acho que a gente era muito diferente. Hoje em dia a gente tem até ideologias políticas e sociais de afinidades diferentes, infelizmente, e assim, quando a gente era pequeno, a gente tinha uma certa afinidade, mas é isso, acho que o mundo vai crescendo, as coisas vão.. cada um vai tendo uma visão, a gente acabou se distanciando um pouco, tal, tem uma relação ali, né, amigável, mas não é muito próxima, assim, a gente não tem muita essa coisa de estar ali sempre conversando e tal, mas tem a ligação ali de ser irmão, mas não é tão próximo como talvez eu gostaria que fosse.
P/1 - Pedro, e escola? Qual que é a primeira lembrança que você tem da escola?
R - Interessante essa pergunta. Primeira lembrança... Eu lembro que eu gostava de ir para a escola, quando eu era pequenininho, eu gostava. A gente tem fases, né? Depois que eu era maior, eu já não gostava muito. Mas quando eu era pequenininho, eu gostava justamente por isso, porque eu me sentia solto também, né? Era um lugar que eu podia correr, podia brincar, e eu vejo que isso se repete até com o meu filho. O meu filho adora ir para a escola. Quando é férias, ele fala, papai, eu quero que a escola volte. E é assim, interessante, né? Porque realmente você está se sentindo à vontade lá, né? Você se sente bem. Então, eu me sentia muito bem na escola.Eu lembro que eu estudava numa escola que era bem grande, então, tinha parquinho, tinha quadra, tinha piscina, tinha todas as atividades, então, eu me sentia bem assim, sempre gostei de estar na escola. Sempre tive muita afinidade de algumas coisas e outras coisas não, então, eu tenho uma certa dificuldade de me concentrar e me motivar quando é algo que eu não gosto. Então, sei lá, quando era uma aula de alguma coisa, eu fingia que eu não estava nem aí, mas, quando eram as aulas que eu gostava, eu sempre gostei de me dedicar na escola para as coisas que eu gostava. E de aprender, sempre tive uma certa ânsia de aprender, terminar a tarefa rápido, logo, para poder perturbar os amiguinhos.
P/1 - Quais eram as aulas que você gostava?
R - Sempre gostei muito de ciências, biologia, história, geografia, sempre fui de humanas mesmo, nunca gostei de nada muito de exatas, nunca fui bom, mas biologia sempre me fascinou muito, os bichos, os animais, os dinossauros, como qualquer criança que tenha essa afinidade. Desde criança eu gostava de biologia, sempre fui fascinado pela vida, pela biologia mesmo.
P/1 - E teve alguma aula de biologia ou de ciências que você lembra, assim, que te marcou?
R - Específica, que tenha me marcado. Quando criança, assim, de memória, não.
P/1 - E professores e professoras da escola, no geral?
R - Sempre gostava dos de ciências, que eram mais animados, que eram, sei lá, talvez me identificava mais já, eram pessoas que, sei lá, tinham uma visão talvez um pouco menos… engessada, tinha um professor de biologia que era bem animado, que era aquele tipo, aquele professor doidão de biologia que falava das coisas e tal, eu sempre achava aquilo bem interessante assim, né, estudar a biologia, a ciência por trás, de... tentar pensar como a vida começou. Eu lembro de uma aula, talvez essa, uma aula dele contando como a vida se formou e tal, então, isso me fascinava muito, assim, entender. E saber que vinha da água, né? A história que a vida começou na água. Então, eu sempre tive bastante fascinação por água e pela biologia, né? Então, querendo ou não, isso foi o que foi se conectando.
P/1 - E aí, quando você era adolescente, aí o que você fazia no seu tempo livre?
R - Sempre gostei muito de esportes. Meu sonho era ser jogador de futebol, eu jogava até bem futebol quando era adolescente, jogava no time júnior da cidade, disputei campeonatos. Sempre me destaquei bastante no futebol. Meu sonho era ser jogador de futebol, como toda criança clássica. E chegou uma hora que era isso, eu treinava muito, treinava de manhã, de tarde e às vezes treinava no final de semana. Então os estudos começavam a ficar um pouco de lado. Eu lembro que um dia meu pai chegou pra mim e falou, “meu filho, você tem certeza que vai ser jogador de futebol?” Eu disse, “não tenho pai, eu tô tentando”. “Mas uma coisa que você tem que pensar, se você não der certo como jogador de futebol, você não vai ter estudado. Então você vai ter que estudar ou ser jogador de futebol”. Então eu lembro da gente ter essa conversa, porque é isso, né? Realmente quando você começa a se dedicar muito pro esporte, você começa a deixar os estudos de lado, e aí começa a chegar a época que tem que fazer prova, colegial, pensar em vestibular e por aí vai. Então eu lembro que teve esse dilema ali de eu falar, “pô, será que eu vou conseguir mesmo ser jogador de futebol? Ou será que é bom eu começar a estudar mais?”, então teve esse momento ali que eu fiquei pensando muito nisso. E que bom que eu consegui ir para os estudos ainda, que talvez eu não seria um bom jogador de futebol.
P/1 - E aí depois que você terminou a escola, o que você fez?
R - É, eu terminei o colegial, que a gente chamava antigamente, já pensando em fazer biologia. Porque onde eu morava, em Uberlândia, tinha uma faculdade bem boa de biologia, tinha muito essa história, hoje em dia não tem tanto, mas passar na Universidade Federal, os pais sempre falavam isso, era um ambiente bom, meu pai era professor universitário, então sempre teve essa história de passar na universidade, seguir uma carreira. Eu gostava de pesquisa, meu pai era pesquisador, fez mestrado, fez doutorado. Meu pai foi um dos primeiros engenheiros a fazer doutorado na Inglaterra com a bolsa do Brasil na época. Então ele construiu uma bolsa do CNPq na época, que era coisa rara, em 1970, ele foi pra Inglaterra pra fazer doutorado, né, então foi um marco assim bem interessante, eu escutava essa história e eu achava... E é engraçado que a história se repetiu depois comigo, né, eu fui fazer doutorado na Austrália. Então, eu escutava essa história e achava ela muito interessante, né, fascinante assim até. Porque ele casou com a minha mãe, e eles foram os dois pra Inglaterra pra ele fazer doutorado, e eu acabei casando e fui pra Austrália com a minha esposa pra fazer doutorado. Então, às vezes, a gente fica na nossa… subconsciente, né? As histórias a gente acaba repetindo elas sem nem perceber. Então, quando eu estava terminando a escola, na época, estava começando a montar um programa que você fazia tipo um ENEM, só que só existia em algumas faculdades, que era tipo um vestibular fracionado, né? Você fazia prova todo colegial, primeiro, colegial, que chamava, segundo e terceiro, e se sua nota fosse boa, você já poderia entrar direto na faculdade. Então, eu fiz uma prova no primeiro ano, fiz prova no segundo ano, e aí fiz a prova no terceiro ano e tinha nota boa e já consegui entrar direto na faculdade. Teve um dilema na época que minha mãe era enfermeira e ela queria que eu fizesse medicina. Aí eu falava, “pô mãe, mas eu gosto de biologia”, e ela, “não, mas biologia é parecido com medicina. Você, né, tenta, porque biologia às vezes…”, aquele dilema, né, a mãe querendo às vezes desestimular… Aí eu prestei um vestibular para medicina, só que aí eu não passei, muito concorrido e tal, só que eu fiquei na lista de espera, eu fui até bem classificado assim e tal. E aí eu tinha feito esse vestibular pra medicina e tinha feito o vestibular seriado já passado em biologia, eu era novo na época, tinha 17, tinha nem completado 18 anos ainda. Aí eu já tinha passado pra biologia e eu já estava feliz. Só que aí estavam chamando as vagas, talvez, pra eu poder ter a chance de entrar para medicina.
R - E eu torcendo que não desse certo, né, que eu não passasse pra medicina, pra eu poder fazer biologia, que era realmente o que eu gostava, Então... E eu falo até pra galera, biologia meio que me salvou assim, porque na época de adolescente, a gente ali, muito revoltado, cabeça muito, às vezes, acelerada e tal, no final ali eu já não tava muito querendo estudar, eu tinha uma facilidade, então eu aprendia as coisas rápido, mas eu já não era muito dedicado, já queria... começava a sair, adolescência, farra, não sei o quê, então já não tava tão focado, já tinha deixado os esportes um pouco de lado, então acabava tendo uma vida um pouco mais desregrada, e a biologia foi o que meio que me botou de novo, assim, pra ver uma coisa que eu gostava, que eu falava, pô, isso realmente me faz ter vontade, né, de gastar meu tempo ali, e não de ficar à toa, ou então perder meu tempo com outra coisa mais, né... não tão interessante, do ponto de vista de uma carreira, de um futuro. Então, até eu brinco, vários amigos meus falam, ó, a biologia foi o que me salvou, assim, talvez eu teria seguido um caminho não tão interessante, mas a biologia sempre me prendeu para poder entender, aprender, me dedicar naquilo. Então, isso é uma coisa que, até esses dias eu falei isso, acho que uns 15 dias atrás eu falei, o que me salvou foi a biologia.
P/1 - E você sabe dizer o que você esperava da Faculdade de Biologia quando você entrou?
R - É, isso é interessante, que eu não esperava muito não, eu gostava mesmo, eu não tinha muitos planos de carreira, não queria ser grandes coisas, eu só sentia um prazer ali de estar fazendo aquilo, sabe? Tanto que eu às vezes contestava, lembro que minha mãe perguntou assim, “meu filho, mas você faz biologia, e aí?” E aí, não sei, não estou nem aí, na verdade, o que eu gosto é isso. Então, eu também não ficava muito com aquela ânsia… Eu não era um adolescente muito disciplinado, eu era muito, de certa forma, indisciplinado. Então, eu não estava naquele momento ali pensando em carreira, pensando em sucesso, eu pensava em algo que eu gostasse de fazer. E eu sentia realmente prazer, aquilo me entretia, outras coisas não me entretiam… não gostaria de dedicar meu tempo. Mas a biologia eu gostava, então eu acordar cedo pra ir pro laboratório, pra poder ver as coisas e tal, isso me dava prazer, só que eu não tinha, digamos, um ideal ali a longo prazo. Muito jovem, como falei, entrei na faculdade com 17 anos, queria curtir, queria festa, queria... Só que eu me sentia muito bem na biologia, era uma faculdade bem legal de biologia, uma faculdade antiga, então tinha vários laboratórios, vários professores interessantes. Claro que matava muita aula também, ia pra muita farra, mas não sei se é apropriado para entrevista, mas eu gostava muito de estar ali, me fazia bem, eu não entendia muito o porquê, nem como, não era muito racional, mas era um ambiente que me fazia muito bem. E, naturalmente, eu já estava no meio de vários pesquisadores, estava fazendo ciência e talvez não estava nem muito percebendo, mas estava ali no meio daquilo, então era interessante.
P/1 - E teve algum professor ou professora na graduação que te marcou?
R - Então, foi aí que o grande diferencial foi aí, exatamente, foi quando eu comecei a ir para a questão de estudar biologia marinha. Porque eu gostava do mar, só que eu comecei a fazer faculdade no interior de Minas Gerais, não existia mar. Só que eu já gostava, já tinha uma afinidade, tem uma coisa interessante também que me marcou muito, que foi que meu pai, ele nadava muito bem, gostava muito do mar, então ele me levava para nadar, e quando eu tinha 12 anos, ele me levou para fazer o primeiro mergulho na vida. A gente fez esse primeiro mergulho, eu e meu pai juntos, eu tinha 12 anos, hoje em dia é até proibido, não pode fazer com 12 anos, você tem que atingir uma certa idade maior. E ele me levou e eu lembro que foi eu, ele e meu irmão. Meu irmão odiou, não gostou e eu fiquei fascinado, foi algo assim pra mim que marcou ali minha vida. Eu tenho até hoje o certificado desse mergulho e tal, foi em 1998. Eu nasci em 84, eu tinha 14 anos na verdade. E foi assim... fascinante assim, foi algo que me marcou muito. E aí, né, eu já tinha essa afinidade do mar, gostava de ir pro mar, sempre a gente ia pra finais de semana e férias na praia, eu estudava outras coisas na biologia, estava morando no interior, então não tinha esse contato com o mar, só que tinha um professor que tinha acabado de chegar lá, que ele tinha trabalhado já com vários aspectos de biologia marinha, já tinha, ele era de São Paulo também, do litoral e tal, e ele começou a incentivar para que se montasse ali um grupo de pesquisadores, de alunos, de iniciação científica, que fosse, que pudesse fazer alguma coisa no mar. E aí eu já tinha, eu gostava muito de biologia marinha, então eu tinha livro dos tubarões, eu tinha DVD sobre a história do oceano, eu sempre gostei muito disso, de forma independente, por não ter muito espaço. Aí esse professor foi onde a chavinha virou, porque ele tinha alguns contatos em Ubatuba, que é litoral de São Paulo, e aí ele conseguiu um estágio pra mim lá. Então, foi o meu primeiro estágio realmente trabalhando com a biologia marinha. Foi até no Projeto Tartaruga, que é o Projeto Tamar, que tem uma basezinha lá e tal. Então, eu fui pra ficar um mês e fiquei quatro, tranquei até a faculdade e aí, realmente, foi a primeira imersão que eu tive bem forte ali de fazer ciência no mar, né? Mergulhar, ver as espécies. Eu lembro que eu voltava, eu tinha um catalogozinho, assim, umas fotinhas dos peixes que a gente tem hoje em dia, a gente publicou, né? Eu tenho um livro hoje em dia sobre as espécies de peixe daqui, e eu lembro que eu pegava esse livrozinho, isso com 19 anos, e ficava fascinado porque eu via aquela espécie, eu via aquela outra espécie. Era ciência, eu nem entendia muito bem o que era, mas realmente me fascinava, me deixava ali encantado de entender aquilo. E aí minha monografia já foi com isso e tudo já começou realmente a conseguir se canalizar mais para eu estar estudando e vivendo o mar.
P/1 - Eu queria voltar para esse mergulho que você fez com 14 anos. O que você lembra dele? O que você viu?
R - Foi em Santa Catarina, que é uma ilha que tem lá, a Ilha do Arvoredo. É uma ilhazinha perto ali de Florianópolis, é até uma reserva biológica hoje em dia, um lugar protegido e tal. E eu lembro que foi assim, frio, porque é uma água realmente fri, o mar estava batendo muito, então ninguém gostou. Eu era o único que estava sorrindo no bar, como o meu pai fala até hoje. Eu era o único que estava assim, tipo... em êxtase ali, né? Parecia que eu estava no hábitat natural. Então, não vi muita coisa, porque realmente era um dia ruim, um dia chuvoso, um dia nublado, a gente não conseguiu ver quase nada embaixo d'água, acho que eu vi uma tartaruga embaixo d'água e uns peixinhos pequenininhos. Mas só de tá respirando embaixo d'água, de tá ali, parecia que eu estava num documentário, né? Eu era criança pequena, parecia que eu estava vendo algo que… Eu sempre tive essa quedinha por aventuras, então sei lá, se fosse talvez um pulo de paraquedas, talvez teria também me fascinado, e como eu era muito assim, meus pais sempre me seguravam um pouquinho, por eu querer ser sempre o mais aventureiro. Eu lembro esse dia que meu pai falou que ia me levar, meu irmão é mais velho, só que aí ele ia mergulhar só meu pai e meu irmão, e eu não ia mergulhar, ele falou pra minha mãe. Só que quando chegou no barco, eu falei, “pai, você vai deixar eu ir mergulhar?” Ele falou, “vou, só não conta pra sua mãe”. Eu disse, “não, então beleza”. Só que depois, mais tarde, eu contei, né? Só que, assim, era isso, era a sensação também de estar fazendo algo que era… Não necessariamente proibido, mas algo aventureiro, eu sempre tive um pouco dessa... desse que, assim, de ser mais destemido e de fazer as coisas, como a vontade dava, eu realmente fazia e não tinha muito medo. E, ao mesmo tempo, tinha a história de, eu acompanhava, se eu ligasse a televisão quando eu era pequeno, eu sempre botava na Discovery, eu sempre queria estar vendo alguma coisa de natureza, eu sempre queria estar vendo alguma coisa relacionada a isso. Então, parecia que eu estava realmente vivendo a primeira coisa da minha vida ali como criança, uma aventura.
P/1 - E o seu estágio em Ubatuba, como que era o seu dia a dia?
R - Então, era com as tartarugas, era uma pegada também de educação ambiental, de explicar para os turistas sobre as tartarugas e tal, que é uma parte que eu gosto, mas nunca foi a minha parte mais forte. A minha parte mais forte sempre foi no campo, até hoje em dia, os meninos que a gente trabalha aqui, a gente está numa equipe hoje de cinco, seis pessoas, falam às vezes, “pô, vai ser um campo ruim, você não precisa nem ir”, eu falo, “não, é claro que eu vou, é a melhor parte, eu não vou deixar de ir”. Então, assim, estar lá, ver as coisas, estar em contato com a natureza é onde me dá até inspiração de fazer as coisas, quase todas as ideias que eu tive de, pô, a gente publicou um paper na revista Science, a ideia que eu tive publicando na revista Science foi um dia que eu tava no mar. E as ideias, é onde realmente me nutre, me alimenta mesmo de ter a energia, e é isso. Então esse estágio tinha uma parte de educação ambiental que é super importante, super relevante, que eu gosto também, mas não é o que eu vibrava mesmo, mas tinha dia que a gente ia atrás das tartarugas, então tinha que ir lá pra marcar a tartaruga, pegar o ninho dela, ficar de noite monitorando para ver se a tartaruga saía ou não da água e tal, então isso daí sempre foi o que me fascinava muito, nesse estágio. Era curto também, né, relativamente, jovem ali e tal, mas foi onde acendeu realmente a chama ali de eu falar, eu quero trabalhar com isso, eu gosto disso mesmo, agora não tem mais dúvida. E eu fui tentando, né, achar os caminhos. Aí tinha esse professor, né, que acabou sendo meu orientador na graduação, e que aí a gente fez a pesquisa lá em Ubatuba mesmo, ele tinha família lá, então ele tinha uma base lá, aí a gente ia, ficava lá às vezes um mês, fazendo os estudos, depois voltava. E eu comecei a estudar uns peixinhos, foi minha monografia, comecei a estudar uns peixinhos. Eu sempre gostei de comportamento, observar as pessoas e tal, e tem uma linha na biologia que chama comportamento animal, que é você observar os animais, o que eles fazem. Tem gente que observa a ave, tem gente que observa o leão, tem gente que observa o rinoceronte, o elefante, onde ele vive, o que ele come, qual hora ele é mais ativo, onde ele descansa, aí a gente faz isso com os peixes. Então você fica embaixo d'água observando o peixinho ali pra ver o que ele faz, esse foi o meu estudo da graduação. Eu ficava horas embaixo d'água, na época a gente não tinha tanta estrutura, então não mergulhava de cilindro, mergulhava só de snorkel, era uma área rasinha, e eu ficava ali olhando o peixinho e vendo o que ele fazia, onde ele comia, quantas vezes ele comeu, onde ele ficou, quanto tempo ele passou ali, quanto tempo ele passou aqui, isso aí foi minha primeira ciência, que eu fiz embaixo d'água ali, foi isso, estudar o comportamento de uma espécie de peixe, que foi minha monografia, que me incentivou até a chegar depois no mestrado.
P/1 - Você entrou no mestrado logo depois? Fica à vontade.
R - É o novo capítulo agora, que envolve Recife agora, né? Então... Aí eu terminei minha monografia e falei, pô, beleza, eu terminei minha graduação em Minas, agora eu não posso mais estar em Minas, porque eu preciso estar realmente perto do mar, né? Que eu quero seguir uma carreira nessa linha. E aí meu pai e minha mãe, “não, meu filho, tal, dá mais um tempo, você é muito jovem”. Eu era realmente muito jovem, muito aventureiro, aí pensei, vou ver onde é, na época não tinha internet como hoje, era muito mais difícil a conexão. Eu falei, vou estudar onde tem um mestrado bacana, que eu possa fazer mestrado e seguir a carreira, aí conversei com um, conversei com o outro, conversei com esse professor, tal, aí cheguei em dois locais, aqui, o mestrado que tinha na UFPE, que era a Universidade Federal de Pernambuco, um dos primeiros mestrados em Oceanografia que existia, e tinha um no Rio Grande do Sul também, que era na FURG [Universidade Federal de Rio Grande], que é uma universidade bem antiga também de questões marinhas, só que lá era frio, eu não me adaptava muito bem com o frio, desde pequeno, sempre tive essa questão, e aqui era tropical, eu tinha vindo aqui, com meus pais, quando eu tinha, acho que, 16 anos por aí. Ah, teve essa história também que me marcou muito, quando eu tinha 16 ou 17 anos, a gente foi em Fernando Noronha, que eu sempre gostei, né? Ficava pedindo pra ir pro mar, não sei o que e tal. Aí meus pais, foi um aniversário meio alguma coisa assim, falaram, “ó, a gente comprou uma passagem pra gente passar uns dias em Fernando Noronha”. Aí, realmente, lá também foi outro marco, assim, hoje em dia a gente pesquisa lá, trabalha lá, conhece amigo. Foi um marco que, quando eu fui, eu falei, porra, era pra eu morar aqui, aqui era o lugar que eu tinha que morar. Então eu fiquei conversando com a galera, na época não tinha muito e-mail, essas coisas, fiquei pegando o telefone da galera, anotando um papelzinho, falava depois que eu voltar e tal, então teve esse marco também em Noronha. Aí pesquisei os programas de pós-graduação onde eu poderia fazer mestrado, falei com um, falei com outro e tal, e aí eu conheci uma professora daqui que aceitou me orientar, então você me mandava... Começou aí, o e-mail ainda patinava, né? Isso foi em 2007, 2006 pra 2007, o e-mail ali patinava, se tinha alguns e-mails aí já começando e tal, então eu mandei o e-mail, ela topou, falou, “ó, eu posso te orientar, agora você tem que passar na seleção”, porque existe uma seleção pra poder fazer o mestrado. Aí foi uma época que eu falei, pô, agora eu tenho por que estudar, e eu estudava dia e noite, estudava dia e noite. Peguei Xerox nas bibliotecas, estudava os livros em inglês, comecei a me esforçar para aprender inglês, porque eu fazia inglês no colégio, mas não estava nem aí, não via por que usar aquilo, não tinha um propósito. Então, fiquei seis meses estudando. Trabalhava, fazia algumas coisas, meu pai queria que eu trabalhasse na empresa dele, eu, não, pai, não tem nada a ver com isso, né? Quero seguir minha carreira. Aí ele, “é, ajuda aqui um pouco, tal, aí você estuda”. Eu digo, não, beleza, trabalhava e estudava dia e noite, estudava final de semana, aí passei em primeiro lugar na seleção do mestrado. Aí tinha três bolsas, né? Só os três primeiros, e eu pensava em mudar pra cá, eu falei, se eu tenho que me mudar, eu tenho que me sustentar de alguma forma, né? Meus pais não vão querer me sustentar em outro local, e talvez até que poderiam, mas poderiam dizer sim ou não. Se eu passasse e eu tivesse uma bolsa, eles não poderiam dizer mais não, eu já era maior de idade, eu já era dono da minha razão. Então foi onde eu pensei, eu preciso passar. Que eu lembro que chegou um e-mail e falou, são três vagas que vão ter bolsa, então, eu falei, eu preciso passar entre as três primeiros. Aí, vai um pouco daquilo, né? Quando eu gostava e quando eu tinha um propósito, realmente eu conseguia desempenhar bem, né? Meu hiperfoco, eu acho que ficava bem preparado. Aí, passei em primeiro lugar na seleção do mestrado, chegou o e-mail e tal, não sei o quê, vai começar o mestrado e tal, aí tem que me mudar para Recife, isso eu tinha, sei lá, uns 20, 21, eu acho, por aí, uns 21 anos. Aí, meu pai, eu lembro, né, quando eu comecei a falar sobre isso, meu pai, “sim, meu filho, mas você vai morar aonde? E você conhece alguém que mora lá em Recife?” Eu falei, “não, pai, não conheço nenhuma pessoa que mora lá”. E ele disse, “sim, meu filho, você vai se mudar para uma outra cidade grande, sem conhecer nenhuma pessoa que mora lá?” Eu disse, “bom”, arrumei minhas malas e vim, me mudei para Recife e nunca mais, né, saí de Recife. Não, saí, morei em outros lugares, mas foi onde eu realmente estabeleci minha raiz como pesquisador, e por aí vai. Aí vim, fiz o mestrado, conheci minha esposa aqui e por aí vai.
P/1 - E como você se sentiu quando você veio para Recife?
R - Me senti muito bem, muito bem, não tinha problema nenhum. Meus sentimentos eram só de alegria, porque realmente eu estava fazendo o que eu me sentia bem fazendo. Então era do mesmo jeito, estudava de madrugada, pegava livro, “ó, lançou um livro novo aqui sobre não sei o que”, me dá que eu leio. Se desse algum livro do que eu não gostasse, eu nem encostava nele, mas como era algo que realmente eu vibrava muito, então aí comecei a me destacar nos estudos, comecei a conseguir escrever artigos em inglês, me chamaram para escrever um primeiro artigo lá com o pessoal do departamento, me davam, tipo, “ó, você consegue fazer isso aqui e tal?” Eu consigo. “Quanto tempo você precisa?” Falei, amanhã tá pronto. Então, assim, era algo que realmente me motivava muito, eu me sentia muito à vontade fazendo. E aí foi um contato maior com a ciência, realmente, porque aí eu falei, pô, eu fiz minha monografia, aí tem que publicar essa monografia, minha orientadora me incentivou, “ó, tem que botar para inglês, fazer os gráficos e tal”. Eu faço, eu aprendo tudinho. Ficava lá fazendo, ficava, me dedicava lá, muito ali e conseguia realmente me superar ali e ir achando, né, o meu caminho. Aí no mestrado também foi do mesmo jeito, consegui fazer um mestrado super legal, o pessoal sempre achava muito interessante, e quando eu estava terminando o mestrado, um professor lá do departamento falou, “ó, você tem que fazer doutorado fora do Brasil, porque realmente você está se desempenhando muito bem e você tem que aproveitar essa oportunidade”. O governo, foi a primeira gestão do governo Lula, ele tinha acabado de lançar um programa que chamava Ciências Sem Fronteiras, que era para dar bolsa, incentivar os estudantes a ir para fora. Aí eu comecei a estudar recifes de corais, que é as formações do recifes de corais, as interações entre as espécies, o meu mestrado foi mais nessa linha. Aí, quando esse professor falou isso, eu lembro direitinho, eu voltei para casa e fiquei, tem que fazer doutorado em outro país, é? É, eu já consegui chegar até aqui, agora acho que eu sigo para outro lugar, né? Aí ele “só pensa onde você achar interessante que a gente pode tentar fazer algum contato, ver se conhece alguém, tal”. Mesma coisa que eu fiz na época do mestrado, mas um pouco, um passo mais além, né? Talvez no Caribe, que tem os corais, é mais perto, tal, não sei o que. Na época, eu tinha um amigo que tinha já morado no Caribe, ele falava, “ó, todo mundo só fala da Austrália, se você quer estudar os corais, você tem que ir pra Austrália”. Eu digo, “Austrália, pô?” Eu saí lá de Minas Gerais, eu não vou pra Austrália, né? Acho que é complicado. Aí ele, “é, dá uma pesquisada”. Fui, comecei a ler, estudar e tal. Aí cismou realmente na minha cabeça que tinha que ser a Austrália. Fui, falei com os professores, conversei com a galera. Aí tinha uma professora aqui que tinha feito doutorado na Austrália. Aí... entrou em contato com a galera de lá, falou “ó, tem esse aluno, você topa orientar ele e tal”, aí o cara respondeu, eu lembro que quando chegou o e-mail o cara assim, “ele pode ser bem-vindo e tal”, mandei pra ele os trabalhos que eu tinha feito já e tal, ele não, ele é bem-vindo para vir trabalhar aqui comigo no meu laboratório. Aí ó, o primeiro passo eu já tive, agora eu tenho que prestar a seleção pra ver se eu consigo a bolsa do governo brasileiro para poder ir pra lá. Aí foi a mesma coisa, vou estudar tudo que aparecer na minha frente. Tem que fazer curso de proficiência em inglês, não sei o que, botaram a lista do que tinha que fazer, eu só ia fazendo, focado. Aí passei na seleção e fui fazer doutorado na Austrália em 2009. Sou meio ruim de data, mas foi por aí, 2009, 2010.
P/1 - E aí, voltando um pouco, como você conheceu sua esposa?
R - Sim, na época, eu trabalhava no mestrado, então, estava sempre para lá e para cá, o meu projeto era no litoral sul aqui de Pernambuco, que é Tamandaré, que é uma praiazinha que pertencia a APA [Área de Proteção Ambiental] Costa dos Corais, que é onde a gente trabalha e tudo mais. Ela gosta muito de praia também, sempre gostava de praia, alguns amigos em comum me apresentou ela, ela achava fascinante, estudo o mar, estudo os peixinhos… Aí ela botou meu apelido de peixinho até… pouco tempo aí e ela ainda me chamava de peixinho. Aí a gente se conheceu, tal, se conectou, a gente se conheceu aqui, nessa rua, na rua que eu te falei, até pra gente gravar a entrevista, que é a rua da moeda, que chama, é uma rua que tem uma estátua de Chico Science, que é uma rua onde Chico Science fazia as apresentações, tal. Foi nessa rua que a gente marcou de se encontrar, na época não tinha tanto negócio de celular, né, a gente se marcou de se encontrar embaixo da estátua de Chico Science, que é a estátua que tem ali, tal, a gente se conheceu ali. E aí a gente se conheceu, ela é arquiteta, a gente sempre conversou das coisas, ela também sempre fez muita pesquisa, trabalhava com arquitetura sustentável, então sempre teve bastante conexão. E aí, a gente namorando, a gente namorava, nem morava junto, nem nada ainda, era namorado, surgiu essa história de... a gente meio que morava médio junto, ela passava um tempo na minha casa, só que ela morava com os pais. Só que aí eu prestei, eu comentei com ela, eu falei “ó, tô pensando em fazer doutorado na Austrália e tal”. A gente já tinha um relacionamento, acho que há uns dois anos, não era também nem tão novo, mas também não era... Ela, não, que legal, tal, não sei o quê. Aí ficava só nisso, né? Que massa, tal, mas não conversava tão assim. Aí eu falei, “ó, tô aplicando os papéis, tal, não sei o quê”. Ela, “não, massa”, dava mó apoio. Aí saiu, né, a história que eu tinha que, né, decidir. Aí um dia eu fui falar com ela, tem até essa história, ela lembra dessa história. Diz ela que eu blefei, né? Eu não blefei, não. Na hora, eu não blefei, não. Porque eu falei, “ó, Amanda”. Vou chamar Amanda. Eu disse, “Amanda, eu fui realmente aprovado pra ir fazer doutorado na Austrália, tem bolsa e tal, tudo organizado, e eu “tô a fim de ir, mas se você não for, eu não vou não, entre decidir, entre ter que se separar e ir”, e olha que era o meu maior sonho, né? “Eu não vou não, se você não quiser”. Aí ela disse, deixa eu pensar um tempo. Aí ela disse que eu blefei, que eu botei um peso na responsabilidade dela, ela não ia acabar com o meu sonho de dizer que não era pra ir, e ela topou. Só que aí tem toda a questão também burocrática, ela só podia ir comigo, no meu visto, se a gente fosse casado. Aí lá vai a gente casar no papel pra poder colocar a documentação, pra poder ela ser minha companheira, pra ela poder ir comigo, porque senão ela não poderia ir, porque como eu tava indo... senão você só entra como visto de turista, aí eu entrei como visto de estudante, pra ficar cinco anos na Austrália, então eu precisava de um visto pra ela que seria um junto comigo, aí eu falei, “a gente tem que casar”, e ela é, “a gente casa, então se não der certo separa”. Quer dizer, casamos e partimos pra Austrália, pra ficar lá bastante tempo, tanto que a primeira vez a gente ficou três anos sem voltar para o Brasil. Três anos direto, na época não tinha muita internet, você não conseguia muito contato, e olha que não era uma época tão antiga, mas era uma época que não tinha FaceTime… era ligação de telefone e não era muito barata. Eu lembro que minha mãe reclamava muito, “meu filho, você fala pouco com a gente”, não tem como falar, a internet é ruim, era e-mail, né? Escrevia o e-mail e tal. Imagem, por exemplo, você não tinha como ter troca online de imagem em tempo real, estava começando a rolar o Skype, que era aquele programa antigo que tinha o Skype, que se fazia reuniões pelo Skype e tal, então o Skype ainda rolava, às vezes troca de mensagem instantânea, né, na hora. E às vezes rolava vídeo, mas sempre com a conexão travando e tal. A Austrália tinha um problema muito grande, né, que fez eu me desconectar muito também um pouco com a vida daqui do Brasil: o fuso horário, são 12 horas de diferença. Então quando todo mundo tá dormindo aqui, todo mundo tá acordado lá. Quando todo mundo tá acordado aqui, todo mundo tá dormindo lá. Então a janela, às vezes, se você falar com as pessoas, é duas, três horas de manhã e duas, três horas de noite. Porque, por exemplo, quando é oito da manhã, já é oito da noite, então, você tá acordando lá às sete, oito, às sete e oito a pessoa meio que já tá ali se recolhendo, já encerrou o dia e tal, você tem muito pouco tempo, às vezes, de se conectar com as pessoas, aí até, às vezes, refletia, né? Já passou mais tempo. Na época, um pouco, eu me desconectei muito das pessoas, das coisas do trabalho, nem tanto, porque eu trabalhava mais por e-mail, mas das pessoas mesmo, um pouco da família, um pouco dos amigos, pela questão do fuso horário e pela questão que, quando chegou lá também foi tudo muito complicado, porque assim, você acha que você sabe falar um pouco de inglês, né? Mas pra você arrumar uma casa pra alugar, pra você fazer documentação, é completamente diferente de falar... Então assim, a gente era jovem, né? Eu e a mana, então, foi bem difícil a gente conseguir se virar, fazer as coisas, foi uma aventura bem complicada. Eu consegui também ter um desempenho satisfatório no trabalho, eu lembro que no começo, a gente fazia as reuniões, o sotaque australiano é muito ruim, né? É muito difícil de entender. Eu não entendia nada que os caras falavam, eu falava, eu não vou conseguir fazer um doutorado assim porque eu não entendo nada. Então foi bem difícil no começo. Eu lembro que eu passava altas noites, em claro, ali, tentando estudar, tentando entender, para também alcançar um nível ali que eu precisaria ter pra poder me formar, passou várias vezes na minha cabeça, às vezes, eu não sei se eu vou conseguir. Mas também tinha que conseguir, né, mão conseguir não era uma opção. Então... Aí foi isso, né? Essa época foi isso, mas também foi uma época muito de aventura, assim, a gente curtiu muito, eu e a Amanda, a gente não tinha filho, então era só nós dois, a gente teve a oportunidade de ir pra vários lugares, que, pô, era o sonho ir pra... A gente passou a Lua de Mel no Japão, a gente não teve Lua de Mel, porque a gente, né, casou e foi, porque tinha que ir por causa da implementação da bolsa e tal, na correria. Então a gente casou em outubro, em novembro a gente se mudou do Brasil, então a gente fez meio que uma festa com os amigos, meio que de despedida, se casando e ir embora mesmo, era um negócio de doideira. Aí quando a gente chegou lá, meu professor, que era meu orientador, falou, “ó, você precisa descansar um pouco, porque muita correria, e eu vou estar de férias, então você tem um mês aí pra relaxar”. Aí eu digo, “não, beleza, tem um mês pra relaxar”. Aí caiu minha primeira bolsa, na época, porque eu já estava conectado no programa e era final do ano, novembro para dezembro. Aí eu disse, “pô, Amanda, vamos tirar uns dias, viajar, relaxar realmente, porque o ano vai ser intenso e tal”. E ali, da Austrália, próximo de vários locais, e a Amanda falou, vou pesquisar algum lugar para a gente ir, foi pesquisar alguma viagem, só ali, na inocência. Aí tinha uma rota que tinha acabado de inaugurar, que era da cidade que a gente morava, para o Japão, que era 90 dólares a passagem. Aí ela, “pô, tem uma passagenzinha aqui baratinha pro Japão”, o Japão? Nunca tinha pensado em ir pro Japão, né? Digo, “vamos.” Compramos a passagem e vamos passar a lua de mel, que foi um mês, ali, depois de casar, no Japão. E nesse meio tempo, nesses cinco anos, a gente foi pro Vietnã, foi pra Indonésia, foi pra Tailândia, foi pra Laos, foi pra Fiji, foi pra vários lugares ali que a gente, hoje em dia, pra ir daqui e lá, talvez eu nem vá mais nunca, né? Mas assim, quando a gente tava ali, tudo muito perto, a gente teve realmente essa oportunidade de conhecer tribo indígena em Papua Nova Guiné, numa caverna que ficava lá, e a gente conseguiu ficar lá e ficou uma semana sem conexão elétrica praticamente, sem energia, sem nada. Então assim, foi uma fase bem intensa, assim, de aventura mesmo, de muito trabalho, né? Porque eu viajava muito, minha pesquisa era numa ilha, lá na Austrália, então às vezes eu ficava tipo um mês na ilha. Foi também bem complexo para a gente como relacionamento, porque às vezes eu ficava muito fora. Então, assim, eu ia a cada três meses e ficava um mês na ilha, praticamente, era bem puxado, assim. Só que a Amanda, foi bom, que ela conseguiu trabalhar lá de arquiteta também, então conseguimos nos organizar, então foi uma experiência bacana para os dois. Mas foi aquilo, ou fortalecer de vez ou ninguém aguentava mais, porque foi muito intenso, né?
P/1 - E nesse período, tinha alguma coisa que você sentia saudade daqui do Brasil?
R - Olha, eu nunca fui muito de ter saudade, sabia? Porque quando eu saí de Minas pra vir pra cá, eu sempre me apego no que tá no próximo. Então, eu nunca sou muito saudoso assim, e é engraçado que a Amanda também é do mesmo jeito. Então, eu lembro que tinha uns brasileiros lá que ficavam “pô, eu queria tomar um Guaraná Antarctica”. Pô, nem tô lembrando de Guaraná Antarctica. Então assim, um amigo meu uma vez viajou para o Brasil e trouxe uma mala cheia de coisa do Brasil, eu lembro da cena, até conto essa história, ela é engraçada, aí ele abriu uma meia assim com um negócio enrolado, aí ele tirou um copo americano, esses copos americano de beber cerveja no bar, ele trouxe do Brasil para o Austrália um copo americano porque ele gostava de beber cerveja num copo americano. Eu não sou tão apegado assim, muito, a essas coisas, né? Então eu não ficava muito nessa não, a gente tentava se virar, tentar ter uma alimentação, realmente, a galera come muita besteira, muito hambúrguer. Então assim, eu fazia comida em casa, eu comprei uma panela de pressão… Tá aí, senti saudade, minha mãe mandou pelo correio, minha mãe falou, “meu filho, o que você quer?”, eu digo uma panela de pressão, porque vai fazer a comida, pra eu poder comer um feijãozinho e tal, porque não tinha panela de pressão, hoje em dia tem aquelas elétricas, né? Hoje em dia no mundo todo tem, mas na época não tinha. Então ela mandou do correio de Minas pra Austrália uma panela de pressão, com dois quilos de feijão dentro. Ela fechou e botou os feijões dentro. Então, teve essas coisas, mas eu sempre fui... Hoje em dia, depois de velho, eu até falei isso, estou ficando um pouco mais saudoso depois de velho. Mas quando eu era mais jovem, eu sempre fui muito, do próximo, sabe? Então, quando eu vim pra cá, pra Recife mesmo, a galera falou que qualquer pessoa que se mudasse pra Recife e não conhecesse ninguém ia ficar... Eu já me apegava no que eu tinha. Sempre fui um pouco assim. Então na Austrália também eu me apegava no que eu tinha. Já fazia novas amizades. Aí a galera andava muito com brasileiro. Tem essa história às vezes, né? Querer juntar muito com brasileiro. Aí tinha muito brasileiro que eu não tinha tanta afinidade, mas tinha pessoas de outros lugares que eu tinha afinidade. Então pra mim não interessava de onde é, eu lembro de um dia que eu parei e meus amigos eram um da Índia, um da Rússia, um da França, um da Inglaterra e um brasileiro só. O grupo que eu andava mais era cada um no lugar, porque realmente era quem eu tinha afinidade independente de onde era, galera fica andando só, às vezes, em bloco de brasileiro. Aí um dia eu fiz esse exercício, eu falei, “pô, eu seria amigo desse cara no Brasil? Acho que não, ele não tem muita afinidade com o que eu gosto”. Então, eu falei que eu tenho que ser amigo dele aqui, né? Então, é melhor eu ser amigo de alguém que eu seria independente de onde ele estivesse, né? Então, sempre tentei, assim, ser pra frente. Claro que, às vezes, batia, uma tristeza, uma saudade, né? Um dia, um domingo chuvoso ali, dava uma, que ele se ligue. Mas eu sempre tentei muito me apegar e ir bola pra frente ali pra poder sobreviver ali, no dia a dia.
P/1 - Voltando também um pouco antes do mestrado, como que você decidiu estudar os corais?
R - Na biologia, a gente tem uma visão do micro para o macro. Cada ser, cada indivíduo, faz parte do todo, Então, sei lá, a formiga faz parte da diversidade da floresta, o peixe faz parte da diversidade marinha, e eu comecei estudando mais indivíduos, estudava o peixe, olhava o peixe, via o que ele fazia. Só que eu comecei a ficar mais curioso para o todo, para entender o papel daquilo no contexto, só que aí eu comecei a trabalhar aqui, trabalhava no recife de coral. Eu estudava os peixezinhos do recife de coral, só que eu queria saber o que o ambiente todo tinha, eu comecei a ter uma visão mais ecossistêmica, que a gente chama, do que uma visão mais individual do ambiente. Então, hoje em dia, os trabalhos que a gente desenvolve aqui, são mais ligados para a conservação, é uma visão mais ecossistêmica, você conservar o ecossistema, você vai conservar todas as espécies que ali habitam. Então eu comecei a ver o recife de coral como uma visão mais ecossistêmica, do peixe, do polvo, da lagosta, do siri, do caranguejo e das pessoas que dependem, você passa a ter uma visão um pouco mais ecossistêmica do ambiente e um pouco menos... Eu ainda sou fascinado pelo bichinho ali, o que ele faz. Às vezes eu me pego ainda no mergulho, vendo ali e tal, pensando numa coisa... Porque é isso, o recife de coral é um ambiente muito diverso, ele é tido como o ambiente mais diverso da faixa da terra.
R - Em um metro quadrado, você pode passar uma semana estudando só aquele um metro quadrado. Acontecem ali interações entre as algas, entre os corais, entre os peixes, tudo, se você der um zoom ali, você vai ter uma vida única acontecendo ali. Igual como dei o exemplo da formiga, você foi estudar um formigueiro, é uma civilização ali, o que cada um faz, os buracos, o caminho, a rota, os cheiros, é um mundo. E no recife de coral também rola isso. Só que você se perde, às vezes, ali vendo só um pouquinho, às vezes eu paro e fico olhando muito tempo, só aquele detalhezinho. Só que aí eu comecei a gostar também de ter essa visão um pouco mais ecossistêmica, de entender todo o ecossistema, que foi aí que eu comecei a estudar mais o recife de coral em si, que foi o que eu fui fazer também mais no doutorado, focado mais numa visão ecossistêmica, que é o que a gente atua mais hoje em dia aqui no projeto.
P/1 - E como se é que mudou essas pesquisas, esses estudos, mudou sua relação com o mar.
R - Eu acho que sempre me aproximo mais. Quanto mais eu fico no mar, mais eu quero estar no mar, mais eu entendo, mais eu sou fascinado, só que, ao mesmo tempo, hoje em dia, eu sou mais preocupado do que eu já fui em toda a minha carreira com o rumo que as coisas estão tomando, com a questão da conservação. Eu falo porque a gente falava em mudanças, em décadas de mudanças, sei lá, a gente tem aí o aquecimento global, mudanças climáticas, a gente pensava aí, pô, em 2050 pode ser que morra metade dos corais. Não, nessa década agora a gente viu morrer mais de metade. Então assim, a velocidade que as mudanças estão acontecendo, elas são agora algo inexplicável. A gente estuda, eu estudo os corais aqui da região desde 2010, quando eu estava aqui fazendo mestrado, a gente tem dados, depois que eu fui para a Austrália, esses dados ainda continuam sendo mantidos e estudados e a gente vem ainda nessa série temporal, né? Porque pra entender a natureza você tem que construir uma série temporal, pra entender praticamente tudo. E aí, hoje em dia, nesse evento que a gente teve de 2024, 2024 foi o ano mais quente das águas no nordeste do Brasil durante toda a história, história de monitoramento que se tem, né? Então, se você for pegar gráficos de temperatura, 2024 foi o ano mais quente de todos. Em 2024 a gente teve um branqueamento dos corais, único. E esse branqueamento causou a morte de mais da metade dos corais, então se você for pegar, tem 100 corais nessa sala, 50, mais de 50 morreram. E a gente viu isso, né? Eu vi isso. Então a gente foi, estava lá em 2022, estava monitorando, estava lá em 2023, estava monitorando, quando chegou em 2024, a gente falou, o que que tá acontecendo? A gente tinha relato de pescadores de 70 anos, o pescador falou, “nunca vi nada disso acontecer aqui. Eu moro aqui nessa praia há 70 anos, já vi várias coisas, mas isso eu nunca vi acontecer”. Então, pra gente foi chocante, pra mim foi muito chocante, a velocidade, eu nunca imaginei ver isso, eu imaginei meu filho talvez chegar num colapso na geração dele, eu não imaginei que eu ia ver o colapso na minha geração, eu ainda executando o monitoramento, ver morrer tudo ao meu redor. Então foi algo sem palavras, muito descritivo.
P/1 - E aí você falou do seu filho, quando que ele nasceu?
R - Ele nasceu em 2017, logo que a gente voltou da Austrália, um pouquinho depois, dois anos depois. A gente voltou, a gente estava lá na correria também, não queria ter uma criança ali, porque poderia ser complicado finalizar o que a gente foi, né? Teve até isso, né? Quando eu terminei o doutorado, surgiu uma oportunidade de emprego bem bacana lá, para trabalhar na Austrália. Aí eu fui falar com a Amanda, falei, e aí? Ela disse, “lembra da promessa que você fez, que era terminar o doutorado e voltar?” Eu digo, “não, tá certo então”. Aí a gente voltou. Quando a gente voltou, a gente se organizou, o projeto já estava rolando, tinha outros colegas que também já tinham tocado algumas coisas do projeto aqui no Brasil, eu consegui um trabalho até bacana, trabalhava no ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], junto com a pesquisa do monitoramento dos corais e tal. A Amanda, que é arquiteta, voltou pro escritório que ela trabalhava, a gente falou, ah, vamos ter um filho, tá na hora já. Eu tinha já quase 30 ali, 30, alguma coisa e tal, falou, “ah, vamos ter um filho”. Aí foi engraçado que ela falou, “ó, vou fazer os exames.” Tomava remédio há bastante tempo, aquela história. Aí a gente tenta ver quanto tempo vai demorar, né? Ela parou de tomar remédio e um mês depois ela estava grávida. Foi bom que não demorou tanto aquela expectativa. Porque eu lembro até dela falar, ela disse, acho que eu estou grávida. Eu disse, “grávida?” Ela disse, “a gente não está tentando?” Eu digo, “tá, mas começou... Esses dias, né?” Aí foi bacana.
P/1 - E o que mudou na sua vida quando você virou pai?
R - Mudou tudo, né? Pra mim, mudou tudo. Miguel, meu filho. Miguel é bem, assim, ele... é bem especial, né? Ele é bem especial. Então, mudou muito, assim, da nossa vida. Pra mim, mudou tudo, assim. Fui mais paciente, mais tolerante. Descobri o amor de fato, de verdade, que ele é, né? Acho que o filho, pra mim, me fez ser menos egoísta, ser menos... Eu não sabia o que era o amor mesmo, acho que... Com o filho eu descobri o que é amar mesmo. Acho que eu achava que eu sabia.
P/1 - E aí você voltou, você trabalhou no ICMBio e depois?
R - Quando eu voltei, eu consegui esse emprego no ICMBio, que era um emprego até longo, era um contrato de cinco anos, fiquei trabalhando no ICMBio, fazendo monitoramento dos corais e tocando os projetos pela nossa instituição. Então, a gente tem um conselho, a gente tem vários participantes que atuam e a gente consegue captar recursos, a gente participa de editais e consegue pegar projetos para que a gente consiga desenvolver as atividades. Então a gente tem projetos com o governo federal, com o governo estadual, tem projetos com parceiros, iniciativa privada e por aí vai. Aí eu voltei, trabalhei um tempo no ICMBio, depois eu consegui uma bolsa de pós-doutorado na universidade, então também sempre tive esse lado, né, da universidade, orientando os alunos, sempre gostei, né, de estar também. Hoje em dia, né, o pessoal pergunta, e aí, você vai fazer concurso, não quer ser professor? E pô, já tive um pouco dessa vontade, mas hoje em dia eu não me vejo tão na academia, sabe? Hoje em dia eu me vejo realmente no terceiro setor, que é onde eu consigo ter uma flexibilidade, eu consigo navegar em vários mundos. Então, eu consigo estar na academia, mas eu consigo estar conversando com colônia de pescadores, entendendo o problema, eu consigo estar trabalhando na gestão, tentar uma solução que deve ser feita. Então, eu acho que realmente o terceiro setor é essa palavra, simplifica muito, você consegue pairar em todos os ambientes, você consegue estar trabalhando com a iniciativa privada, com o poder público e com as comunidades, com as pessoas que de fato dependem do recurso ambiental. Hoje em dia eu gosto muito de estar trabalhando de uma forma um pouco mais independente, e a gente tem crescido, tem ganhado novos projetos. A gente teve um projeto agora, semana passada, aprovado, talvez o maior projeto que a gente já teve até agora, que foi um edital do BNDES [banco nacional do desenvolvimento], que chamava BNDES Corais. Era só projetos de recife de corais. Então aí a gente conseguiu um projeto, foi selecionado, agora está nos trâmites, vai ser um projeto longo, de cinco anos, que vai realmente trazer um benefício bem bacana aqui para a região, justamente nessa pegada dos corais morrendo, o que se pode e o que se pode tentar fazer para se recuperar desses ambientes que já estão colapsados, digamos assim.
P/1 - E como o projeto aqui começou?
R - Então, o projeto começou na época que eu estava no mestrado ainda, em 2010 ali, eu acho que nosso primeiro projeto, que a gente conseguiu executar algumas coisas, mas era ainda nada institucionalizado, né? Era um grupo de amigos ali, que via alguma coisa importante para fazer, tentava pegar um recurso pra fazer algum projeto. Aí deu um gás na época que eu tava fora, outros colegas atuando e realmente deu um impulso maior assim que eu consegui dar mais gás quando eu voltei do doutorado. Porque eu voltei do doutorado com essa ideia, fazer algo mais aplicado, fazer algo que você consiga ajudar a preservar o meio ambiente de uma forma mais efetiva. Como eu falei, a ciência, a publicação eu acho muito relevante, mas às vezes eu não queria só estar fazendo aquilo, só estar ali preso na academia, eu queria ver algo um pouco mais aplicado. E aí a partir de 2015 foi quando a gente conseguiu dar um gás maior assim no projeto, conseguir se conectar com outros parceiros e concorrer a mais editais, eu conseguia me dedicar mais para escrever os projetos, porque realmente é trabalhoso, né? Envolve uma dedicação grande e às vezes é... altos e baixos. Tem um projeto grande, aí tem um monte de gente, aí o projeto acaba. Em 2023 a gente estava com acho que 12 pessoas na equipe, então estava com quatro, cinco projetos grandes. Aí em 2024 foi mais fraco, agora em 2025 já tem mais alguns projetos maiores, estão com mais estagiários, tem mais dois pesquisadores novos, estão até participando das reuniões hoje, não estão por aqui. Então é isso, às vezes… vem a pandemia, veio um governo muito complexo para as questões ambientais, digamos assim. Então, foi completamente negligenciado, a questão ambiental, a educação, a pesquisa, então, a gente ficou num momento complicado. Mas agora eu tenho sentido que a coisa está se fortalecendo de novo. A gente está se refortalecendo, conseguindo se organizar como instituição.
P/1 - E dentre esses projetos que você fez, tem algum que você guarda com mais carinho, que você lembra que foi marcante?
R - Tem vários. O primeiro, talvez, o primeiro projeto como instituição que a gente conseguiu foi para trabalhar lá em Tamandaré, onde eu morava, porque esse projeto foi o seguinte, a gente estava lá um dia e chegou um filho de um pescador local e falou, é na Praia dos Carneiros, que é uma praia que está crescendo muito, não sei se vocês devem ter chegado até vocês com alguma informação, um boom turístico gigante, então resorts, muita coisa crescendo e naquela época já estava, hoje em dia então praia já está privatizada praticamente, mas naquela época estava começando isso. Aí eu lembro desse filho desse pescador falar, “pô, alguém tem que fazer alguma coisa, não pode deixar que isso se acabe assim dessa forma, né?” Eu digo, “pô, é, é verdade”. Aí a gente escreveu um projeto, um edital da Inglaterra, inclusive, ainda ali, né, de uma maneira bem... amadora, e foi aceito, a gente nem acreditou quando foi aceito, a gente nem acreditou, foi o primeiro projeto que a gente recebeu realmente um aporte de um recurso interessante, que a gente podia comprar um equipamento de mergulho, comprar uma câmera para poder filmar embaixo d'água, conseguir fazer as entrevistas com os pescadores, ter um recurso para executar realmente as atividades, porque muitas vezes na biologia você acaba fazendo com a sua própria grana, ou então você conecta alguma coisa, recebe a bolsa de mestrado, aí na bolsa de mestrado você faz as atividades. Mas a gente conseguiu colocar uma remuneração para a equipe, conseguiu comprar equipamentos, foi o primeiro projeto ali que realmente deu uma... uma chacoalhada grande e a gente conseguiu ver, e nessa época eu senti a mesma coisa, que eu falei, se a gente for atrás e correr atrás, a gente consegue. Então abriu várias portas, nesse sentido, psicológicas também, de falar, a gente pode fazer a diferença, tanto que a gente fez esse projeto e foi um.. não impediu, infelizmente, todas as ações do progresso, digamos assim, mas foi relevante, fortaleceu muito a comunidade local e fortaleceu a gente também como ativista ali, que a gente podia fazer alguma coisa para tentar mudar aquela realidade, então, abriu meio que uma... mudou a chavinha ali. Então, esse projeto foi bacana. Mas atualmente tem vários, tem um projeto que a gente fez agora, que a gente chamou de Projeto Tem Peixe, que é com a comunidade pescadora lá da Ilha Itamaracá, foi até hoje que eu participei da reunião. O projeto está finalizado, mas agora a gente faz parte do conselho gestor. É uma unidade de conservação lá, e foi muito bacana, porque a gente conseguiu se conectar muito com a comunidade, com comunidade é muito legal. Então a gente conseguiu se comunicar, conectar muito, fortaleceu muito as parcerias, e um local também muito... carente de ciência, carente de pesquisadores, só dos pesquisadores que estão lá, a gente está conversando com a galera, a galera se sente super prestigiada e valorizada. E cai nessa história do conhecimento tradicional, como isso está se perdendo, então a gente conseguiu, de certa forma, resgatar isso, fez um relatório bem bacana, apresentou pra eles, eles gostaram muito. No mar, assim, a gente está vendo hoje em dia que essa geração de pescadores é a última. Eu falei isso esses dias, eu estava conversando nisso numa reunião, é a última. Os filhos dos pescadores não vão ser mais pescadores. Então, assim, pescador artesanal, pescador que sabe a maré, que sabe a lua, que consegue se localizar lá no mar, numa jangada, no alto mar, ele sabe exatamente onde ele está. Ele sabe onde é que ele tem que pescar, ele sabe o que tem ali embaixo, como se ele tivesse um sonar na cabeça dele que dissesse pra ele, aqui, nesse fundo aqui, tem o peixe tal. E ele consegue saber isso num dia de chuva, num dia nublado, ele consegue realmente saber. Esse conhecimento é a última geração, que tem ele. Os filhos deles não tem mais esse conhecimento. Então esse conhecimento está sendo perdido e a gente não tem muito o que fazer, porque é um conhecimento que se passa realmente de geração para geração, porque esse pescador ali é o pai dele. Esse último. O filho dele já não vai mais. Até ele às vezes não quer que o filho vá, “vai estudar, meu filho”. Porque assim, a vida da pesca é ingrata. Não tem mais peixe. O mar tá acabando. Então você tem que gastar tantas horas pra conseguir uma certa quantidade de peixe que você vai vender e já não vale mais. Então assim, a geração da pesca, ela tá se acabando nessa última geração, e é muito louco ver isso acontecer. Porque assim, o quanto um pescador sabe do ambiente marinho, a gente pode fazer 100 doutorados que a gente não vai conseguir saber nunca, porque ele está ali todos os dias. Então ele tem noção, inclusive noções que transcendem, eu diria, a ciência. Ele sabe coisas que ele sabe porque ele sabe. Não existe uma explicação. Ele sabe que quando a maré encher vai ter mais siri do lado esquerdo da borda do rio, porque realmente alguma combinação de fatores faz com que isso aconteça, mas ele não sabe explicar o que que isso acontece, não. Então assim, é muito interessante isso, e essa informação tá se perdendo, ela vai se perder com um sopro no ar, porque ela não tá sendo absorvida por outras pessoas, então é triste ver isso. Por isso que eu, mesmo sendo fascinado com a ciência, ainda sou fascinado de sentar e conversar com o pescador, escutar o que ele tem pra dizer quando a gente vai passar. A gente às vezes faz operações de mergulho que a gente tem que ficar no alto mar vários dias, né? Então assim, a gente sempre tenta levar pescador junto porque eles realmente detêm o conhecimento ali de estar naquele ambiente, cresceu ali. Eles vão, pô, passa o dia numa jangada que vai daqui a ali, sem chapéu, sem protetor solar, sem nada e volta inteiro, se a gente fizer isso, a gente morre praticamente. Então é interessante saber como eles são resistentes também fisicamente, é muito interessante isso. Eles, pescadores, que mergulham às vezes 20, 30 metros de profundidade no peito. E é a última geração também, porque os filhos não estão mais treinados a fazer isso. Então a pesca tradicional, a pesca artesanal, ela tá na última viradinha da chave ali, como também o ambiente tá, eu acho que as duas coisas tão meio que juntas, né? O ambiente tá respirando ali no último suspiro, já não é mais financeiramente vantajoso se expor na pesca, que é perigosa, é cansativo, sai 5 horas da manhã e volta 5 horas da tarde, no sol o dia todo. Eu falaria pro meu filho talvez, vai estudar meu filho, vai tentar uma profissão, vai tentar fazer alguma coisa, porque seu pai sofreu muito aqui na pesca. Então, os filhos já não querem, os pais às vezes também não estimulam, porque não vale mais a pena, e esse conhecimento tá se perdendo. Tá se perdendo.
P/1 - E como que você se sente hoje quando você vai para o campo, você vai para o mar?
R - Eu me sinto bem ainda, porque eu me sinto, como se fosse meu habitat natural, de certa forma, eu me sinto bem, me sinto feliz de poder estar ali, mas me sinto, né, constrangido, de certa forma, porque eu sei o que está acontecendo ali, né? Como eu tive a oportunidade de ver a mudança, é engraçado, quando a gente fala da mudança, a gente sempre, como eu falei, projeta ela mais pra frente, né? As projeções do IPCC, o Painel Climático Mundial, diz que em 2050 vai acontecer isso. Não é em 2050, é agora. É em 2025, então... Está acontecendo agora, nesse exato momento, enquanto a gente está conversando aqui. O peixe está acabando, o ambiente está morrendo, os tubarões estão desaparecendo, então, assim, o ambiente está claramente em colapso e a gente não consegue, eu acho que é difícil a gente ter tempo para reverter tudo isso se não se mudar realmente a chavinha do que se espera disso. Os encontros, as discussões, os painéis internacionais, os fóruns são para tentar mudar isso, só que a forma como a sociedade vê não está sendo mudada, entendeu? A forma como a sociedade funciona não muda de um dia para o outro, como as pessoas veem o mundo e não muda de ponto. Se a gente não conseguir mudar um pouco da mentalidade, a gente não vai conseguir mudar nada disso, vai ser só teoria. E essa é a grande dificuldade, é conectar as pessoas com o meio ambiente. Por exemplo, um advogado, um médico, um dentista, ele acorda de manhã, escova o dente dele, vai trabalhar, vai desempenhar a profissão dele, não está errado, mas ele não tem conexão nenhuma com o meio ambiente, ele não lembra que existe um meio ambiente que deve ser preservado. O ar, a água, as pessoas são desconectadas, claramente, do meio ambiente, e isso é o que acho que a gente tem que quebrar, eu falo muito disso assim, né? Não sei onde eu estava, numa palestra que eu estava falando disso, parece que todo mundo ficou assim, assustado, porque eles não tinham nem pensado sobre isso, e é verdade, as pessoas estão completamente desconectadas do meio ambiente. E elas não entendem, não é que elas façam por mal, muitas fazem por mal, muitas são gananciosas… A forma como o mundo capitalista funciona hoje em dia é ingrato para o meio ambiente, porque o meio ambiente acorda e sempre estoura para o meio ambiente. Se você tem que fazer algo em prol do progresso econômico, você pode sacrificar o meio ambiente, porque o objetivo é o progresso econômico, todo mundo, querendo ou não, pensa assim, porque o ambiente não está conectado às pessoas. Então a pessoa não entende que o ar é importante, que a água é importante, apesar da gente repetir, dizer que isso está estampado, mas não, elas estão muito ocupadas com o dia a dia delas. Ele acorda, pega o carro, o advogado, o médico, o engenheiro, estou dando exemplos, claro, mas é isso. Enquanto as pessoas não entenderem que elas são o meio ambiente e o meio ambiente são elas ao mesmo tempo, nunca se vai conseguir ter esse impacto, que as pessoas parem... Você pode exibir um documentário impressionante sobre o meio ambiente, a pessoa sai de lá completamente comovida, mas ela acorda no dia seguinte e ela não lembra mais daquilo, porque ela está ocupada com outras coisas. A gente tem o exemplo mais drástico que eu falo sobre meio ambiente, natureza e saúde humana assim, foi a pandemia. Todo mundo ficou chocado com a pandemia, todo mundo ficou chateado com a pandemia. A pandemia acabou e todo mundo voltou ao normal, como se nada tivesse existido. O meio-ambiente é a mesma coisa. As pessoas se chocam com o quão o meio-ambiente está impactado, a gente leva essa mensagem, a gente tenta conversar com as pessoas, todo mundo fala, “pô, realmente, é muito importante”. Ela vira as costas, abre a torneira e gasta água e nem lembra que isso está conectado a isso. A pandemia foi um grande exemplo. Então, o mundo, como o mundo funciona, vai mudar depois de uma pandemia. Não mudou nada. Tudo funciona do mesmo jeito.
P/1 - E como que você acha que a sua história de vida pode mudar esse cenário?
R - Eu sou mais um, né, nessa luta, né, digamos, entendeu? Então, eu acho que a minha história de vida e os meus esforços, né, eu acho que eles contribuem em vários aspectos. Um é na ciência, que nos consegue preservar o que nos conhece, então, a gente teve chance de mapear áreas de corais, por exemplo, do Brasil aqui, que ninguém nem sabia que existia, então a gente fez coisas únicas para a ciência. Ao mesmo tempo, a gente está sempre conversando e divulgando, a gente produziu um documentário agora, que até ganhou vários prêmios e tal, sobre as mudanças climáticas e os corais. Então, assim, esse documentário é curto, né? É um documentário rápido, mas super chocante, impactante, em termos de conteúdo e, assim, todo mundo que vê realmente se impacta, mas é o que eu falei, depois volta pra rotina e esquece. Então, eu vejo a minha história de vida e o meu esforço. Eu me dedico o dia inteiro pra isso, todo santo dia, minha vida é isso. Então, é diferente a forma como que eu vejo o meio ambiente, como a forma que as pessoas veem o meio ambiente, né? Eu acordo e durmo pensando nisso, o que eu posso fazer pra melhorar e cuidar e salvar o meio ambiente. Eu, hoje em dia, com a idade, com a maturidade, eu venho repetindo isso muito, se a gente não conseguir conectar as pessoas com o meio ambiente, que elas façam parte, a gente não vai conseguir ter mudança realmente que seja consistente e que faça uma mudança num cenário futuro. Eu acho que minha parte meio que é essa, é tentar, hoje em dia eu faço bastante isso, a gente trabalha muito nessa linha, palestras, que seja, tentar levar a mensagem da palavra da salvação ambiental, que era muito mais importante se tivesse igrejas ambientais do que igrejas evangélicas, que ficasse repetindo isso, o quanto a natureza e o meio ambiente está conectado com a vida das pessoas. Se ficasse falando isso o dia inteiro, talvez as pessoas absorveriam essa mensagem e entendessem o quão relevante é. Mas a gente segue na luta.
P/1 - E pra você, como que você vê o seu futuro?
R - Eu já vi de formas diferentes. Esse último ano eu fiquei bem frustrado porque foi algo que me chocou, nem eu como pesquisador, como cientista, como projeções mundiais imaginaria que eu ia ver as mudanças tão rápido. Então eu fiquei bem chateado e bem frustrado ao mesmo tempo e tentando pensar o que eu poderia fazer, como eu deveria me comportar, e eu cheguei numa fase ali meio de tentar não me apegar emocionalmente ao processo, porque senão você não sobrevive, é igual um médico que vê gente morrer toda hora ali na sala de cirurgia. Então assim, a profissão do biólogo, tem um amigo que falava isso, né? Trabalhar com o meio ambiente é muito desgastante emocionalmente, que você sabe que vai acabar e que está acabando. Então assim, você meio que... Aí eu tô tentando mais ultimamente me desapegar um pouco emocionalmente, porque senão é frustração atrás de frustração. É frustração atrás de frustração. Se consegue uma coisa, se consegue um projeto, se consegue um decreto novo que se assina para que se proteja uma nova área, se consegue, existem conquistas, mas aí vem algo que parece que bota tudo para baixo. Então, eu me apego às pequenas conquistas, bom, projeto novo, vamos tentar uma área nova e tal, e tento evitar que a razão me domine para falar, realmente tá complicado. Eu acho que a gente já passou inclusive da chavinha da volta. que a gente vai conseguir ter volta para um ambiente saudável. Eu pessoalmente não gosto nem de falar muito isso, às vezes eu sinto que a gente já perdeu o rumo do trilho, mas eu também não posso aceitar que não tenha mais volta, mas é desgastante emocionalmente. Então, tenho tentado essa estratégia, não me emocionar muito, fazer o que eu devo fazer, o que eu posso fazer, e tentar criar uma rede, pessoas novas, a nova geração. Eu acho que isso é muito importante, orientar novos alunos, a gente sempre está trazendo a galera nova para estar conectada no projeto, a gente faz muita atividade com criança, incluir as crianças, tentar que talvez seja a próxima geração seja onde esteja a esperança.
P/1 - Como são essas atividades com as crianças?
R - De todo jeito, a gente fez agora uma, deve ter um mês atrás, que foi bem interessante, é num município chamado Japaratinga, ele é próximo a Maragogi ali, tá dentro da APA Costa dos Corais, é um município famoso turisticamente. Tem um resort lá que foi eleito o melhor resort do Brasil hoje em dia, tá em Japaratinga. E a gente foi nas escolas de Japaratinga fazer uma atividade e as crianças de Japaratinga nunca tinham ido nos corais. As crianças do oitavo, nono ano, nascidas na cidade, onde os corais estão na frente da cidade, elas nunca tinham ido. Os turistas de São Paulo vêm, passam dias nos corais, visitam tudo, mas as crianças locais com 15 anos, 14 anos, não é que bebê não, nunca tinham ido. Então a gente conseguiu conectar com a prefeitura, pegamos um catamarã, um barco bem grande, levamos um equipamento de mergulho, cilindro, botamos todas as crianças da escola e levamos elas pra lá, passamos o dia todo lá com as crianças mergulhando, mostrando os peixes, mostrando as espécies. Teve acho que três ou quatro crianças que falaram, eu quero ser biólogo, essa vai ser a profissão que eu quero seguir. Então, meio que é uma coisa simbólica, né? Só que dá uma esperança,dá um alívio ali. Então, depois dessa atividade, a gente fez o material de divulgação, divulgou para internet ali, redes sociais e tal, e várias prefeituras de cidades vizinhas estão querendo fazer essa atividade também, entrou em contato com a gente e falou, pô, a gente quer levar as crianças também, porque caiu a ficha de que as crianças do município nunca foram ver o local. Então, assim... É uma contradição absurda que até a gente não tinha conseguido pegar essa delicadeza e perceber isso. Quando a gente viu, a gente falou, a prioridade tem que ser com as crianças. Então, a gente tem trabalhado muito hoje em dia com crianças e as comunidades locais, que são realmente também a geração, como eu falei, que está se perdendo. Só que a gente tem ainda um pouco de esperança nos dois públicos que são quem realmente estão lá no dia a dia. Como eu falei, Japaratinga tem o maior resort do Brasil, o mais famoso resort do Brasil, a galera entra e sai sem nenhuma consciência ambiental, na frente dos corais. Então assim, é importante trabalhar com esse público também? É [risos], mas é um público que às vezes tem que ter mais... um pouco menos de esperança para se trabalhar. Então a gente ainda tem tentado plantar aí. Agora a gente vai fazer, acho que agora é julho, agosto, setembro, em vários outros municípios. Juntar todas as crianças, passar o dia mostrando as espécies e tal. E eles vão para casa cheio de animação e deixam uma pontinha ali de esperança para a gente.
P/1 - E, Pedro, como foi contar a sua história hoje?
R - Foi bacana, falei até bastante, não foi? Falei até bastante, foi interessante, né? Tentar... Como eu falei, eu estou acostumado a falar de ciência, estou acostumado a falar dos projetos, estou acostumado a falar do meio ambiente, falaria mais fácil. Falar da minha história foi um pouco mais difícil, mas foi desafiador. De certa forma, eu gostei, foi como se fosse uma sessão de terapia, estou sentindo como se eu tivesse passado por várias fases, entendido várias coisas. Obrigado pela oportunidade. Acho que foi bem terapêutico.
P/1 - Obrigada a você. Tem alguma coisa que faltou você falar, que você queira deixar registrado?
R - Não sei, eu acho que eu tenho tentado falar aquilo que eu já falei, eu acho que se pegar aí e selecionar, eu acho que dar uns crop aí vai ficar bom. Eu acho nessa questão de que as pessoas têm que ser conectadas com o meio ambiente, eu acho que isso é uma mensagem que vocês puderem dar uma ênfase aí quando for editar o material, eu não sei como é que vocês tratam esse material, mas é algo que eu falei recentemente e eu tenho tentado, em toda fala, em todo momento, bater nessa tecla. Porque se isso não acontecer, realmente, o meio ambiente está fadado ao fracasso. Se a gente não tiver as pessoas conectadas, entendendo, sentindo que são parte do processo. Acho que era isso.
P/1 - Obrigada.
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