RELATO — “QUANDO A CULPA TINHA NOME DE MULHER”
Por Iamara Lopes
Eu cresci em uma época em que a AIDS não era apenas uma doença: era uma sentença social.
E, como quase tudo na nossa cultura, essa sentença caía com mais força sobre as mulheres.
Lembro da forma como os comentários corriam sussurrados, como uma praga que ninguém queria assumir que carregava, mas todos apontavam.
Quando uma mulher adoecia, não se perguntava como ajudar.
Se perguntava o que ela fez.
Homens eram vistos como “imprudentes”, “descuidados”, “coitados que pegaram”.
Mulheres eram chamadas de culpadas, promíscuas, merecedoras.
A sociedade apontava mais rápido que os testes da época.
Eu era jovem quando percebi que, para muitas mulheres, o diagnóstico vinha acompanhado de uma segunda dor: o julgamento.
Elas não sofriam apenas com a doença ,sofriam com a vergonha que não era delas, mas que o mundo colocava sobre elas.
Vi amigas e conhecidas sendo isoladas, rejeitadas até dentro das igrejas, dos lares, dos trabalhos.
Vi mulheres sendo acusadas de “levar a doença para casa”, quando na verdade muitas tinham sido infectadas pelos próprios companheiros.
Vi mães serem separadas de seus filhos por puro preconceito.
Vi mulheres perderem dignidade antes mesmo de perderem a saúde.
A AIDS revelou algo muito maior do que um vírus.
Revelou o abismo entre a forma como sociedade tratava homens e mulheres.
E, nessa época, aprendi algo que carrego até hoje:
A mulher sempre foi responsabilizada até pelo que não causou.
E na história da AIDS não foi diferente.
Eu não vivi a doença no corpo, mas vivi na alma ,porque cresci vendo o silêncio, o medo, o preconceito e a injustiça.
Cresci vendo mulheres lutarem sozinhas contra duas guerras:
a do vírus e a do machismo.
Por isso, quando conto minha história, eu a conto por elas.
Pelas que não tiveram voz.
Pelas que foram julgadas antes de serem cuidadas.
Pelas que...
Continuar leitura
RELATO — “QUANDO A CULPA TINHA NOME DE MULHER”
Por Iamara Lopes
Eu cresci em uma época em que a AIDS não era apenas uma doença: era uma sentença social.
E, como quase tudo na nossa cultura, essa sentença caía com mais força sobre as mulheres.
Lembro da forma como os comentários corriam sussurrados, como uma praga que ninguém queria assumir que carregava, mas todos apontavam.
Quando uma mulher adoecia, não se perguntava como ajudar.
Se perguntava o que ela fez.
Homens eram vistos como “imprudentes”, “descuidados”, “coitados que pegaram”.
Mulheres eram chamadas de culpadas, promíscuas, merecedoras.
A sociedade apontava mais rápido que os testes da época.
Eu era jovem quando percebi que, para muitas mulheres, o diagnóstico vinha acompanhado de uma segunda dor: o julgamento.
Elas não sofriam apenas com a doença ,sofriam com a vergonha que não era delas, mas que o mundo colocava sobre elas.
Vi amigas e conhecidas sendo isoladas, rejeitadas até dentro das igrejas, dos lares, dos trabalhos.
Vi mulheres sendo acusadas de “levar a doença para casa”, quando na verdade muitas tinham sido infectadas pelos próprios companheiros.
Vi mães serem separadas de seus filhos por puro preconceito.
Vi mulheres perderem dignidade antes mesmo de perderem a saúde.
A AIDS revelou algo muito maior do que um vírus.
Revelou o abismo entre a forma como sociedade tratava homens e mulheres.
E, nessa época, aprendi algo que carrego até hoje:
A mulher sempre foi responsabilizada até pelo que não causou.
E na história da AIDS não foi diferente.
Eu não vivi a doença no corpo, mas vivi na alma ,porque cresci vendo o silêncio, o medo, o preconceito e a injustiça.
Cresci vendo mulheres lutarem sozinhas contra duas guerras:
a do vírus e a do machismo.
Por isso, quando conto minha história, eu a conto por elas.
Pelas que não tiveram voz.
Pelas que foram julgadas antes de serem cuidadas.
Pelas que lutaram para viver — e ainda tiveram que lutar para ser respeitadas.
Hoje, ao olhar para trás, eu honro essas mulheres.
Porque elas fizeram parte da resposta brasileira à AIDS não apenas sobrevivendo,
mas resistindo ao peso de uma sociedade que, muitas vezes,
as matou antes da doença.
Este é o meu relato.
Uma memória que não se apaga,
e uma lembrança que precisa ser contada ,para que nunca mais se repita.
amara Lopes
Recolher