P/1 – Cristiane, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Obrigada por ter aceitado o convite dessa entrevista. Pra gente começar, eu queria que você repetisse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Cristiane Ditadi Tessaro, sou de Veranópolis, Rio Grande do Sul. Nasci em primeiro de janeiro de 1985.
P/1 – E o nome dos seus pais e em que eles trabalham?
R – Meus pais são comerciantes. Minha mãe tem o comércio em casa, então ela é dona de casa e comerciante, o meu irmão também tem comércio de frutas. Eu sou a única da família que acabei vindo pra área da Construção Civil e correndo o mundo.
P/1 – Cristiane, quando você fala comércio, que comércio eles têm?
R – É um minimercado. E o meu irmão tem comércio de frutas.
P/1 – E você cresceu em Veranópolis?
R – Nascida e crescida em Veranópolis. Saí de lá aos 21 anos quando eu vim com a Camargo Corrêa pra Jirau. Então minha história toda se passou em Veranópolis, minha infância, adolescência, formação de faculdade e primeiro emprego.
P/1 – Descreve pra gente como era a Veranópolis da sua infância. O que você lembra?
R – Nossa gente, a minha infância acho que foi maravilhosa porque a gente brincava na rua, fazia campo de vôlei, traçava uma cordinha entre um pilar e outro da rua, todos os vizinhos se conheciam. Computador, internet, pra gente era algo muito distante, a gente tinha uma infância muito saudável. Brincar de esconde-esconde, de pega-pega, de caçador. Eu tenho lembranças da minha infância muito maravilhosas, muito saudáveis.
P/1 – E a sua turminha, com quem você brincava, andava junto?
R – Nós éramos colegas de escola e sempre depois do horário da aula todo mundo chegava, largava sua mochila e sempre tinha uma atividade. Eu lembro com muito carinho, inclusive de pessoas que hoje estão na profissão do que brincavam. Uma super...
Continuar leituraP/1 – Cristiane, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Obrigada por ter aceitado o convite dessa entrevista. Pra gente começar, eu queria que você repetisse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Cristiane Ditadi Tessaro, sou de Veranópolis, Rio Grande do Sul. Nasci em primeiro de janeiro de 1985.
P/1 – E o nome dos seus pais e em que eles trabalham?
R – Meus pais são comerciantes. Minha mãe tem o comércio em casa, então ela é dona de casa e comerciante, o meu irmão também tem comércio de frutas. Eu sou a única da família que acabei vindo pra área da Construção Civil e correndo o mundo.
P/1 – Cristiane, quando você fala comércio, que comércio eles têm?
R – É um minimercado. E o meu irmão tem comércio de frutas.
P/1 – E você cresceu em Veranópolis?
R – Nascida e crescida em Veranópolis. Saí de lá aos 21 anos quando eu vim com a Camargo Corrêa pra Jirau. Então minha história toda se passou em Veranópolis, minha infância, adolescência, formação de faculdade e primeiro emprego.
P/1 – Descreve pra gente como era a Veranópolis da sua infância. O que você lembra?
R – Nossa gente, a minha infância acho que foi maravilhosa porque a gente brincava na rua, fazia campo de vôlei, traçava uma cordinha entre um pilar e outro da rua, todos os vizinhos se conheciam. Computador, internet, pra gente era algo muito distante, a gente tinha uma infância muito saudável. Brincar de esconde-esconde, de pega-pega, de caçador. Eu tenho lembranças da minha infância muito maravilhosas, muito saudáveis.
P/1 – E a sua turminha, com quem você brincava, andava junto?
R – Nós éramos colegas de escola e sempre depois do horário da aula todo mundo chegava, largava sua mochila e sempre tinha uma atividade. Eu lembro com muito carinho, inclusive de pessoas que hoje estão na profissão do que brincavam. Uma super amiga minha até hoje, formada em Letras, está fazendo pós-graduação em Espanhol e ela sempre era minha professora. Ou ela era a dona da família, ou era mãe da família. Então uma das pessoas que eu me identifico muito.
P/1 – Como ela chama?
R – Alessandra. Um carinho muito grande por ela. Nós morávamos em frente. Então era automático, chegava da escola, largava as coisas, estava eu indo pra casa da Alessandra. E assim a gente brincava. Nós tínhamos uma turma muito grande, toda vizinhança. Era muito comum todo mundo se reunir todos os dias pra brincar até o anoitecer. Aí chegava umas 18, 19 horas e as mães gritavam das janelas: “Meu filho! Minha filha! Alessandra! Cristiane! Volta, está na hora de entrar.” Então eu tenho lembranças muito gostosas da minha infância!
P/1 – E você participava um pouco do cotidiano do comércio dos seus pais, você convivia um pouco nesse ambiente familiar?
R – Sim, com certeza, porque o comércio é na minha casa. O comércio é na parte de baixo e os meus pais moram na parte de cima da casa, então o comércio foi meu cotidiano e pessoas que frequentam lá desde que abriu. Acho que são uns 30 anos que o comércio existe. E eu era sempre ativa com a minha mãe, se ela precisava fazer almoço: “Você fica aí um pouquinho.” Chegavam umas pessoas, eu atendia, se eu não soubesse do preço de alguma coisa: “Mãe! Quanto é coca-cola?” Então eu vivenciei muito com eles essa parte. Meu irmão também. Antes de ele ter o comércio próprio, ele trabalhava com meus tios, também com fruta. E eu lembro quando eu estava no ensino médio, quando chegou o computador, que todo mundo começou a ter acesso, ele falou: “Vou te dar um computador!”, “Nossa, mano! Então vou fazer uma planilha de Excel pra você com os valores das frutas e quanto você compra, quanto você vende.” Eu sempre vivenciei muito o cotidiano dele, nós somos muito próximos, mesmo distantes a gente continua muito próximo.
P/1 – Descreva Veranópolis. Você estava falando que é muito frio. É pequena, grande, média? Do que vive a cidade?
R – Veranópolis é uma cidade de 25 mil habitantes. Linda, organizada, é uma cidade planejada. Então, os edifícios possuem determinado número de andares, não mais do que isso. Depois que eu saí de Veranópolis eu percebi uma grande transformação. Eu não sei se é porque eu saí do local e a gente acaba voltando com um outro olhar. Sempre foi uma cidade muito pacata, você conseguia estacionar seu carro em qualquer local do comércio que você fosse e agora está diferente. Eu percebo que, nossa, pra você conseguir uma vaga de estacionamento é muito difícil, você tem que rodar quadras e quadras. Eu acho que Veranópolis desenvolveu muito, daquela cidade pacata para uma cidade um pouco moderna, mas com o mesmo número de habitantes. Mais ou menos o que a cidade vive é de indústrias. Tem uma fábrica de armas que comporta um grande número de habitantes e uma das características é que as cidades vizinhas são próximas. A 20 quilômetros você tem uma cidade, a 40 quilômetros você tem outra cidade, então as pessoas acabam se deslocando para trabalhar nas cidades vizinhas também.
P/1 – Nas outras cidades?
R – Isso, próximas também. E o ramo é bastante de metalúrgica, borracha, microfusão. Cresceu muito o mercado de microfusão na região. E de comércio.
P/1 – Falando do seu tempo de infância ainda, a sua escola. Descreve a sua escola onde você estudou.
R – Minha escola era Virgínia Bernardi. Ela existe até hoje, é no bairro onde os meus pais moram porque agora eu moro em Porto Velho. Muito gostosa, uma escola não muito grande e que a gente normalmente iniciava com a turma, no tempo era o “prezinho” que a gente chamava, que agora é a primeira infância. Eu tive colegas desde o “prezinho” até a oitava série, e alguns colegas, nós permanecemos juntos até o ensino médio. E só do ensino médio que a gente se separou porque cada um foi fazer o seu...
P/1 – O seu caminho?
R – Exatamente. Então, agora no Facebook a gente tem muito contato com as pessoas, a maioria das minhas colegas de jardim da infância já é casada, elas já são mães. Eu acho que isso é muito importante porque a gente acaba relembrando de toda a nossa história, de tudo o que a gente passou junto.
P/1 – Gostoso, né?
R – Muito gostoso, demais!
P/1 – Tinha alguma matéria que você gostava, alguma professora importante, marcante, na sua trajetória escolar?
R – A Dani foi minha professora na pré-escola. E quando eu saí da escola, ela estava se candidatando a diretora, então ela sempre foi um marco muito importante na minha vida, uma pessoa que hoje eu volto pra Veranópolis, eu encontro com ela e eu lembro da minha professora da infância, sabe?
P/1 – O que encantava?
R – Tudo. O jeito de ser, o jeito de falar, o carinho com as crianças, com a gente. E por ser uma cidade pequena você acaba tendo um elo muito grande com as pessoas.
P/1 – Tinha uniforme?
R – Tinha.
P/1 – Educação religiosa, como é que era isso?
R – Tinha. Tinha uniforme. Aula de religião que a gente amava porque a região é praticamente de católicos, diferente do cenário que nós temos hoje que nas turmas a gente tem pessoas de todas as religiões, a nossa era católica, essencialmente. Então nós tínhamos aula de Religião, aula de Educação Física, de Artes. Eu gostava muito de trabalhar nessa parte de Educação Artística, adorava fazer Educação Física e a gente acabava marcando durante a semana encontros para jogar vôlei, futebol e para fazer atividades voltadas ao esporte também.
P/1 – Mas já fora da escola?
R – A gente marcava pra jogar dentro da escola, no contraturno escolar, quando a gente conseguia, marcava.
P/1 – E o seu período de adolescência? Como é que foi começar a sair, paquerar?
R – Eu tenho um irmão mais velho, então...
P/1 – Como ele chama?
R – Roberto. Esse é o meu grande amor, a gente tem uma ligação muito grande, muito bacana. Então, por ele ser mais velho, a minha adolescência de sair pra festa, pra balada foi toda acompanhada por ele. A primeira vez que eu saí, eu tinha 13 anos, mas com ele do lado. Eu lembro até hoje a roupa que eu usei.
P/1 – Como que era?
R – Era um vestidinho branco, jeans, abria um zíper assim na frente e uma blusinha branca com azul, tipo uma jardineira que a gente usava na época e uma sandália preta com brilhos. Lembro até hoje da minha primeira roupa de balada. Então, eu sempre estive com ele na adolescência.
P/1 – Onde vocês foram?
R – Nós fomos pra Soal [Sociedade Alfredochavense].
P/1 – O que é?
R – É uma associação de encontros, de festas. Tem restaurante, salão de festas e eu fui para um baile de Natal, a primeira vez que eu saí. Minha mãe toda nervosa: “Minha filha está saindo, 13 anos.” E aí meu irmão já namorava na época, então eu sempre estava acompanhada. Nossa, imagina você ir pra festa com 13 anos, eu ficava olhando pro povo assim: “O que está acontecendo?” Meu irmão sempre foi muito presente na minha adolescência.
P/1 – Mas ele não era ciumento não, né? Um pouquinho?
R – Um pouquinho. A gente teve algumas desavenças, mas coisa de irmão mesmo. E o meu ensino médio foi numa escola chamada Regina Coeli, que era uma escola fundada por irmãs católicas. Elas ainda estavam no prédio, mas ficavam num local separado. É a escola de renome da cidade, então, quem estuda no Regina Coeli são, eles falavam, são os “bundinhas” da cidade, né?
P/1 – Os estudiosos?
R – Não, as patricinhas e o mauricinhos da cidade. Mas eu nunca tive nada disso, nunca. Eu acho que eu fui pra lá até por uma vontade grande dos meus pais de estar numa escola de referência, então eu estudei no Regina.
P/1 – O que mudou você sair da escola, do primário, essa coisa toda, e ir para um ensino talvez mais puxado, de freira?
R – Foi assim, a escola Virgínia Bernardi sempre foi muito bem reconhecida, inclusive pelas escolas de ensino médio. Nós tínhamos uma carga horária de ensino fundamental normal, porém com uma exigência dos professores muito grande. Então quando você vai pra uma escola particular e de renome, você acaba se esforçando um pouquinho mais porque é mais difícil. E segundo grau as matérias são diferentes, né? Então eu não senti tanto impacto porque eu sempre fui muito estudiosa e dedicada,e aí foi tranquilo. Mas é aquele negócio de você sair de uma escola municipal, de uma escola pública, pra você entrar numa escola particular. Então claro, eu sempre fui de classe média, mas a escola tinha toda a classe alta de Veranópolis, era todo aquele medo: “Será que eles vão me aceitar? Será que eles falam diferente? Será que os costumes são diferentes?” Mas na minha turma foram pessoas com o mesmo porte econômico do que o meu, foi muito gostoso.
P/1 – Tranquilo.
R – Foi tranquilo.
P/1 – E nessa época tinha alguma disciplina que você já identificava mais pra seguir carreira?
R – Não. Por quê? Eu acho que eu acabei no ensino médio excluindo as coisas que eu não queria fazer, não uma coisa que eu identificava que queria fazer e sim uma que eu não iria fazer. O sonho do meu pai é que eu fosse advogada, o sonho da minha mãe é que eu fosse enfermeira. Durante o período da minha infância, de seis pra sete anos, a minha mãe ficou muito doente e eu acabei sendo enfermeira dela. Então, com sete anos...
P/1 – Cuidou mesmo dela.
R – É. Por mais que eu tenha passado por esse problema, é uma coisa que marcou, não é uma coisa que dói. Talvez era uma coisa que eu não entendia. Se fosse hoje a minha dor, a minha preocupação seria totalmente diferente. E eu acho que Deus acaba tirando da gente, excluindo do nosso armazém de informações coisas que não são boas pra gente. Me lembro vagamente de pequenas coisas, que eu estava assistindo televisão, eu deitava num colchão perto da televisão, minha mãe me chamava quando ela estava com muita dor e eu acabava fazendo injeção nela!
P/1 – É mesmo?
R – A enfermeira já ia todo dia fazer o acompanhamento, mas tinha partes do dia que ela ficava com muita dor e a enfermeira não estava.
P/1 – Você que dava esse suporte?
R – Eu que dava esse suporte. Fazia a injeção no soro. Ela ficou seis meses em casa com soro. E as minhas tias moram, até hoje, perto. Então tem a casa da minha avó e as filhas da minha avó, todas morando ao redor, por isso a gente tinha um pouco de facilidade já que elas davam suporte. E a maior parte do tempo que eu não estava na escola, eu ficava com a minha mãe, logo eu era a enfermeira da minha mãe. Eu acho que por todo esse elo, meu primeiro vestibular foi para Enfermagem em Santa Maria. Super concorridas as vagas, estudei muito, muito, muito. O último ano eu estudava o período normal, fazia cursinho à tarde duas vezes por semana e ainda tinha aula sexta-feira à noite. Eu estava me dedicando muito para enfim passar na faculdade, na Federal. Fui pra Santa Maria, prestei vestibular de Enfermagem que era o desejo da minha mãe e eu sabia que eu iria agradar ou desagradar alguém. Enfim, quatro pessoas para desistir da vaga para eu poder entrar. Não desistiu ninguém! Ninguém. Eu prestei vestibular em janeiro, e em janeiro mesmo eu tive contato com o pessoal da Camargo.
P/1 – Como é que você pensou assim? Tem quatro vagas, é tão perto, a hora que não deu o que - antes da gente entrar na questão da Camargo -, na hora que não deu o que você pensou? Não era pra ser?
R – Não era pra ser. Só isso que eu pensei. Só que tudo aconteceu muito rápido, então eu acho que eu não tive nem tempo de pensar em me frustrar por não ter passado. Quando eu estava naquela espera: “Ah, será que alguém vai desistir?” Primeira chamada, segunda chamada, terceira chamada. Eu já entrei em contato com a Camargo, eu fui a melhor aluna do colégio Regina, no ensino médio, e por isso que eu fui recomendada pra Camargo. Então eu terminei a aula no final de dezembro e em janeiro eu já estava em contato com a empresa sendo indicada como uma das melhores alunas da escola.
P/1 – Mas aí era pra fazer o quê na Camargo?
R – Aí tive o primeiro contato, que por incrível que pareça é o João Henrique que hoje é o gerente aqui em Jirau, isso há 11 anos e meio. Nós tínhamos uma vaga que era pra Contabilidade e no ensino médio eu fiz Técnico em Contabilidade. Só que era um curso diferenciado, ele tinha todas as matérias básicas do ensino médio e uma carga horária diferenciada para as matérias técnicas, por isso que a gente fazia o período regular e o complementar nas tardes e na sexta-feira à noite.
P/1 – E nessa época o que a Camargo estava fazendo ali na região de Veranópolis?
R – Três usinas hidrelétricas. Era um complexo hidrelétrico que ia acontecer na região, eu tinha apenas 17 anos quando tudo isso aconteceu. Vestibular, chegada da Camargo, indicação como melhor aluna, então, eu não tive tempo pra parar e me frustrar porque não tinha passado no vestibular. Aí foi, eu estava na minha época de beldade ainda. Eu era rainha da cidade na época!
P/1 – Ah, é?
R – Tinha sido eleita em outubro do ano anterior e aí um monte de coisa acontecendo na vida. Eu era a rainha da cidade, tinha toda uma responsabilidade e as coisas foram acontecendo, né? Ah, claro, ganhei o concurso lá da cidade em março e aí foram surgindo, imagina, uma adolescente saída do ensino médio, rainha da cidade, era o foco de todo mundo. Começou a aparecer um monte de vagas de emprego pra mim.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho?
R – Vamos!
P/1 – Primeiro assim. Como é que foi esse negócio de concurso de rainha da cidade e qual é o papel da rainha da cidade?
R – Certo. Nas cidades pequenas, principalmente do Sul, é uma característica bem marcante que cada cidade tem um berço de alguma coisa ou tem uma característica. Festa nacional da maçã, festa nacional da uva. Então, Veranópolis é o berço nacional da maçã. Como outras cidades se desenvolveram mais do que Veranópolis, a produção acabou sendo em Vacaria como a maior. Nós temos a Femaçã, que é a Festa Nacional da Maçã, e, em paralelo, como perdeu um pouquinho o significado, surgiu a Verafest, que era a Veranópolis em Festa, uma exposição de comércio, indústrias, tudo isso. Como me acharam na cidade, as lojas, o comércio e as indústrias tinham que nomear uma representante do desfile para escolha da representante da cidade, já que Veranópolis em Festa era uma festa da indústria e do comércio.
P/1 – Aí sempre elegia uma rainha.
R – Elegem a rainha e duas princesas. E as Lojas Colombo me identificaram, acho que por ser cliente, alguma coisa, e me convidaram pra representar as Lojas Colombo.
P/1 – Loja de móvel?
R – É, móveis, eletrodomésticos, isso. E assim fui representar a Lojas Colombo na Verafest. Isso começou em setembro, eu falei: “Gente, não tenho jeito pra isso.” Mas já tinha sido rainha dos estudantes de Veranópolis, da região nordeste, então: “Ah, não quero, não quero.” “Não, por favor, você é linda, a gente quer que você seja representante!” Eu falei: “Está bom, então vamos lá.” Aí era tudo junto, vestibular, vestido, concurso, responsabilidade: “Meu Deus, o pessoal está investindo em mim, o que eu vou fazer?” E assim foi, teve a eleição, fui rainha. Então você imagina, uma adolescente, 17 anos, imatura, sem experiências de trabalho, sem nada, representando uma cidade. Aí contatos com prefeitura, com outras rainhas da região, era uma responsabilidade muito grande. Nossa, agora eu tenho que ser muito mais educada, eu não posso pisar na bola, minha adolescência vai ficar um pouco de lado porque eu sou representante de Veranópolis. Foi um momento bem marcante de muitas coisas.
P/1 – E você participava de eventos, como é que é isso?
R – Você participa. Aí você precisa convidar a região para prestigiar a sua festa. Então nós saíamos nos finais de semana, íamos para as outras festas que acontecem na região, Festa da Bergamota, Festa da Uva, interagíamos com as outras pessoas e fazíamos os convites, entrega de panfletos para toda a região participar. E a festa foi um sucesso, foi muito bacana.
P/1 – Que ano foi isso?
R – Foi 2002. E até hoje sou rainha porque a Verafest não aconteceu mais. Por isso os vestidos estão na minha casa, a coroa está na minha casa, faixa, tudo está lá. Toda vez que eu vou pra casa agora é um motivo para eu abrir as minhas coisas, olhar, relembrar do vestido lindo, maravilhoso!
P/1 – Descreve esse vestido.
R – Nós tínhamos dois vestidos, um da divulgação da festa e o da festa. Aí eu engordei muito e foi uma frustração, engordei uns quatro quilos e o vestido da divulgação estava enorme. Esse da divulgação era laranja com preto e não referenciava muito a festa. E o vestido da festa era um vestido de lady. Lindo! Aqui ele tinha uma armação em ferro parecendo com a Branca de Neve assim essa parte, todo rendado, cheio de brilho. Aqui ele tem uma parte de veludo preto com brilho e ele é rosa, pink na parte de trás, e todo bordado com as frutas típicas da região. Meu vestido pesava uns 20 quilos, eu chegava no final da festa, quando eu usava, aqui doía muito e tinha que ficar sempre sorrindo, né? Eu falava: “Mãe, agora me ajuda!”
P/1 – Um dorflex!
R – A musculatura do rosto ficava repuxada, eu deitava e ficava assim. E ela: “Minha filha, relaxa já.” E ajudava a massagear a bochecha porque eu ficava o tempo todo sorrindo pras pessoas, né? O vestido é muito lindo e me remete a lembranças muito boas, menos que eu engordei os quatro quilos pra festa, né? Mas muito gostoso!
P/1 – Que legal! E nesse meio tempo veio o convite pra ir pra Camargo? Você começou na área de Contabilidade lá?
R – Não. O convite da Camargo veio antes de Verafest. Eu comecei a conversar com a Camargo em janeiro e só fui ser admitida em maio daquele ano, maio de 2002. E aí, como eu era Rainha de Veranópolis, estava desempregada, adolescente, começou a surgir um monte de oportunidades, prefeituras, lojas, empresas e tal. Aí eu falei: “Gente, mas e a Camargo?” Só que quando a Camargo chegou eu tinha um pensamento: “A Camargo chegou aqui, as cachoeiras do rio vão se acabar. E agora?” Tipo, não era muito a favor da chegada da Camargo. Enfim, surgiu a oportunidade, eu falei: “Vamos entender tudo isso!” Mas eu jamais, nunca na minha vida, imaginava que um dia eu entraria na Camargo. Nós prestamos a prova com o João Henrique que sacaneou a gente, ele aplicou a prova do Conselho Regional de Contabilidade, pensa, para formandos de segundo grau, né? Eu falei: “Meu Deus, nunca eu vou entrar na Camargo desse jeito porque é muito difícil, eu não sou contadora, eu sou técnica em Contabilidade, então os problemas financeiros que estão aqui eu não vou conseguir resolver!” Enfim, eu tirei a melhor nota e aí vem o impasse dos 17 anos. E a Camargo enrolando, passa semana, passam 15 dias, a ansiedade aumentando e eu não queria entrar em outras empresas porque eu já tinha aquele negócio de: “Nossa, tenho uma oportunidade para trabalhar na Camargo.” Sem ter noção do que era a Camargo Côrrea, né? Aí, chegou num determinado momento eu falei: “Ceres - Ceres era minha interlocutora com a Camargo, eu falei: olha, já está muito enrolado esse processo, então, ou a gente define ou eu vou ter que achar outro emprego, agora eu não tenho mais como ficar desempregada.” Aí chegou lá com o João Henrique, fez toda a minha documentação, entreguei carteira de trabalho, todo aquele negócio de deixar a documentação prontinha, quando ele olhou: “17 anos!” Ele falou: “Gente, você tem 17 anos. Como eu vou contratar você?!” Só que eu acho que a gente teve uma afinidade, uma empatia tão grande que ele falou: “Não, eu tenho que contratar você.” Ele me perguntou: “O que te leva a escolher a Camargo se você tem ‘n’ outras oportunidades de emprego?” Eu falei: “Porque eu quero dar preferência para a Camargo que foi a primeira empresa que eu tive contato e que eu tive uma oportunidade de emprego.” Aí ele parou assim na cadeira, ficou olhando: “Menina, você só tem 17 anos, eu não posso te contratar, como eu vou fazer?”. Aí ficou pensando, bateu na mesa. “Volta amanhã com seus pais pra gente assinar o contrato.”
P/1 – Porque eles precisavam autorizar!
R – Voltei no outro dia. Menininha de tudo, com meu pai e minha mãe. Até hoje ele tem contato com eles, me pergunta: “Como está seu pai, sua mãe, eles estão bem?” Então foi um carinho muito grande. E estava lá no outro dia eu, meu pai e minha mãe. Eu era a secretária da secretária, então eu recebia malote, atendia telefone, e assim fui crescendo. Por quatro meses. Aí cheguei um dia na porta e falei: “Seu João...” Já na obra. Isso eu fui contratada dentro da cidade e depois nós íamos pra obra. Eu falei: “Seu João, posso te pedir uma coisa?” E ele: “Pode, fala.” “Pelo amor de Deus, dá alguma coisa pra eu fazer. Eu não aguento só ficar atendendo telefone.” E aí eu fui para o Departamento Pessoal, chamado na época. Eu fiquei quatro meses na Secretaria e logo eu entrei no Departamento Pessoal. E aí estava naquela situação, vai pro Departamento Pessoal, vai pro Departamento Financeiro, continua na Secretaria. Eu pensei: “Onde eu entrar ,eu vou me formar e vou me especializar.” E fui pro Departamento Pessoal. Esquece Enfermagem, esquece Direito, esquece tudo. Fui fazer Administração e Recursos Humanos, que já estava ligada na área. Formei em Recursos Humanos durante todo o período que eu trabalhei na Camargo.
P/1 – E tinha o curso lá em Veranópolis?
R – Bem, Bento Gonçalves, que é uma cidade a 60 quilômetros de Veranópolis. Então, eu trabalhava todo dia na obra. E teve várias fases, né? Como era um complexo, nós tínhamos três usinas.
P/1 – Quais são?
R – Monte Claro, que ficava em Veranópolis. Em seguida começou a Castro Alves, em Nova Roma, e a terceira 14 de julho, que fica em Cotiporã. São cidades próximas e elas foram começando aos pouquinhos até todas as obras estarem andando, uma num ritmo mais calmo, finalizando, e as outras em ritmo acelerado. Eu acordava quatro e meia da manhã, pegava o ônibus na esquina da minha casa e ia pra obra. Eu sempre tive muito apoio da Camargo, muito. Acho que por isso que eu estou nela há tantos anos. Eu precisava voltar pra poder pegar o ônibus e ir para a faculdade. Então nós tínhamos um ônibus que saía um pouquinho antes do horário final, e eles sempre me apoiaram e falaram: “Não, você pega esse ônibus, sai um pouquinho antes que é o tempo que você tem pra chegar em Veranópolis e pegar seu ônibus pra faculdade.”
P/1 – E ir para Bento Gonçalves.
R – Aí eu ia pra Bento Gonçalves, voltava meia-noite, comia alguma coisinha que minha mãe já deixava preparado e quatro e meia da manhã começava a rotina de novo. Sem falar no frio, né? No ano que a Camargo chegou, a temperatura registrada, a gente tem fotos, foi seis graus negativos. Então eu ia pra faculdade, uma das coisas que me dói porque o frio dói, gente... o frio dói! Eu chegava em casa do joelho pra baixo congelada, não tinha o que me esquentasse, nem a comidinha da mamãe, nem o quentão, nem a sopinha quente, nem o banho, nem nada. Eu acordava com a perna e o pé gelado e ia trabalhar gelada e assim eu passava seis meses do inverno. Foi uma marca bem forte da minha faculdade. Sem falar de todo o esforço, né?
P/1 – É, conciliar tudo isso, né? E o que te apaixonou na área de Recursos Humanos?
R – Gente, eu acho que tudo, né? O que eu exerço hoje é totalmente diferente do que eu comecei, o que eu aprendi e trabalhei durante nove anos. Eu trabalhava desde o recrutamento e seleção das pessoas, fazia fichinha de encaminhamento, levava pro treinamento, fazia tudo. Fazia parte de arquivo. E aí aos pouquinhos eu fui assumindo responsabilidades. Cadastrava os contratos no sistema, pegava assinatura de contratos. E aí você vai interagindo, daqui a pouco as pessoas de outros setores me chamavam para participar, organizar Sipat [Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho], foi envolvendo. A Camargo é uma marca muito forte, ela te envolve. A gente fala que ela injeta o sangue amarelo na sua veia, mas é isso, que você tem um amor tão grande que, pra mim, todo o esforço e dedicação, dormir quatro horas e meia, cinco horas por dia, eu chegava na obra, já tinha esquecido que tudo aquilo existia, que eu tinha que ir pra faculdade e tudo aquilo. Durante o meu estágio, que também eu fiz dentro da Camargo, então eu tinha acesso aos processos, eu fiz na parte de Gestão de Pessoas. Eu tinha tudo, todos os dados. E o meu estágio foram cinco módulos, cinco semestres diferentes. Cansei de minha mãe mandar um lanchinho e um suco natural pra mim e eu ficar no meu horário de almoço pesquisando coisas da história da empresa e dados, e aplicando pesquisa. Acho que tudo isso vai envolvendo. O que me cativa, não sei, acho que a Camargo me cativa muito mais do que a profissão.
P/1 – Você ficou em Veranópolis esse todo da obra lá?
R – Sete anos em Veranópolis.
P/1 – E trabalhando em Recursos Humanos?
R – Trabalhando na parte de Administração de Pessoal.
P/1 – E aí como surgiu pra vir pra cá?
R – Fidélis, que é outra marca na minha vida, foi um dos gerentes lá. Trabalhamos juntos durante dois, três anos e ele sempre falava: “Vou levar você, vou levar você.” Mas ninguém acredita porque uma menina que começou com 17 anos, que era um “bibelô”, todo mundo, até o João Henrique tinha o maior cuidado, ninguém podia mexer comigo. E aí vem aquele negócio, vem o Fidélis com o mesmo cuidado. Era uma criança crescendo, né?
P/1 – Ele já tinha outro trabalho em mente pra você? “Vou levar você” para outro trabalho?
R – Não, depois que ele saiu de lá que ele falava: “Eu vou levar você, eu vou levar você!” Aí, claro, você conquista as pessoas. O Fidélis saiu de lá e foi pra uma outra obra antes de vir pra Jirau. A gente se distanciou durante um período, eu permaneci lá, assumi outras responsabilidades, aprendi outras coisas. Aí num determinado período já fazia a parte financeira, já fazia parte de RH [Recursos Humanos], já estava na Secretaria. Obra pequena, você se torna polivalente, né? Você faz um pouquinho de tudo. E essa oportunidade surgiu através do Fidélis. Só que eu estava no meu último ano de faculdade quando começou a Jirau. Eles vieram em maio de 2008 e em agosto que de fato fechou a obra, vai acontecer. Aí o Fidélis ligando: “Não, você tem que mandar a Cris.” Conversava com o Carlos que era meu supervisor: “Você precisa mandar a Cris.” E o Carlos: “Não!” E ele me perguntando: “Você tem interesse em vir agora?” Eu falei: “Fidélis, eu me formo em dezembro. Meu vestido está comprado, as pessoas já estão convidadas, a minha formatura está chegando. Eu posso me formar de mala pronta, eu me formo dia 12 de dezembro, dia 13 se você quiser me mandar a passagem eu vou sem problemas.” “Não, porque eu preciso de você agora.” Eu falei: “Fifo - que é o carinho que a gente chama ele, né, o apelido - Fifo, o que vai valer eu ir pra lá pra Jirau sem um certificado, um diploma? Não tem o porquê. Eu preciso me formar!” E ficou nessa enrolação!
P/1 – E vir pra Jirau o que significava pra você? Sair de Veranópolis e vir pra Jirau, dois extremos do país!
R – A minha liberdade, eu acho. Eu acho que é assim, tipo: “Estou pronta.” E por mais que as pessoas não acreditassem que eu viria. Foi muito tranquilo porque quando eu recebi a proposta do Fidélis, que foi em maio, a gente começou a conversar, mas em agosto que ele de fato falou: “Eu preciso que você venha.” Eu já fui trabalhando os meus pais. Então, diferente de algumas pessoas de cidade pequena, eu desenvolvi dentro da Camargo. Por isso pros meus pais não era uma insegurança, e foi super tranquilo porque durante mais ou menos um ano dessa negociação de “você vem” eu falei: “Recebi a proposta, eu vou.” E eles nunca, nunca me falaram: “Eu não quero que você vá, eu acho que você não deve ir.” Durante todos esses quatro anos e meio que eu estou aqui eles nunca me falaram assim: “Não, você tem que voltar.” Muito pelo contrário: “Não, minha filha, é seu trabalho, você tem que ter forças, é aí que você tem que ficar e sua escolha está certa.” Então nunca aquele negócio de: “Não, você não tem que ir.” E: “Sim, você vai!”
P/1 – Cristiane, e nessa época você namorava, como era conciliar isso também?
R – Sim. Namorei durante três anos de Camargo, aí tinha um namorado pra conciliar também, né, com tudo isso. E ele morava em Nova Petrópolis, não era nem na mesma cidade. Finais de semana ele ia à minha casa, finais de semana eu ia à casa dele. Então sexta-feira era tudo aquilo, tinha faculdade, tudo e aí eu não poderia fazer a matéria da sexta-feira porque senão eu não ia conseguir namorar, né? Tinha isso também! Durante esses três anos eu namorei, conciliava as coisas e dava meu jeito. Ele com um pouquinho de ciúmes: “Ah, você trabalha no meio de um monte de homem e aí você vai pra faculdade, esse mundo de obra.” Mas foi aprendendo, crescimentos da vida.
P/1 – E quando você veio mesmo?
R – Eu vim...
P/1 – Formou e veio?
R – Sete de abril. Não, formei, aí o chefe de lá falava: “Não vou liberar a Cris, a Cris tem que fechar o Ceran. Ela é a única menina que eu tenho de folha, é a única pessoa de RH que eu tenho, como eu vou mandar a Cris pra você? Ela tem que fechar a obra, ela tem que transferir todas as pessoas e depois faz a transferência dela.”
P/1 – Que era finalizar a obra?
R – Que era finalizar a obra.
P/1 – O que é Ceran?
R – Ceran é Complexo Energético Rio das Antas.
P/1 – As três hidrelétricas
R – Eram as três usinas de lá. E aí ficou aquele impasse, vem, não vem, vem, não vem. Era 27 de março de 2009 fechamos a obra, aí eu lembro a última transferência que eu coloquei no sistema, aí você puxa dentro do sistema SAP - o sistema de cadastro de funcionários. Aí apareceu: “Não existem registros para a UT - que é Unidade de Trabalho – 455 Ceran”. Copiei a tela, dei um print da tela e mandei pro Fidélis. Falei: “Estou pronta, pode me levar!”
P/1 – Ah, que ótimo!
R – E aí em sete de abril eu vim. Pedi uma semana só pra fechar as minhas coisas que eu tinha lá, tal, ajeitar minha vida, assimilar que eu estava indo e vim embora, vim pra Jirau!
P/1 – É uma mudança, né? De uma cidade de um lado do país pro outro lado do país. O que você trouxe de seu?
R – O Fifo foi muito sacana comigo, muito. Porque ele me falava assim: “Olha, vou te vender o inferno pra depois você não reclamar que eu te prometi o céu. Você não vai morar bem, não é como Veranópolis, aqui não tem nada, não tem cinema, não tem balada, não tem nada!” Eu fiquei pensando: “Meu Deus do céu, o que eu estou fazendo?”. E uma semana antes de eu sair, as pessoas que já estavam aqui e que tinham contato com a gente da obra, mandaram umas fotos de Jaci-Paraná na época de chuva. Rua alagada, rua com lama. Eu falei: “Onde eu estou indo?” Aí eu dei uma balançada, mas tinha uma coisa muito maior me falando: “Você tem que ir, você vai e ponto.” Ele me vendeu o pior dos mundos, eu vim de lá, nem lembro com quantos quilos de excesso de bagagem, paguei quase 500 reais de excesso de bagagem. Porque eu trouxe DVD [Digital Video Disc], livros, tenho uma mini-biblioteca na minha casa daqui, tudo o que eu trouxe de lá. Já que estão comigo, vão permanecer comigo. Então DVDs, livros, roupa, calçado. Aí eu pensava: “Gente, será que vai ter o sabonete que eu gosto de usar? Será que vai ter o xampu que eu gosto de usar? Será que vai ter um lugar para comprar perfume? E a minha unha?” Porque eu fazia a unha todo final de semana, decorava. Era uma coisa meio assim, não sei pra onde eu estou indo. Enfim, vim com excesso de bagagem gigante! Quase 500 reais de excesso de bagagem e eu paguei. E no mesmo dia, eu nem sabia que uma menina estava indo também, uma menina de Veranópolis, nós nos encontramos no aeroporto em Porto Alegre. Veio pra cá, logo a gente foi morar junto numa república. Porque quando as pessoas chegavam, iam ou pra hotéis ou pra república. Aí fomos pra república e dividimos a república. Quando eu cheguei, duas e meia da manhã de uma terça-feira, desci do avião. Calor. Eu falei: “Nossa, o que é isso, gente?” Aí sabia que tinha uma pessoa da empresa me esperando, já tinha contato com outras pessoas aqui, que é um “paizão” que eu tenho desde lá, a gente veio junto, é uma pessoa muito querida e que sempre me ajudou, tinha ajeitado tudo e falou: “Não te preocupa que chegando aqui essa pessoa vai te buscar, vai te levar, no dia seguinte e vai te levar pro escritório.” Eu cheguei na república tinha duas camas e, não sei se vocês conhecem armário de alojamento, uns armários de aço que tem nas cozinhas industriais, que as pessoas guardam as coisas?
P/1 – Sei, sei.
R – Só. Duas camas. Aí tinha uma cozinha, uma pequena lavanderia e uma suposta sala que não tinha nada. Aí bateu um desespero grande: “O que eu estou fazendo aqui?”. E tinha prometido que eu ia ligar pra minha mãe na hora que eu chegasse na república. Isso era quase quatro horas da manhã, lá eram cinco horas da manhã. Eu falei: “Bom, tem que ligar pra minha mãe.” Só que aí já chorando, né? “O que eu estou fazendo aqui?” Já num desespero. “Gente, não tem nada, como é que eu vou guardar minhas roupas num armário de aço? Eu vou deixar na minha mala!” E já fiquei assim, toda preocupada. Bom, mas eu estou chegando, não tenho contato com ninguém, não falei com o Fidélis, não sei nem onde eu estou. E foi meio impactante assim. Aí liguei pra minha mãe, prendi o choro e ela: “E aí, minha filha?” Eu falei: “Não mãe, está tudo bem, está tudo tranquilo, o lugar onde eu estou está super gostoso. Não te preocupa que está tudo bem”. Sete e meia da manhã fui trabalhar, já no dia seguinte, nem esperei dormir nem nada. Fui pro escritório, que uma parte do pessoal estava em Porto Velho, Recrutamento e Seleção estava em Porto Velho, e alguns setores já estavam na obra. Aí nada de Fidélis, uma semana e o Fidélis na obra. Cheguei lá e não conhecia ninguém. Aí: “Seu supervisor é o Sérgio.” E esperei, esperei, esperei, ele tinha ido numa outra empresa, ou no Sine [Sistema Nacional de Emprego], antes de chegar no escritório. Fiquei lá mais de duas horas sentada esperando. Todo mundo me olhava, eu era encarregada administrativa. Aí as pessoas que estavam lá sabiam que eu era encarregada, todo mundo me olhava. Chegou e ninguém conversava. Nossa, foi difícil. Uma semana depois encontrei o Fidélis, cheguei: “Nossa Fidélis, parabéns pela sua esposa!” E ele me falou: “Minha esposa perdeu o filho nessa madrugada.”
P/1 – Ela estava grávida?
R – Estava. Respira fundo, vamos lá. Aí comecei a me inteirar com as coisas. Dez dias que eu estava em Porto Velho e o Fidélis: “A auditoria está chegando. Preciso de você na obra.” E eu estava de tênis, porque no escritório se usava tênis e blusinha de manga curta. “Tem um motorista que vai pegar você, você venha pra obra agora” “Tá bom.” Juntei só a minha bolsa e vim embora, não sabia nem onde era a obra. Anda, anda, anda, anda, cadê a obra que não chega nunca? 130 quilômetros pra chegar na obra e eu só com um “tenizinho” e uma blusinha. “Auditoria vai chegar aqui na segunda-feira, eu preciso que você organize tudo!” “Tá bom, tudo o quê?” Comecei a gerar relatório no SAP, relatório de férias, auxílio habitação, tal. Aí tinha um assistente que estava na obra, Fidélis chegou: “Senta do lado do assistente e fala pra ele te falar tudo, tudo como está a situação.” Eu cheguei: “Fulano, vamos sentar aqui um pouquinho, eu preciso conversar com você. A auditoria está chegando, eu preciso ver como estão os processos, tal.” Me apresentei pra ele: “Não, não vou conversar com você porque eu estou fazendo outra coisa”, nem me lembro o que ele falou. “Mas como assim você não vai conversar? Sou encarregada administrativa da área, estou chegando agora, o Fidélis pediu para eu vir pra cá e conversar com você.” “Não, eu não vou te atender agora. Se você quiser você espera.” Eu falei: “Está bom.” “Fidélis, ele não vai conversar comigo.” “Você tem autonomia pra fazer o que você quiser, eu preciso que os processos estejam prontos em uma semana”. Menina, Jirau estava com um mil e 600 funcionários. Não tinha prontuário organizado, não tinha relatório de férias, não tinha relatório de auxílio habitação, não tinha relatório de nada. Nada. Nós não tínhamos controle das coisas. Legal, uma semana pra colocar tudo isso em ordem. “Fidélis, preciso comprar pasta suspensa, envelope, prontuário, preciso organizar as coisas, o que eu faço?” “Pega um carro e vai pra Porto Velho.” Tipo, se vira, pega o carro e vai pra Porto Velho. “Você acha que eu estou na minha cidade, que eu sei onde tem uma livraria pra comprar as coisas, né?” Desafios. Eu falei: “Está bom, me dê alguém que conheça Porto Velho que eu vou lá e faço as compras.” E assim foi, menina, acho que os primeiros três meses eu não conseguia raciocinar que eu estava aqui. Eu sentia muita falta da minha mãe, claro, da minha família e de todo mundo, mas eu não tinha um tempo livre pra chorar, pra me desesperar. Então, você percebeu, minha vida sempre foi tudo muito corrido, né, sem muito tempo de: “Ah, agora estou mal, quero ir pra casa, quero ir embora.”
P/1 – Não deu tempo.
R – Não deu tempo. Passou algum tempo e eu já estava tranquila. Aí logo fui promovida, eu já era supervisora da área, então veio o reconhecimento, um salário melhor e as pessoas. Eu falei: “Fidélis, Porto Velho tem tudo. Porto Velho tem shopping, Porto Velho tem balada, tem restaurante. Você me fez pagar 500 reais de excesso de bagagem e eu não li um livro até hoje!” Ele falou: “Está vendo? Essa foi a chave pra você chegar aqui e se motivar, e não desmotivar porque eu não queria vender o céu pra você. Queria que você chegasse aqui, primeira vez que saiu de casa, totalmente dependente do seu pai, da sua mãe pra tudo. E era isso que eu queria passar pra você.” Então Fidélis, é uma grande pessoa pra mim, que me fez de fato. É a sua independência, é a sua carreira, você está pronta e segue sua vida. E sempre foi dessa forma.
P/1 – E você continua na área de Recursos Humanos e hoje você é responsável pelo quê, Cristiane?
R – Hoje eu coordeno Responsabilidade Social, Comunicação e Serviço Social.
P/1 – Pouca coisa!
R – Pouquinha coisa! Então eu fiquei durante nove anos na parte de Administração de Pessoal, onde era assim: “Não, isso pode, isso não pode, é assim, a regra é essa e não tem como sair da regra. É isso, ponto. Acabou.” E aí Jirau teve todas suas particularidades, né? De manifestações, bloqueio da entrada da obra, então eu passei acho que por todas as manifestações, desde as mais suaves até as mais agressivas. E eu acho que foi aí que começou a desencadear esse negócio que “a Cris tem o perfil pra outras coisas, então vamos tirar ela do sim e não, do massacre, do sim e não”, porque você acaba sendo taxada como rude, né? A que fala não, nunca a que fala sim,é a que fala não. E quem vai procurar o Departamento Pessoal, quer exceção da regra, e aí você fala pra ele: “Não, não pode. Isso é regra, isso é assim que acontece, isso é legislação.” E aí você tem um “chavão” que você vai desmistificando.
P/1 – Que você não quer ajudar etc.
R – É.
P/1 – E aí você ficou com Responsabilidade Social?
R – Isso.
P/1 – Como estavam essas ações quando você assumiu?
R – Bom, acho que o que me levou pra Responsabilidade Social foi um evento de 2011, que foi o maior, o mais agressivo, que queimou a maioria dos alojamentos. A gente teve uma grande mobilização de pessoas e eu assumi a coordenação de um dos locais onde a gente estava abrigando as pessoas que estavam sem alojamento.
P/1 – Foi a greve que teve a queima dos alojamentos e depois precisava alojar essas pessoas todas. Quantas pessoas ficaram desalojadas? Só pra gente ter uma ideia.
R – Nem me recordo. Mas nós mandamos pra casa mais de oito mil pessoas, pra todos os lugares do Brasil. E a gente tinha vários pólos em Porto Velho. Então nós tínhamos um grande centro que fazia o cadastramento das pessoas que estavam desalojadas e depois separava um pouquinho em cada pólo pra não ficar todo mundo no mesmo local, que a gente queria fechar aquele Sesi, que era um lugar desconfortável pra gente.
P/1 – O que era o Sesi?
R – O Sesi é o Sesi mesmo, o sistema S. A gente conseguiu com eles a parceria de um salão de jogos pra abrigar as pessoas. Só que não cabia oito mil pessoas dentro do ginásio.
P/1 – Uma loucura, né?
R – Aí eu assumi o local do zero. E as pessoas começaram a me identificar. Como eu tinha algumas informações, chegou um ponto que o menino falou: “Tira essa pessoa daqui.” Porque eu não andava mais, porque todo mundo vinha: “ E aí? E aquilo, e aquele outro?” Me tiraram e me mandaram para a Nautilus, que era um outro local, não tinha ninguém. Então eu comecei a organizar as pessoas que chegavam lá. Cada ônibus que chegava eu reunia todo mundo e explicava: “Gente, aqui vai funcionar assim, nós vamos servir refeição, daqui a pouco vai ter chuveiro, colchão, então vamos ficar calmos. Nós vamos fazer as inscrições e eu vou atender vocês da melhor maneira possível.” E assim eu tinha três mil e 500 pessoas.
P/1 – Como eles recebiam essas informações?
R – Tranquilo. A palavra chave de tudo é comunicar!
P/1 – Os dormitórios pegaram fogo, um grupo prejudicou a maioria, como é que foi isso?
R – Eu não sei te dizer o que aconteceu, foi um grande ato de reivindicação que acabou se tornando vandalismo. Mas o porquê e os porquês a gente não sabe.
P/1 – Mas precisava acolher essas pessoas.
R – Precisava acolher essas pessoas da melhor maneira possível. Então eu tinha um local pra coordenar, ou eu tinha as pessoas comigo ou eu não ia conseguir trabalhar. E assim eu fui ganhando a confiança daquelas pessoas porque eu acho que quando a gente falta com a verdade ou a gente promete alguma coisa e você não cumpre, acabou o seu trabalho. E como eu tive a oportunidade de receber cada grupo e conversar com eles e organizar a coisa pra que não faltasse com a verdade, eu tive as três mil e 500 pessoas na mão. Passei três noites sem dormir, três dias e três noites sem dormir, eu só trabalhei durante todo esse tempo.
P/1 – Em que ano foi isso?
R – 2011. E foi muito gratificante pra mim porque nem o cansaço físico e mental me fazia parar porque eu tinha que ajudar, a gente precisava fazer da melhor forma. Então chegou no final, as pessoas me davam bombom: “Pô, obrigado.” Me davam uma lembrancinha, CDs [Compact Disc], eu ganhei um monte de coisa. Tinha uma pessoa que estava totalmente alcoolizada e foi uma das pessoas que mais me deu trabalho, eu com calma, paciência: “Moço, me deixa trabalhar, por favor. Eu preciso atender outras pessoas.” No dia que eu consegui embarcar ele no ônibus, eu chamei ele primeiro, propositalmente. Fazia as chamadas em ordem alfabética pra não discriminar ninguém, né? Eu falei: “Bom gente, vocês vêm me acompanhando, a chamada é em ordem alfabética, mas hoje eu tenho uma exceção.” Aí chamei ele primeiro. Menina, ele saiu da fila suado, chegou, me abraçou assim, me pegou no colo, me deu um beijo e falou assim: “Eu falei pra vocês que eu ia beijar essa menina antes de ir embora!” Aí você cai na graça, né? Você não consegue nem ficar chateada. E partiu daí, eu acho, alguém já teve essa ideia de falar...
P/1 – Nesse momento teve que mandar as pessoas de volta pra casa delas porque aí não tinha mais os alojamentos, até reconstruir tudo?
R – Três meses.
P/1 – Que loucura! Mas a pessoa continuava empregada com a Camargo e depois voltou a trabalhar?
R – Sim, sim, sim. Quando a gente começou a fazer a reconstrução dos alojamentos, aí aos pouquinhos a gente foi trazendo as pessoas de volta.
P/1 – Nossa, uma logística enorme.
R – Nossa, foi um trabalho enorme, gigantesco. E uma experiência muito boa para algumas coisas e ruins pra outras. Eu consigo tirar só coisas boas da minha experiência, daquilo que foi, eu acho que onde eu me identifiquei. Amo administração de pessoas sim porque foi tudo o que eu aprendi durante toda minha vida. Mas agora o que me cativa é o que eu faço agora. Então partiu daí, partiu de uma coisa muito ruim que pra mim se transformou numa coisa muito boa.
P/1 – Você estava falando que virou uma paixão, né?
R – Isso.
P/1 – Falando agora desses projetos sociais. Como você acompanha esses projetos que são desenvolvidos pelo Instituto, via Instituto, nos arredores aqui da obra?
R – Pra mim foi um grande desafio, acho que maior do que ter enfrentado a crise, foi o desafio quando fui pra Responsabilidade Social porque eu não tinha conhecimento e experiência nenhuma, nenhuma. Zero. E Responsabilidade Social em geral era uma coisa que acompanhava outro setor, entendeu? Não tinha um Setor de Responsabilidade Social, era alguma coisa e Responsabilidade Social, Comunicação e Responsabilidade Social. Treinamento e Responsabilidade Social. Então existiam já alguns projetos rodando, mas eu não conhecia nada, eu não tinha experiência de nada. Eu fui pra Responsabilidade Social um mês antes do Dia do Bem Fazer. E a pessoa chegou e falou: “Tem que fazer o Dia do Bem Fazer.” Eu falei: “Está bom, por onde eu começo?”. Sentamos, conversamos algumas coisas, acho que foi o meu primeiro desafio e o meu primeiro encontro. A dona Aldenor foi a senhora da Creche Mãe Trabalhadora que eu fiz a primeira ação sendo Responsabilidade Social. E ela me contou a história dela que me cativou tanto que eu falo: “Gente, se é com isso que eu vou trabalhar - eu falei, eu chamo ela de Dona Menininha porque ela é desse tamanho assim - “Dona Menininha, eu estou começando agora na Responsabilidade Social, mas se isso foi um sinal do que eu vou ter pela frente, eu vou amar trabalhar com isso!” E foi muito bacana a história dela, a nossa interação. Eu fui pegando os processos, entendendo os projetos. Criando novos projetos. E o ano de 2012 pra gente alavancou muitas coisas. Porque devido às crises, muitos projetos pararam, muitos não começaram e aí foi um desafio pra mim porque como Responsabilidade Social eu tinha que tocar o negócio, eu tinha que implantar tudo e fazer tudo. De julho de 2011 até dezembro, eu estava me inteirando. 2012 foi um ano excelente. Eu já dominava os projetos, conhecia e já tinha capacidade de olhar pra obra e falar: “Nós precisamos disso. Nós precisamos fazer algum projeto voltado pra isso porque aqui nós temos nossas deficiências”. Então foi muito bom. No início nós tínhamos os programas estruturados, os Estruturantes do ICC [Instituto Camargo Corrêa], né? Que é o Infância Ideal, Escola Ideal, Futuro Ideal e Ideal Voluntário. Só que nós tínhamos só o Futuro e o Escola Ideal acontecendo. Por isso eu tinha a missão de articular para o Infância Ideal retomar e implantar o voluntariado dentro de Jirau, que era uma coisa assim: “Não vai acontecer...”
P/1 – Não existia?
R – Não existia. Então fizemos todos esses projetos, implantamos o PGOI, que é o Programa Grandes Obras Pela Infância, que atua no enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes. Implantamos interna e externamente. Implantamos o programa de voluntariado. Fizemos muitos mutirões, muitas ações sociais, mobilização de voluntários. Fizemos a implantação do projeto de inclusão social das pessoas com deficiência. Nós temos uma cota, nós temos uma legislação, mas o projeto não ficou limitado a isso. Pra gente não é, não insignificante, mas pra gente era muito mais do que cumprir uma cota, a gente queria fazer um projeto de inclusão social. Então a gente capacitou as pessoas, deu treinamento, tivemos parceria com o Instituto Pró-Cidadania de São Paulo. Sensibilizamos as equipes, os gerentes, os gestores, as pessoas, foi um trabalho muito árduo. A gente chegou a contratar 140 pessoas com deficiência num mês. Em 20 dias eu tinha que realocar todo mundo. E uma estratégia que a gente teve, como o nosso número de efetivo é muito grande, o nosso número de cota é muito grande.A gente não tinha como fazer um recrutamento que a empresa fala: “Eu quero 30 escriturários com esse perfil.” Para nós foi o contrário. O que o mercado me oferece e onde eu vou poder colocar essa pessoa? Então a gente contratava as pessoas, fazia triagem do perfil e incluímos nas atividades que tínhamos aqui dentro.
P/1 – Entendi.
R – Foi o processo reverso do normal de recrutamento. Trabalhamos 2012 arduamente nesse programa, implantamos programa de gestantes. Foram muitas campanhas. A gente sabia a norma da Responsabilidade Social, a documentação, o porquê a gente tinha que fazer, quais assuntos que nós tínhamos que sensibilizar, quais os problemas mais polêmicos. Então, pra mim foi onde eu me achei acho, onde eu me realizei profissionalmente foi nessa área.
P/1 – E amanhã e depois de amanhã a gente vai estar nas cooperativas. Eu queria que você falasse um pouquinho o que você acompanha do trabalho das cooperativas
R – Bom, este é um programa que a gente tem ele como a menina dos olhos de ouro. Ele é lindo, muito bem estruturado, é um programa que dá muito certo. A comunidade tem o programa pra eles, acho que isso é o essencial. Quando a comunidade fala: “Eu quero este programa pra mim.” - o programa roda que é uma beleza. Temos a parceria do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], da Liah também, que vocês já conheceram, muito bom. E o Sebrae é um parceiro super importante, que é quem de fato está com eles e explicando, inclusive, a técnica. Então a Cooperativa de Abunã, a produção é de abacaxi. Pessoas super humildes, com uma mobilização de voluntários pra conseguir as coisas, os cooperados, fantástico. Eles estão numa comunidade muito humilde, muito simplesinha e as coisas acontecem. O União Bandeirantes também. Então a gente tem um carinho por essas pessoas, sabe? Além do projeto ser maravilhoso e de fato estar contribuindo pra comunidade, eles avançaram várias etapas do projeto, desde a mudança da forma de plantação deles. Eles falavam pra gente: “Mas o meu pai sempre fez assim, o meu avô plantava dessa forma.” Aí os parceiros entrando: “Olha, melhor método de produção é este, você vai conseguir colher melhor, o seu produto vai ser melhor.” Eles foram avançando e a gente foi avançando com eles, as conquistas deles, as capacitações, os treinamentos, a comercialização, a negociação. É um projeto que encanta, que dá muito resultado.
P/1 – Qual é o ingrediente pra dar certo? Você falou que são pessoas muito simples, muito humildes. Desenvolver pessoas, qual é o diferencial aí?
R – Eu acho que eles são o diferencial. Porque a gente tem exemplos de comunidades que dão certo, que estão articuladas, que são organizadas, que cada um trabalhava individualmente e que aprenderam. Eu acho que a essência e a chave foi assim: “O que vocês são bons?” “Nós somos bons na plantação do abacaxi.” “Nós somos bons na plantação de banana.” E a gente olhar pra eles e falar: “Então, nós vamos potencializar naquilo que vocês são bons.” Porque alguns projetos sociais a gente tem a ideia assim, olha a comunidade e fala: “Pra comunidade está faltando tal coisa, então nós vamos investir no que está faltando.” Acho que não é isso, acho que a chave do negócio é você potencializar as coisas boas. Nós tivemos um seminário que fala do copo cheio, de um copo, né, com água, que a água são as coisas boas e o que está faltando para completar o copo são as coisas negativas que a gente tem. E muitas vezes a gente tem a ilusão de que a gente precisa completar o copo e sanar as necessidades das coisas ruins. E a gente aprendeu que precisamos investir nas coisas boas. Eu acho que a essência está nos cooperados, na vontade de fazer acontecer, na vontade de ter o projeto, na vontade de se estruturar. Porque se a comunidade não receber o projeto como sendo dele, não adianta.
P/1 – Agora tem vários agentes nesse projeto das cooperativas, né? Tem a Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural], o Sebrae, o Instituto, vocês aqui da Camargo, as próprias cooperativas. Como é esse grupo de instituições do bem?
R – Eu acho que nós somos parceiros. A construtora não é a financiadora, o ICC não é o financiador. Nós somos parceiros. E eu acho que a parceria é a essência do negócio acontecer. “Cris, preciso de um treinamento pros agricultores na parte de refeitório, você consegue?” “Vamos agendar”. Marcamos com a nutricionista, a gente recebe, mostra como acontece. Então, acho que cada um sabe o seu papel e ninguém está aí pra disputar com ninguém, todo mundo está aí pra ajudar e pra completar o processo. E eu acho que é isso que dá certo, a gente não tem... É difícil você mobilizar e articular? Sim, é difícil, mas eu acho que quando você tem os parceiros e que cada um atua e complementa o outro o projeto, dá certo.
P/1 – Como que foi acontecendo o envolvimento das pessoas? Você acompanhou um pouco?
R – Eu peguei o projeto já na metade do ciclo, então toda mobilização deles eu não acompanhei pessoalmente, mas eu acompanhei o desenvolvimento deles dentro do projeto. Você vai conhecendo as pessoas aos pouquinhos, aí você percebe quem está um pouco desconfiado se o projeto vai dar certo ou não, vê a etapa acontecendo, vê a cooperativa sendo inaugurada, vê a câmara fria colocada no lugar, as pessoas acabam se envolvendo, né?
P/1 – E como você acha que a vida dessas pessoas foi mudando? O que você acha que trouxe de benefícios, de melhoria pra vida delas?
R – Aquilo que eu comentei. Eles tinham aquele modo de produção que o avô e que o pai ensinaram e que eles continuaram fazendo. Então, pra comunidade, pras cooperativas, foi um ganho muito grande que eles deixaram de ser o produtor individual pra trabalhar em cooperativismo. É isso que proporcionou o desenvolvimento. Mas aí é muito difícil, e por isso que vem o trabalho dos parceiros, que é o Sebrae e a Emater, com toda a técnica que eles têm pra expor isso porque você fala assim: “Gente, nós precisamos comprar... Você compra um saco de adubo pra sua comunidade, você compra outro, você compra outro. Se a gente comprar quatro sacos de adubo dentro da cooperativa, o preço é muito menor, entendeu?”. Dentro da cooperativa nós temos um cooperado que tem o caminhão que transporta só a produção dele. Mas esse cooperado pode juntar a produção de todo mundo. Quando a comunidade percebe que é um ganho para todos não tem o que você falar, eles vão agarrar e eles querem o projeto acontecendo
P/1 – Cristiane, você tem alguma história marcante, interessante, que você se recorda com carinho?
R – Das cooperativas?
P/1 – É, dos cooperados.
R – Dos cooperados. Tem uma história muito bacana que vai acontecer agora. Em um determinado momento, eles passam por etapas e a ansiedade é muito grande. “Mas está demorando muito, está demorando muito”. E numa oportunidade que a gente teve com a comunidade, isso aconteceu em União Bandeirantes, que é onde nós vamos entregar os caminhões. Nós tínhamos 30 cooperados reunidos e tal, eu sempre reforçando essa garra, essa articulação deles dentro da comunidade e que isso é mérito deles e não do ICC, da Construtora, de ninguém, porque se eles não quisessem o projeto pra eles, o projeto não teria acontecido. Aí um senhor me falou assim: “Pois é, mas tem esses ditos desses caminhão que não chega nunca! Eu acho que o boi foi com a corda!” Todo mundo começou a dar risada. Falei: “Não, eu tenho certeza que daqui a pouquinho eu estarei conversando com o senhor e vou falar: ‘Senhor, estamos de volta com os caminhões e o boi não foi com a corda!’” Então é o momento, acho que vai acontecer, vai ser muito importante. Ele, com certeza, vai estar no local e a gente vai ter oportunidade de falar pra eles. Daí ele me falou: “Então moça, seguinte. Já que o boi não foi com a corda, no dia que a gente entregar os caminhões eu já tenho um boizinho que eu estou engordando e a gente vai matar o boizinho pra comemorar a chegada dos caminhões!”. E é isso que vocês vão lá presenciar na sexta-feira.
P/1 – Que graça, né?
R – É. É muito gostoso.
P/1 – Pessoalmente, quais são seus aprendizados com essa área de Responsabilidade Social? Convivência com essas comunidades tão diferentes, né?
R – Eu acho que a humildade das pessoas, a simplicidade das pessoas. As dificuldades que eles enfrentam. Você para pra pensar e fala: “Nossa, as dificuldades que eu tenho” - não que elas sejam menos significativas, mas às vezes a gente torna as coisas tão mais difíceis. Aí eu me recordo da minha infância. Eu estudava numa sala de aula limpinha, organizada, com as classes bonitinhas. E hoje a gente vê aqui uma realidade totalmente diferente, tem comunidades que têm 40 alunos num calor de 40 graus, e aí não tem ar condicionado, a professora fica com um papel abanando e as crianças se mexem, não conseguem concentrar. Eu falo: “Gente, todo mundo deveria passar em um determinado momento da vida por uma responsabilidade social, que aí a gente vai, de fato, ver e fazer valer os nossos valores.” Aquilo que você não dava importância, hoje é uma coisa que você fala: “Agradeço a Deus por tudo que eu tenho.” Diante das dificuldades que a gente encontra por aí, diante dessas pessoas maravilhosas que têm dificuldades e jamais baixam a cabeça pra dizer “não vou conseguir”. Você não encontra essas pessoas. Eu acho que por a gente estar envolvida, sempre tem os aspectos negativos, mas acho que por nós potencializarmos as coisas boas da comunidade,eles têm as dificuldades, mas eles não baixam, eles sempre estão querendo mais e mais, e se realizar, e superar as dificuldades, e quebrar os paradigmas da comunidade. Acho que esse é o maior aprendizado que a gente tem.
P/1 – E esse processo todo de empoderamento das pessoas, dos cooperados, gerou outras ações deles por conta própria, nas escolas, um pouco de melhoria nas escolas? Porque eles estão vendo a vida deles se transformar. Você acha que tem alguma coisa assim, um efeito dominó, pouquinho que seja?
R – Tem, tem, com certeza. Porque nas cooperativas nós não estamos com os cooperados durante todo o processo. Nós temos encontros, capacitações, mas se não tivesse o efeito dominó de fazerem ações em paralelo a isso não teria dado certo. Eu acho que com esse empoderamento que a gente faz a eles, eles conseguem envolver outras pessoas. A dona Menininha, por exemplo, é uma senhora que tem uma creche comunitária em Porto Velho, que no dia que nós fomos fazer o Dia do Bem Fazer, nós olhamos aquilo e eu falei: “Gente, como faz?!” Ela recebe 11 mil reais por ano pra atender 130 crianças. Como faz? Como que uma pessoa dessas faz? E em nenhum momento eu vi ela triste!
P/1 – A gente estava falando do empoderamento e do efeito dominó. Você estava falando da Dona Menininha.
R – Isso, da Dona Menininha. E nós chegamos lá, a gente teve que reconstruir a creche dela. Reconstruir. E até hoje eu vou como voluntária e levo mantimentos pra ela porque ela continua recebendo esses 11 mil reais da Secretaria de Educação pra conseguir manter a creche. A Secretaria paga os professores, mas o restante, merenda, essas coisas, é ela que precisa se virar. E eu continuo sendo voluntária com ela e a creche está do jeitinho que a gente deixou. E ela liga, quando ela pinta uma parede, ela fala: “Meu anjo - ela me chama de ‘meu anjo’ e ‘madrinha’ - meu anjo, madrinha, venha ver que eu pintei a parede da Brinquedoteca.” A gente vai dar uma atenção pra ela, tal. E isso gera um incômodo nas outras pessoas. “Ah, mas por que ela conseguiu?” E aí chovem...
P/1 – Pedidos?
R – Inúmeros pedidos de reformas e tudo o mais. Eu acho que tem sim, eu acho que é uma movimentação e é até um incômodo pro poder público quando eles se deparam com a realidade de uma empresa vir de forma voluntária para fazer uma melhoria ou uma implantação de alguma coisa que eu não estou fazendo. Então, que gera um incômodo e o efeito é dominó, gera, com certeza.
P/1 – Cristiane, a obra aqui vai ficar mais um ano até desmobilizar completamente. E aí, planos para o futuro? Você vai ligar pro Fidélis?. Porque agora você tem uma experiência com Responsabilidade Social também, né?
R – O Fidélis está na concorrência agora, né?
P/1 – Ah!
R – Mas eu ganhei um grande pai que é o Valmir. A gente tem uma afinidade muito grande, então acho que até por isso quando o Valmir chegou, eu só estava com Responsabilidade Social, em seguida eu peguei o Serviço Social, que a gente faz o atendimento de todas as pessoas na parte de saúde. Precisa de uma consulta em Porto Velho, mas não tem onde ficar. Teve óbito de algum familiar: “Preciso ir pra minha cidade.” Todo aquele atendimento de carinho, de atenção que demanda. Diferente da Administração de Pessoal que era sim não, sim não. Agora: “Está bom, vamos ver se a gente consegue, vou conversar com a gerência”. Então agora é: “Deixa eu ver o que eu consigo te ajudar.” É diferente. E Comunicação também, faz pouco tempo que eu assumi a área, mas que também eu acho que vem com a experiência e eu ganhei um grande pai porque se ele me delega outras atividades é porque, de fato, confia no trabalho. Portanto, o futuro é sempre um ponto de interrogação. Agora eu estou com um relacionamento sério, uma pessoa que trabalha na obra, a gente tem expectativa de permanecer junto, de seguir junto. Estamos aí, vamos casar, e se a gente conseguir ficar junto... Então não sei, eu acho que o futuro pra mim é um grande ponto de interrogação daqui pra frente.
P/1 – Mas você gostaria de continuar com Responsabilidade Social?
R – Com certeza.
P/1 – Por que você gostaria de continuar?
R – A área de Responsabilidade Social eu acho que é onde eu me realizei profissionalmente.
P/1 – E Nova Mutum, uma cidade nova. Você foi pra sua casa. Como é que foi?
R – Outro grande desafio. Partimos de Porto Velho, chegamos na Vila não tinha absolutamente nada! Quando eu cheguei na casa, eram umas oito horas da noite, nem chuveiro tinha. Energia elétrica precisava ser instalada. E eu dividia a casa com mais outras três meninas em Porto Velho e nós viemos pra cá morando junto na mesma casa, mudança, carro cheio de coisas. Partimos do zero de novo, né? Entramos de madrugada, o eletricista instalando o chuveiro, tal. Tinha uma parte asfaltada, a outra parte era terra, chovia e virava lama, a nossa casa virava lama, eu falei: “Gente, vamos lá!” E logo depois começou a surgir um “comerciozinho” aqui, então as nossas necessidades a gente tinha que suprir em Porto Velho. Por eu já ter carro e as meninas não, a gente ia pra Porto Velho todo final de semana, comprava coisas, vinha pra cá e assim a gente foi. E morei nove meses em Porto Velho antes de vir pra Vila. Hoje eu não abro mão de morar na Vila de jeito nenhum. Porque a gente dorme melhor, descansa melhor, pois a estrada é muito perigosa. Em 20 minutos você está na Vila. E se montou uma estrutura para atender as pessoas daqui. Então supermercado, farmácia, restaurante, um barzinho pra você ir de vez em quando ouvir uma música ao vivo.
P/1 – Que legal!
R – Então hoje a gente tem uma estrutura, e eu acho que o ser humano é maravilhoso por isso, ele se adapta a tudo, né? Então foi uma grande adaptação de uma capital, Porto Velho, que você tinha tudo, e vir pra cá com restrições de tudo. E agora está super tranquilo.
P/1 – Qualquer coisa você pode ir até lá de novo.
R – Sim. A gente vai pra Porto Velho.
P/1 – Está perto e está longe, né?
R – É, isso mesmo.
P/1 – Cristiane, pra gente acabar. A gente passou aqui quase uma hora e meia você contando a sua história. O que você achou dessa experiência? É uma entrevista diferente, não é uma entrevista jornalística. O que você achou contar a sua infância, adolescência, período da rainha, o começo na Camargo?
R – Acho que é até um reencontro com a gente, né? Nós trabalhamos tanto, tanto, tanto que a gente acaba esquecendo o nosso passado e a nossa história, né? Não é que você esquece, mas você deixa adormecido. E aí relembrar isso foi maravilhoso, foi muito bom!
P/1 – Você acha que ficou faltando alguma coisa pra conversar, pra deixar registrado?
R – Não, eu acho que está tranquilo.
P/1 – Está joia. Então, em nome da Camargo, do Instituto e do Museu eu agradeço a sua entrevista. Muito obrigada.
R – Eu que agradeço a oportunidade. Eu acho que são pouquíssimas pessoas que têm essa oportunidade, e agradeço o trabalho de vocês e estamos sempre com as portas abertas, se não em Jirau, tomara que seja em uma outra obra.
P/1 – Obrigada!
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