Cabo Frio, Itapemirim, Macaé, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra na memória e vida de seus moradores
Depoimento de Pedrina Vieira Bueno
Entrevistada por Fernanda Peregrina
São João da Barra, 20/03/2013
Realização Museu da Pessoa
AECOM_SJB_HV02_Pedrina Vieira Bueno
Transcrito por Karina Medici Barrella (MW Transcrições)
P/1 – Dona Pedrina, pra começar eu gostaria que a senhora falasse o seu nome completo, o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Pedrina Vieira Bueno, nasci em 29 de junho de 46.
P/1 – Onde a senhora nasceu?
R – São Francisco de Itabapoana.
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – Fala o nome completo dos seus pais e o que eles faziam.
R – João Francisco da Hora e Maria da Conceição Vieira.
P/1 – O que ele faziam?
R – Trabalhavam na roça plantando milho, mandioca, e por aí fazia farinha, entendeu? Isso era o serviço do dia deles, e o meu também, eu era pequena, aí acompanhava eles também.
P/1 – Descreve um pouquinho como era essa rotina na roça?
R – Minha rotina na roça era levantar de manhã junto com eles. A gente era em quatro irmãos e eles carregavam a gente porque não tinha água, não tinha nada. Tinha que acompanhar eles pra poder ficar ali carregando as coisas que eles arrancavam, os milhos, as mandiocas pra levar pra casa de farinha. E ficava ali até o horário deles virem embora, era isso.
P/1 – E como era na casa de vocês, quando você estava em casa?
R – Era aquela vida de família. Chegava, ia fazer o que tinha pra comer, botava nós ali. E naquela época, a casinha da gente era feita de barro. As paredes eram de tábua e barro.
P/1 – E quem fez essa casa?
R – Meu próprio pai mesmo fazia.
P/1 – Tinha algum costume da família de vocês, que vocês faziam no dia a dia?
R – Não. Era trabalhar, casa e só isso aí. Não tinha local nenhum pra ir, pra sair, era só aquilo ali.
P/1 – E pra estudar como era?
R...
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Depoimento de Pedrina Vieira Bueno
Entrevistada por Fernanda Peregrina
São João da Barra, 20/03/2013
Realização Museu da Pessoa
AECOM_SJB_HV02_Pedrina Vieira Bueno
Transcrito por Karina Medici Barrella (MW Transcrições)
P/1 – Dona Pedrina, pra começar eu gostaria que a senhora falasse o seu nome completo, o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Pedrina Vieira Bueno, nasci em 29 de junho de 46.
P/1 – Onde a senhora nasceu?
R – São Francisco de Itabapoana.
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – Fala o nome completo dos seus pais e o que eles faziam.
R – João Francisco da Hora e Maria da Conceição Vieira.
P/1 – O que ele faziam?
R – Trabalhavam na roça plantando milho, mandioca, e por aí fazia farinha, entendeu? Isso era o serviço do dia deles, e o meu também, eu era pequena, aí acompanhava eles também.
P/1 – Descreve um pouquinho como era essa rotina na roça?
R – Minha rotina na roça era levantar de manhã junto com eles. A gente era em quatro irmãos e eles carregavam a gente porque não tinha água, não tinha nada. Tinha que acompanhar eles pra poder ficar ali carregando as coisas que eles arrancavam, os milhos, as mandiocas pra levar pra casa de farinha. E ficava ali até o horário deles virem embora, era isso.
P/1 – E como era na casa de vocês, quando você estava em casa?
R – Era aquela vida de família. Chegava, ia fazer o que tinha pra comer, botava nós ali. E naquela época, a casinha da gente era feita de barro. As paredes eram de tábua e barro.
P/1 – E quem fez essa casa?
R – Meu próprio pai mesmo fazia.
P/1 – Tinha algum costume da família de vocês, que vocês faziam no dia a dia?
R – Não. Era trabalhar, casa e só isso aí. Não tinha local nenhum pra ir, pra sair, era só aquilo ali.
P/1 – E pra estudar como era?
R – Pra estudar foi onde eu vim pra São João da Barra, com meus nove pra dez anos. Aí que eu fui saber o que era estudo.
P/1 – E por que sua família mudou pra São João da Barra?
R – Não, minha filha. Eles não mudaram, eles que me deram pra um casal de velhos, que acabou de me criar.
P/1 – Conta um pouquinho como é que foi isso.
R – Porque minha mãe tinha falecido, e ele sozinho pra ficar com os quatro filhos não tinha condições de sair pra trabalhar e deixar a gente, não tinha como. Eram dois irmãos e duas irmãs, quatro irmãos. As duas meninas, ele nos deu. A minha irmã mais velha foi pra casa da madrinha em Campos e eu fiquei em São João da Barra, na casa de dona Carlinda e João Sururuca, que me criaram.
P/1 – O que eles faziam pra viver? Esse casal que criou a senhora?
R – Ele trabalhava em transporte de peixe. Transportava peixe, naquela época tinha muito peixe, né? E tinha o restaurante na praça de São João, onde é agora esse... Onde tem a loja ali no centro em São João da Barra, ali era o restaurante deles. Aí ele vendeu, ficou bem cansado, não tinha como trabalhar no restaurante, aí vendeu.
P/1 – Eles tinham outras crianças, tinham filhos?
R – Só tinham um filho, o Rui, também faleceu. Era só eu e eles mesmos.
P/1 – E quando a senhora veio pra cá, a senhora continuou tendo contato com a família, com seu pai, com seus irmãos?
R – Não, não. Nunca mais. Depois só fui ver minha irmã, que soube que ela, tentou o suicídio por causa de homem, tacou fogo no corpo dela, foi onde eu fui encontrar ela no Ferreira Machado. Foi a última vez que eu vi minha irmã, foi em caso de morte.
P/1 – A senhora falou que o seu João Sururuca tinha um restaurante, né?
R – Isso.
P/1 – A senhora nessa época frequentava, ia com eles?
R – Não, ali era moradia e restaurante, tinha duas repartições, alto e baixo. Mas o meu conviver com eles era da porta do corredor pros fundos, pra frente não. Eu não tinha permissão de passar pro restaurante, eu ficava do corredor pros fundos. E ajudava muito ela no dia a dia.
P/1 – O que a senhora fazia pra ajudar?
R – Arrumava a cozinha, era o que eu fazia. Limpeza lá nas camas lá em cima, porque a minha vida foi de trabalho. Praticamente naquela época é quase a escravidão, eu trabalhava por demais, não tinha direito a sair com ninguém, era só trabalhar.
P/1 – E como a senhora fazia pra estudar?
R – Os horários? Eu saía dali, logo em frente era o grupo Alberto Torres, que agora reformaram, era ali que estudava. Saía dali ela já ficava me vigiando da porta pra ver se eu ia sair pra algum canto ou se eu entrava direto pro colégio. Eu não tinha permissão de coleguismo, nem ajuntamento com ninguém. Minhas colegas, minhas amigas, eram lá dentro do colégio e acabou. Saiu do portão acabou.
P/1 – E o que a senhora fazia? Tinha algum lazer na infância?
R – Não, não tinha, não. Isso que as crianças têm hoje em dia eu tenho até inveja (risos) porque eu não tive, minha filha. Boneca pra brincar? Nada. Não tinha nada.
P/1 – A senhora falou que ajudava na casa e tudo o mais. A senhora também ajudava quando chegava peixe?
R – Não, sobre isso não.
P/1 – Não. Essa parte...
R – Não, não. Porque ele geralmente comprava pra mandar pra mercado de campo, já ia direto.
P/1 – E no restaurante também não porque a senhora não ia pra lá, né? Ficava só na casa.
R – Era só do corredor pra dentro.
P/1 – E como a senhora conheceu o seu marido?
R – Olhe, minha filha, foi até uma história muito... Foi pelo meu sofrimento, você sabia? Porque ele sendo de Gargaú, foi viver em Niterói. Aí de lá, por lá viveu, eu não tinha nem conhecimento, nunca namorei. Aí ele chegou contando a história dele, e eu ali servindo, varrendo, ele contando a história dele, eu naquilo fiquei entusiasmada com o modo dele falar da vida dele. Aí, ele foi embora. Passados uns três, quatro dias, voltou ele de novo. Só que menina nova, e ele contando que ele era casado, ficou viúvo há pouco tempo, tava com filho de oito anos pra criar, não tinha ninguém. Contando aquelas coisas todas eu mesma fiz um bilhetinho pra ele, eu que conquistei ele, fui eu.
P/1 – Quantos anos a senhora tinha?
R – Aí eu estava com 15 anos, com 15 pra 16 anos. Ele aceitou, fomos embora. Fomos pra Gargaú, de lá voltamos pra São João da Barra, ficamos. Ele alugou uma casinha. Do nada. Eu não tinha nada, nada, nada. E nem ele também. Ficamos em São João da Barra numa casa alugada de um compadre meu, gente de bico, fogueteiro. Aí dali vivemos um tempo e trocamos plataforma, ficamos pra cá e aqui fiquei até hoje.
P/1 – Quando a senhora conheceu ele com quem ele trabalhava?
R – Era pescador, pescava no Rio Paraíba. Apanhava os peixes, estava vivendo bem, aí, fui adquirindo algumas coisinhas, veio o primeiro filho, já foi a dificuldade, já fomos passando mais dificuldade. Aí que eu comecei a descascar camarão, a limpar peixe pro povo do Edneia, de João de Nonô. Salgava muuuito naquela época, tinha muito peixe, salgava muito peixe mesmo. Era começar de manhã e ir pra noite a salgar peixe. E aqui estou, já tirei caranguejo no mangue pra vender. Isso de descascar camarão não tem base, é por muito mesmo. E depois desses filhos todinhos ele veio a falecer.
P/1 – Quantos filhos a senhora tem?
R – Eu tenho 11 filhos. Tudo criado, casado. Ele veio a falecer e aqui estou na mesma luta.
P/1 – Como que era a rotina quando ele era vivo e saía pra pescar?
R – Minha filha, ele saía pra pescar no Paraíba, naquela época tinha muito peixe. Era curimatã, muito muito muito mesmo, tainha, pra apanhar pra poder passar o comprador. Tinha muito peixe e pouco dinheiro, a gente passava dificuldade, minha filha.
P/1 – A senhora lembra pra quem vendia os peixes?
R – Pra esse povo de... Como é? João de Nonô, pro mesmo Pedro, irmão de Guca, que aí levava pra Campos, fazer mercado.
P/1 – Esses senhores eram aqui de Atafona mesmo?
R – Eram. Aí dava pra eles e passava pra Campos. E sempre foi assim.
P/1 – Quanto tempo ele ficava no rio, no mar?
R – Isso era de acordo com a maré. Às vezes saía à noite, duas horas da madrugada, com a boquinha da noite, chegava de manhã. Às vezes ia durante o dia, chegava de tarde, era sempre assim. Isso é de acordo com a maré. Aí depois passou pro mar, pescar no mar. Aí levava dois dias, três dias, negocio de mijoada, de rede. Era assim minha vida.
P/1 – A senhora lembra que tipo de técnica ele usava pra pescar, se era rede, linha?
R – Era rede. Naquela época não tinha nada de plataforma, não, era só de rede mesmo. Pra apanhar pescada, tainha, robalo, bagre, rede mesmo.
P/1 – E a rede, quem que fazia essa rede?
R – Eles compravam.
P/1 – Compravam pronta.
R – Compravam pronto. Ou do dono do barco também, que ele não tinha barco, era empregado. E era isso.
P/1 – A senhora sabe me dizer como eles faziam quando chegavam aqui, pra fazer a divisão do peixe, do dinheiro, como que funcionava?
R – Não. Chegava, pesava, é como é hoje. Pesava e dividia. O sacrificado é quem vai lá buscar, entendeu? Agora quem fica aqui pra atravessar é que ganha. Agora quem vai buscar, minha filha, se não tiver a cabeça no lugar nunca refaz a vida, sempre fica na mesma.
P/1 – A senhora falou que chegou a pegar caranguejo. Como é que era?
R – Entrar no mangue, na lama, pegar ele ou correndo, ou enfiar a mão no buraco pra arrancar ele. Tem que ter centos, encher um saco grande pra poder trazer pra entregar pro pessoal pra vender.
P/1 – Descreve como era um dia quando a senhora pegava caranguejo, o que a senhora tinha que levar?
R – Saía de manhã também de acordo com a maré. A maré tá vazando vamos aproveitar porque época de lua não adianta, tem que ser maré de quarto pra apanhar caranguejo. Porque em maré de lua ninguém consegue apanhar porque enche tudo e não tem como. Agora maré de quarta é que dá caranguejo. A gente pegava, enchia o saco e trazia. Botava na canoa. Isso tudo sem eu saber nadar, até hoje, saía na canoa (risos). É, minha filha, era luta.
P/1 – E quantas pessoas iam com a senhora?
R – Duas, às vezes ia uma, duas. Era sempre um remando e duas pra apanhar.
P/1 – E de quem era a canoa?
R – Era do tempo de outra colega minha, que a gente saía pra apanhar.
P/1 – E como que era chegar aqui, como vocês faziam pra vender?
R – Deixava com o rapaz de Gargaú pra vender, já vendia pra ele. A gente vendia pra ele, e ele trazia pra cá pra vender.
P/1 – E por quanto a senhora pegou caranguejo?
R – Ah, isso uns três pra quatro anos nessa vida de tirar caranguejo. Agora de limpar peixe, camarão continuo até hoje.
P/1 – Quantos anos a senhora tinha quando começou a limpar peixe e camarão?
R – Com uns 19 anos que eu comecei a limpar peixe e camarão.
P/1 – De quem eram os peixes?
R – De João de Nonô, Vininha, lá na baixada.
P/1 – E onde que a senhora trabalhava?
R – No frigorífico mesmo. Do lado tinha o frigorífico e tinha uma meia-águazinha pra gente poder limpar o peixe e camarão.
P/1 – Alguém ensinou a senhora como fazer?
R – Ahhhh (risos), você sabe quem me ensinou muito? A tia desse que está aí, a tia do Hugo, a mãe de Hugo (risos), né Huguinho?
Hugo – É.
R – Verdade! Porque nós éramos vizinhas.
P/1 – E como elas fizeram pra ensinar pra senhora?
R – Eu sentava e: “Pedrina, é assim Pedrina”. Eu cortei muito meus dedos. “Pedrina, cuidado pra você não arrancar um dedo” “Cuidado pra você nao cortar dedo ao escalar peixe”. A gente salgava muito peixe. Era eu, a mãe dele, a outra tia dele também que faleceu, entendeu? Essa Nelide mesmo também, era da turma. Nossa amizade, eu conheci elas ali, fiz amizade com elas ali. É isso aí.
P/1 – E pra salgar o peixe? Quem ensinou a senhora?
R – Elas também.
P/1 – Descreve um pouquinho como era um dia de trabalho de vocês.
R – A gente saía cedinho, já sabia de tarde, João de Nonô dizia: “Olha Pedrina e Célia, amanhã tem peixe pra vocês limparem.Vocês têm que salgar peixe”. A gente via, estava aquela multidão de peixe, que às vezes também ia pra vender e voltava, né? A gente saía cedinho, minha filha. Eu ou ela, quem tinha alguma coisa fazia alguma coisa pra comer e lá mesmo fazia os bolinhos, dava pra criança comer e ficava ali até de noite a gente limpando nossos peixinhos. Era assim. Às vezes, quando tinha quatro, as duas iam escalando o peixe, lavavam, e as outras iam metendo sal, pra poder ficar na salmoura, pra poder adiantar, não ficar enrolando. Enquanto duas iam escalando, as duas iam metendo sal e jogando dentro do depósito. E é isso que está aí. E ela, graças a Deus criou os filhos dela, e eu também criei, em nome de Jesus estamos todos aí.
P/1 – Dona Pedrina, a senhora falou que levava os filhos, né? A senhora levava todos os filhos pra acompanhar?
R – Era todos os quatro que eu tinha, a gente não tinha nada pra comer também. Elas que tinham mais uma coisinha faziam uma farofa com ovo, ou faziam um tutu de feijão pra dividir pras crianças. E era isso que está aí.
P/1 – A senhora chegou a ensinar algum filho a limpar peixe?
R – Limpa, minha filha limpa. Minhas filhas foram praticamente criadas descascando camarão. Escalar e salgar peixe, não, agora, descascar camarão, praticamente foi isso que está aí, criada descascando camarão.
P/1 – A forma como vocês limpavam o peixe antigamente, hoje mudou alguma coisa?
R – É a mesma coisa, é a mesma coisa. Se mudou um pouco é porque agora nós podemos limpar, congelar pra poder já ter congeladinho. Primeiro não tinha nada disso não, era jogar na caixa de gelo e acabou, era isso aí.
P/1 – A senhora falou de alguns peixes. De antigamente pra cá mudou? São os mesmos?
R – Do Paraíba mudou muito, acabou, não tem quase. Do Paraíba acabou, tem muito pouco. Agora, do mar andou sumindo as peroás, peroá preto sumiu, agora é que está aparecendo um pouco. As pescadas também tinham sumido, já estão aparecendo. Porque teve mês difícil de peixe, agora está voltando a melhorar um pouco.
P/1 – E quem traz os peixes pra senhora limpar aqui hoje em dia?
R – Ah, minha filha, sou eu que tenho que comprar pra trabalhar.
P/1 – E como a senhora faz pra comprar esses peixes? Como é essa relação com os pescadores?
R – Eu já compro no depósito mesmo, no frigorífico, eu compro pra trazer. Às vezes, aparece algum marezeiro, alguém que ganha aí, quer vender, aí chega aí e eu compro. Eu tenho que estar com dinheiro pra comprar e pagar na hora, senão, dos marezeiros eu não compro fiado. Agora no frigorífico eu já tenho um pouquinho de crédito, graças a Deus. O peixe que eu precisar, se tiver chegado ali eu apanho. Lá em Idenilton eu apanho, em Udneia é a mesma coisa. Graças a Deus. Aí eu compro pra poder trabalhar.
P/1 – A senhora já chegou a comprar peixe direto de pescador?
R – Já. Já, mas ultimamente não estou tendo condições de comprar. Porque sabe que pescador quer vender e logo receber, né, minha filha? E de repente eu não tenho. E eu não compro fiado pra depois não ficar aqui me cobrando e eu passar vergonha, que é muito ruim. Então eu trabalho de acordo. Posso comprar, eu compro. Não posso...
P/1 – E como funciona essa questão de oferecer crédito pra senhora comprar o peixe?
R – A minha palavra, não tem ninguém: “Ah, eu posso”. Não. É a minha palavra. Graças a Deus. Eu tenho que honrar muito, né? É isso que eu tenho, honrar minha palavra.
P/1 – Tem alguma estrutura que o próprio governo ofereça pra facilitar esse crédito?
R – Ainda não tive essa sorte e condição de pegar empréstimo nenhum. Primeiro porque eu tenho medo também, minha filha. Eu tenho medo de fazer empréstimo. Eu recebo da pensão do meu marido, aí pouco dá para eu me manter, né? Eu não faço não, filha. Não faço empréstimo, não.
P/1 – O seu marido foi pescador até o fim da vida?
R – Não, em 1990 ele não pescava mais. Ele montou, alugou ali na frente pra montar uma peixaria pra ele. Ele alugou, aí já trabalhava comerciando o peixe.
P/1 – Como é que foi essa mudança de ser pescador?
R – Melhorou mais. Aí já melhorou mais um pouco. Tanto pra mim, pra minha família. Que aí parou de pescar, começou comercializando o peixe e melhorou.
P/1 – E como vocês se organizaram pra conseguir abrir a própria peixaria?
R – Bom, minha filha, aí foi pela capacidade dele. Ele tinha muita amizade, alugou aquilo ali, e começou comprando, muita amizade, tinha crédito também, tinha moral, graças a Deus, respeitado por todo mundo. Os pescadores vinham, despejavam peixe para ele comercializar, graças a Deus.
P/1 – Então, no início comprava diretamente do pescador.
R – Ele comprava do pescador. Era peixe, era camarão, vendia muito, tinha muito conhecimento em campo. Aí o pessoal procurava, até gente do Rio quando vinha passar o verão procurava ele. Você sabe que há dois anos ainda tinha gente que não sabia que ele era morto? Entrou aqui procurando saber dele. Ainda sem saber, era grande, graças a Deus tinha bons conhecimentos.
P/1 – E até quando vocês tiveram essa peixaria própria?
R – Ele ficou ali uns 12 anos. Em 94 ele morreu. Aí fiquei eu, tive que entregar porque não tive condições de manter, pagar aluguel, comprar peixe. Aí tiraram de mim à força (risos). Foi uma covardia (risos). Mas amém, estou viva graças a Deus (risos).
P/1 – E como a senhora veio trabalhar aqui na peixaria?
R – Eu fui sorteada, querida. No meio de todos eles, dessa banca aqui, todo mundo foi sorteado, porque um é principalmente ela, o tio dela que trabalhava ali na rua, com as banquinhas de peixe. Aí, o antigo prefeito mandou fazer isso que está aqui e sorteou pra gente e eu fui uma, graças a Deus, que estava sem eira, nem beira (risos). É, minha filha, minha vida só Jesus.
P/1 – Além de limpar peixe a senhora faz outras atividades pra ganhar dinheiro?
R – Não, só isso aqui mesmo. E a pensão. É só.
P/1 – E o dinheiro é suficiente para ter boa condição de vida?
R – Não é, não. Pra gente que gosta das coisas certinhas, não é não, meu amor. Pode acreditar. Eu ainda passo imprensadíssima, pode acreditar.
P/1 – Dos seus filhos, a senhora falou que as suas filhas aprenderam a limpar peixe. E tem algum que é pescador?
R – Os meus meninos, todos eles são pescadores. Sendo que, dois agora trabalham no porto, os outros quatro ainda são pescadores, graças a Deus.
P/1 – E como eles aprenderam a pescar?
R – Com o pai, com os colegas. Não tinha outro serviço aqui. São João da Barra é a fábrica de conhaque, aqui é pescaria e acabou. Quem não tiver um estudo hoje em dia, graças a Deus que minhas três puderam fazer um estudo, fazer curso, que é trabalhando e ajudando em alguma coisa. Fizeram os cursos e estão trabalhando fora da pesca. As meninas, graças a Deus, duas se formaram professora, com muita luta, e a outra, tem uma que tem a casa do lado do HGG, tem um trailer, um restaurante, a outra também trabalha em casa de família. Eu não tive condições de manter ela no estudo. Os meninos ainda trabalharam e estudaram mais um pouco, agora as outras meninas não.
P/1 – Com quantos anos o seu marido começava a levar os meninos pra ir pescar? Quantos anos o meninos tinham?
R – De 13 pra 14 anos. De 15 pra fora já começaram a pescar. Se iam pescar de dia, estudavam à noite. Até na casa das vizinhas porque criança nessa idade não podia estudar à noite. Aí estudava na casa da vizinha, a vizinha que dava aula pra eles. Depois que eles começaram a estudar à noite, a partir dos 16 anos.
P/1 – Quando os seus filhos iam pescar eles iam no mesmo barco do seu marido?
R – Não. Sempre vai um com um colega, outro com outro colega, sempre com quem ele se dava melhor. Nunca irmão com irmão se dá bem, sempre tem ‘não vou com Fulano, não, eu vou com Cicrano’. Era assim.
P/1 – E o barco que eles pescavam, material...
R – Tudo dos outros.
P/1 – E como eles faziam pra vender o peixe?
R – Entregavam no frigorífico, como hoje. Como sempre.
P/1 – Dona Pedrina, qual é a importância da pesca, de ser peixeira, pra senhora?
R – Olha, pra mim, minha filha, pra mim que trabalho primeiramente pra Deus e depois pra mim, pra mim é muito bom porque eu não tenho patrão, meu patrão é Jesus. O dia que eu tiver que vir eu venho, a hora que eu quiser ir embora eu vou, e é isso aí. Pra mim é muito bom. Era tudo o que eu pedi a Deus, eu não ser funcionária de mais ninguém. Eu fui empregada de bacanas, de madames, pra poder criar meus filhos, o que é muito triste. A gente ter que deixar dois ou três filhos dentro de casa para ir dar limpeza na casa de madame, cozinhar, fazer bons pratos pra madame, enquanto meus filhos estão lá esperando (chorando). Desculpa.
P/1 – Imagina, fica à vontade. A senhora quer uma água?
R – Não, obrigada. Mas é isso, minha filha.
P/1 – Pode continuar?
R – Pode, pode.
P/1 – Dona Pedrina, qual a importância da pesca aqui pra comunidade da Atafona?
R – A pesca daqui já esteve muito boa, agora está péssima, está ruim, está muito ruim.
P/1 – Por que a senhora acha que a pesca ficou ruim?
R – No meu ponto de vista foi depois que deu esse problema no porto, que afastou muito peixe. Botar aparelho pra mexer nas águas. Foi isso que está aí, afastou muito o peixe. Mas como ultimamente tá voltando a gente não tem como reclamar porque o mar é muito rico, a natureza é muito bonita. Assim como se afasta, daqui a pouco vem outra vez, a gente tem só que agradecer porque dali é que sai o pão de cada dia de todos os pescadores, pode acreditar. Com muita luta, mas vem. Se hoje não dá, amanhã dá, não pode é desistir.
P/1 – E com relação ao turismo, pra senhora tem alguma influência na sua venda?
R – É bom pra todos nós aqui, quando vem o pessoal no verão é que melhora mais. Aí, chega o verão tem como a gente vender nossos pescados, tanto eu como meus colegas aí, melhora pra todo mundo. Depois no inverno é uma vezinha no final de semana que a gente vende alguma coisa.
P/1 – Aqui a senhora é moradora antiga, né? Teve alguma mudança na região, mudou alguma coisa?
R – Muuuito. Nosso pontal acabou, minha filha. Era pontal, agora não é mais. Acabou. Com a ressaca do mar avançando, a minha casa foi uma das primeiras.
P/1 – Conta um pouquinho como é essa história do pontal.
R – Quando o mar começou a avançar?
P/1 – É.
R – Era como se... Tinha a minha casa, que era casa alugada, foi uma das primeiras. Pra chegar no mar tinha que atravessar umas seis ruas pra chegar na beira da praia. Aí veio avançando, apanhou a rua da casa da mãe do meu colega aí, a minha amiga Célia. Apanhou de João de Nonô. Tinha posto de gasolina. Tinha a igrejinha Nossa Senhora dos Navegantes que era muito na beira do mar, acabou com tudo.
Hugo – A cooperativa.
R – Tinha a cooperativa também, antiga cooperativa. Até pra chegar aqui, ó, no prédio do falecido Juninho, que era praticamente um hotel, acabou. Agora já está no cassino, chegando perto do Cassino. Quer dizer, acabou com tudo.
P/1 – E a senhora saiu de lá por livre e espontânea vontade ou foi removida da casa que a senhora morava lá?
R – Saí por socorro, procurando outra casa pra morar porque o mar invadiu, veio apanhando tudo da noite pro dia. Tivemos que sair com urgência, procurar outra casa pra ficar. Não tivemos ajuda de ninguém, nem de nada. E até hoje o que acontece ali, ninguém tem ajuda de ninguém, entendeu? É isso aí.
P/1 – Dona Pedrina, a senhora tem filhos. Tem netos também?
R – Tenho netos, bisnetos, tenho 26 netos e oito bisnetos já, graças a Deus.
P/1 – Eles se interessam pela pesca?
R – Creio eu que não, querida. Por quê? São pequenos ainda e estão estudando.
P/1 – Os netos?
R – São pequenos. Não, minto, porque o meu neto mais velho fez 22 anos agora, semana retrasada. Está estudando, fazendo curso pra advogado, que é o filho da Maria. O primeiro neto meu faleceu. E as outras, uma tá fazendo curso de cabeleireira, também a irmã desse neto meu. E o resto é tudo pequeno. Estuda, trabalha.
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – A senhora estava falando de seus netos, que eles estudam, já não estão na pesca. A senhora vê que os jovens da região se interessando ainda pela pesca?
R – Olha, que eu saiba, ainda tem alguns, mas a maioria se interessa agora mais por fazer curso, quem não faz é porque é preguiçoso porque o que tem de curso em São João da Barra pra essa rapaziada aí nova. Loucura deles ficar aí em pescaria, minha filha. Porque mais tarde só vai dar mesmo serviço quem tem capacidade, né?
P/1 – Dona Pedrina, teve alguma pergunta que eu não fiz que a senhora acha importante e gostaria de falar?
R – Ah filha, eu respondi tudo no meu alcance, da minha vida. Mas tem um detalhezinho que eu, não é dizer que é desclassificada, não, até quem tem capacidade é uma grande coisa, quem tem seu diploma, uma boa cozinheira, né? Mas até isso tá dando curso em São João da Barra, pra pessoa fazer curso de cozinheira, costureira. A coisa que eu mais tinha vontade na minha vida era ser costureira, que eu fazia a roupinha dos meus filhos na mão e eu não tive condições. E o meu estudo, que eu ultimamente tentei, cheguei a estudar um pouquinho, mas com problema de saúde que eu tive não tenho mais condições de estudar. Mais um corte na minha caminhada foi esse. Porque de sofrimento. Uma coisa que eu sempre quis, cada cozinha dos outros que eu ia, eu sempre pedia a Jesus: “Senhor, me dá um trabalho para eu trabalhar pra mim mesma. Para eu não ser mais massacrada”. Fui muito massacrada, minha filha. Não é dizer que é uma classe ruim, não. É boa pra quem tem capacidade pra estar ali fazendo bons pratos pras madames, mas eu fui muito massacrada. Então aí foi onde eu dou muita glória a Deus, muito louvor a Deus por isso, por eu estar a trabalhar pra mim mesma, sabe minha filha? E ainda tem muita gente que não sabe do sofrimento que eu passei e ainda debocha, entendeu? Fica com piada. E é onde, porque se cavar um pouquinho do que eu passei, eles iriam me respeitar um pouco. Pela minha idade e pelo que eu passei, e eles não respeitam. E é só isso. E eu dou muito graças a Deus por estar aqui viva, ainda podendo trabalhar pra ganhar meu pão de cada dia. E peço que as minhas colegas tenham a mesma capacidade que eu, de lutar até hoje, trabalhar pra si própria, e não pros outros.
P/1 – Dona Pedrina, a senhora tem algum sonho?
R – O sonho? Ô meu Pai, feliz desse que sonha, ainda tem algum sonho (risos). O único sonho meu, minha filha, é eu ver os meus amigos sempre lutando com vida e saúde, e vencer na vida. E eu a mesma coisa. Ver a minha família tudo de bem, unida, o meu sonho é esse, tá?
P/1 – Dona Pedrina, como foi contar um pouquinho da sua história?
R – Foi bom, porque pelo menos botei tudo o que estava aqui dentro pra fora. Pode acreditar. Foi bom, foi bom.
P/1 – Obrigada. Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
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