Entrevista de Artur Trindade
Entrevistado por Lupity Rossetto
São Paulo, 27 de outubro de 2022
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1388
Transcrita por Micaela Cyrino
Revisão por Nicolau Gayotto da Conceição
R - Meu nome é Arthur Cris Ferreira de Paula Trindade, nasci em Guaianazes, São Paulo, zona Norte zona, Leste, né? É... nasci dia 30 de julho, sou leonino. Minha família mora perto da estação né, eu nasci no hospital lá da quebrada, no Hospital Geral. Foi na rua de cima de casa. O nome do bairro lá é Vila Holanda.
P/1 - E quando a sua mãe estava grávida, ela foi sozinha pro hospital?
R - Eu acho que provavelmente não, acho que foi minha vó, meu vô, a família, assim, da minha mãe.
P/1 - E a sua mãe como ela chama?
R - Elisangela, Elisangela Ferreira da Silva.
P/1 - E ela cresceu no bairro também?
R – Sim.
P/1 - E a sua Vó, você falou um pouco dela. Quer falar alguma coisa?
R - Minha avó se chama Maria de Lurdes, eu fui criado por ela na verdade, porque a minha mãe trabalhava. Então, ela deixava eu com a minha avó, então eu fui criado mais pela minha avó. Minha avó, meu avô e meus tios. Minha mãe trabalhava e tipo, aí ela se mudou, foi morar perto de casa, assim, num apartamento lá. Mas eu continuei com a minha avó.
P/1 - Aí você ficou por quanto tempo com a sua vó?
R - Acho que até uns… eu sempre morei com a minha avó, na verdade, assim, eu sempre morei com a minha avó, teve alguns momentos que eu morei com a minha mãe, tipo, aí as vezes tinha algumas brigas, aí eu ia morar com a minha mãe, mas eu sempre voltava a morar com a minha avó. Aí eu saí de casa com uns 16 anos, eu fui morar com a minha namorada da época, a Layla. Aí fui morar junto com a família dela, só que veio a, veio o… começo da transição, né, de eu me identificar, de me entender como uma pessoa trans. E aí também tinha várias crises também, tipo…e a família dela não me acolhia,...
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Entrevistado por Lupity Rossetto
São Paulo, 27 de outubro de 2022
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1388
Transcrita por Micaela Cyrino
Revisão por Nicolau Gayotto da Conceição
R - Meu nome é Arthur Cris Ferreira de Paula Trindade, nasci em Guaianazes, São Paulo, zona Norte zona, Leste, né? É... nasci dia 30 de julho, sou leonino. Minha família mora perto da estação né, eu nasci no hospital lá da quebrada, no Hospital Geral. Foi na rua de cima de casa. O nome do bairro lá é Vila Holanda.
P/1 - E quando a sua mãe estava grávida, ela foi sozinha pro hospital?
R - Eu acho que provavelmente não, acho que foi minha vó, meu vô, a família, assim, da minha mãe.
P/1 - E a sua mãe como ela chama?
R - Elisangela, Elisangela Ferreira da Silva.
P/1 - E ela cresceu no bairro também?
R – Sim.
P/1 - E a sua Vó, você falou um pouco dela. Quer falar alguma coisa?
R - Minha avó se chama Maria de Lurdes, eu fui criado por ela na verdade, porque a minha mãe trabalhava. Então, ela deixava eu com a minha avó, então eu fui criado mais pela minha avó. Minha avó, meu avô e meus tios. Minha mãe trabalhava e tipo, aí ela se mudou, foi morar perto de casa, assim, num apartamento lá. Mas eu continuei com a minha avó.
P/1 - Aí você ficou por quanto tempo com a sua vó?
R - Acho que até uns… eu sempre morei com a minha avó, na verdade, assim, eu sempre morei com a minha avó, teve alguns momentos que eu morei com a minha mãe, tipo, aí as vezes tinha algumas brigas, aí eu ia morar com a minha mãe, mas eu sempre voltava a morar com a minha avó. Aí eu saí de casa com uns 16 anos, eu fui morar com a minha namorada da época, a Layla. Aí fui morar junto com a família dela, só que veio a, veio o… começo da transição, né, de eu me identificar, de me entender como uma pessoa trans. E aí também tinha várias crises também, tipo…e a família dela não me acolhia, aí, então era meio complicado assim a convivência.
P/1 – É, e o seu pai, ele era presente?
R - Não, não muito, poucas vezes assim, quando eu, quando tinha aqueles lances de família. Que eu saia muito, nos meus 14/15 anos, que eu saia muito pro Ibirapuera, naqueles rolezinhos. E ai, eu não ajudava muito em casa, e também foi quando eu me assumi pra minha mãe como lésbica, e ai tipo, a minha mãe queria me colocar num abrigo, não queria ter a minha guarda, ai teve que vim meu pai ter essa reunião de conversa, sabe? E então nesses momentos o meu pai estava presente, poucas vezes. A gente conversa assim no WhatsApp, é... quando ele pagava pensão também, mas, tipo, bem distante assim, coisa básica. Ele tem filhos também, mas eu não conheço, minhas irmãs tipo, mas eu não conheço, então eu não considero como irmãs também. E eu já conheci a mulher dele, quando eu também tava na época do abrigo e eles foi lá me visitar. Foi ele e ela. Aí foi só o único momento assim.
P/1 - Então você chegou a ir pro abrigo?
R – Cheguei.
P/1 - Ficou quanto tempo?
R - Eu fiquei uns quatro meses, uns quatro, cinco meses.
P/1 - E aí depois disso?
R - Depois disso eu voltei, minha avó pegou minha guarda, aí o Juiz determinou que minha avó ficasse com a minha guarda. Voltei pra casa da minha vó, daí foi quando eu estava com 15 pra 16. Aí foi quando eu comecei a namorar e aí eu saí de casa.
P/1 - E cê tinha amigos no abrigo, chegou a ter amigos?
R - Tinha, bastante, que foi quando entrei nesse abrigo, foi quando eu comecei a fazer o curso de costura, nessa área da moda. Que aí, lá no abrigo tinha que fazer um curso, tinha que fazer alguma coisa. E aí comecei a fazer o curso nessas áreas. E aí eu fiz uns quatro cursos em dois anos. (...) Comecei com Modelagem, depois fui pra costura industrial, aí depois fui pra figurino, né, que é desenho, e depois alfaiataria. Todos ligam, mas eu gostei mais de costura mesmo, de costura, na máquina. (...) Tinha bastante coisa, nossa bastante atividade assim, porque tinha outras sedes do abrigo, na rua tinha outros abrigos, mas não era da mesma instituição, mas todo final de semana a gente se encontrava, as outras sedes, né? Iam pra uma sede só, aí encontrava todos os abrigos, aí encontrava pessoas também. Tudo da mesma idade. É... no meu abrigo só tinha duas pessoas na faixa etária de idade que eu e o resto era mais menorzinho, bebezinho. Então era bom, assim, fiz bastante amizade até, foi legal!
P/1 - Aí cê chegou a se formar na escola lá?
R – É, tive que mudar de escola, tive que… é, o abrigo era mais perto da estação, então tinha as escolas mais perto da estação, tinha que mudar pra uma escola mais perto do abrigo. Aí eu tive que mudar, aí quando sai da escola… do abrigo, ai eu tentei mudar de escola, pra voltar na antiga, só que eu cai em outra escola, é, da rua de cima. Aí fiquei um tempo lá. Aí depois quando foi pro segundo ano eu consegui voltar pra minha escola antiga. Aí eu já estava transicionado e aí fui estudar à noite também. Aí foi totalmente diferente.
P/1 - E você tem alguma lembrança da sua infância? De quando… de como era, da casa, das comidas que você gostava.
R – Sim. Em casa eu lembro que brincava muito com o meu primo Gabriel, a gente tinha a mesma idade, e aí ele era filho da minha tia, que ela é filha da minha vó. Aí a gente brincava muito assim. Eu lembro que minha avó também fazia bastante… todo domingo era macarrão com frango ao molho, quiabo também. Várias coisas assim. Hoje em dia eu também faço pratos que antes eu comia na infância e isso é muito legal, que eu aprendi muito com a minha vó. O arroz hoje eu faço igualzinho o dela, mó engraçado. Mas, mais ou menos isso, eu lembro bastante da minha infância. Tenho algumas coisas assim marcadas.
P/1 - E o que você gostava de comer?
R - Da minha mãe eu gostava muito de estrogonofe, nossa, tipo, muito e da minha avó acho esse prato mais marcante, todo domingo, né, quando eu ia pra igreja tudo mais, voltava da igreja. Ela fazia macarrão ao molho e frango ao molho. Domingo tem igreja... culto de jovens de manhã, daí ia pra igreja, aí voltava, tipo, meio-dia a minha avó já tava fazendo almoço, ai mó almoção do caralho, também. Ai eu já chegava e passava o filminho da tarde de domingo, aí assistia lá comendo. Aí a noite tinha culto também, só que ia todo mundo, daí a minha avó, meu avô se arrumava e aí ia todo mundo. (...) Eu não gostava de ir pra igreja né... (risos) que ódio. Todo domingo, assim, quando meus tios também estavam de folga em casa, tava todo mundo reunido, menos minha mãe, que a minha mãe ficava de folga de segunda, não domingo… segunda e terça. Ai terça ela ia trabalhar. Aí eu ficava com a minha vó.
P/1 - E no começo da sua infância, você morava com a sua avó e sua mãe?
R - É minha mãe morava no mesmo quintal. E aí, mas eu sempre morei com a minha vó. Sempre fiquei no mesmo espaço. Ai a minha mãe se mudou, foi pra uma rua de cima morar em um apartamento e eu fiquei com a minha vó.
P/1 - E nessa casa tinha quintal?
R - Tinha quintal, tem plantas até hoje, a minha vó gosta bastante de plantas. E em outras casas também, a casa da minha tia do lado, na mesma rua eu tenho tia. Tipo é tudo perto sabe?!
P/1 - E seu avô?
R - Meu Avô, o Felix, ele já faleceu. É... a última lembrança que eu tenho dele foi quando ele tinha Alzheimer, aí nois cuido dele, tudo mais, minha vó também. Aí faz uns cinco anos que ele faleceu.
Meus avós assim, eu via como pais, assim, porque eles criaram eu, assim, foi bem difícil. Meu vô, ele era pedreiro mesmo, assim, tipo construção. Minha vó sempre foi dona de casa. Aí minha vó tem seis filhos, sete comigo, né, que me criou. Meus tios trabalham e sustentam a casa e ajuda ela.
P/1 - E você lembra nessa casa de você ouvia música, além de assistir os filmes de domingo?
R - Sim, meu tio é... participa de banda de samba, sabe? Então eu escutava bastante Jorge Ben Jor, samba de raiz quando eu era criança. Mais da parte dele, meu tio Anderson.
P/1 - Você tem boas lembranças do seu tio?
R – Sim, ele me ensinou samba rock, me ensinou a sambar, me levava nas rodas de samba também. Era legal.
P/1 - E onde você estudou, essa primeira infância?
R - Eu estudei sempre no castelinho, desde a primeira série, que era na rua de baixo. Joaquim Eugenio.
P/1 - Em Guaianazes?
R - Em Guaianazes, eu estudei desde a primeira série, até o momento que eu entrei no abrigo, né? Até uns… se eu estava com 15, que série eu tava? Não lembro. Na oitava, por aí. Acho que no primeiro ano eu fui pra outra escola.
P/1 - E nessa escola você tem boas lembranças?
R - Sim, foi quando amigos que mora ali no bairro, né, tudo. A gente fazia nosso bondezinho. Nossa escola era tudo.
P/1 - E você lembra da sua escola, das pessoas da escola? Da sua escola mais na primeira infância?
R - Lembro, tenho contato com elas até hoje também. Lembro da Beatriz, da Carol, do Kaique também. Que a gente tinha um bondinho nerd, era do bonde do jornal da escola. Mas aí eu conhecia todo mundo também. Ia em vários bondes, assim. Aí era tudo. Eu também desenhava bastante com esse pessoal, porque a gente era desenhista. Então toda vez era aula de arte e o pessoal vinha atrás da gente pra desenhar. Era engraçado.
P/1 - E então você já desenhava desde cedo?
R - Sim, desde cedo. Desde as primeiras séries. Assim, quando eu recebia os materiais escolares, né, vinha aquelas tintas guaches, nossa eu desenhava nas mochilas, no uniforme que vinha, tudo…
P/1 - Até as paredes?
R - Até as paredes (risos).
P/1 - Cê já gostava muito, já se identificava?
R – É, sim, tipo eu sempre queria trabalhar com artes, assim, desde o começo.
É, antes eu queria, é… entrar na área de medicina, mas também tinha esse outro lado da arte, sei lá, fazer roupa ou desenhar roupa, alguma coisa assim, nessa área. Aí deixei o lado da medicina pra lá e agora estou na arte. Trabalhando como artista.
P/1 - E essas pessoas, tem contato hoje?
R - Sim, poucas vezes assim, quando eu vou pra lá também a gente se encontra, falo que tô lá e aí gente se encontra. Tem um amigo meu que também era dessa escola, da infância, que transicional também. Aí, as vezes a gente se encontra, quando eu vou lá é legal. Conhecia todo mundo ali de Guaianazes, que tinha ali um rolezinho de rap, e às vezes eu colocava na batalha. E tinha um pessoalzinho que também estudava lá. Aí fiz alguns amigos assim legal.
P/1 - Você tem alguma história na escola, assim marcante?
R - (risos) Aí caramba… eu já peguei pessoas na escola lembrando. É... a gente fazia muitas coisas também. Quando era tipo nas séries mais nova, a gente pegava jaca lá do pé de jaca que tinha lá na quadra levava na escola e a gente comia, as tias não gostavam. Antes eu fazia outros cursos ali na quebrada, então tinha vários amigos. Eu me lembro o meu melhor amigo era o Douglas, ele morava lá perto de casa, um amigo gay. E a gente saia sempre também. Ia pro Ibira juntos também. Era acho que era mais o que eu fazia. Aí eu ia pro curso, também, de final de semana. Era mais curso de fotografia, era essas coisas de audiovisual. Aí tinha café da tarde, tinha almoço, tinha esses negócios. E a gente fazia várias coisas lá. Eu levava roupa também, fazia umas roupas. Fazia aquelas amizades, sabe? De adolescente mesmo. Ficava com todo mundo no Ibirapuera, gente? Como assim… bebendo catuaba (risos). Nossa, teve uma vez que eu fumei narguilé, não sei por que fiz isso. Dei “pt”. É engraçado…
P/1 - Alguém cuidou de você?
R - É, cuidou, tinha amigos lá. Tinho o Douglas. Eu não largava o pé do Douglas.
Quando eu comecei a fazer o curso da Dom Bosco, comecei a fazer outro grupo de amizade, ali em Itaquera. Eu cresci ali em Itaquera. Nossa, eu vivia ali em Itaquera com o pessoal. Nois ia lá pro pico de Itaquera fumar. Ia pra Dom Bosco, lá no trilho de Dom Bosco, pixava também. Nossa era muito legal.
P/1 - E você lembra quando foi o seu primeiro emprego?
R - Lembro, foi assim tipo, não foi carteira assinada, mas foi um trampozinho, assim, de costura, que era lá no Jardim Fanganiello, que é um pouco mais atrás, ali nos bairros de Guaianases. Aí eu fui fazer costura mesmo. Nem lembro... Era camiseta, o que tinha que fazer. Tipo era um lugarzinho assim pequeno. Aí, tinha mais senhoras com certeza, que tinha mais senhoras costurando. E tinha eu de negro, menininho lá costurando. Aí o pessoal ficava perguntando se era menino ou menina, era chato assim. Eu não fiquei muito tempo não, nem um mês eu fiquei, tipo, uma, duas semanas. É bem pesado trabalhar nesse lance da costura. Mas era pagamento certinho, assim, fazia pouca coisa. Era tipo barra, assim, de blusa, ou gola. Então eu já fazia e era tipo de boa, era mais o tratamento das pessoas mesmo. Teve um dia que eu ia pra um role da Nike, foi muito chic esse role. Aí eu fui já arrumado, né, porque eu ia já do trampo pro role. Aí o pessoal ficou perguntando, assim, eu escutava eles conversando, não diretamente, eu escutava eles falando. Aí fiquei tipo só uma semana e depois eu saí.
P/1 - E esse dinheiro você gastava no rolê?
R – Sim.
P/1 -E que mais?
R - Juntava, comprava algumas roupas, também, em brechó, amo brechó, tenho umas roupas até hoje, desde aquela época.
P/1 - Como chegou é que chegou a Marginal na sua vida?
R – Ah, a Marginal chegou na pandemia, eu fazia o Criar, né? Também fiz direção de arte. Lá tinha costura, tinha máquina de costura, então fazia várias peças lá. E aí o pessoal ficava falando, né? Porque eu fazia mais peças pra mim, às vezes, ou pra alguma pessoa, mas era mais pra mim. E as pessoas ficavam falando: “aí, por que você não cria uma marca e tal?” Só que aí eu ficava, “acho que não, porque criar roupa para uma pessoa não sei…” Aí foi indo. Aí fiz o criar, aí veio a pandemia. Eu tava morando sozinho também nessa época, em Santana. Aí veio a pandemia e eu fui morar em um ateliê com a Dandara, que é uma ex-namorada minha. E aí eu tava em uma época, também, veio a pandemia, né, não conseguia pagar as coisas. Aí tipo, entrei em uma crise, tipo, babado. Aí ela foi lá e me ajudou. Ela tinha de tudo, tinha overloque, tinha máquina reta. Nossa, tinha um ateliê grandão lá em cima. Aí eu fazia várias coisas lá também. Não tinha como sair, né, e aí a gente trampava nesse ateliê, que eu entregava cesta básica pras pessoas ali da região da luz. E a gente recebia também, então fazia as pecinhas, também. Tinha overloque, tinha mesa de corte, que é aquelas mesas grandes. Então tipo, um espaço enorme assim. Tinha coisa de escultura pra fazer. Tipo um ateliê de várias coisas assim mesmo.
P/1 - Aí você morava no ateliê e trabalhava também?
R – É.
P/1 - Junto com a Dandara também?
R - É, junto com a Dandara, o Puri e o ex do Puri, que eu esqueci o nome dele. Morava nós quatro, pessoas trans e mais uma pessoa, que é o Paulo, né, que é o dono daquela casa. É pessoa Cis. Nois ficou uns três/quatro meses no máximo. Foi o auge da pandemia mesmo, que tipo não tinha ninguém na rua. Aí depois eu fui morar com o Pedro, porque rolou uns bafos lá. Então, a gente mudou e eu já tinha largado a minha casa, o fogão, deixei tudo, assim, cama, foi uó. Que eu não podia sair e a pessoa não deixava eu ir lá buscar também. Larguei toda a casa, aí fui morar com o Pedro. Aí foi também, nois ficou todo mundo junto, a Yris, Audre, Zaila, tudo morando num apartamento só. Mas foi bom também, porque tipo, um pessoalzinho que eu já conheço desde o começo da transição, que me acolheu também, me ajudou pra caralho, me dava trabalho também, me indicava nuns trabalhos. E aí a gente morou um tempo lá na pandemia também, E aí eu tava começando a entender esse lance da moda, né? Tipo, mas não foi por aí. Fui morar com o Pedro, aí depois que eu fui construir o lance da moda, como montar um Instagram, montar uma bio lá, também. Eles me ajudaram, o Pedro me ajudou, a Cunany e a Ingrid. Às vezes eu tenho meus momentos, né, depende. Aí depois eu fui morar no Helipa, mas não foi uma convivência boa, meu namoro com a Dandara, foi uó. Foi quando eu tive um momento lá, eu tava tomando hormônio, mudei de hormônio, fui tomar Durateston. Foi quando foi o fim pra mim, de crises mesmo. É, coisas assim psicológicas. Aí me separei da Dandara, nois entregou aquela casa e fui morar com o Pedro de novo. A Ingrid já tava morando onde? Não, não fui morar com o Pedro, acho que eu voltei pro… Nossa é muita coisa gente, é que eu morei em ateliê, morei com Pedro, morei com Brendon, nossa é muita coisa desde aí. Tinha várias crises assim, tipo babado, uma pessoa frustrada desde sempre. Hoje eu sou um pouco mais calmo assim. Passando em terapia também. Mas eu acho que eu sempre fui uma pessoa muito frustrada. Porque eu não sei muito me expressar em fala, então me expressava de outro jeito, em atitude assim: coisas que eu via deixava passar, só engolindo, só engolindo. Ai às vezes eu estourava, sabe? É, eu comecei o hormônio eu tava namorando a Layla, com a Layla ainda. Comecei ali na… comecei por conta, na verdade, né? Aí fui tomando por conta, aí terminei com a Layla, já tava morando sozinho. Tava fazendo o criar também, no começo da transição. E aí foi indo… Depois do Criar, fui morar com a Dandara e ainda estava com hormônio. Depois daquele, fui morar com Pedro, depois fui morar no ateliê. No ateliê lá, que você já conheceu, que era a Lê a dona do ateliê, conheci a Nila, conheci o Sassá. E aí foi o começo de tudo também, foi o momento que eu comecei a conhecer pessoas trans também, assim, em volta. O ateliê era da Alecrim, tipo era mais dela, aí tinha tipo essas três pessoas: o Sassá era cabelereiro, o Alecrim era da costura e a Nila também era da costura. E aí, eles me apresentaram esse ateliê, tipo, falou também, me convidaram pra trabalhar lá, que tinha várias máquinas também, muitos tecidos, uma mesa gigantona. Era um espaço muito dahora, assim. Aí tipo me sentia acolhido, aí comecei a frequentar lá, e também já morava com a Dandara nessa época, né? Aí eu tinha amizade com Brandon, aí eu arrastei o Brandon também, pra esse ateliê. Que ele era cozinheiro da época e a gente tinha uma amizade. E a gente começou a construir um bafo lá no ateliê, tipo ser um ateliê pra pessoa trans, assim, quem quiser ir lá costurar, fazer artes lá. Aí a gente conseguiu construir uma convivência legal, por um tempo. Aí começou pessoas a colar, pessoas trans colar, foi legal por um tempo. Aí comecei a morar lá também, né, quando eu entreguei essa casa com a Dandara, comecei a morar lá. Nossa, foi tudo, né, porque tipo, todo dia da semana, todo dia eu acordava com aquilo ali e tava ali sabe. Porque eu também desejava isso na infância, eu queria morar num ateliê. Aí eu caí nesse ateliê. E conviver com as pessoas, né, tipo, aí todo dia eu fazia alguma coisa. Fazia uma peça, e por mais que eu não terminava, aí foi quando eu comecei a fazer mais peças também, tipo vender, aí comecei a pensar também, em como ter uma marca e tudo mais. Mas eu vendia por fora. Nossa, era muito bom, nois colocava música lá, era confortável, nois fumava, era tudo, assim. Era um ateliê, eu podia fazer tudo que eu quisesse.
P/1 - E da onde vem o Marginal?
R - Marginal, nossa... Várias coisas… acho que vivências de rua, vários sentimentos também eu acho, assim, do que sinto, de marginal, de corpo Marginal, trans, acho que eu passo mais isso, assim.
P/1 - Aí a criação do Marginal Style vem a partir dessas perspectivas e de uma vivência sua?
R - É, é… que antes era Margem né, ia ser margem ou alguma coisa da margem. Que eu tava conversando com Pedro, ele também estava montando um coletivo, que se chama Fimbra hoje. Aí ia ser uma coisa assim da margem, né? A gente é a margem de fora, pensando nesse lugar, né: que a gente é um corpo preto, um corpo retinto, preto, trans, a gente é negado o tempo todo, a gente é a margem da sociedade. Então foi indo, foi indo. Aí será que a margem, é margem? “Marginal”. Ai a Cunany falou: “por que você não coloca Marginal Style?”. Aí eu fiquei: “caralho, nossa, muito bom, acho que nunca ouvi uma marca assim, Marginal Style, acho que é muito a minha cara”. Aí foi indo, aí eu já gosto da cor preta e laranja, é minha cor. Aí coloque na logo; preto e laranja. É a cor da marca. Eu gosto muito de trabalhar com upcycling, upcycling é uma forma de costura, né? Pegar os retalhos da roupa e construir uma roupa nova. Ou tipo, pegar um short e transformar em uma saia. Enfim, gosto muito de trabalhar com isso. Com os retalhos mesmo, né, fazer tipo: lá escrito marginal com um retalho de um jeans escrito e colocar aqui, sabe?! Eu gosto muito dessas coisas assim. E aí eu trabalho muito com isso. Com tinta assim eu faço um desenho nas roupas também. Jogo tinta, também. É mais ou menos isso, com tinta e upcycling. (...) A marca, é, começou sem ser esse ano que passou, ano retrasado, tem dois anos. Aí, esse ano eu tô meio paradinho, não fiz nada. Tô trabalhando em outras coisas. Ano que vem eu quero fazer um desfile, nossa, eu quero fazer um desfile, só com corpo trans masculinos na produção, como modelo, quero chamar... tem corpos trans masculinos, também, que fazem roupas também, então quero chamar essas marcas pra estar também. Quero fazer bastante coisa ano que vem. E entender que tá tudo bem, com calma.
P/1 - E pra você, pra marca, como foi o sentimento da pandemia, como é que foi?
R - Foi meio difícil, eu estava morando com o Pedro e ele me ajudou a montar, meu perfil, tudo mais, portfólio também, e ao mesmo tempo eu estava no ateliê, então tipo eu morava lá e às vezes eu ia pro ateliê trabalhar. Mas era foda né, porque precisava… precisa ainda de trabalho pra investir, comprar material e daí pandemia não tinha muito trabalho, então o que vinha era mais pra aluguel, pra sobreviver mesmo, né? Então, tipo, eu não fazia muita coisa, fazia umas peças por fora, assim, no ateliê mesmo. Às vezes vendia, às vezes não. Mas a maioria das vezes vendia sim, então eu tirava um dinheiro a mais, então era tudo assim. Mas foi meio difícil, ainda está sendo, né? Tem que ter um investimento no negócio. E agora que eu mudei, não tenho quase nada de material, então eu preciso de dinheiro para investir. Nossa, é muito louco essa área, assim, profissional mesmo. De você construir um negócio ou achar parceiros, parcerias e tudo mais assim. Não tenho esse conhecimento, mas não procurei muito a fundo. O ateliê ainda continuou uma temporada, tipo, o ateliê depois ele se mudou, entregou lá aquele espaço do Anhangabaú. Depois de lá a gente foi morar junto com a Casa Chama, que é uma ong, organização também, pras pessoas trans e tudo mais. No mesmo prédio que a Casa Chama. Aí a gente ficou lá um bom tempo também. É tipo, ainda estava produzindo roupas. Pouco também, porque era um espaço menor. Então era dividido também, cada sala era uma coisa, então eu ia poucas vezes, eu tava parando um pouco de produzir. Eu tava morando com Pedro e depois de lá o ateliê se mudou, foi pra Sé... não, já era na Sé… depois de lá foi pra onde?... Foi pro Bom Retiro. Ai de lá eu também sai da casa do Pedro, que eu fiquei um bom tempo na casa do Pedro também. E eu já sai de lá e fui morar no ateliê de novo, e ai só que nesse ateliê, desde lá da Sé, já chegou uma pessoas novas e cis, e eu já tava no ateliê a mó cota, beleza. Aí chegam essas pessoas, conversa pra lá, conversa pra cá, vamos alugar um lugar novo, com quarto e tudo mais e eu achando que eu ia ter meu espaço, porque eu tava lá desde primeiro, e eu achei que eu ia ter um quarto pra mim. Beleza, a gente se muda pro bom retiro, essas pessoas cis gay’s teve um quarto pra elas, um bom tempo assim, era uma casa dahora. E elas pagavam aluguel e eu não pagava aluguel, porque eu não tinha um quarto pra mim. E aí eu dormia lá junto, no ateliê mesmo, como sempre dormi. Aí eu fiquei um bom tempo lá, foi uó, assim, tipo conviver com as pessoas, aí era uó e foi o término de várias amizades, também. O Brendon, assim, também, foi um momento, assim, babado. Fiz meus aniversários lá também. Acho que foi fechado de tudo, assim, tipo, foi um momento, assim, que tipo eu preciso me cuidar, não posso mais me submeter a essas pessoas ou tipo ficar esperando alguma ajuda delas, sabe, porque ninguém vai me ajudar. Tipo, eu tô no ateliê desde o começo, fui uma das primeiras pessoas e aí tipo não tinha nem um quarto pra mim dormir, sabe? Ai eu tava namorando a Cunany, também, aí a gente dormia juntos lá, e aí eu saí de lá, tô nessa casa agora atualmente, porque todo mundo ia entregar a essa casa, então todo mundo tinha que sair e procurar um lugar para morar. E aí eu fiz o meu, procurei a minha casa, tô na minha casa hoje, depois que eu saí desse ateliê. A gente ficou lá nesse ateliê acho que morando um ano, um ano e meio, por aí. Ai hoje eu moro com a Nilo, que foi a primeira pessoa que me chamou pra morar nesse ateliê, né? Não estava programado isso, da gente morar juntos, mas tudo bem. E ela tá morando comigo, a gente tá dividindo aluguel e por enquanto, atualmente está sendo isso. (...) A casa é boa, a convivência eu não falo, nois não se fala muito. Tem alguns combinados, mas eu não sou uma pessoa muito de conversar, até porque eu queria morar sozinho. Por que, né, eu já morei com muitas pessoas desde de sempre, desde que eu saí de casa, então eu queria muito ter esse momento sozinho, de tipo, focar na minha marca, focar no meu crescimento e aí não teve isso, né, mas tudo bem. Aí é isso, a gente tem alguns combinados porque é isso, não quero ultrapassar meus limites, sabe?
P/1 - E você tem vontade de ter filhos, casamento?
R - Nossa, depois que eu terminei veio essa vontade.
P/1 - Você teve relacionamentos bem profundos?
R - Sim, acho que os três que eu tive foi bem profundo, mas o último que tive foi o mais profundo de todos. Que foi com uma pessoa trans também, uma travesti, preta, racializada, também, aí foi bem profundo.
P/1 - Aí esse sentimento nasce nesse processo?
R - É (risos). Tipo, de lembrando: “aí, queria ter uma família, sabe?”. Às vezes eu vou, fui pra casa da minha família também recentemente, aí eu vendo, assim, o pessoal com filho, família, assim, sabe, coisa de família, eu quero construir isso, vem essa vontade, mas tudo bem. Agora não. Quero muito focar na marca, agora eu vou voltar a estudar ano que vem, ter essa rotina de estudar, de conhecer, de fazer coisas também, curso, tipo: aí aprendi agora, agora vou fazer aqui agora, ou levar peças pro curso e fazer. E quero também mais focar na marca, agora quero… minha amiga vai se mudar logo menos e eu quero fazer o ateliê ali do lado do quarto, comprar uma máquina, meu foco é comprar uma máquina de industrial. E é isso, fazer umas peças que já tenho em mente, assim, é só botar pra fazer, fazer essa movimentação. Desfile, ano que vem eu quero fazer bastante coisa. (...) Quero mais focar na marca assim, me senti realizado na minha marca até tirar um dinheiro, sabe, planejar coisa assim, viajar. Sabe, tirar um dinheiro da marca pra viajar, sabe, tirar férias. Sei lá, ter uma rotina, eu também estou me cuidando bastante esse ano, tô me entendendo, me reconectando comigo mesmo. Depois de ter morado com essas pessoas no ateliê, sabe, muito difícil, assim, pesado, finais assim também, final de relacionamento. E aí acho que esse ano foi mais pra auto me cuidar assim, também comecei terapia, ta sendo muito bom, sabe? É o primeiro terapeuta que eu consigo trocar, que eu consigo entender e desenvolver algumas coisas, algumas falas que ele fala assim. E daí pra o ano que vem eu, sabe, colocar a mão na massa e tipo fazer mesmo. (...) Tô passando na (inaudível) SUS. No SUS eu já tô faz dois anos e meio, faço exames certinho, tava passando com o psicólogo, também, só que ele era branco, aí parei de passar. Trabalho como modelo, modelo de foto, modelo de passarela. Mas meu primeiro desfile de passarela foi o da casa de criadores, que foi desse ano, senti bem honrado, assim, realizado. E aí as vezes eu dou uma modelada para as marcas, o pessoal me chama, é legal. É, o primeiro sonho é fazer esse desfile, né, em que todo mundo conheça a minha marca, não precisa todo mundo conhecer a minha marca, mas já as pessoas próximas já é o bastante. É, ter um engajamento nas redes, também, tipo fazer vídeo, antes e depois, eu adoro essas coisas, tik tok. Tem mais essa brisa assim, acho que o primeiro sonho é fazer esse desfile, que eu ia fazer, né, esse ano, ano passado pra esse ano, mas não rolou. Mas aí acho que o primeiro sonho é esse, fazer o desfile. Espero que aconteça e vai acontecer. (...) Ah não sei se São Paulo Fashion Week, também.
P/1 - A sua família, como eles veem você, como é o relacionamento que você tem com a sua família hoje?
R - Hoje tá mais de boa, eles conseguem mais me chamar no masculino hoje, também, da última vez que eu fui, teve mais isso, assim, prestei bastante atenção, eles tavam me chamando mais no masculino, tava corrigindo mais eles também. Eu achei legal. Com a minha mãe eu tô tendo uma convivência legal agora, tipo, levei ela numa ball, levei ela numa festa, também, tava todo mundo, foi pro after, nois bebeu junto, foi todo mundo, tava legal. É, com meus tios, também, tá sendo de boa, eles chega lá e falam: “cê ta ligado que eu te amo, né?”. É isso. Minha avó também, tô querendo chegar junto, também, fico pensando que ninguém sabe o dia de amanhã e aí eu sou filho único, quero cuidar da minha mãe, quando ela tiver doente, quando ela tiver precisando. Quando ela tá precisando as vezes de uma grana as vezes eu mando pra ela, e isso tá sendo legal, essa relação agora sendo construída. Também estão vendo conquistas minhas, isso é legal também, tipo, eles estão entendendo isso, então pra mim já tá de bom tamanho. Além da minha família de sangue, eu tenho outra família, que são meus amigos, meus amores, meus maridos (risos). Mas sempre me ajudaram, sempre que eu estou precisando me ajuda lá, desabafo também. Parece que está tendo mais essa comunicação de falar o que nois sente, sabe? Um pro outro. E construir essa relação. É o que eu falei pra eles: “nossa sabe aquelas amizades que a gente vê os moleques, assim, na rua?”, que eles têm um grupo mesmo, entre eles, que falam sobre garotas que ficam, sei lá o que… A gente tá sendo tipo isso, muito legal, assim, ter amigos, assim, sabe? (...) É como eu disse, né, recentemente estou meio carente, com o coração partido, mas ele está aqui construindo, ta meio enfaixado…
P/1 - Um coração jovem.
R – É (risos), tive uma relação de dois anos, né, bem intensa, assim, bem intensa, babado, porque ela é sagitariana e eu sou leonino, tipo, autos e baixos. Mas a gente se ama muito forte ainda, mas é isso, a gente tá entendendo que é um distance, sabe, tipo precisa viver a vida separado mesmo. Tô conhecendo novas pessoas também, me permitindo a isso também, porque é importante. Tipo, eu tava me negando muito, também. Tipo, entendendo esses lugares. Mas agora tá fluindo, então cada dia é um dia e tá sendo muito gostoso também. (...) Ah, é isso, essa é a minha vivência. Na vida as vezes pode ser um mal, que, sei lá, pode vir algumas situações na sua vida que você pensa: “nossa, veio só pra me fuder”, mas as vezes você pensa em tirar uma coisa boa disso, né? Que nem a minha vó diz, quando eu fui pro abrigo, e eu consegui várias coisas no abrigo, né, cursos e tudo mais: “o mal vem pro bem às vezes, sabe?”. E ultimamente tô com uma frase de: “não me submeter em lugares que não me cabe”, mas é também entender seus limites respeitá-los. É isso.
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