Recém-empossada no magistério da prefeitura de Curitiba, não tive o privilégio da escolha de local, facultado aos mais antigos: só tinha vaga numa longínqua escola de subúrbio, a Vila Verde, notória pelos muitos casos de violência. Escola municipal esquecida, tão carente quanto a clientela. No intervalo do recreio, dois dos meus alunos aproximam-se, sorrisinho maroto:
- Professora, sabemos onde você mora - diz um deles.
- Como assim? Quem contou pra vocês?
- Ontem nós seguimos você.
Em torno de oito anos, os dois “moleques de rua” estudavam de manhã, trabalhavam à tarde próximo de um mercado, ganhavam uns trocados cuidando de carros. Deles ninguém cuidava.
- É, professora - continuou o outro
- no primeiro ônibus, que estava meio vazio, a gente se escondia de você; no segundo, lotado, a gente só via a tua blusa; no terceiro, a gente te espiava de longe. Descemos no teu ponto, pela outra porta, fomos se escondendo atrás das árvores, vimos você entrar no prédio.
- Meu Deus! Vocês são malucos!
- É porque nós gostamos muito de você, professora.
Infelizmente meus dois alunos espiões tiveram final trágico. Um deles, ferido numa briga pelo próprio irmão, um golpe de estilete na perna que atingiu a artéria femoral, não resistiu e veio a falecer. O outro, que morava com o pai, bêbado e violento, a mãe louca internada num asilo, virou o terror da vila, que percorria a galope, como um cangaceiro, assaltando, desafiando a polícia. Acabou nas páginas policiais morto com vários tiros.
Anos mais tarde voltei àquela escola para buscar uma declaração do meu tempo de serviço, para fins de aposentadoria. A vila tinha progredido, asfalto, comércio, mas as portas e as janelas da escola tinham grades, vivia trancafiada mesmo durante o dia, com pavor dos marginais.