Projeto 30 Anos Alunorte
Entrevista de Michel Heleno Lisboa
Entrevistado por Ligia Scalise
Belém, 24 de julho de 2025
Transcrito por Selma Paiva
(00:14) P1 - Então, antes de tudo, Michel, obrigada pelo seu tempo, eu sei que a vida é corrida e eu queria que você começasse dizendo seu nome inteiro, dia, cidade, mês e ano de nascimento.
R1 - Meu nome é Michel Heleno Lisboa. Nasci numa cidade do interior de Goiás, Ceres, dia 1º de janeiro de 1980.
(00:38) P1 - Primeiro ou dia 2?
R1 - Desculpa. Dia 2 de janeiro de 1980. Tem uma questão desse aniversário, mas é dia 2 de janeiro de 1980.
(00:49) P1 - Qual é questão?
R1 - É a dos aniversários. Eu sempre comemorei no dia 1º, da virada do 31, porque no dia 2 as pessoas começam as promessas: a promessa de emagrecer, a promessa de mudar de vida, então, mas o meu aniversário, minha data de nascimento é 2 de janeiro de 1980.
(01:12) P1 - Quando você nasceu, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R1 - Bem, não, eu não tenho, assim, nenhum relato. Se eu não me engano, foi na parte da manhã. Mas o que eu guardo, assim? A gente brinca que eu fui - o que me conta, de curiosidade do meu nascimento? - em Ceres para nascer, porque a cidade mesmo onde eu morei nos meus primeiros anos de vida foi Uruana, só que era uma cidade muito pequena. A gente brincava que Uruana era terra da melancia, (risos) me perdoe e de dia falta água, de noite energia. Era uma rima que a gente tinha lá. Mas então eu fui nessa cidade, porque lá tinha uma condição melhor para fazer o parto da minha mãe. Não foi um parto normal, foi um parto de cesárea. Então, a estrutura lá era melhor. Mas foi interessante, porque eu carrego isso até hoje comigo, porque eu nasci nessa cidade de Ceres e a curiosidade dessa cidade é que ela é vizinha de uma cidade que chama Rialma e elas são divididas por uma ponte. E é na Belém-Brasília. Eu tive um laço com Belém que eu nunca imaginaria no futuro, nunca...
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Entrevista de Michel Heleno Lisboa
Entrevistado por Ligia Scalise
Belém, 24 de julho de 2025
Transcrito por Selma Paiva
(00:14) P1 - Então, antes de tudo, Michel, obrigada pelo seu tempo, eu sei que a vida é corrida e eu queria que você começasse dizendo seu nome inteiro, dia, cidade, mês e ano de nascimento.
R1 - Meu nome é Michel Heleno Lisboa. Nasci numa cidade do interior de Goiás, Ceres, dia 1º de janeiro de 1980.
(00:38) P1 - Primeiro ou dia 2?
R1 - Desculpa. Dia 2 de janeiro de 1980. Tem uma questão desse aniversário, mas é dia 2 de janeiro de 1980.
(00:49) P1 - Qual é questão?
R1 - É a dos aniversários. Eu sempre comemorei no dia 1º, da virada do 31, porque no dia 2 as pessoas começam as promessas: a promessa de emagrecer, a promessa de mudar de vida, então, mas o meu aniversário, minha data de nascimento é 2 de janeiro de 1980.
(01:12) P1 - Quando você nasceu, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R1 - Bem, não, eu não tenho, assim, nenhum relato. Se eu não me engano, foi na parte da manhã. Mas o que eu guardo, assim? A gente brinca que eu fui - o que me conta, de curiosidade do meu nascimento? - em Ceres para nascer, porque a cidade mesmo onde eu morei nos meus primeiros anos de vida foi Uruana, só que era uma cidade muito pequena. A gente brincava que Uruana era terra da melancia, (risos) me perdoe e de dia falta água, de noite energia. Era uma rima que a gente tinha lá. Mas então eu fui nessa cidade, porque lá tinha uma condição melhor para fazer o parto da minha mãe. Não foi um parto normal, foi um parto de cesárea. Então, a estrutura lá era melhor. Mas foi interessante, porque eu carrego isso até hoje comigo, porque eu nasci nessa cidade de Ceres e a curiosidade dessa cidade é que ela é vizinha de uma cidade que chama Rialma e elas são divididas por uma ponte. E é na Belém-Brasília. Eu tive um laço com Belém que eu nunca imaginaria no futuro, nunca sonhava na época que eu morava lá que um dia... nem sabia da existência de Belém. No primeiro momento a gente até confunde, a gente que é católico, Belém e nesse todo contexto religioso, mas eu conheci as pontas: Goiás, próximo à Brasília. Brasília também virou uma cidade assim, que hoje eu tenho parentes que moram lá, apesar de ninguém da minha família ser goiana, apenas eu e meu irmão.
(02:54) P1 – De onde são seus pais?
R1 – Meus pais são mineiros. Meu pai foi, de sete irmãos, um dos que conseguiu se graduar e logo quando ele formou, ele trabalhava na Emater e aí ele foi trabalhar em Goiás e aí ele teve que levar minha mãe, teve que casar, casou. Isso em 1978, 1979, se eu não me engano. E aí eu nasci, em 1980, lá em Goiás.
(03:23) P1 - Quem são seus pais?
R1 - Meus pais são Altair de Melo Lisboa e Mônica de Fátima Lisboa.
(03:30) P1 - E a sua mãe trabalhava?
R1 - Não. Assim, minha mãe sempre foi uma empreendedora. Nesse momento, quando você pergunta e eu respondi não, é até errada a minha resposta de imediato, que sim, eu lembro da minha mãe trabalhando, os afazeres de casa e depois ela sempre foi muito vaidosa e trabalhava na... ela tinha uma academia, começou no fundo de casa, com alguns aparelhos. Ela trabalhou até a aposentadoria dela nesse empreendimento, em diferentes partes. Primeiro nesse momento que nós tivemos, lá em Goiás e depois quando nós mudamos para a Bahia.
(04:13) P1 - Seu pai trabalhava? Se formou em quê?
R1 - Meu pai é agrônomo, formou em Agronomia. Minha mãe, antes, lecionava. Então, ela era professora. Então, a primeira profissão da minha mãe foi professora e na cidade de muito interior de Minas, Dores do Turvo, ela lecionava lá e ela lecionou também, assim, nessa... na transição de Goiás eu não lembro dela lecionando, eu lembro dela da academia, mas quando nós fomos para a Bahia eu tinha meus 13 anos e aí eu lembro dela lecionando, né, que ela foi a famosa professora primária da base ali, do Fundamental. E meu pai, agrônomo, formou em Viçosa, uma universidade muito conceituada, na época. Tem algumas histórias interessantes do meu pai. Os pais do meu pai muito humildes, minha família, em geral, humilde, mas nós tínhamos alguns tios, avós, que tinham um pouquinho mais de propriedade e assim foi. Tem um Lisboa, não sei se era o pai do meu avô, meu bisavô, que tinha um pouquinho de condição e levou alguns netos, o tio-avô que chama, pra trabalhar, pra estudar na cidade e meu pai foi um deles. Ele conta a história que ele foi trabalhar e deram uma escolha pra ele, que ele ficou lá pra estudar. Desculpa, ele foi estudar e ele: “Não, esse negócio não é pra mim, não” e voltou pra roça, aí o vô falou assim: “Beleza, não quer estudar, então toma a enxada, que você vai me ajudar agora”. Ele falou assim: “É melhor estudar”. E assim tem essa história. Então, ele formou, logo quando formou trabalhava na Emater. Eu lembro, assim, de nunca faltar nada lá em casa, mas sempre era... naquela época, trabalhar para a Emater era 12 salários no ano e com o 13º, num ano bom ele recebia quatro, cinco salários e aí já tinha uma criança e depois a segunda criança e ele começou a empreender também, mas a nossa infância foi marcada por uma questão que eu acho que molda um pouco. Eu tenho algumas características que me moldam hoje. E hoje eu vejo isso, naquele momento eu não tinha esse conhecimento. Uma delas foi que meu pai (choro) quase morreu. Pensei que eu ia durar um pouco mais, mas estou me emocionando. Vamos lá, concentrar. Porque ele mexia com melancia, acho que foi por isso que você me pegou, foi? (risos) Assim, a história que eu tenho, eu não tenho a história toda, eu lembro de flashes. Um sonho que, para mim, se repetia: eu andando no hospital, ou andando num lugar e através de um vidro eu vi uma pessoa muito debilitada se exercitando. Para mim isso foi um sonho, até eu me entender por gente, porque eu tinha quatro anos, na época e também eu lembro do meu pai muito presente nesse momento, porque eu lembro de brincar com meu pai na cama, a gente falava no palavreado de Goiás misturado com o mineirês, de ‘ferrar a luta’, de ter uma luta e eu lembro de eu ganhar do meu pai. Assim, claro que não sei se ele deixava ou não, mas foi num momento de pós-recuperação dele. Meu pai pegou um vírus muito raro, que ia atacar o sistema nervoso dele, então ele parou e a minha mãe foi desiludida, porque o vírus, em si, não tinha cura, o próprio organismo que tinha que curar. Então, foi atacando o sistema respiratório, ele foi perdendo os movimentos, até involuntários. Ele foi entubado, ficou na UTI. E minha mãe grávida. Meu irmão nasceu, enfim, aí teve toda essa dificuldade ali e aí tem um traço que marca a minha vida, porque assim: em decorrência disso, né, eu não quero expor aqui, mas a relação hoje com meu irmão, eu não tenho praticamente relação com meu irmão, né, porque essa, talvez essa falta que eles tiveram, nesse princípio, nessa origem do meu irmão, minha mãe grávida e tudo e eles depositaram depois talvez um excesso de atenção, talvez os desafios que eu tive foram aplicados em mim. Claro que o amor é incondicional para os dois, mas o meu irmão socialmente é uma pessoa que não desenvolveu até hoje, mora com eles, inclusive, mas é uma pessoa formada numa universidade graduada, mas sim, foi um momento de dificuldade ali e isso foi um dos pontos que me moldaram. Por quê? Porque como a minha mãe estava cuidando do meu pai, porque ela foi desiludida, mas ele sobreviveu, só que depois ele teve um período de recuperação e nós não tínhamos dinheiro pra isso, então tem pessoas que não eram família, que nos adotaram, né? (choro)
(10:177) P1 - Uma rede de apoio, né?
R1 - Fantástica.
(10:22) P1 - Foi por bastante tempo essa condição do seu pai?
R1 - Meu pai teve assim: ele nasceu de novo porque, salvo uma cicatriz aqui, devido a quando ele foi intubado, ele não ficou com nenhuma... meu pai hoje é um senhor. Eu nasci, ele tinha 29, eu tenho 45. Então, ele é um senhor de 74 anos, com a saúde comparável à nossa, de ser companheiro de pesca, de beber cervejinha etc. Jogava, depois se recuperou, continuou jogando a bolinha dele, então sempre foi uma pessoa normal, mas esse foi um... quase nós perdemos e, graças a Deus, ele...
(11:10) P - E quem eram as pessoas que estavam presentes, cuidando de vocês? Acho que vale dar o nome delas.
R1 - É, aí eu falo assim, de várias e eu falo até pelas avós, que eu chamava de vovó, né? A vovó Eva. (choro) Um abraço pra ela. A vovó Doraci, a tia Marlene.
(11:47) P1 – Eram vizinhas?
R1 - Tia Valéria, tia Suelene. Os irmãos: o Alan, inclusive (choro) você viu meu filho chama Alan em homenagem a esse amigo, que eu perdi, (choro) depois. Mas, enfim, tia Santa, (choro) foi minha mãe. (choro) Tio Carajá, (12:22). O Júnior, que era o filho dele, é o filho dele, ele é falecido, muito meu amigo ainda. Então, assim, foram pessoas que mostraram o amor (choro) incondicional, porque quando a gente tem laços de obrigação às vezes a gente força o amor. Quando a gente não tem é por aspectos humanos que você faz essa rede e nós, seres humanos, assim, eu aprendi também: quando a gente passa por dificuldades é nesse momento de dificuldade que a gente aflora nosso lado mais humano. (choro) Aprende que qualquer pessoa, em seu juízo, não consegue ver outra pessoa sofrer e não sentir o sofrimento dessa pessoa, isso nos liga. Independente (choro) de religião, cor, raça, orientação, a gente se sensibiliza, a gente vê ali um próximo. A gente podia ver isso na riqueza também, não só (risos) na pobreza e na doença, também podia ser na riqueza e na fartura, que a gente teria que ter esse mesmo... acho, acredito que gente tem também, por isso que a gente tem bastante filantropia no mundo, pessoas abdicando das riquezas no final da vida, para distribuí-las novamente.
(14:03) P1 - Mas esse é um traço que ficou muito marcante em você, né?
R1 - Muito marcante, muito marcante. E, só para completar a fase do choro, outra coisa que me marcou: nunca faltou nada, sempre teve muito carinho, sempre teve muita presença. Então, mesmo desenvolvendo, assim, eu sempre tive muita dificuldade com meu irmão, acredito mais dele do que de mim, de toda essa situação. Eu não vou entrar no mérito se é questão clínica ou não a dele, ele foi uma pessoa que, em casa, teve mais dificuldades. Mas sempre o ambiente lá em casa foi um ambiente muito de amor, acolhedor. Quando eu falo lá em casa, a minha casa era muito grande, eu tinha várias casas. E meus pais também, eu acredito que, como todo casal, o casal tem altos e baixos, mas, assim, a maior parte do tempo, ou a totalidade do tempo, eu sempre vi respeito lá em casa e isso transborda para os filhos também. E, assim, meu pai sempre me ensinou a ser uma pessoa muito íntegra, muito honesta. Furar fila, por exemplo, pra mim, é um ato de vergonha. Até hoje, às vezes, quando gente se perde, ou quando acontece um desvio, você vai ver no meu rosto que eu senti que eu fico vermelhinho. Se eu, por algum motivo, a pessoa ou o contexto fazer com que pareça que eu tive vantagem em relação a outra pessoa, eu me sinto vermelho instantaneamente. Mas isso foi uma criação. Então, sempre foi um ambiente muito positivo, mas também de muito - mas não, e também, o mas não se enquadra aqui - desafio. O meu pai sempre falou pra nós... minha mãe, eu vendo-a empreendedora, além do trabalho com filho, depois que tem a gente vê o tanto de trabalho que dá, na nossa educação, na nossa criação, aí entra alimentação, vestuário, toda a logística que é um dia a dia. Hoje é mais fácil, tudo? É a mesma coisa. Depende dos contextos e das facilidades de hoje, que não tinha antigamente e das dificuldades de antigamente que não tem hoje. Então, tem todo um contexto. Então, sempre fui desafiado a ser sempre o melhor. E eu fui competitivo, eu lembro desses meus irmãos que me adotaram aí, não aceitava perder, chorava. Meu pai falava: “Pô, você não tem esportiva”. ‘Jogava valendo a mãe’, como nós falávamos lá, em Goiás. Então, sempre tive esse traço, desde pequeno, que eu me entendo por gente, eu lembro de participar, assim, de ‘peneiras’ do futebol de salão da escola e de não passar e de não saber por que passar, mas de tentar melhorar. Sempre olhando assim: eu não consegui esse ano, mas o que eu preciso fazer para ano que vem? Até eu entrar no time, até eu fazer parte do time titular, até eu ganhar os troféus das nossas vidas de infância. Todo mundo foi um campeão na infância de algum torneio e comigo não foi diferente. Então, sempre me ensinou muito assim. E aí teve um segundo episódio que me marcou muito que foi, numa altura da minha vida, eu comecei a notar uma questão diferente no meu corpo. Eu falei assim: “Mas será que isso é certo? Será que não?” Só que, como eu nasci daquela maneira e aquilo nunca foi um impedimento pra mim e naquela época a gente não costumava fazer o acompanhamento pediátrico que a gente tem hoje, nos nossos filhos, eu cheguei pra minha mãe um dia e eu falei assim: “Mãe, eu acho que eu tenho um problema na minha visão esquerda” “Como assim você acha que tem um problema?” “Eu tampo esse olho e eu enxergo tudo. Tampo esse olho e eu não enxergo nada”. Então, assim, olha pra você ver, já foi numa idade de entender o seguinte: que tem uma coisa errada comigo.
(18:24) P1 - Você tinha quantos anos, mais ou menos?
R1 - Olha, eu não tinha... por volta dos dez anos, que eu lembro. Sei lá, de oito a dez anos. Não era menos, não. Pode ser um pouquinho menos. Aí minha mãe: “Tem alguma coisa errada”. Ela me levou lá em Goiânia, se eu não me engano, ou Brasília e aí tinha as outras tias que eu esqueci, que é a tia Maria Abadia e a tia Ana Maria, que cuidaram de mim, as irmãs do Joãozinho, que também me adotaram. São tantas pessoas! Mas aí me levou, nesse momento e aí eu fui digno machucado que eu tinha praticamente zero na minha visão esquerda. Eu vejo luz, vejo movimento, mas eu não defino cor, eu não defino forma. E pra mim foi uma surpresa, porque eu sou normal. E aí eu tive aquela luta interna, a partir daquele momento, já juntava esse lado meu competitivo e talvez misturou com esse lado competitivo meu, daí o potencializou.
(19:34) P1 - E era uma questão de nascença?
R1 - Uma questão de nascença. O diagnóstico foi que, na minha formação, aí a causa, raiz, pode ser toxoplasmose, por exemplo, eu tive uma má formação no meu nervo óptico. Então, toda a funcionalidade do meu olho era perfeita, mas ele não transmitia, ou a transmissão de imagem dele para o cérebro era comprometida. Então, por isso que é difícil de notar. Então, a minha visão acompanhava, nasci com os olhos verdes, era bonitinho, engraçadinho, nunca chamou atenção pra essa questão. E aí eu fui diagnosticado e aí eu lembro que o doutor, acredito que hoje evoluiu muito essa área de pediatria, antes não tinha, é uma pessoa que trata um menino igual um adulto: “Você é cego de um olho, praticamente e você não pode fazer mais nada porque, se você ficar cego do outro acabou a sua vida”. Então, você imagina isso para um menino de oito, dez anos. E eu não aceitei, né? Queria provar que eu não era pior que ninguém. Queria mostrar o meu valor para as pessoas que eu amava, porque eu entendia que elas depositavam muito confiança em mim. Então, é outro traço da minha personalidade. E aí, talvez, assim, me guia nas conquistas que eu tive, depois. Eu nunca fui assim uma pessoa igual eu já conheci algumas, que lia uma página ou um capítulo uma vez e já conseguiria absorver praticamente todo o capítulo, mas na segunda vez eu já empatava com esse da primeira vez. E numa terceira, às vezes eu ficava melhor que ele. E numa quinta eu praticamente sabia tudo que estava ali. Então, eu sempre me dediquei na competição daquilo que eu poderia fazer e sempre olhando esse incentivo. O ser humano, todos, acredito eu, pelo que eu estudo e leio, que a gente é muito influenciado por aquilo que nos incentiva, nossos desejos, nossos sonhos, vem dos incentivos, muitas vezes, das reações que a gente tem a esses incentivos. Se a gente vê uma pessoa galgando um cargo, a gente se incentiva por aquela... enfim, esse foi um incentivo pra mim.
(22:23) P1 – A maneira que você lidou.
R1 - De olhar pra frente e falar assim: “Não, eu sou...”...
(22:30) P1 – Qual era seu sonho, quando você era criança?
R1 - ... “eu posso jogar bola”. Interessante, meu sonho, naquela época, na legislação, acho que hoje é assim também, eu nunca... o meu primeiro sonho eu não poderia nunca realizá-lo, pelo menos legalmente, porque meu sonho era ser motorista de caminhão, (risos) era ser carreteiro. Esse foi o meu primeiro sonho. Assim que eu lembro de ir nas roças e ver aquilo, pra mim, uma casa andando. E eu me orgulho, nessa competição minha, de ter quase vinte anos de carteira, ou mais e de viajar o Brasil inteiro, não sei quantos quilômetros rodado e nunca ter tido nenhum tipo de acidente comigo. E hoje pessoas confiam em mim a direção, me classificando como um ótimo motorista, prudente e de boa habilidade no volante. Enfim, são exemplos desses que primeiro foi pra provar pra mim e eu custei, esse choro aqui, talvez, foi que eu custei a entender que essa cobrança era minha. Era um eu que eu deveria encontrar comigo mesmo. Às vezes, quando a gente é novo, é outra descoberta: “Pô, será que eu sou doido, por conversar comigo mesmo?” Não, a gente desenvolve uma consciência. E esse check nosso é que é essa consciência nossa, que testa os nossos limites também, do lado bom e do lado ruim, né? Nossa consciência, às vezes, nos coloca em algumas enrascadas, nos incentivando e falando: “Não, pode ir, que dá”. Assim como nos coloca com medo, né? Nos coloca travas que podem prejudicar o nosso desenvolvimento e eu tentei lidar, naquele momento, a linguagem para mim não era essa, mas eu sempre tentei lidar com esse aspecto de vida. E aí entra meu pai, minha mãe e essa busca minha de o que pode mudar a minha vida, a educação? Então vamos, vamos educar. Eu sempre ouvi isso. O Brasil teve esse plano de mudar, antes até mesmo que a gente fosse um país de renda média, que somos hoje e a gente tem dificuldade de subir, a gente já falava que a educação que iria mudar nossas vidas. E eu sempre acreditei muito nisso.
(25:10) P1 - Você era um ótimo estudante?
R1 - Eu passei a ser um ótimo aluno, um aluno muito esforçado, no início, para ter boas notas, para colher boas notas, para sempre ser uma promessa da escola que vai passar no vestibular, daquele aluno da área de Exatas de tirar dez, de ser o melhor naquelas matérias que eu tinha mais afinidade. O que sempre traduziu mais afinidade para mim é o interesse, o incentivo. Aquelas que eu me dedicava mais, as notas eram lá em cima. Aquelas que me dedicavam menos, você estava ali, se você dedicava pela média, você tinha média. Então, eu sempre gostei muito de biologia, física, química, matemática e ciências. Naquele momento, na época eu tinha educação moral e cívica, nós tínhamos algumas disciplinas nesse sentido, história, geografia. Eu sempre fui muito ruim, fraco para escrever. Interessante. Eu sempre fui de sumarização, de curtos textos. Curtos textos eu ‘curto’, era minha escrita. Então, assim, naquela fase do primeiro amor, de escrever, até bons poemas, assim, mas nunca fui daquele da redação. A redação, pra mim, sempre foi uma dificuldade, não pela dificuldade de entendimento, tudo, mas talvez uma preguiça mental: “Eu já entendi, já lhe entendi, pra que transcrever isso? O que eu posso fazer com isso, pra melhorar? Escrever um texto novo?” Aí, sim, me incentivava. Mas eu fui moldado para isso. Em 1993 meu pai tomou a decisão, depois de altos e baixos financeiros, ele recebeu uma proposta de trabalhar na Bahia e aí é outra mudança grande na minha vida. É claro que essas duas marcaram, mas aí eu fui conhecer novas culturas, entender realmente que o mundo não é um flat, é redondo, tem vários lugares maravilhosos, pra conhecer, porque antes a educação que foi dada, é uma educação boa, uma educação pública, mas uma educação muito local. Por exemplo: o inglês foi uma... eu fui conhecer uma língua muito tarde, né? Isso tem reflexo até hoje naquilo que eu gostaria que fosse, né? Mas o que eu quero dizer? Essas mudanças me fizeram conhecer mais pessoas, mais culturas, mais pontos de vista diferentes. Isso foi a riqueza da minha vida, também. Então, eu tinha essa afinidade com a área de Exatas e tinha esse amor pela área de Humanas, por esse traço de reconhecer o quanto é importante a sociedade no aspecto da cidadania. Do quanto, quando você está tendo dificuldade, pessoas que você nem imagina podem te ajudar. Então, associou esses dois lados. Fazendo algumas analogias, assim, tem várias classificações de conhecimento, eu não vou entrar no mérito. Se eu não me engano, Robert Kratz classifica, no estágio profissional, algumas fases. A primeira é a técnica, a segunda é relacionamento interpessoal, a terceira é nossa visão conceitual nas coisas, tentar prever, entender questões complexas. E a última é nossa capacidade de influenciar, de liderar, que é a política. Ele classifica esses quatro níveis aí. E acredito que esses dois níveis ali, o primeiro foi o seguinte: “Michel, então prova para todo mundo que você não deve nada para ninguém” e aí era com esforço. E a segunda foi essa demonstração do quanto é importante você ser uma pessoa do bem, de usar a graça e não a des. Então, assim, aí mostrou muito isso. E lá em casa, com esse contexto, tudo e eu não vou deixar os avós, que era outra realidade, outra cultura, mas minha mãe foi uma pessoa muito aberta, muito espontânea. Eu, até, depois de muito tempo, claro que a gente conhecia as palavras de preconceito, racismo, mas eu nunca vi isso. E quando você não vê, a ausência, a distância disso, você negligencia o problema, porque aquilo ali não é um problema da sua realidade. Porque cor nunca foi um problema pra minha realidade. Status social, muitas das pessoas que acolheram meus pais, né, que ajudaram meu pai eram médicos, pessoas com posse, assim como pessoas que estavam começando a vida, que tinham menos que a gente na época. Então, assim, pra mim foi muito natural esse respeito, né, assim, que a sua essência não é o julgamento daquilo que você tem, daquilo que você... ou até das suas, digamos assim, preferências políticas, das suas preferências culturais, canções, poemas, enfim, que não tinha nada a ver isso. O ser humano, claro que ele se diferencia, ele fica mais ou menos interessante por isso, mas a essência dele não está nisso, passa por isso. E assim eu entendo, entendi. Então, fomos para lá, uma cidade em desenvolvimento, na época chamava Mimoso do Oeste, ficava no extremo oeste da Bahia, uma fronteira agrícola que recebia - hoje também deve ter - uma imigração. Como é que é, imigração? Imigração. Recebia muitas pessoas do sul do país: os gaúchos, os catarinenses e os paranaenses. E aí eu conheci duas culturas bem diferentes: a cultura da Bahia e a cultura tradicional do extremo sul do país. Então, frequentei os dois lados aí e isso me deu muito... desde o Carnaval da Bahia até o CTG, os Centros de Tradições Gaúchas. E, mais uma vez, eu conheci pessoas maravilhosas e com opiniões diferentes, com embates diferentes, mas sempre pessoas do bem. Isso eu tive no meu caminho, que eu tenho que agradecer muito isso.
(32:07) P1 - Foi sua adolescência que você passou isso?
R1 - A minha adolescência. Digamos assim: meu momento de revolta foi um momento de mudança. Nós saímos, eu lembro que o ano letivo de 1993 nós começamos lá, eu comecei lá, nesse famoso Mimoso do Oeste, que hoje é uma cidade que mais cresceu nos últimos anos aí, no Brasil, chamada Luís Eduardo Magalhães, é uma potência agrícola que fica... que tem um dos agro shows maiores do Brasil.
(32:43) P1 - Quando você chegou, ela parecia uma cidade de interior?
R1 – Não, não era nem uma cidade, era um distrito de uma cidade maior, vizinha, que é Barreiras. Então, assim: eu lembro da minha mãe chorar todo dia, não tinha asfalto na frente de casa, a gente morava meio que isolado, o quarteirão tinha duas, três casas. Pra você ir pro colégio você descia três, quatro quadras sem ninguém. O colégio tinha acabado de fazer naquele ano e tinha mudado pra lá, porque antes era uma instalação temporária, mas assim, as coisas vão somando e vão dando certo também, quando você aproveita e vê o ‘copo sempre meio cheio’. Tinha um bom sistema de ensino, que era o CMO, Colégio Mimoso do Oeste. E aí meu pai, com essa mudança, já teve condição de me ‘botar’ numa escola particular. Então, já tive condição de estudar perto de casa e com professores novos começando, misturado com alguns mais antigos, mas muito atenciosos, turmas pequenas. Com conteúdo, se me engano, na época, era Pitágoras. Ou seja: já tinha uma rede de conteúdo, que me deu uma ótima base, que eu não precisei fazer pré-vestibular, não precisei ir para nenhum centro depois, o próprio colégio... na nossa turma, eu fui um dos primeiros desse colégio. Teve uma turma anterior à nossa, mas a nossa foi a que teve mais alunos que começaram a partir dos cinco anos, era segundo ano. Sétima, oitava, primeiro, segundo, terceiro ano que eu fiz lá, passei no vestibular, aí eu já mudei para Uberlândia, aí já mudou a minha vida novamente.
(34:32) P1 - Mas antes de chegar em Uberlândia, qual que era a sua diversão?
R1 - Era a melhor diversão que pode existir no mundo, imagina: era desbravar o cerrado, os rios que tinha lá, na época. Andar de bicicleta, andar a longas distâncias. E é interessante, né? Porque eu era muito ativo quando era muito novo, igual eu falei: eu fazia parte do time da escola, mas eu sempre fui uma pessoa, digamos assim, um pouquinho acima do peso nessa primeira infância. E lá por essas longas, acredito eu, distâncias e você ser uma pessoa... não existia, ficar em casa, né? Era muito inocente ainda, né? Eu lembro assim: que a sexualidade fui conhecer acho que no momento certo. Nessa fase a gente era muito inocente, era diversão. Tive a sorte de encontrar vários na mesma situação que eu, os meus amigos, que eu falo, junto com esses aí, que eu já citei alguns deles, são meus melhores amigos, porque melhor amigo você só adiciona, você nunca perde, sempre mantém. Então, conheci o Leandro, o Daniel, o Marte, os Gross, que a gente amava. E fui conhecendo várias pessoas. O que a gente fazia? Eu ia pra escola, depois da escola ficava livre num mundo a ser explorado. Aí bicicleta, era ir pescar, ir nadar, fazer acampamento. E uma liberdade total. Claro que eu falo assim, né? Tinha algumas disciplinas que nos ensinavam os riscos. Acredito eu até nessa educação moral e cívica, você... os riscos da adolescência, o risco da gravidez precoce. A sexualidade a gente conhecia mais pelo medo, do que pelo desejo. Hoje é muito falado do desejo, mas antes era o medo. As doenças sexualmente transmissíveis, né? Viam fotos, acidentes automobilísticos. E aí foi moldando. E na região, como era uma região explorada, ainda tinha ‘grilagem’, estava chegando os grandes, junto já com uma questão complexa de terras. Terras que não tinha, digamos assim, um aparato legal, ou uma propriedade legal, mesmo sendo de responsabilidade, ou digamos assim, de direito de algumas pessoas. Então, os nossos medos eram esses: o medo do afogamento, a gente sabia tudo nadar; o medo de algum animal peçonhento, tinha cobras; morria de medo de algumas coisas assim, que ‘botavam’ medo; e a parte automobilística, que atravessava a BR, né? A bicicleta, tinha caminhões que passavam. E a questão, dessa questão que... aí, até brinco, né? Lá, pra você... encontrava... os meninos e as meninas se encontravam na escola, mas fora do ambiente da escola era difícil você formar os grupos, né? E geralmente os grupos de meninos e os grupos de meninas, né? Era mais comum, na época. E os meninos iam desbravar. Então, era muito saudável, nesse aspecto. Corria alguns riscos, mas são muito menores do que hoje. Tinha os riscos, às vezes, numa área que está chegando. Tinha forasteiro? Tinha. Tinha regiões que poderia ter algum tipo de violência e tinha, que imagina regiões onde estão aumentando o número de trabalhadores. Naquela época eu nem tinha consciência do que rolava, né, mas era mais distante. A droga era... algumas coisas eram mais distantes. Ficaram mais próximas, cada vez que você ia passando, os seus anos, ia passando. Exemplo: nos finalmente, ali, já começo a ver alguns indícios dessa, digamos assim, ameaça, mas isso aí já era pros 17, 18 anos, então já estava quase na saída, né?
(38:53) P1 - E até então você não trabalhava, enquanto estudava?
R1 - Não trabalhava, né? Então, como é que era meu trabalho? Vamos dizer assim: era o apoio em casa, aí é uma questão importante. Eu fico, hoje, vendo o mérito disso e o quanto isso foi importante. Tanto meu pai e a minha mãe, em diferentes fases, eles contribuíram para a minha formação. No primeiro momento foi minha mãe e no segundo momento foi meu pai. Então, eu lembro, a gente estudava à tarde lá, depois do meio-dia, almoçava e ia pra aula. Meu pai saía para trabalhar de manhã e ele me acordava de manhã. Não gosto de acordar cedo. Então, brigava, acordava, tomava café e passava as tarefas, né? Então, eu lembro do meu pai chegar da escola, porque eu era bom em química, física e matemática. Meu pai era outro professor meu em casa, em biologia, química, física e matemática. Eu lembro de sentar e ver meu pai... o meu pai sempre gostou de estudar. Eu brinco que ele só não aprendeu a ganhar dinheiro, o resto ele aprendeu tudo, né? Então, ele sempre gostou de entender as coisas, de como resolve os problemas. Hoje ele é uma pessoa com muitas referências em algumas áreas da agricultura no Brasil, alguns cultivos, cultivares, como a palavra que eles usam. Mas eu lembro dele estudar comigo. Então, ele trouxe esse aprendizado da importância de estudar e gostar de estudar também. Então, eu lembro do que eu fazia, de maneira resumida? Estudava, principalmente com meus pais e aí eu ia treinado para o jogo, que era na escola, então levava uma vantagem. Tinha toda essa parte de lazer e aí eu comecei, os primeiros contatos do trabalho foi que a minha mãe tinha um empreendimento dela, então a partir do momento que eu fui ficando um pouco maior, poderia fazer algumas funções, então a primeira função minha, primeiro trabalho meu foi que eu era o piscineiro da minha mãe. Então, acordava cedo, ia lá e limpava a piscina, que ela já conseguiu fazer um empreendimento de ‘botar’ uma piscina na academia dela, mas isso já estava com uns 16, 17 anos. E aí era: acordava de manhã, passava e limpava a piscina, que era uma piscina de giro alto, nós tínhamos que limpá-la, tratar dela, fazer, ali e ajudava, né? E a noite meu pai e minha mãe. E aí foi, né? Então, foi o meu primeiro, porque eu tinha contato com várias pessoas, né? Pessoas com um bom poder aquisitivo e pessoas... e aí eu tinha colega meu que vendia geladinho, vendia picolé e eu fui começar a vender geladinho e picolé também. Então, eu já fui vendedor. Não era muito bom vendedor, não. Digamos que eu não era um bom videomaker, mas pelo menos honrava ali com compromisso. Enquanto os campeões vendiam quatro carrinhos de manhã, eu, em um dia, vendia um carrinho de picolé, mas tudo bem.
(42:08) P1 – Já era um dinheirinho.
R1 - Já comecei a ter noção, que o dinheiro não era muito falado. O que eu tento ser claro em cada momento da vida, com meus filhos? Eu lembro que na minha casa, mesmo, a questão do dinheiro era muito pouco falada. Era um crime perguntar pro meu pai: “Pai, quanto você ganha?” Parece que era um tabu. Hoje eu já falo até para colegas, às vezes, a gente comenta: “E aí, vamos negociar, está bom, está ruim”. Então, eu sei que não tem mais tabu, na minha geração, porque a gente... tem também, antes, medir o dinheiro era muito difícil, porque até 1994, o nosso dinheiro era imensurável. Para quem viveu aquela época, né? Quanto valia o nosso dinheiro? A gente não sabia, que você dormia com um valor e acordava com outro. A partir do plano real... então, pra mim, ficou muito mais fácil, ter essa noção, mas não era conversado. Assim como a sexualidade, também não era conversada. Então, a gente tenta ser diferente, nesse aspecto. Agora, a educação e uma questão assim de educação moral e cívica, uma questão de... eu lembro de fazer fila. Eu lembro do Hino Nacional. Vamos esquecer as partes, porque eu nasci no regime militar, não tô querendo entrar no mérito. Tô querendo entrar no mérito da fila, do respeito, de: “Pô, eu sou brasileiro, né? Eu tenho que ter uma nacionalidade, independente da opção partidária que eu tenho, se eu sou de direita, se eu sou de esquerda, mas o Brasil tem que vir em primeiro lugar”. E todos têm boas soluções. Agora, a gente tem que unir, pra uma solução.
(43:56) P1 - Mas isso não era uma questão, na época?
R1 - Não era uma questão, na época. Então, aí, nesses anos lá, eu acredito que eu desenvolvi muito essa relação interpessoal, porque tecnicamente eu era treinado em casa e eu vi que com aquele treinamento as pessoas começaram a convidar eu pra estudar junto: “Pô, Michel, você tinha nota boa”. E aí você, então, assim: aquela aceitação, né, como é que eu fui visto pelo time: “O Michel é o CDF”. Mas aí eu tive a minha entrada no time, eu era aceito porque o Michel tira as notas boas. Ou seja: foi muito natural e aí essa questão secundária de um PCD, pra mim, apagou, sabe quando você bloqueia? Daquela reunião com médico até entrar na Hydro, até pouco tempo conversando com a Doutora Ellen, ela falou assim: “Pô, Michel, porque você...”, eu falei: “É mesmo, né, doutora? Eu sou um PCD, vamos colocar aqui”. Sabe quando você apagou da minha mente isso? Então, eu vivi esses anos assim sem ter consciência da minha diferença, digamos assim. Por quê? Porque é na diferença que as coisas são interessantes. É no embate, é no contrário, é no teste de teorias que você desenvolve como ser humano. Eu acredito muito nisso. E isso emoldou muito o meu dia a dia. Então, vamos estudar. Por exemplo: tinha... geralmente o CDF era associado como - eu aprendi essa expressão aqui – ‘capa preta’, aquele que esconde as coisas, que quer só pra ele. E eu já fui o contrário, aquilo ali foi uma porta pra me mostrar o seguinte: eu nem queria nem ser melhor. E aí eu também comecei a criar isso: eu não queria estar em evidência. Então, no início eu tive que lutar com a minha timidez, porque aquilo que me motivava ir até um ponto, às vezes fazia com que eu passasse desse ponto e aí eu poderia estar sendo muito observado e eu não queria, então eu comecei a ter esses dilemas também. Então, assim: receber elogio pra mim era muito difícil, às vezes. “Não, Michel é o nosso ‘cara’, ele que vai”, aí eu ficava vermelho, eu me travava. E não era para responsabilidade, era para aquele julgamento interno, o seguinte: “Pô, ‘cara’, fica na sua, você não é diferente, então, mas para que você ir lá? Vai que você indo lá alguma coisa muda e você pode ser...”. Pô, ele está lá, por exemplo: eu sempre tive a questão profissional, eu sempre tive cuidado porque eu, de alguma maneira, depois eu fui perceber inconscientemente, escondia que eu era um PCD, porque eu não queria ter o mérito por ser um PCD, mas depois eu fui ver que isso não existia, era meu, a aceitação é minha, né? E os meus méritos ou deméritos, a responsabilidade é minha. E as pessoas que gostam de mim vão entender quando eu não for capaz e vão entender quando eu fui capaz. Então, assim, foi muito isso.
(47:19) P1 - E aí você decidiu prestar vestibular em...
R1 - Engenharia Química. Porque, pô, química eu gosto, engenharia eu gosto. Faz teste de aptidão. Naquela época era um pseudo teste de aptidão. Mas, pô, é aqui. Meu pai... área médica eu falava assim: “Pai, pô, área médica não era pra mim”. Não tinha prazer em ficar ali, naquele... não tinha, talvez por desconhecimento, tudo, né? Eu falo que eu gostava de biologia, mas na área da ciência, da física, da química e da matemática e quem das engenharias tem a física, a química, a matemática? Engenharia Química, depois que fui aprender, né? Primeiro você presta, começa a fazer, depois você vê se realmente fez a escolha certa. Mas como tinha esse background de área de Exatas: “Michel, mas você sempre gostou, você sempre teve facilidade”. Eu tive muitos incentivos para aquilo. Meu pai era um incentivo. Então, quando você tem incentivo, você dedica e você tem facilidade. Jogador de bola tem talento e teve exercícios, talvez ele não é nem o esporte que ele mais gosta, mas como ele investiu tanto tempo ali dentro, ele se destaca e ele exige. Não estou falando, não estou querendo dizer aqui que... e a Engenharia Química é um ‘mundo’, depois que eu fui perceber quão rico era o curso.
(48:44) P1 - E aí você foi para o Uberlândia?
R1 - Fui para o Uberlândia.
(48:46) P1 - Primeira vez que você saiu de perto da família?
R1 – Dezessete anos. E aí eu fui 17 anos, para completar 18.
(48:52) P1 - Mudou tudo?
R1 – Fui em agosto, porque: “Michel, você está bem aqui, tudo, colégio já passou de ano, terceiro ano, porque você não vai e faz um intensivão, né? Faz um intensivão, porque lá vamos fazer um intensivão”. E por que Uberlândia? Porque uma tia do meu pai, que na verdade é tia-irmã, que é uma irmã da minha avó, mãe do meu pai, só que com a mesma idade, né? Minha avó criou os dois, né? Como se fosse, ajudou a criar, claro, né? E aí os filhos dela já eram mais velhos que eu e ela tinha um filho formando, que é o Luciano e tinha um, o Fabiano, que estava cursando Engenharia Mecânica em Uberlândia. E aí é referência de família: “Vai lá que ele não vai ficar sozinho”. E aí é outra, assim: aí você vê a importância da família, também, na sua vida. Foi se tornando muito fácil as questões. Fui bem treinado, convivi com pessoas que mostraram o valor de confiar. Tive os meus medos, sozinho numa cidade grande. Fui assaltado? Fui, mas ‘cara de curió’, que a gente chama. Você chega, aí depois você vai ficando esperto e já deixa de ser assaltado. Mas nunca... sempre sabia os meus limites. O meu limite: estou sozinho em tudo, meu limite na bebida. Porque lá você já começa a envolver a droga. Sempre tive muito distante da droga. Nunca me interessou. Não via vantagem. Esse era o meu discurso.
(50:31) P1 - E era uma faculdade pública, federal?
R1 - Faculdade pública, Federal de Uberlândia, uma das melhores faculdades, na época, que nós tínhamos no Brasil.
(50:40) P1 - Também com gente de tudo quanto é canto, né?
R1 - Tudo quanto é canto, cultura e, enfim, né? Mais aprendizado, biblioteca. Eu conheci uma biblioteca de verdade, uma das maiores bibliotecas. E aí eu falei: “Pô, é aqui mesmo, né? Eu estou no céu”. E aí fui sempre um bom aluno. É claro que a barra sobe, a barra subiu. O esforço que eu era acostumado a dar, eu tive que aumentá-lo, para me destacar. E aí sempre quando eu aumentei, eu me destacava. E a que onde eu não aumentei, eu tenho orgulho de dizer que na engenharia eu nunca atrasei uma matéria. Sempre passei em todas as disciplinas, por mais ecléticas que fossem. Eu levei meu curso sem tomar nenhuma DP.
(51:30) P1 - Imagino o orgulho do seu pai e sua mãe!
R1 – Muito, muito orgulho. E meu, também. No final, essa prova: “Eu posso”, foi muito claro pra mim. Ficou claro pra mim que as limitações estão no nosso desejo, na nossa vontade. Não como a gente interage com o ambiente, é como a gente procura alternativas. E é claro que essa minha limitação é mais interna do que externa. Para as outras pessoas eu sempre fui uma pessoa normal, mas para mim não era. Mas depois eu fui ver: “Gente, não é aí que conta”. Só que demora para você ver isso. E a faculdade foi isso: conheci pessoas, conheci o Tiago. Ele nasceu dia 2 de janeiro de 1980. Então, ele nasceu no mesmo dia que eu. A gente se encontrou lá, até hoje é meu amigão. Fora vários outros. O Fernando hoje, o (52:33), nós estamos morando próximos, a vida dá voltas e, enfim, esse período aí foi interessante, porque então até minha formatura, que aconteceu em 2002, que a minha turma foi 1998, 1999, 2000, 2001, 2002. Então, dezembro de 2002... janeiro, né, atrasou, teve greve, janeiro 2003, né, mas a turma de formatura 1998-2002, são cinco anos da engenharia. Então, eu vivia, eu tinha a felicidade de viver três mundos, porque eu vivi o mundo da faculdade, da cidade grande, da Uberlândia. Pra mim, aquilo ali... de shopping, de pessoas, conhecer mulheres inteligentes, homens inteligentes, bonitos, cada um na sua expressão. E tinha ainda meus parceiros lá da Bahia, que as minhas férias eu ia para outro mundo, que era o mundo da Bahia, que mudou, foi mudando aos poucos. Os meus parceiros de lá, os meus amigos, alguns não saíram, outros saíram para outros lugares, que trouxeram esse conteúdo para lá. E ainda tinha o Goiás que, na faculdade, eu lembro quando eu estava em Goiás, você tinha duas emissoras. Ou você tinha a emissora de transmissão da cultura, dos times do futebol do Rio de Janeiro, ou a emissora da cultura do time do futebol de São Paulo. E lá eu escolhi para torcer o Palmeiras. Tinha oito opções: Santos, que passavam só os jogos deles, Corinthians, Palmeiras e São Paulo e do outro lado, Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense. Meu pai é Fluminense. Eu falo pra ele que é um mineiro meio falso, por ser Fluminense, mas tudo bem, gosta muito. Eu torcia para o Palmeiras, mas quando eu já fui pra fora, pra manter o laço, falei assim: “Não, vou ser torcedor do Goiás, porque eu tenho que ter um laço”. E eu tenho muito orgulho de falar, não é bairrismo, nada, é o laço, é o carinho que eu tenho. Porque a base da minha formação é ali. Eles têm alguns estudos, eu não sou especialista nessa área, eu posso estar aqui falando algo que não é verdadeiro, mas mostra que a formação dos primeiros sete anos é muito importante na vida de todos nós. E ali eu encontrei minha base. Depois foi, digamos assim, a colheita dessa base, a colheita dos amigos, a colheita do conhecimento, veio tudo dali, da importância. Então, assim, fui um bom aluno, fui uma pessoa que sempre teve... e é interessante: sempre as pessoas me julgaram como ‘em cima do muro’. Em que sentido? Eu conseguia discutir com a extrema esquerda e com a extrema direita. E aquela discussão para mim era válida, apesar de pontos de vista diferentes, muitas vezes nos dois ambientes.
(55:39) P1 - Isso lá na faculdade?
R1 - Lá na faculdade. Então, eu era da turma do fundo, da turma do meio, da turma do final. Então, eu fui perceber aos poucos também. Claro que tinha alguns que eu não conseguia acompanhar, por questão financeira, mas eu sempre fui convidado: “Michel, vamos lá, em tal lugar?” E às vezes por inimigos. Não que sejam inimigos no sentido da palavra de um querer o mal do outro, mas pessoas que não têm afinidade ou têm pensamentos totalmente diferentes. Então, eu vi que eu tinha essa virtude. Ou pode chamar...
(56:20) P1 - Uma diplomacia.
R1 – Uma diplomacia. Eu sempre tive, sempre as pessoas me convidaram para estudar em grupos diferentes, ir nas festas de grupo diferente e sempre me senti bem em todas. Naquele meu, né? Naquele, digamos assim, meu definido ambiente. Nunca gostando de se destacar, mas também nunca querendo ser deixado para trás. Então, eu sempre me senti bem aqui. Quando eu era colocado em evidência, em algum desses grupos, por uma brincadeira ou por alguma coisa, eu me introvertia. Eu sempre fui uma pessoa extrovertida, mas em alguns momentos eu falava assim: “Não, espera, não é bem por aí”, ficava meio sem graça, enfim.
(57:08) P1 - A faculdade marca talvez uma transição da inocência de um jovem pra uma fase adulta?
R1 - Com certeza, com certeza. Ali, assim, a questão mais da responsabilidade, a questão mais das consequências dos seus atos, em várias disciplinas da nossa vida: na financeira, de ter que ter o controle financeiro; na emocional. Na relação pessoal de desapontar ou dar preferência para um amigo, uma namorada, de saber a responsabilidade de um relacionamento sério, que não é fácil, ainda mais em determinados momentos da vida. Aí que eu fui entender, porque antes era muita meninice, de não ter um relacionamento, de errar, de ser inseguro. Ali, acho que a minha segurança, se for pensar assim... a minha formação, quando eu entrei realmente no campeonato de pessoas fora de série, não que eu não tenha tido, eu percebi que é isso: eu sempre tive o (58:18) de pessoas fora de série, né? Mas ali foi um campeonato que até então falava assim: “Será que de onde eu vim, da minha...”. O que eu gosto de fazer hoje? O dilema com a minha esposa: a gente, às vezes, depois de um dia cansado, deita e começa... eu sou da roça. Às vezes eu tenho que tomar cuidado com a minha própria ambição. Porque a minha ambição hoje me leva para a roça. Às vezes eu me pego pensando: “Eu já fui muito além do que eu queria. Não é que eu queria.
(58:53) P1 – Imaginava.
R1 – Que eu imaginava. O mundo, para mim, hoje, é muito maior. O meu mundo era muito menor. O que tem depois... eu nunca fui de sonhar muito no que tem depois. Eu sempre fui de entender aquela situação e fazer assim: nessa situação aqui, que eu conheço, como eu posso ser melhor aqui. E melhor em vários aspectos, em equilíbrios de vários aspectos. Então, hoje eu vivo um dilema. O meu dilema é: o meu eu me guia para a roça e está fazendo cada vez mais que eu volte pra ela e o ambiente que eu tô inserido, que eu acabei entrando, me guia pra outra frente. Uma frente de conquista profissional e aí é uma conquista coletiva, porque essa é a que interessa. Eu brinco com o meu chefe ou com a organização: eu dou muito mais valor nas experiências... é claro, ainda mais a minha geração, que teve muita dificuldade financeira, o salário é importante? É. Agora, nome de cargo pra mim não é importante. É claro, eu chego lá na roça, eu tenho orgulho de falar, mas não por mim, por eles: “Eu sou de vocês e hoje eu sou diretor-presidente da maior refinaria do mundo”. Eu me orgulho, mas eu me orgulho naquele contexto. Eu não me orgulho em outro contexto, por exemplo: pra você, eu estou te conhecendo agora, eu não vou ter aquela questão: “Eu sou Michel, diretor”, não. Lá eu já tenho esse orgulho de fazer...
(01:00:34) P1 – Lá é somos, né?
R1 - Lá é somos. Lá tem um pedacinho de cada um, nesse aspecto. Então, assim, essas fases: o amor incondicional, a inocência em Goiás. Aí tem essa transição da inocência por desbravar, por arriscar, tomar risco de sair, de ir pro rio, de conhecer novas, de dançar, de fazer parte de um grupo de dança no CTG, de explorar, o explorador, e depois foi a transição pra responsabilidade. Eu sou um profissional, eu assino como profissional e aí vem a primeira namorada, meus primeiros compromissos sérios, as promessas cumpridas e as não cumpridas, aí você vê o choque que é, a questão da independência financeira, que é uma coisa que eu sempre quis. Então, assim, desde o segundo semestre ou no máximo terceiro eu já ganhava meu dinheiro na faculdade, porque as minhas notas me davam condição de ter bolsa, então eu fui bolsista, mas meus pais sempre tinham contazinha lá, se esforçavam, né? Na época, vamos fazer uma analogia, o que uma pessoa precisa, no mínimo, pra morar fora, numa república? Eu cheguei a morar com sete numa república, de saber o que é, o que não é ter a presença da sua mãe e do seu pai? Que sua mãe e seu pai, você desafora, desafora e eles estão ali, né? Você reclama, reclama da caminha, reclama da... lá não: “Amigo, nós estamos aqui na mesma situação que você e se ‘vira’”, né?
(01:02:21) P1 - Não tem a mágica na geladeira, né?
R1 - Não tem, não tem. Aí é aprender a cozinhar, é fazer compra. Se você gastar aqui, você não tem ali. E aí meus pais foram muito assertivos nisso. Qual que é o básico? Dimensiona para... vamos, sei lá: você soma aí um aluguel; você soma aí uma refeição num restaurante aí, hoje, que você vai pagar o mínimo e pronto; e luz e transporte é você, você é o transporte; e festa, festa é você. Se você quiser fazer festa, faz, mas com isso aqui. Isso foi muito bom, aprendi muito, aí eu virei e comecei a trabalhar, realmente, através do estudo, bolsista. Quando eu formei meu professor, até hoje, o Marquinhos Barroso, não vou falar o nome de todos aqui, que é pra que também não fique... mas o Marquinhos foi o meu orientador de iniciação científica e a última vez que eu o vi, ele falou assim: “Michel, aquele trabalho que você trabalhou lá, no mestrado, até hoje é um dos mais vistos”, que viu quilo ali. Fiz mestrado com ele, passei com score alto, então fui bolsista integral da CAPES e aí já ganhava meu dinheiro, pra ser independente. Então, formei e continuei estudando, mas independente. E aí eu fiquei mais dois anos lá, em Uberlândia. Então, foram sete anos em Uberlândia. E aí eu tinha a bolsa, já tinha meu dinheirinho. Isso, pra mim, foi uma mudança muito grande ‘de chave’. E aí eu comecei a, realmente, assim, focar no trabalho. Porque, um parêntese aqui: todo esse investimento, estudar é um investimento muito a longo prazo. E quem é ansioso, às vezes, desiste no meio do caminho. Por quê? Porque você vai estudando, estudando, estudando, estudando, estudando, estudando, estudando, a colheita é demorada. E aí, outra coisa: a colheita não vem de uma hora pra outra. É o primeiro hectarzinho, o segundo hectarzinho, o terceiro hectarzinho. Aí você começa a pingar, a sobrar um pouquinho. Mas quando eu entendi isso, falei assim: “Ah, é isso que eu preciso fazer? Vamos trabalhar”. E aí eu voltei, terminei meu mestrado, o meu orientador Marquinhos: “Michel, doutorado”. Aí eu tinha feito, pra finalizar o curso, o trabalho de curso, eu tinha já relatório suficiente pela área de iniciação científica, mas eu fiz um estágio numa empresa lá na cidade onde meus pais moram até hoje, que é lá na Bahia, que eles estão lá até hoje, diga-se de passagem. E aí, eu voltei pra lá a contragosto da minha mãe, na transição ali, fiz o estágio, mas aí eu voltei, fiz o mestrado e o Marquinhos... só que como eu tive essa experiência fora, falei assim: “Marquinhos, é o seguinte: ó, eu vou, mas eu volto. Mas deixa eu ter uma experiência fora”, né? E naquela época ainda, aí veio de novo, ou seja, esse ato dos sete anos até os vinte e quatro, porque eu fiz o mestrado, então foi dos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 eu era uma pessoa ok. Aí tinha um colega nosso de faculdade que foi prestar as entrevistas, passou nas entrevistas, na hora da admissão ele foi fazer o ASO e foi reprovado no ASO, porque ele tinha um problema na audição. Então, naquela época o crivo das empresas ia até o seu atestado de antecedentes criminais. Então, você tinha isso. E aí eu falei assim: “A minha carreira agora...”. Aí eu lembrei, que falei: “Opa!” E eu tinha sempre essa... aí, assim, quando essa ‘ficha caiu’, aí eu falei assim: “E agora?” E aí eu fui mesmo assim, falei assim: “Não, vamos lá”. Por quê? Aí eu brincava comigo: “Eu não vou prestar nenhuma entrevista para ser motorista de caminhão. Então, assim, provavelmente, vamos ver, quando eu fizer...”. Eu lembro até hoje o exame de vista que eu fiz, eu lembro até hoje. Eu tremia, mas tremia. E passava um ‘filme’ na cabeça. E aí eu falava assim: “Pô, foi tanto esforço da minha mãe, tanta dedicação do meu pai, da minha mãe”. E aí lembrava de cada um dessa história: a tia Santa, minha vó Doraci, do amigo, do Alan, do Fernando, que era o irmão do Alan, do Juninho. Aí foi passando o ‘filme’ das pessoas, né? Tia Maria Abadia, meu pai, minha mãe, o tia Evandro. Aí eu falei assim: “Gente, eu não vou conseguir trabalho. Será? Mas vou lá”. Fiz as entrevistas, a pessoa... tinha muita gente de Uberlândia, pediam referências: “Bom, tem um menino bom aqui, Michel”. Aí eu fiz uma entrevista, que meu primo tinha trabalhado em Uberaba, na época, era uma empresa de fertilizante lá, essa eu não passei e fiz essa entrevista lá na Alcoa, uma produtora de alumínio em Poços de Caldas, né? E lá tinha uma vaga. E aí, tinha uma pessoa lá que eu conheci, hoje é meu amigão, Daniel Rajão, concorrendo à mesma vaga. E aí teve algumas curiosidades, né? É, assim, ele é muito meu amigo, eu posso falar isso e isso eu guardo até hoje: numa das fases de entrevista, a gente se conhecia tudo, fomos lá, fomos passando, passando, fazia psicotécnico, fazia não sei o que, prova, fomo passando, nós fomos chegando. Aí teve uma vez que eles chamaram pra uma última entrevista, nós dois, né? E aí não tinha hotel e só tinha um quarto. E aí nós dividimos o quarto ainda. (risos) Aí nós dividimos o quarto do hotel, né? E ele brinca comigo, me zoa até hoje, porque ele tinha uma namorada, na época, ligava e ele falava assim, que quando ligar, eu tinha que sair correndo lá no quarto e falar que ele estava no quarto. Tirando sarro de mim até hoje o Daniel. E aí ele passou e eles me ligam, assim: “Michel, você não foi escolhido pra vaga, mas nós gostamos muito de você. A próxima oportunidade nós vamos chamar”. E eu falei pra minha mãe, meio desiludido: “Mãe, fui lá, fiz o serviço, mas ó, não vou desistir, não”. E voltei lá pra lan house, que antes não tinha computador, tudo era lan house, mas já tinha lan house e tinha a Catho. E vamos ‘botar’ meu currículo aqui e meu professor torcendo: “Se não der, você volta”. Eu falei pra minha mãe: “Mãe, ó”. Ela falou assim: “Michel, não volta pra cá ainda, não. Pô, você já teve esse período lá” - ela não falou com essas palavras, mas era o que eu vi nos olhos dela - “Então, tenta. E eu tô aqui, pra tentar e não precisa ter pressa”. Passou três, quatro dias depois, me ligaram. E aí, abre parêntese, né? Eu vou chorar de novo. Quando eu passei no vestibular e quando eu falei para minha mãe que eu tinha arrumado emprego, a reação da minha mãe é indescritível. Aí que você vê, assim, o quão responsável a gente é, né, como exemplo e como gratidão, gentileza. Eu gosto muito, eu aprendi muito sobre a palavra gentileza. Aí você vê quanta gentileza tantas pessoas já fizeram na sua vida e às vezes você não reconhece isso. E às vezes a gentileza que muda a sua vida. Minha mãe foi uma delas. Porque minha mãe poderia ter falado pra mim, nesse dia que eu saí do hospital: “Michel, sua vida mudou”. Ela não falou isso. Pelo contrário. Meu pai era assim, sabe: “Você está aí ‘de onda’, né? Como assim? Ó, levanta a poeira e vamos embora”. Isso é gentileza. É a pessoa te deixando pra cima. É gentileza. Então, a palavra gentileza é muito. E aí você vê, né? É porque eu tô feliz, esse choro é de felicidade. Você retribui um pouquinho de gentileza, porque pra mãe, imagina, né? Ou da minha esposa Isabela com os nossos filhos, com a Alan e a Marcela, um amor que não existe. O amor que é deles, assim, dela, que é desde o âmago, que nasceu ali. E aí eu fico imaginando a gentileza que eu fiz para minha mãe: “Pô, Michel, você é meu filho”. Aquela alegria. (choro) E assim foi, aí eu entrei no mundo do alumínio. Achei que nem sonhava que eu ia trabalhar no mundo do alumínio, mas eu acabei trabalhando no mundo do alumínio.
(01:11:59) P1 - Que ano você entrou lá?
R1 - Eu entrei lá foi em 2005, porque eu me formei em 2002, 2003 e 2004 fiz meu mestrado, 2005 na indústria.
(01:12:16) P1 - E onde ficava?
R1 - Nós estamos vinte anos, eu fiz vinte anos de... ficava em Poços de Caldas. Aí foi outra fase da minha vida. Foi outra vida minha, fiquei dez anos contando todo esse período. Não foram dez anos seguidos, porque na metade deles eu saí, fui para Piracicaba, fiquei um ano... não, quase um ano na Cosan, na época que fez a joint venture com a Shell, Raízen hoje. E aí eu voltei. Fui, fiquei um ano e eles me chamaram de volta. Enfim, mas aí foi o trabalho. Aí eu comecei a ter prazer no trabalho. Então, assim, ali eu tinha o prazer dos amigos, dos desafios, das provas, né? Claro que sofria com as provas também. Tinha provas que não eram um prazer, eram pesadelos. Mas eram ambientes de muita alegria, mas de uma responsabilidade compartilhada. Claro que eu sabia das minhas responsabilidades todas e ali eu falei assim: “Eu nasci para trabalhar, nasci para o trabalho”. Me fazia feliz eu acordar cedo e ficar além do horário. Para mim não era... não é que eu estou trabalhando, fazendo hora extra, não. Hora extra é para mim, não é para empresa. Eu tô aqui tendo uma condição de aprender. E aí, se eu estudava muito, eu vi que eu trabalhava muito mais do que eu estudava, em termos de dedicação. Não foram poucos os momentos na minha vida que eu me vi sete dias trabalhando e dez, onze horas por dia, né? Mas, assim, nem via que eu estava trabalhando. Essa que era a mágica do negócio. Não era que eu estava trabalhando ali... os operadores são amigos meus hoje e, na época, me zoavam: “Pô, você está vindo aqui pra almoçar no domingo, você mora na república lá?” Aí eu fiz um... logo quando eu cheguei, eu ia morar sozinho, mas eu conhecia uma pessoa, o Pablo, uma pessoa fantástica também, trabalhava lá já e ele tinha acabado de passar por uma situação difícil na vida, terminando um casamento, tudo. Aí ele falou assim: “Michel, eu tô com uma casa grande e cheia de mobília”. Claro que não foi esse diálogo, mas foi mais ou menos, né, nós encontramos lá num lugar e eu falei: “Pois é, eu tenho um apartamento ali, só tem um colchão. (risos) Se você quiser deixar sua mobília lá...” “Eu posso deixar, mas eu posso ir junto, pra ficar uns dias?” “Pode”. Aí acabamos, nós moramos. Eu fiquei com ele até meu casamento, depois, que aí fui preparar pra casar, foi aí que eu saí desse apartamentozinho que a gente tinha.
(01:15:15) P1 - Você entrou com qual função?
R1 - Eu como engenheiro de processo júnior, primeiro nível de engenharia.
(01:15:21) P1 – E aí você foi crescendo?
R1 - Já entrei como engenheiro, mas no primeiro nível de engenharia. Aí, na área da clarificação, que foi quando eu vim pra cá, vim pra essa área também, era de gestão, um cargo de gestão já, mas como engenheiro da clarificação. Em sete de junho de 2005, essa é fácil lembrar: sete, seis, cinco, foi quando eu comecei a minha jornada do mundo alumínio. E, assim, muito feliz, aprendi desde o primeiro momento. Aí, tudo aquilo lá, aquela questão técnica, a bagagem que eu tinha, me facilitou demais. O raciocínio lógico que eu tinha desenvolvido, a capacidade de analisar, de entender, de interpretar texto, interpretar situações complexas, de interpretar pessoas. E foi só somando. Logo, logo eu me destaquei e fui como engenheiro júnior, engenheiro pleno. Teve um momento que eu achei que eles não estavam me reconhecendo, aquele anseio de querer não crescer no sentido de cargo, mas no sentido sim de meritocracia e no sentido: “Me dá isso aqui, que eu sei fazer, deixa eu tentar”. E aí fui passando por todos. Trabalhei no turno, como engenheiro do turno, implementando. Fui supervisor, gerente, depois fui superintendente, que é o equivalente ao gerente sênior. Sempre na área técnica, sempre gostei, mas eu era um pseudotécnico, no seguinte sentido: eu interagia. A área técnica, pra mim, era um prestador de serviço para operação, para manutenção. Então, pra mim, eram meus colegas, não tinha distinção ali, de departamento, não falava: “Sou da técnica”. Então, sempre foi, tive pessoas maravilhosas como gestores, no sentido de desafiar, no sentido de aprender com os acertos, mas de aprender também com os erros e coisas que eu queria ser diferente, independente de ser erro ou acerto, mas opções diferentes que eu queria dar naquela solução daquele problema, ou tratar aquela situação. Passei fases de negócio de ‘vento em popa’, passei fases de curtailment, de quase fechar o negócio. Tive que fazer várias contratações, que eu me orgulho até hoje, mas tive que fazer muitas demissões, que me doem até hoje. É que na hora você tem que demonstrar frieza e respeito, mas nunca o pré e o pós, você sabe que você interferiu na vida de alguém, de alguma maneira, pro bom ou pro mal, tanto na contratação, quanto na demissão. Mas são coisas que o trabalho tem o lado prazeroso, tem o lado das conquistas, mas também tem um lado das...
(01:18:37) P1 - Em que momento chegou a Isabela, a tua esposa agora, em que momento aí, em Poços de Caldas?
R1 - Isso aí, vamos lá! Eu conheci minha esposa, também é uma data fácil de lembrar, quando eu a pedi em namoro. Eu ainda fui daqueles que pediram em namoro: “Você quer namorar comigo, tudo?” Foi dia 3 de maio de 2007. Então, entrei em 7 de junho de 2005, quase dois anos depois, eu conheci a Isabela, dentro da Alcoa. Ela trabalhava lá na Alcoa também, né? Ela era técnica em química. A gente tinha uma diferença, ela tinha 18 anos, eu sou oito anos mais velho que ela, mas começou assim, de uma paixão, de tentar conhecer, de... naquele momento tinha... hoje não tem diferença de nada, mas naquele momento de tentar sempre mostrar respeito com o sogro, Zé Carlinhos. Eu lembro da primeira vez que eu fui buscar a filha dele, ele não deixou a filha dele nem sair, nem eu entrar, mas é claro, no instinto assim de tentar conhecer. “Engenheiro, mais velho, o que ele quer com a minha filha?” Mas, assim, aí eu a conheci, nesse ano. Aí nós ficamos... nós casamos logo depois, nós casamos em 2009. E aí a gente esperou um tempo para ter os filhos. Os filhos só foram nascer em 2016, com o Alan. E já estava aqui, né? Então, a gente ‘curtiu’ bastante ali, a gente namorou pouco, mas casou muito. Eu acho que é o certo, porque tem gente que namora muito e casa pouco, né? Eu brinco com ela. Então, nós fizemos certo, porque a gente arriscou, talvez, no início, mas nós namoramos pouco pra casar muito, né? E aí ela formou em Engenharia Química também. Estava morando lá em Poços, uma cidade boa, fui lá, a Unifal e um colega meu, um veterano meu, de um ano antes de mim, foi professor dela depois e ela formou. E aí eu tive uma família, porque o pai dela me adotou e a Terezinha, que é a mãe, como filho. Aí você volta a ter o que fazia falta pra mim. O que fazia falta pra mim? Os almoços de domingo. Isso eu sentia falta. Então, eu fiquei um hiato sem ter os almoços de domingo na faculdade e tudo, aí eu voltei a ter. E aí você começa a criar laço com a cidade. Então, eu tenho um laço muito forte com Poços de Caldas, por isso. Aí meus filhos, por mais que a gente teve, eles estavam aqui, a gente morava aqui, por mais que eu fale que eles são paraenses, eles são pela cultura, o Alan, por ter morado os primeiros anos importantes de vida dele aqui, eles são nascidos lá, pela comunidade, de estar do lado da família. E a gente sempre foi, nesse aspecto de apoio familiar, distante aqui. E tem algumas coisas que é uma família mesmo. É claro que aqui, se precisasse, ia ter o mesmo acolhimento que teve.
(01:21:48) P1 – Então, você ficou dez anos na Alcoa, de 2005 a 2015?
R1 - Isso.
(01:21:51) P1 - E aí surgiu o convite?
R1 - Isso, foi 2005 a 2014. Aí, no final de 2013, início de 2014, eu recebi o convite, porque uma pessoa que trabalhava comigo lá, que era meu gestor lá, veio pra cá e falou assim: “Ó, eu preciso de você lá”.
(01:22:07) P1 – Na Alunorte?
R1 - Isso, na Alunorte. Aí eu vim pra cá, pra Alunorte.
(01:22:12) P1 – Uma super mudança, de Poços de Caldas à Barcarena.
R1 – Muita mudança, de Poços de Caldas à Barcarena. E aí eu fui muito feliz em Barcarena, também. Cheguei em Barcarena, fui muito bem recebido pelas pessoas, tanto internamente, quanto externamente. Como eu sou do interior, tudo que eu precisava tinha em Barcarena, um casal sem filhos, a esposa companheira, no seguinte sentido, de suportar, entender. Ela foi contratada, ela trabalhou como engenheira, tinha certas dificuldades, que na época eu era gestor do departamento de engenharia e aí ela entrou, mas no outro departamento, para não ter o conflito de interesse, mas ela trabalhou durante dois anos e a vida foi muito trabalho, aí foi muito trabalho. E aí eu vi que passou um pouco o ponto, teve um momento da minha vida que eu passei um pouco, quando o Alan nasceu. Os primeiros anos do Alan eu praticamente não acompanhava. Isabela falava. Eu senti isso depois, mas ela falava que eu era muito mais ausente que sou hoje, viajando mais, né? E eu (01:23:28) em casa, porque era muito intenso. A Alunorte é assim: ela tem a beleza dela, que são as pessoas. Você estar no lugar que tem cinco mil pessoas e você poder interagir com elas é fantástico. Tanto do lado positivo, quanto do lado do aprendizado e do lado das decepções etc. Os desafios que é gerenciar cinco mil pessoas. Então, esse lado é fantástico. Agora, fora isso é uma responsabilidade muito grande. Tecnicamente é complexo.
(01:23:58) P1 - Você entrou com qual cargo?
R1 - Eu entrei como hoje o equivalente a gerente sênior da operação da área vermelha, que era de gestão e clarificação. Então, foi nessa área que eu entrei. E aí eu já vim praticamente no mesmo nível. Eu era o superintendente, o equivalente, só que era no departamento técnico. Eu fui para área operacional e eu fiquei - só que foi rápido - um ano e aí já me chamaram para área técnica, porque lá era um cargo que eu poderia contribuir mais no aspecto do impacto do cargo. Não estou falando importância, mas aí você vê todo o contexto, tudo. E aí acredito eu que todo esse caminho de aprendizado, toda essa segurança que eu tinha em mim, que eu aprendi a ter em mim, pelas pessoas que fizeram que eu sempre fosse muito seguro em mim porque sempre, quando eu olhei pro lado, tinha ali várias: “Pode ir, nós estamos aqui, qualquer coisa você volta”. Então, nesse espírito assim, de não temer de errar e de valorizar o que tem aqui de bom, eu fui entendendo o que eu poderia contribuir, onde eu tinha que continuar, o que eles faziam sendo necessário continuar fazendo, o que eles faziam que não era para fazer mais e o que eles não faziam que tinha que acionar, começar a ser feito. E aí as coisas foram dando certo. Tinha um questionamento muito grande sobre... a vida da Alunorte é maravilhosa. Não vou entrar no mérito de entrar nela aqui, mas o Victório Siqueira traduziu um pouquinho dessa vida, dessa origem da Alunorte, dos desafios. E operar na Amazônia uma mineração com todas as nossas externalidades positivas e negativas é um desafio muito grande. Técnico, social, humano, ambiental. Então, você pega todos esses pilares e não é um maior ou menor que o outro, são todos gigantescos.
(01:26:14) P1 - Tudo ao mesmo tempo.
R1 – Tudo ao mesmo tempo. O desafio da Alunorte, ela consegue interagir, interferir em todos esses pilares. No econômico, no social e no ambiental, de forma representativa. E para um profissional é fascinante. Pesa, pesa muito, mas acabei de falar: eu sempre senti o peso da responsabilidade, mas nunca senti o peso da derrota. Não é da derrota, o peso do ofício, sabe? “Eu não vou conseguir”, eu nunca senti esse peso. Eu vou tentar e vou fazer o meu melhor e eu tenho certeza que eu vou conseguir. E, se não conseguir, vamos seguir e parte para outra. Não será comigo, mas eu vou tentar fazer o meu melhor. Então, eu sempre fui muito claro. E aí eu passei até a ser muito pragmático, às vezes. O pragmatismo é bom em alguns setores em nossa vida e ruins em outros. Mas para aquilo... eu testo muito assim, como profissional, como a mérito, o lado meritocrata meu é igual eu estava citando hoje ali. Em todo esse contexto, quando eu vi o impacto da minha função, mas a minha função como técnico, a minha função como influenciador de pessoas, quando eu comecei a entender isso, eu falei assim: “Pô, está faltando alguma coisa na minha formação”. E aí eu procurei a economia. A economia foi um presente para mim, porque a economia consegue ter uma base técnica, uma base de macro e microeconomia, como balanço de fatores econômicos, eles funcionam, mas num contexto de reações humanas, que é totalmente imprevisível. A economia tem fundamentos e definições baseados na racionalidade humana. E muitas vezes nós não somos racionais, em tomadas de decisões. Principalmente quando a gente tem muito interesse naquilo que a gente quer conquistar. Quanto maior nosso interesse, mais ambição e nosso desejo de conquistar, menos racionais nós somos. E aí a economia me ensinou a medir isso e a me mostrar que tem áreas da ciência que estudam isso. Eu costumo falar com algumas pessoas, antes meu mundo era muito binário, era muito exato, mas as equações não batiam, porque quando você olha para soluções, a solução prática pra Alunorte é muito fácil de entender, de escrever. Agora, a implementação dessa solução é muito desafiadora. Aí entram as relações humanas, aí entra o contexto, aí entra a empatia. O que eu vejo é diferente, o ângulo... trazendo aqui Hashomon, que foi o primeiro filme a ganhar o Oscar, um filme japonês, dependendo do ângulo que eu estou observando a cena, eu vou ter uma interpretação dela. Então, como é que eu posso saber quais são as melhores soluções para Alunorte, olhando de dentro? E quem está lá fora, que tem outra visão totalmente diferente. As minhas soluções podem ser ótimas para o meu ponto de vista, mas e o ponto de vista do outro? Então, a economia te traz isso. E a economia bateu muito. Eu fui aprender que eu não sou ‘em cima do muro’. Eu fui aprender o seguinte: que eu consigo ler O Capital de Karl Marx, consigo ler A Riqueza das Nações, de Adam Smith e entender que uma coisa interlaça na outra. A Teoria do Emprego, dos Juros e da Moeda, de John Maynard Keynes e lá e debruçar o Milton Friedman, que é o radical do liberalismo. E o Paul Krugman, eu estava até lendo uma reportagem dele, ele foi o Nobel de 2008, eu consigo olhar para ele e ver muito sentido no que ele fala, de entender o papel de Estado porque, se você deixar... eu não estou querendo aqui defender... eu estou colocando meu ponto de vista, que pode estar... é do ponto de observação que eu tenho do mundo, que o Estado tem a função dele, assim como a meritocracia tem a função dela. Que você deixar as coisas acontecerem por incentivos tem a função dela, a inovação vai acontecer por aí. Agora, como distorcer, como você garantir a equidade? Aí que entra, acredito eu, o balanço do Estado, porque para você garantir uma propriedade privada, você tem que entender que um excesso de concentração pode causar uma disrupção. Como é que eu vou garantir o tudo para um e o nada para todos? Isso não pode ser uma solução equilibrada, então o Estado tem que olhar isso, mas tem que olhar isso de maneira sem viés, tem que olhar isso de maneira técnica, numa relação que é humana, uma relação que é muito complexa.
(01:32:03) P1 - Não é uma fórmula.
R1 - Não é uma fórmula. E o que vai funcionar aqui, o que vai funcionar no diálogo com a comunidade que é mais próxima, ou com uma comunidade que é mais distante, é diferente do que vai funcionar com os interesses do próprio Estado, os interesses do governo, que está governando aquele estado. Então, isso causa um entendimento de Brasil. Eu tive, assim... eu estou aprendendo um entendimento de Brasil, que eu vivo um paradoxo. Eu vivo assim: tem momentos que eu me orgulho e vejo pessoas fantásticas. Eu estava lendo um livro agora do Gustavo Franco, Trinta Anos do Real. Aquela equipe: o Arida, Lisboa, nós temos uma equipe fantástica, você se orgulha. Eu vejo, por exemplo, eu vi o Barroso, uma entrevista com o Barroso com o Temer, são pessoas ‘fora da curva’, fantásticas, que espelham o conhecimento. E do outro lado, você vê que soluções não são implementadas, interesses individuais, que têm notícias controversas, até das pessoas que a gente admira, muitas vezes. E às vezes você vê discursos falando a mesma coisa, só que em extremos diferentes e aí você desanima. Às vezes tem um excesso de favores, um excesso de individualidade nas necessidades ou nas premissas e isso aí machuca, porque quando você vê o que é indivíduo, a concentração e aí você começa a se questionar. Eu tive muita chance já de sair do país, eu sou muito grato à universidade federal que eu tive. Estou falando aqui que é claro que pagar imposto, a gente reclama. Tem uma passagem dos Trapalhões que é engraçada. Vem um deles lá que está reclamando do governo, aí o outro chega assim: “Rapaz, para de reclamar do governo, você só reclama, só reclama”. Aí o outro vira pro outro: “Mas ele vai taxar a ‘birita’” “Não, mas esse governo não vale nada”. Ou seja: cada um tem o seu interesse individual, não pode ser assim. Agora é difícil, e tem que atender, tem que ter uma transição. E morar aqui você vê tudo. Vê o Brasil passando nos seus olhos todo dia. Nas relações, na área portuária. Nas relações das questões que são legais, questões que são explícitas, das questões que são ilegais, das questões que são implícitas. Eu passei a gostar muito da governança. Para mim, a governança faz muito sentido. Porque a governança, pelo menos, nos traz uma leitura mais fiel possível do que está acontecendo, dos fatos. E quando você tem uma boa governança, pelo menos você sabe onde você está se enganando. E eu acho que falta isso muito pro nosso país, né? A gente olhar a situação e falar assim: “Ó, pô, está ótimo o desemprego”. Nós temos que elogiar. “Está ótima a questão do crescimento do nosso país” “Ó, mas está ruim a nossa taxa de juros, né? Está ruim a nossa dívida do Estado”. Então, vamos separar as coisas. Agora não, a gente generaliza, né? Ou está bom tudo de um lado ou está ruim tudo do outro lado. E a gente só foca naquilo que... eu só vou focar naquilo que eu tô te trazendo de melhor e tudo aquilo que eu tô te trazendo de pior eu vou deixar escondido ou eu vou minimizar, é aí que está o erro. E aí a governança faz com que a gente... e aí é interessante essa questão, por que como é que eu aprendi isso? Nas nossas relações. Porque como eu enxergo, por exemplo, o ambiente onde eu estou inserido profissionalmente. Nós temos as relações explícitas e as relações implícitas. O que eu chamo de relação? Para a minha definição, aquela que eu passei a seguir. As relações explícitas são aquelas, as nossas funções aqui, o que compete a cada um de nós aqui dentro. Quais são os nossos limites de atuação. Quais são os poderes que são delegados a nós. Então, é o regramento, o regimento, é a constituição interna daí, é o ‘jeito Hydro’, que parte dos respeitos, dos valores, da nossa missão. Eu vi até uma maneira diferente falar a missão e valores. A gente ter os nossos objetivos, a nossa unidade de propósito, os nossos valores e os nossos rituais. Isso é explícito. Aí você tem nossas relações implícitas, que aí entra nós, seres humanos, interagindo com outro. Aí é na negociação, aí às vezes é no ‘toma lá, dá cá’, às vezes é no meu interesse e não no seu, às vezes é no interesse comum, às vezes é no interesse do grupo, às vezes é no interesse da área, às vezes é interesse de um sócio. Aí, quando você mistura isso aí, por isso que quanto mais essa mistura tender a uma questão explícita, mesmo em fóruns de discussões mais informais, acredito eu, mais produtiva é uma empresa. Assim, outras coisas que a economia trouxe o balanço. A gente tem que entender as regras, a gente tem que trabalhar dentro dessas regras. Isso é uma premissa, uma premissa de valor. E a regra, qual que é a minha maior contribuição? E acredito que até hoje, se perguntar assim: “Michel, qual que é a sua maior contribuição para a Alunorte?” É olhar a Alunorte como um business que gera valor. E aí eu preciso de pessoas, que aí entra contribuições de outras pessoas: do Carlos, do Baranov, do (01:38:38), do John, do Eduardo, da Juliana, de saber o seguinte: para onde serão destinados esses valores que foram criados na Alunorte? Eu brinco muito lá que o que eu aprendi ao longo da minha vida? Antes eu acreditava o seguinte: que eu chegava no meu objetivo alumina através das pessoas. Em um determinado momento da minha vida, isso ficou chato. O que melhorou? Eu chego no objetivo das pessoas através da alumina. Se eu tenho a alumina, se eu consigo ter um sistema sustentável, se eu consigo ter um sistema que é rentável, eu vou proporcionar um desenvolvimento. E aí eu tenho que entender como organização, como eu vou compartilhar esse desenvolvimento. Eu tenho sócios, os acionistas, eu tenho a comunidade, eu tenho o governo, eu tenho a... aí, quando falo governo tem a Noruega, tem o Brasil, né? Tem vários povos de diferentes opiniões, diferentes origens. É aí que é um grande desafio. Agora, todos eles têm que entender que a essência parte da gente preservar o valor. Porque quando há um conflito e alguns desses stakeholders, alguns desses atores passam a impactar no valor, aí todo mundo perde. Mas para você comunicar isso, fazer com que todo mundo entenda: “Gente, o problema nosso não é o valor que é criado no negócio” e a gente entende bem os impactos. Agora, quando eu falo valor, a soma tem que ser positiva. Então, quando eu pego as minhas externalidades negativas, ou melhor, positivas e subtraio das minhas externalidades negativas, tem que dar um saldo. É isso eu chamo de valor. E esse valor, quanto mais tangível, mais fácil a gente ter acesso a ele. E, quanto mais tangível, mais fácil a gente ter acesso a ele, aí sim, nós temos que os fóruns, para discutir. Aí que entra a discussão, onde nós iremos alocar esse valor que foi criado aqui. Aí por isso que às vezes eu fico, independente da discussão do meio, muito feliz com alguns fins que a Alunorte foi capaz de proporcionar. Por exemplo: tinha uma escola técnica que sempre, quando eu saía, logo quando eu cheguei aqui eu comentei com a Isabela: “Isso aqui é um desperdício, uma área que precisa desse desenvolvimento, precisa do conhecimento, que as pessoas precisam ter oportunidade de acesso a esse conhecimento e essa escola abandonada”. Nós fomos capazes de entender que parte desse valor gerado aqui seria destinado para essa escola e aí nós reformamos a escola técnica. O território da paz, independente da ideia, independente de iniciativa que tem um mérito e cada um merece colher esse mérito, mas nós participamos, então parte desse valor aqui, assim como parte desse valor aqui foi colocado em Jovens Aprendizes, trilhando caminhos que são programas, todos à mesa, no trabalho que nós fizemos, até com vocês, dos povos, das pessoas originárias aqui de Barcarena. A gente tem que desviar o foco das discussões, às vezes. Eu fico vendo aqui essa discussão nossa da margem equatorial. É um dilema. Agora, para onde nós vamos tender, para não ter um dilema? Se todo mundo olhasse a questão do valor e a conta, vai ser positiva ou não? Sem interesses. Porque, fazendo um paralelo, países que hoje são desenvolvidos não perderam oportunidade iguais a essas que nós estamos tendo, por exemplo, da margem equatorial. E hoje tem uma condição já de estar além, de estar pensando as fases do desenvolvimento econômico, né? E todas elas que eu li, antes de você ter o desenvolvimento econômico, antes do coeficiente de GINI, antes do IDH, você tem que ter o crescimento econômico. Então, primeiro, você gera riqueza. E, através da riqueza, você vê a melhor maneira de fazer. Então, essa é a base. Agora, nós, como brasileiros, a gente está olhando pra geração de riqueza do nosso país como deveria? E depois, que é o mais complexo, estamos distribuindo essa riqueza como deveria? Isso a gente faz na Alunorte. Então, assim, eu fico muito orgulhoso, né, porque minha avó tinha dificuldade de saber o que eu fazia e eu tinha dificuldade de falar pra ela o que eu fazia. “Pô, Michel, você produz alumínio?” “É, vó, eu faço panela”. Só que fazer panela é ser um presidente, é ter os dilemas do presidente, é claro que a proporção é muito menor, mas é ter os dilemas do presidente: nós vamos ou não vamos nesse projeto? Quais as externalidades, quais os recursos que são necessários e o que nós vamos fazer com os excedentes desse investimento.
(01:44:20) P1 - Como é que você explica para sua avó hoje o que você faz na Alunorte?
R1 - Hoje eu falo para ela que eu mudo a vida de muitas pessoas, através da produção da alumina. Hoje, hoje a resposta é fácil falar. E como? Através da oportunidade do trabalho, através do aprendizado, através de discussões, até de saber o seguinte: eu quero ou não quero esse empreendimento aqui? Porque esse está dado, mas tem um próximo que pode chegar ou não, que vai usar isso como exemplo para discutir, de compartilhar e trazer. Porque no final, o que a gente aprende, né? Se perguntar assim: “Michel, isso me fascina aqui, mas o que faz você voltar para a roça?” Porque lá já é um equilíbrio. Na cidade onde eu vejo... é claro que medir riqueza é muito complicado, porque a gente... assim, para mim é complicado. Talvez seja a minha falta ainda de conhecimento, um conhecimento que eu vou adquirir. Mas o que eu vejo lá? Lá eu vejo as coisas muito mais equilibradas. O trabalho é... eu tenho tio que é retireiro. É um trabalho que é um esforço grande, mas é um trabalho que você vê uma transformação muito grande. Em que sentido? Você interage com o meio ambiente e ele te devolve. É muito simples ali. E, com o tempo, não é da noite para o dia, mas com o tempo você enriquece. Enriquece nos seus valores, enriquece no conforto, enriquece em melhorar aquela casa que você tinha, aquela sustentabilidade. Por exemplo: meu vô precisava de cem vacas para tirar quinhentos litros de leite. Meu tio tem dez. Isso é muito desenvolvimento, muito trabalho e está ali, em equilíbrio. Então, olha a produtividade que ganhou em uma geração do meu vô para a filha dele, que é a tia Tânia. Então, lá você consegue ver isso. Aqui a gente tem que estar nessa mesma prática, nos territórios ainda que tem condição de... que estão em estágios diferentes de ocupação ou desocupação, lá tudo parece muito barato. Mas por quê? Porque tudo que é produzido está ali, fica ali. Então, eu vou, aqui eu vou, entro numa padaria, saio com meia dúzia de pão, uma margarina e já gastei trinta reais. Lá, com trinta reais eu passo quase a semana, eu brinco. Por quê? Porque tudo é produzido lá: é o milho, é o leite, é o ovo, aí é o pão de queijo, né? Ah, mas e a mandioca? Aí você tem o polvilho. Então, por que eu estou misturando as coisas? Elas deveriam ser assim em aspectos maiores também. Ah, Michel, então você é socialista? Não é isso. Não estou querendo ser. Igual eu falei: olha (01:48:06), meritocracia. Eu, dessa área de economia eu gosto muito do mercado financeiro, mas o mercado financeiro para os fins que ele se propõe. O mercado financeiro que o fim é o dinheiro, estou fora. É claro que o dinheiro é importante, ele vai dar segurança, ele vai dar várias coisas, mas o mercado financeiro que está realmente querendo mudar. Onde estão as discussões, por exemplo, nossas, nessa questão de energia renovável? Aí ali eu meto a minha cara, pra entender. Essa questão de exploração de recursos naturais, ali eu vou pra entender. E a empresa que eu entendo que tem futuro ali, eu vou lá e invisto nela, porque eu acredito nesse sentido.
(01:48:52) P1 - Eu tô te ouvindo aqui, tô imaginando que, de fato, você vive o paradoxo. Você vai lá no seu universo e de lá você tira muitas
respostas pra aplicar nesse outro universo, que é o mesmo, mas em dimensões...
R1 - ... diferentes, é. Então, a gente fica... tem o Rafael Costa, que é o nosso diretor de tecnologia, as questões das inovações. A gente importa muita inovação e a gente tem um setor aqui que exporta inovação. E eu vou citar dois exemplos aqui, bem distintos. Um é o setor do agronegócio. Mas você viu como nós desenvolvemos nele? Anos de estudo, experimentação, de cultivar em terras que não tinha a adequada, por exemplo, condição de PH. A gente foi lá e corrigiu o cerrado, o PH. Então, a gente é uma potência e cada vez mais produtiva. Vide meu tio. Meu tio hoje foi criado, tio Jânio, no curral. Hoje ele pratica inseminação artificial, porque chegou ao conhecimento dele, de uma maneira ou de outra. A gente evoluiu. Isso é importante, a gente tem que pra ir pra outras matérias, nesse sentido. Tudo bem, importar tudo e o equilíbrio. É claro, não precisa inventar o que está pronto, vamos implementar, ser mais eficiente. Esse Paul Krugman, que esse Nobel de 2008, eu li alguns livros dele e esse é um dos artigos que ele escreveu. Na verdade, ele deu uma entrevista agora, que eu vi por... eu esqueci o veículo da entrevista, ele falando do pix. O pix é uma puta inovação brasileira. Então, a gente tem que se orgulhar do pix. É um meio de pagamento que as digicons não estão conseguindo fazer ainda na amplitude que é o pix. Olha como é o nosso dinheiro é virtual hoje! Aí o Trump está com ego, não era para me falar aqui, não sou crítico de Trump, de Lula. Acho que cada um tem que contribuir mais nesse aspecto aqui. Mas, assim, vamos ver o que a gente faz de bom e trazer para cá. Vai ter uma COP. A cidade de Belém, para mim, é uma questão, coisas magníficas, mas tem coisas que gente precisa melhorar. Como a gente pode participar dessas... assim como a Alunorte é magnífica, mas tem coisas que a gente pode melhorar. Como a gente ter essa troca? Assim, esse paradoxo, lá eu vejo a troca mais fácil, porque é mais simples e a troca na essência do conhecimento de um aprender com o outro, de trazer uma coisa de fora e compartilhar, de entender o sofrimento do outro. Aqui não, aqui às vezes parece que a gente está com... nós estamos no ‘mesmo barco’, só que um remando pro sul, outro pro norte e aí a gente não sai do lugar.
(01:51:58) P1 - Michel, eu quero ouvir de você, focando na Alunorte, esses seus dez anos, o que você tem muito orgulho de ter dado a tua contribuição? O que, pra você, foi marcante, nesses dez anos?
R1 - Eu não consigo desassociar esse orgulho e aí eu vou trazer alguns exemplos aqui. Aquilo que eu falei lá na origem, que a gente cria muito laços, geralmente em momentos difíceis, mas também a gente cria laços em momentos alegres. Por exemplo: eu comemorei muito os recordes de produção na Alunorte. Mas por quê? Por ver o quanto aquilo era importante para muitas pessoas que estavam ali do lado e para mim também. Não estou aqui jogando só alegria nas outras pessoas, está em mim também. Então, para o engenheiro, veio para um lugar para fazer com que produzisse a mais, então eu, junto com time, tive a contribuição minha, que somada a uma contribuição coletiva, nós produzimos o nameplate, isso foi... e aí tem duas outras passagens que são momentos difíceis. Não é que eu tenho orgulho dos momentos, em si, mas eu tenho orgulho das interações e dos desdobramentos que nós tivemos. Um foi o evento da grande chuva de 2018, que foi um divisor de água na minha carreira, inclusive, por vários aspectos. Eu vou trazer um deles aqui, que é o aspecto daquilo que eu te falei, da empatia. Ali ‘caiu a ficha’ da minha observação. Então, a minha observação era muito míope, ali, muito binária, ali eu era um engenheiro e tinha um ponto de vista. E eu fui entender que, na nossa vida, a gente tem que levar muito em consideração as opiniões, não pelo aspecto de respeito das pessoas, isso sempre foi presente na minha vida, mas do ponto de vista daquelas pessoas. Então, assim, antes de concordar ou não da opinião e criar debates, tenta estar na posição daquela pessoa, mas agora, não é estar na posição da pessoa com o seu background de vida, com a sua história, é estar ali e tentar sentir, tentar interagir, para entender primeiro o momento, os desafios, tudo, ter só um gostinho. Então, ali foi muito... o primeiro momento é de revolta de injustiça, de você sentir. Mas isso passou logo e aí passa a ser aquela fase do entendimento dos porquês e aí eu fui ver o quão complexo. Então, aí me orgulha aprender, de ter percebido isso rápido e trazer para aprendizado, porque eu poderia negar, poderia ficar em cima: “Nós estamos certos e que nós estamos certos e vamos para o radicalismo”. E a Hydro, a empresa Hydro, entendendo a importância e o valor da Alunorte, ela teve uma decisão nobre demais. Claro que ela tentou reconciliações, tudo, mas a maneira, assim, imediatista talvez a reação seria outra: “Vamos fechar”. Mas ela quis dar o tempo, ela ouviu, ela entendeu, ela recuou, ela assinou um TAC. Claro que o TAC não é um termo de ajuste à conduta punitiva, foi mais: “Você está falando isso? Então, você assina aqui e aí você vai ter a oportunidade de me mostrar que você, realmente...”. E assim foi. A gente teve, com o tempo, desde o primeiro momento, a condição de mostrar realmente o que havia acontecido, que não era nada aquilo que tinha sido divulgado. Mas esse processo ali me orgulha em aspectos assim... vou fazer uma analogia que não estou querendo me comparar à pessoa, não, tá? Mas alguns filmes que me marcam, porque faz sentido, que têm valor, né? Tem o amor, tem a paixão. Um deles agora teve até o 2, que é O Gladiador. E em que aspecto? Fazer parte do time. O líder tem que ser parte do time. Não adianta eu ser um líder, que eu tento conquistar aquela liderança legítima. Eu não acredito na liderança legítima: eu sou líder, porque eu tenho um cargo, porque eu mando, porque eu posso. Não. A liderança é participativa. Assim: às vezes é difícil você entender isso, as palavras, que são palavras tão fáceis de serem expressas, que às vezes confundem na simplicidade. A palavra, na simplicidade dela, não entende o contexto que é isso, você realmente ser um líder e eu fui um líder em vários momentos deste período de dificuldade. Fui um líder técnico. Eu fui um líder de realmente mostrar: “Gente, não é certeza, não sei várias coisas, mas nós podemos mostrar, nós podemos conversar”. E o amor de pessoas pela Alunorte. Porque quando você vê pessoas falando mal, criticando e aí você vê pessoas que foram criadas ali dentro. Eu ganhei (risos) rugas e cabelos brancos, mas esses dez anos foram muito intensos na Alunorte. Eu tenho orgulho de dizer que, quando na configuração de seis linhas... sete linhas, desculpa, sete linhas de produção. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, eu fui o diretor por mais tempo no cargo. E aí eu entrei no meio do ‘furacão’, não era no meio, tinha passado um pouquinho, mas nós estávamos sob embargo em outubro de 2018. E aí eu apaixonei mais ainda na Alunorte, porque eu vi a paixão das pessoas. Antes era uma meta de produção, aí mudou tudo, ali. Aí não era meta de produção, era a importância de proteger aquela produção, porque ali é onde a gente gera nossa riqueza, é o crescimento econômico, mas está aqui na essência do desenvolvimento que a gente vai mudar. E o segundo foi na pandemia. A pandemia, na vida da gente, acho que tem filmes aqui que cada um de nós, que viveu um momento diferente, que é raro e acontece eventualmente. Também fui essa pessoa, fui a pessoa presente, graças a Deus eu estava novo, eu era tido como uma pessoa de baixo risco, então eu pude participar mais, eu pude frequentar mais. Eu perdi uma pessoa próxima, (choro) o Max, assim: a gente não contava com ele, um rapaz novo, mas aí a dor coletiva de todos nós, da família, enfim, mas é uma pergunta alegre de responder. Então, eu me orgulho muito de ter passado esses momentos na Alunorte e de ter tido significâncias nesse momento, de ter tido pessoas que me olharam e acreditaram em mim como líder. E na essência do open book, vamos discutir o que errado é errado, o que está certo é certo. Isso aí é uma coisa que eu... claro que, com todas as pessoas que a gente se relaciona, a gente tem as diferenças, mas na Alunorte eu sempre tratei a verdade e sempre tive o apoio do Carlos, para tratar a verdade. Então, notícia ruim eu tinha maior tranquilidade de ligar para o Carlos e falar assim: “Carlos, a notícia é péssima, por isso, por isso, por isso”. E ele sempre julgou à medida que tinha que julgar a notícia. Então, quando você está num ambiente... hoje a gente traduz em algumas palavras, que é mais uma vez: de tão simples as palavras não sabem a complexidade onde elas estão inseridas. A questão da diversidade, da inclusão e pertencimento, você vive isso, eu vivi isso na Hydro. Então, a diversidade da Alunorte, mas a inclusão e o pertencimento, eu me senti ali dentro. Me senti dentro de casa, podendo fazer aquilo que eu fui treinado a fazer na minha vida. E quando eu não sabia, ter total tranquilidade de falar assim: “Não sei, gente, quem vai tomar a frente aqui, agora? Porque eu preciso de ajuda aqui, agora”. Então, assim, eu orgulho por momentos de muita dificuldade. Eu tive a sorte, eu muito novo virei o diretor da Alunorte, com 38 anos, de maneira interina. E eu agradeço o ‘Papai do Céu’ por ter me dado... poderia parecer que, naquele momento, eu estava na hora errada, fazendo a coisa, mas eu estava no momento certo, na hora certa. Então, assim, tenho muito orgulho. E aí, fazendo um paralelo: fazer a gestão da Alunorte é difícil, muitas vezes é estressante, muitas vezes a gente desaponta nós mesmos, às vezes eu me questiono, poderia ter sido melhor aqui e não fui, a gente tem desapontamento com pessoas, isso faz parte da vida. Agora, fazer isso no ambiente Hydro facilita demais. Não estou querendo dizer aqui que nós vivemos na perfeição, a Alunorte não é perfeita, a Hydro não é perfeita, mas é um ambiente realmente que cuidado, coragem, colaboração é explícito. Às vezes, implicitamente, a gente pode interpretar, mas é explícito. O que eu quero dizer? Está na essência. Está no modus operandi. Está no way, no Hydro-way. Eu sempre me questionei, no Hydro-way. É claro que o Hydro-way pode ter um modelo norueguês que pode fazer a mesma coisa com um estilo diferente, mas é o mesmo cuidado. É a questão da transparência. Não tem corrupção. E corrupção é sutil. A corrupção é eu ficar com medo de te passar uma notícia ruim e não te passar a notícia ruim, de esconder a notícia ruim. E aqui é um ambiente que explicitamente é colocado, por isso que são palavras fortes: delegação de autoridade, como é que eu traduzo? Confiança, tem que ter gestão de confiança, você tem que delegar autoridade, commitment. Não precisa do... além de delegar com confiança eu conto com o seu commitment. Ou seja: eu te deleguei confiança, não preciso ficar aqui, te checando se vai fazer, ou não. É commitment, é uma relação de commitment e eu tenho o commitment de chegar pra você e falar assim: “Consegui, não consegui, não fiz, não vou fazer”. Eu falo muito com a Nélia, são questões delicadas: a religião, orientação, sexualidade, discussões, o banheiro. Se eu me sinto mulher, eu vou usar um banheiro de mulher. São debates. O que a gente discute muito, que eu falo pra Nélia? O ambiente que a gente tenta criar. “Eu quero que você coloque aqui as suas desavenças, as suas opiniões. Não sabote”. Foram ambientes onde a gente não teve sabotagem interna. E toda grande organização se corrompe. Por quê? Porque eu tô aqui, te apoiando, eu tô aqui falando que eu concordo e, na verdade, eu não concordo. Por trás eu tô transmitindo uma energia contrária. Vamos debater, você não precisa concordar comigo. Mas você tem que um consenso comigo e eu tenho que respeitar os seus limites naquele consenso. Então, talvez você não precise ser a pessoa que vai ser o nosso exemplo para aquela matéria. Eu não quero te forçar a fazer uma coisa que você não quer fazer. E você não precisa fazer. Isso faz parte de respeitar a sua opinião. Agora, não sabote. Tenha um diálogo e exerça sua opinião onde você não impõe uma influência. É nesse aspecto. Porque, se você tiver num ambiente onde você impõe, aí deixou de ser opinião.
(02:05:32) P1 - Aí não tem escuta, né?
R1 - Aí não tem escuta. Fica muito tranquilo. “Eu, Nélia, não sinto falta... não me sinto bem em ser o carro-chefe desse programa, não conte comigo para esse programa. Eu não vou sabotar o seu programa”. É muito melhor do que: “Conte comigo” e eu virar as costas e estou lá sabotando.
(02:05:57) P1 - E você consegue, no seu cargo, na sua função, no seu dia a dia, praticar tudo isso?
R1 – Consigo. A Hydro me dá isso como mandato. Aí, a principal informação é que cabe a mim esse mandato. E trabalhar na empresa assim é fantástico. Já pensou se fosse o contrário? Caberia só a mim, eu não teria esse mandato. E aí virar... e aí, você vê a beleza e as discussões. Muitas vezes a gente prega e a gente tem anseio até por um poder maior, uma autonomia maior na tomada de decisão. Só que aí você centraliza a decisão, você ganha agilidade, mas talvez você, a longo prazo, os seus acertos e erros vai depender muito do indivíduo. Se ele for um indivíduo fantástico, você vai ter um sucesso extraordinário. Agora, você não tem indivíduo fantástico toda vez. Aí você precisa de uma coletividade, porque tive gestores que falaram pra mim: “Michel, você nunca vai ser perfeito, mas um time consegue ser muito mais próxima à perfeição do que você”. Então, por acreditar que pessoas fantásticas não nascem todo dia, a decisão coletiva é melhor do que a decisão centralizada. Então, eu meio que eu fiz uma ponderação aqui: se a decisão for centralizada num ser superior ou numa pessoa ‘fora da curva’, ótimo. Ou seja: de vinte decisões, a maioria é certeira. E aí o meu pragmatismo, até vou trazer aqui, eu uso isso para Hydro também, na minha formação e eu tô testando nessa outra questão da economia, né? Às vezes a gente acredita, muitas vezes a gente foca, você me fez uma pergunta e a primeira coisa que veio na minha cabeça: “Como eu fiz mais diferença? A gente tenta observar um ponto e um ponto grande, de destaque. Na verdade, são as sutilezas do dia a dia. Então, se você me perguntar assim: “Michel, onde você fez a diferença?” Talvez fosse o espírito que eu chegava na reunião no pior dia do pior dia. Talvez foi aquele momento: “O Michel está assim, a coisa não está tão ruim”. Talvez fosse um sorriso, na hora certa. Talvez fosse uma pegada de mão. Talvez fosse uma chacoalhada, no momento que tinha que chacoalhar. Talvez fosse um reconhecimento da minha fraqueza. Então, assim, são sutilezas. E perceber é muito difícil, a sutileza. Por isso que a gente lê e a gente aprende isso na vida, quando você é gentil. E, às vezes, é um compound de coisinhas pequenas, assim como foi em 2020. Às vezes era nossa (02:09:05), era eu mostrar que eu estava com uniforme. Na refinaria a maioria ficava mais tranquilo: “Ele poderia ter escolhido não estar aqui”. Pode ser isso, mas a gente tem que arriscar e fazer isso. E se a gente arriscar dez vezes e acertar sete, a gente tem o tino pra aquilo. Meu avô falava muito assim: “Se é bom ou não, você é ruim ou bom pra comprar uma vaca, Michel?” Você pode trazer muita teoria, mas ele falava no final das contas o seguinte: “Michel, vai lá e compra dez vacas, se você acertar seis você é bom. Se você errar seis, meu amigo, não é pra você comprar vaca”. A vaca dele, ele tirava leite lá, é mais ou menos assim: eu sou bom no que eu faço, você tem que acertar de maneira contínua, a longo prazo, mais que você erra. É igual a sutileza da gestão: então se as suas sutilezas, ao longo de momentos, trazem mais conforto, trazem mais esperança, trazem mais otimismo e guia para aquela direção que foi melhor, é que você está preparado, você tem o tino para o negócio, igual meu vô. Porque, caso contrário, não é. Você tem que, talvez, escolher outro contexto, outra forma, outra coisa.
(02:10:27) P1 – E daqui pra frente, Michel?
R1 - Olha, eu tô passando naquela fase que eu não sou novo pra nada e velho pra muito menos. (risos) Então, é aquela fase, olhando no aspecto de carreira, então, eu já não sou uma pessoa que possa me dar o luxo de voltar a ser um trainee, mas também não sou uma pessoa que o mercado já olha com olhos de... é uma transição. E eu tento olhar como... eu já contribuí para a Alunorte várias vezes, de várias maneiras, com várias sutilezas, em determinadas posições. Olhando para frente, eu gostaria de continuar contribuindo para a Alunorte em experiências novas, de ser testado em experiências novas, área financeira, área de tecnologia. É uma questão mais de conversa com a RH, mas para continuar essa riqueza de interação com momentos diferentes e testar essas sutilezas do dia a dia, de testar os tinos, nessa direção. E, claro, por essa configuração pessoal, eu fico viajando mais, estando mais, mas igual nós estávamos lá no topo da precipitação, eu me sinto bem, eu me sinto em casa, é um ambiente que eu gosto, visualmente é prazeroso, mas aí outras coisas me remetem, é igual a uma música boa. Quando você ouve uma música o que vem na sua cabeça? Momentos bons. Então, quando eu sinto o cheiro da solda, eu sinto momentos bons. Quando eu escuto o barulho de uma caldeira operando em silêncio, são momentos bons. O barulho de uma caldeira operando com ruídos são momentos ruins. Então, assim, você começa a criar, interagir em diferentes sentidos. Sentidos ao ‘pé da letra’.
(02:12:32) P1 - Quantos anos têm seus filhos agora?
R1 - O Alan tem oito aninhos. Ele é de dezembro de 2016. E a Marcela tem cinco aninhos, ela é de 2020.
(02:12:49) P1 - Muito futuro ainda!
R1 - Muito futuro ainda. E espero ter a mesma felicidade que meus pais tiveram na minha criação. E é incondicional. Se eu dei ou não alegria para a minha mãe, que eu sei que eu dei, eu nunca cobrarei isso deles. Eu quero que eles tenham a chance de ser o que eles bem entenderem.
(02:13:13) P1 - Você ainda tem algum sonho pessoal?
R1 - Olha, eu tô voltando pra roça em alguns negócios meus, né? E hoje meu sonho, assim, pessoal, é ter o tino pra esse negócio também. Em que sentido? De causar uma transformação, né? Eu comprei a terra dos meus avós, das duas pontas, e dar perpetuidade, continuidade nisso, naquilo que está dentro dos meus limites e que seja... e eu vou explorar esses limites, é nesse sentido. Então, se você perguntar meu sonho, não tem como... tem seis palavras que eu aprendi muito em respeito a elas. Do lado profissional: perseverança, resiliência e temperança. E vale nas relações humanas. E na outra é fé, família e amor. Essas seis aqui, todo dia eu tento recitá-las. Então, assim: Michel, daqui pra frente é criar um ecossistema na minha roça, que ele consegue se retroalimentar, pra que meu vô, de onde ele estiver, tenha orgulho de falar: “Dos meus netos que eu olhava, que era mais distante da roça foi aquele que está mantendo, está conduzindo o legado dele. Que o real legado, você tem várias experiências que eu vou, igual a esse vídeo, mergulhar em vários aspectos. Agora o real legado mesmo é aquilo que você transformou no meio daquelas pessoas. Por exemplo: o que eu tenho de dinheiro hoje, o que eu tenho de propriedade, per si, não é legado nenhum para as pessoas que me conhecem lá, né? Porque para eles... agora, a interação que eu tenho com eles e a transformação que eu causo na vida deles, através ou não desse patrimônio, aí sim é o legado. E é isso que é meu sonho: ter condição, saúde. Vai ter uma mudança agora, grande, na vida dos meus pais. Meu pai, com 74 anos, falou assim: “É, acho que está na hora de parar de trabalhar”. Só que ainda tem prazo, daqui a dois anos e ele está voltando para essa cidade onde a minha mãe nasceu, que é no interior de Minas, Dores do Turvo. Ele é de Barbacena. E aí eu quero que eles, morando lá, tenha condição, tempo para aproveitá-los nesse período que resta da vida deles lá e com esse legado dele me ajudar, ele foi agrônomo para muitas pessoas e agora ele vai ser um agrônomo para mim, quem sabe? É nesse aspecto.
(02:16:17) P1 - Minhas últimas perguntinhas: trinta anos de Alunorte. Em pouquíssimas palavras, o que isso representa, pra você?
R1 - Paixão, desafio e cuidado para o futuro. Esses são os trinta anos, né? Quando a gente olha pro passado são os desafios, a implementação. A paixão, o que ela gera e aí a paixão com várias direções. E cuidado para o futuro, é frágil, porque são pessoas. Daqui a pouco, será que nós vamos ter profissionais que vão querer fazer algumas atividades? Como é que nós vamos transformá-la, para ser um ambiente... e é muito sutil. A concorrência é grande. Eu já vi plantas que pareciam que nunca iam fechar, negócios que pareciam que eram eternos, que acabaram. Então, esse cuidado do futuro, esse olhar de equilíbrio. Então, esse valor, no dia que ele deixar de ser gerado, ele não vai ter mais disputas, ele não vai ter como ajudar em nenhum aspecto. Então, é esse cuidado aqui.
(02:17:33) P1 - E como é que foi, para você, contar sua história para a gente?
R1 - Olha, eu passei por vários momentos aqui, momentos assim... foi muito boa a soma dos momentos. Eu chorei além do que eu acreditava que ia chorar, mas pega. Eu não sei se é por causa do ambiente que é formado, a gente senta no ambiente. E é uma reflexão. Aqui, pra mim, além do prazer de estar contando a minha história pra vocês, tem também... tô sentado num divã aqui, tô contando-a pra mim também, né? E às vezes a gente esquece, né? Quando você começou a pergunta teve partes do meu cérebro aqui que foram revividas, partes que estavam bem esquecidinhas ali e, quando vê, elas afloraram. Então, sentei num divã aqui também, meu eu. Eu conversei com meu eu hoje também, aqui. E lembrando em agradecer todas as pessoas. Eu não falei o nome de todas aqui hoje, mas eu lembro de todas e todas fazem parte. Eu ouvi uma frase uma vez, foi o seguinte... um grande escritor foi perguntado, eu não vou falar o nome, porque a pessoa mesma falou que ele já ouviu isso de várias, mas foi perguntado assim: “Mas você lê tanto! Como você lembra de todos os livros que você leu?” Aí ele responde assim: “Foram iguais as alimentações que eu fiz. Eu não lembro de todas, mas eu sei que todas me compõem o que eu sou hoje”. A leitura é mais ou menos assim. Então, as pessoas que interagiram comigo, por mais sutil que fizeram, elas moldaram o meu eu de hoje. Não tem como ser diferente.
(02:19:28) P1 - E chegou aonde, né?
R1 - E muito orgulho de estar aqui e representá-las porque, na verdade, foi uma contribuição de cada um. E que eu passe. Quem sabe eu não vou ter um dia a oportunidade de ter um fórum para discutir meus erros e acertos e poder fazer com que mais pessoas tenham essa clareza dos caminhos, que não tem caminho certo, errado, você não é feliz pelo que... qual que é mensagem final, assim, minha, né? Você não é feliz pelo que as pessoas te julgam, você é feliz porque você se considera como pessoa. Então, todo o orgulho que eu tenho, todo o sorriso que eu tenho, toda a felicidade que eu tenho, é porque eu consigo, hoje, interagir com praticamente todas as pessoas que eu tive na minha vida, que passou na minha vida. Então, assim, hoje eu vou lá em Goiás e tem até ciuminho de onde eu vou passar a noite, eu vou dormir. Quando eu vou no hotel, lá, eles quase me batem. E já faz 32 anos que eu saí de lá. Então, quer dizer que alguma coisa eu fiz certo, pra ser querido assim, ainda. Assim como todos eles moram no meu coração. Então, essas fases da vida aí, eu volto em todas elas, com lágrimas de alegria no meu olhar. Então, não tem nenhum lugar que eu passei... claro que tem coisas na minha vida que eu arrependi, coisas que eu não faria, que eu me vergonho de ter feito, mas nos lugares que eu passei eu volto com o peito aberto, assim, de alegria.
(02:21:10) P1 - Obrigada, viu? (risos)
R1 - Obrigada eu.
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