00:00:00 P/1:
Claquete, peço que você só segure esse papel, por favor, que eu vou ler o que tá aí, tá? Plaquete, entrevista de Mônica dos Santos, entrevistada por Rangel Sales, em 19 de maio de 2025. Projeto Vidas, Vozes e Saberes, entrevista número PCSH-HV1466. Obrigado, Mônica. Mônica, vamos lá. Primeiro, de coração, te agradecer por nos receber aqui, dentro do seu tempo, da sua casa temporária. Então, obrigado mesmo, desculpa pela bagunça. E eu, pra começar, queria que você se apresentasse dizendo o seu nome e o local de nascimento.
00:00:59 R:
Eu me chamo Mônica dos Santos, eu nasci aqui em Mariana, mas eu sou da comunidade de Bento Rodrigues.
00:01:04 P/1:
Qual o nome dos seus pais?
00:01:07 R:
Maria das Graças Quintal Santos e Carlos Antônio dos Santos.
00:01:11 P/1:
E com quem seus pais trabalham ou trabalhavam, Mônica?
00:01:16 R:
A minha mãe, ela trabalhava, o último trabalho dela foi na prefeitura, mas ela já trabalhou caçando formiga, já trabalhou na escola como servente e ela aposentou sendo secretária. E o meu pai, meu pai era motorista.
00:01:43 P/1:
Como você descreveria seu pai e sua mãe? Você sabe como é que eles se conheceram?
00:01:53 R:
Olha, eu consigo descrever muito a minha mãe, porque o meu pai, quando ele morreu, eu tinha sete anos de idade. Então, de fisionomia, eu não consigo lembrar da fisionomia dele, porque, com o rompimento, eu perdi as fotos que eu tinha. Mas a minha mãe, ela fala que conheceu o meu pai lá em Bento também. Meu pai era de uma comunidade próxima. Aí a família dele mudou para o Bento e ela conheceu ele em Bento também.
00:02:23 P/1:
E você tem irmãos, quantos são?
00:02:26 R:
Nós somos quatro. Tem a Flávia, que é mais velha, que tem o Luiz e a Rafaela, tem o Lúcio, que faleceu vai fazer cinco anos, deixou a Larissa de cinco, ele faleceu com 37, tem eu e tem o mais novo, que é o Felipe, que tem o Perna.
00:02:43 P/1:
E o que eles fazem...
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Claquete, peço que você só segure esse papel, por favor, que eu vou ler o que tá aí, tá? Plaquete, entrevista de Mônica dos Santos, entrevistada por Rangel Sales, em 19 de maio de 2025. Projeto Vidas, Vozes e Saberes, entrevista número PCSH-HV1466. Obrigado, Mônica. Mônica, vamos lá. Primeiro, de coração, te agradecer por nos receber aqui, dentro do seu tempo, da sua casa temporária. Então, obrigado mesmo, desculpa pela bagunça. E eu, pra começar, queria que você se apresentasse dizendo o seu nome e o local de nascimento.
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Eu me chamo Mônica dos Santos, eu nasci aqui em Mariana, mas eu sou da comunidade de Bento Rodrigues.
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Qual o nome dos seus pais?
00:01:07 R:
Maria das Graças Quintal Santos e Carlos Antônio dos Santos.
00:01:11 P/1:
E com quem seus pais trabalham ou trabalhavam, Mônica?
00:01:16 R:
A minha mãe, ela trabalhava, o último trabalho dela foi na prefeitura, mas ela já trabalhou caçando formiga, já trabalhou na escola como servente e ela aposentou sendo secretária. E o meu pai, meu pai era motorista.
00:01:43 P/1:
Como você descreveria seu pai e sua mãe? Você sabe como é que eles se conheceram?
00:01:53 R:
Olha, eu consigo descrever muito a minha mãe, porque o meu pai, quando ele morreu, eu tinha sete anos de idade. Então, de fisionomia, eu não consigo lembrar da fisionomia dele, porque, com o rompimento, eu perdi as fotos que eu tinha. Mas a minha mãe, ela fala que conheceu o meu pai lá em Bento também. Meu pai era de uma comunidade próxima. Aí a família dele mudou para o Bento e ela conheceu ele em Bento também.
00:02:23 P/1:
E você tem irmãos, quantos são?
00:02:26 R:
Nós somos quatro. Tem a Flávia, que é mais velha, que tem o Luiz e a Rafaela, tem o Lúcio, que faleceu vai fazer cinco anos, deixou a Larissa de cinco, ele faleceu com 37, tem eu e tem o mais novo, que é o Felipe, que tem o Perna.
00:02:43 P/1:
E o que eles fazem atualmente?
00:02:45 R:
A Flávia, ela é técnica de enfermagem, ela trabalha no Hospital Metropolitano em Belo Horizonte. O Felipe, ele é servidor do município de Catasaltas, ele mora lá. E o Lúcio, ele era vigilante.
00:03:00 P/1:
Ótimo. E como é que é assim a relação entre você, seus pais, seus irmãos?
00:03:08 R:
É uma relação muito boa. Tudo bem que a gente, quando era pequeno, brigava muito, principalmente eu com o meu irmão que faleceu. Como dizia minha mãe, não podia um olhar para o outro porque já era briga. Mas a gente sempre se deu bem, sempre que um precisava, o outro estava ali para ajudar.
00:03:28 P/1:
Você sabe a origem da sua família? Sabe a história dos seus avós?
00:03:34 R:
Os meus avós maternos, a minha avó, ela é descendente de italiano, ela veio de Itabirito, E o meu avô, ele era garimpeiro, ele era tropeiro, ele era de Alvinópolis. E dos meus avós paternos, o meu avô eu não conheci, porque quando eu nasci ele também já era falecido. E a minha avó era de uma comunidade próxima também. Minha avó é paterna.
00:04:04 P/1:
Então você é descendente de italianos e de tropeiros. E assim, como é que eram os costumes assim da sua família, sabe?
00:04:13 R:
A gente tinha o costume de reunir a família toda, sempre. Todo domingo, meus tios casados desciam para a casa da minha avó. Então, sempre foi assim, sempre foi uma família unida que gostava de reunir.
00:04:26 P/1:
Muito bom. E, assim, seus pais contaram como é que foi o dia do seu nascimento, assim, como que a Mônica viu o.
00:04:34 R:
Mundo, A Mônica adiantou. Minha mãe fala que era para eu ter nascido em maio e eu nasci no dia 5 de abril numa sexta-feira da paixão.
00:04:46 P/1:
E assim, Mônica, falando da sua infância, você lembra da casa e da rua onde você passou sua infância? Como que ela era?
00:04:54 R:
A casa que a gente morava era a casa que o meu pai construiu junto com um tio avô. Eles fizeram da base ao acabamento. Foi ali que eu cresci e convivi muito também, porque como meu pai morreu e deixou minha mãe com os quatro filhos, e a gente morava muito próximo da casa dos meus avós maternos. Então, eu fui criada com eles. Então, assim, a minha referência de família, de pai, de mãe, eram os meus avós também.
00:05:25 P/1:
Como era esse bairro, Mônica? O que vocês faziam lá?
00:05:30 R:
Olha, a gente brincava de queimada, a gente brincava porque a gente morava na praça, então na praça tinha um largo gramado, então a gente sempre brincava ali de queimada, de rouba-bandeira, de pique-pega, de pique-cola, de pique-altinha. Então era o dia inteiro, a gente só ia em casa para comer e dormir.
00:05:51 P/1:
Nesse período isso era o que você mais gostava de fazer quando você era criança?
00:05:55 R:
Sim, e de frequentar a igreja também.
00:06:00 P/1:
E de pequena assim, né? Mônica, pensando ela pequenininha, o que você queria ser quando você crescesse, né? Tinha algum sonho, alguma profissão?
00:06:13 R:
Não. Por incrível que pareça, não. Eu só queria continuar naquele lugar com a minha família toda lá. Não tinha ambição, sabe? O que... A vida que eu tinha pra mim era o suficiente. Porque eu tava ao lado das pessoas que eu amo e no lugar que eu amo, né? Até o dia 5 de novembro de 2015.
00:06:35 P/1:
E onde você estudou?
00:06:38 R:
Eu estudei na Escola Municipal de Bento Rodrigues, na Escola Estadual de Bento Rodrigues, depois ela passou pra Escola Municipal, eu fiz até oitava série, aí o segundo grau eu fiz em Santa Rita Durão, que era uma comunidade de perto, próxima, porque em Bento não tinha o segundo grau, aí a gente tinha que ir pra Santa Rita.
00:06:56 P/1:
E como foi essa experiência escolar? Você se sentiu acolhida quando você chegou lá?
00:07:03 R:
Olha, a gente teve muita dificuldade, porque gerou muito ciúme nos alunos da comunidade, porque a gente não ia pra escola pra brincar. Então, a gente ia, de fato, pra estudar, e eu sempre fui aluna de sentar na primeira fila, na primeira carteira, então a gente tinha obrigação de tirar notas boas, Então, a gente teve não só a minha turma, quanto as turmas que me antecederam. Então, a gente sofreu um pouco de discriminação pelo fato de a gente tirar notas maiores. Aí, a gente tinha o ônibus que levava e o ônibus que trazia. Então, eles tinham horário. Se a aula acabasse mais cedo, a gente tinha que ficar lá esperando. Aí, teve uma vez que a gente chegou e na hora que a gente chegou, ficamos sabendo que não tinha energia. Então, não tinha como ter aula. aí a gente, pra gente não esperar até 10 horas da noite, aí nós vínhamos embora a pé, porque era pertinho, dava 13 quilômetros. Aí foi eu e mais oito meninos vindo embora a pé, então assim, a gente teve um pouco de medo, porque como os meninos tinham uma certa rivalidade, mas correu tudo certo.
00:08:13 P/1:
Falando da aparência dessa escola, da estrutura dessa escola, hoje a gente fala muito de arquitetura inclusiva, se tem rampas, se tem escada e tal, Como é que era essa escola?
00:08:25 R:
Olha, a escola de Bento, ela tinha alguns degraus pra entrar, mas tinha acesso pra cadeirante se precisasse. Mas assim, era uma escola muito, muito boa. Muito boa mesmo. tinha uma parte que era de vermelhão, tinha um cruzeiro, que era onde a gente brincava, e tinha um... tinha um... as salas, elas ficavam todas em volta e tinha um espaço pra gente brincar, que tinha umas pilastras. Então, sempre na hora do recreio, a gente brincava de pique-pega, mas cada um numa pilastra e ficava o bobinho no meio. Aí ficava jogando cruzado.
00:09:06 P/1:
E... Nesse período, a gente conhece muita gente no período de escola. Quais foram essas pessoas que mais marcaram naquele período, entre colegas e professores?
00:09:19 R:
A minha primeira professora. A minha primeira professora de pré. A dona Marinaldo.
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E o que que te fez deixar ela com essa presença viva no seu memório?
00:09:32 R:
Acho que era o cuidado, o carinho que ela tinha com a gente, sabe? Era uma briga, porque ela morava em Bento, ela é de Bento também. Então, a gente tinha que fazer escala pra gente buscar ela em casa pra carregar a bolsa dela. Porque todo mundo queria carregar. Então, a gente fazia uma escala entre a gente, que cada dia era um que levava a bolsa dela pra escola. Mas porque ela era muito legal com a gente.
00:09:55 P/1:
E você tem alguma história marcante dessa época?
00:09:59 R:
Tenho. Tenho várias, né? Tenho a professora que a gente odiava, que a gente era espancado, que a gente era espancado na sala de aula. Minha mãe não acreditava quando eu estava na terceira série. Todos os dias, minha mãe e o pai de uma colega tinham que ir lá porque a professora chamava, porque ela beliscava a gente, mas ela beliscava de arrancar pedaço. Só que ninguém acreditava. Só que na hora que ela beliscava a gente, a gente não fazia mais nada. Baixava a cabeça na carteira e não fazia mais nada. Aí todo dia, minha mãe já trabalhava na escola e minha mãe era chamada lá porque Mônica não fazia nada. Aí ela ainda falava assim, ô Maria, a Mônica não responde não, mas ela é muito pirracenta, mas até mãe e o pai da minha amiga dar o ouvido para o que a gente falava e ver que, de fato, no prazo da gente faltavam uns pedacinhos por causa do bliscão, quando eles entenderam e quando eles viram e deram crédito ao que a gente falava, aí a diretora tirou ela da escola. E teve os momentos marcantes, né? Formatura, formatura de oitava série, por exemplo. A gente fez várias festas na escola para arrecadar dinheiro. Então, tudo isso marca, né? O fato da gente cuidar da horta, que a gente plantava. Aí a gente plantava, a gente colhia e a gente comia do que a gente plantava. Tinha as feiras de cultura, que a gente tinha que fazer os pratos, temático. Eu lembro, a feira que mais marcou foi a feira que falou do café. Aí, a gente tinha que levar tudo de café, bolo de café, pudim de café, tudo de café. E, nessa época, a minha mãe ajudou a fazer. Então, a gente fez pudim de café, bolo de café. Então, assim, era muito bom.
00:11:44 P/1:
É, memória muito boa.
00:11:46 R:
Dá até pra sentir o sabor. E o cheiro.
00:11:49 P/1:
E você se lembra de alguma amizade desse período? Aquela pessoa que ficou por mais tempo?
00:12:00 R:
Tem. É o trio inseparável. Mônica de Anaína e a Liliane. É a nossa amizade até hoje. Eu sou madrinha do filho da Liliane e a gente tem uma ligação muito forte.
00:12:13 P/1:
E aí depois, depois que você passou desse período escolar, como é que seguiu a sua formação escolar?
00:12:19 R:
Aí eu formei o segundo grau, eu e a Liliane a gente tentou fazer a escola técnica em Ouro Preto, um curso de segurança do trabalho, ela passou e eu não. Aí ela fez o segurança do trabalho, aí eu peguei e não quis mais estudar e fui trabalhar. Mas antes de eu trabalhar com a carteira assinada, eu já trabalhava com o meu avô. O meu avô tinha... ele era garimpeiro, ele era tropeiro e ele era comerciante também. Então, ele tinha uma mercearia. Então, eu fui criada na mercearia com ele.
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Então, fez aquela opção, né? De continuar com os estudos e ter que trabalhar.
00:12:55 R:
Fui trabalhar. Isso contra a vontade da minha mãe, porque a minha mãe sempre quis que eu fizesse alguma coisa, que eu estudasse, mas eu falava com ela que eu só ia estudar quando eu pudesse pagar os meus estudos. É um pouco de orgulho, né? Aí fui trabalhar.
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Falando um pouco da sua juventude, você passou a sua juventude toda também na mesma cidade, só que você teve um período fora, como é que foi?
00:13:23 R:
Teve um período que Como lá em Bento a gente não tinha transporte que desse pra gente vir pra Mariana trabalhar e voltar, então eu passei um período morando aqui. A gente morava de segunda a sexta e final de semana a gente ia pra lá. Como os horários de ônibus também eram ruins, por exemplo, a gente trabalhava na sexta até 18 horas, até 17 horas, aí a gente só conseguia ir no sábado de manhã, quando a gente não arrumava carona. Aliás, no sábado de manhã não, no sábado às duas e quinze da tarde, que era o horário que o ônibus saía. Então pra gente não esperar até duas e quinze, a gente já cansou de ir a pé, de carona. Às vezes pegava carona até no trevo, e do trevo terminava de ir a pé. Porque no domingo também não tinha transporte de retorno, então a gente dependia de carona também. Então, porque senão a gente ia ficar a pouco. Até eu e mãe a gente juntar um dinheiro e comprar um carro. Aí quando a gente comprou o carro, nós voltamos pra lá e vinha e voltava todos os dias.
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Sensacional. E quando você começou a sair sozinha com os amigos? Você era dessa de sair sozinha com os amigos? O que vocês faziam? Como é que você se divertia?
00:14:29 R:
Lá a gente tinha um bar que no final de semana tinha um forró. Aí mãe deixava a gente ir com a hora marcada. E se chegasse fora do horário, não saía mais. Aí teve um dia que ela me proibiu de sair, mas eu podia ficar na rua até 10 horas da noite só. Aí estava eu, Janaína e Liliane no meio da praça, que tinha um passeio, a gente estava deitada no passeio, olhando para o céu, olhando as estrelas. E do nada, tipo, estava dando cinco para as dez, mãe chegou na rua para me buscar. Aí só que quando ela chegou, estavam as três patetas, como diz ela, deitadas no chão, olhando para o céu. Mas ela sempre foi uma mãe tranquila, ela sempre foi uma mãe liberal.
00:15:17 P/1:
Bacana que... E assim, aquela pergunta, né? E os namoradinhos? Como é que eram os namoradinhos naquela época?
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Ah, tive alguns, né? Num dos bailes de oitava série, pra gente arrecadar dinheiro, a gente tava na sede, que lá tinha um espaço, que a gente fazia as festas, e tinha um menino, que eu saí do... Eu tava aí nesse dia, minha mãe não tava, era minha tia que tava. Eu saí desse espaço pra conversar com ele do lado de fora. Aí minha tia sentiu falta. Na hora que ela saiu, eu tava do lado de fora. Ela só virou e falou assim, Mônica, é pra casa agora. Aí minha mãe ficou com marcação. Aí esse namoradinho, eu tava com 15 anos. Aí a gente namorou oito meses, mas a família nenhuma queria. Meu avô morria de ciúme. Aí durou só oito meses. Aí depois namorei um outro que durou três anos. Depois um outro de sete. E assim.
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E desse período, deve ter sido muito bacana, principalmente essas festas de sair com o pessoal, essas coisas de sair de cidade onde todo mundo se conhece. E quais são as lembranças mais marcantes da sua adolescência?
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Eu sempre comemorei aniversários, sempre a minha mãe que fez os meus bolos. E teve uma festa que a minha tia e umas primas fizeram meio que do escondido. Mas colocou convite, pregaram convite em todos os postos da comunidade. E foi comemorado nesse lugar que a gente dançava forró. E foi muito marcante porque a comunidade de Bento era uma comunidade unida e tinha uma moça que morava três casas abaixo da minha e ela bebia muito e ela bebia muito e ela sempre também ia nesse forró aí mesmo ela tonta ela viu que estava comemorando meu aniversário ela pegou uma garrafa de cantina da serra e abriu falando que era para comemorar o meu aniversário e assim eu não esperava do meu aniversário ser comemorado lá, porque embora estava em todos os postos, eu não vi o convite, mas me marcou muito porque eu ganhei um boquê de orquídeas amarelas que a minha tia e a minha prima, elas colheram no pé de manga que ficava em frente à casa dos meus avós. Então, assim, é umas coisinhas que às vezes parecem simples, mas que fazem tanto sentido na vida da gente. Mas o que mais me marcou, porque esse período que eu morei em Mariana e que eu ia pra casa, a minha avó, a gente tinha uma conexão muito forte. Digo que eu acho que eu era a neta predileta. Os meus primos até ficam com ciúmes, mas porque eu tinha um cuidado e um carinho com ela. Então, teve um dia que eu cheguei, numa sexta-feira, ela falou assim, Mônica, guardei dois sonhos para o Silvio. Sandra foi em Mariana na terça e ela trouxe e eu guardei. Você come, se tiver ruim, você joga fora, você não come. Peguei o sonho e na primeira mordida que eu dei, o sonho estava azedo. Eu não falei nada, mas eu comi os dois sonhos todos. Ela falou, não está ruim? Eu disse, não, está uma delícia. Mas comi o sonho azedo, graças a Deus não passei mal, mas é porque ela tinha guardado, então não podia fazer desfeita.
00:18:52 P/1:
Isso tem um significado muito grande para a gente. E aí, a Mônica agora já cresceu, e a Mônica foi fazer faculdade. Então assim, você fez faculdade, qual, onde foi, qual curso e principalmente o que te levou a escolher essa área?
00:19:12 R:
Em novembro de 2015, eu saí de casa às seis horas da manhã para trabalhar e nunca mais consegui voltar. Saí de casa tendo tudo e fiquei sem nada. Então, aquela Mônica que era doce, aquela Mônica que era amiga, aquela Mônica que era carinhosa, ela teve que dar uma transformada. As empresas me transformaram. Foi tanta coisa que aconteceu depois do dia 5, inúmeras reuniões, vários direitos sendo violados. Eu nunca tinha entrado no fórum, eu passei a entrar no fórum, eu passei a participar de audiências. Então, duas pessoas que são muito próximas a mim depois do rompimento, que era o doutor Guilherme, que era o promotor, e a Ana Cristina, que é a dona de um cartório de registro de imóveis, eles me instigaram a fazer o curso de Direito. E com isso minha mãe adorou, né? Que era o sonho da minha mãe e eu fazer alguma coisa, eu continuar os estudos. Então, eu me matriculei no curso de Direito na faculdade da Unipac, aqui em Mariana. E cursei. Só que foram cinco anos meio que frustrados, sabe? Porque ali na teoria, O direito ele é muito bonito. O direito, como diz, ele socorre aos que precisam. Mas quando eu ia para a prática, quando eu ia para as audiências, era tudo ao contrário. Parecia que a sensação é que, tipo, o que eu estou fazendo nesse curso? Parece que eu sou louca, parece que o que eu aprendi não é isso. Sabe? Então, assim, eu tive muita frustração. Eu acho que isso me atrapalhou um pouco. Também pelo fato de eu ter ficado muito tempo sem estudar, então no início eu tive uma certa dificuldade de me inserir naquele contexto, de ir para a sala de aula de novo. Eu também não tinha aquele tempo de dedicação. Eu trabalhava de sete às dezoito, então eu saía do consultório, eu trabalhava de auxiliar odontológico, eu saía do consultório, eu ia pra reunião e da reunião eu ia pra faculdade. Então eu chegava em casa às dez e meia, onze horas da noite, pra no outro dia sair seis horas da manhã de novo. Então assim, o estágio, por exemplo, eu não consegui fazer um estágio bacana, era sempre o que dava pra conciliar com o meu trabalho, mas venci. E quando eu me formei, foi assim, foi um momento muito mágico. Ver a felicidade de mãe me vendo formar, ver a felicidade da minha família, tipo, a primeira sobrinha, primeira neta a fazer uma faculdade, né? E por coincidência, o curso de Direito era um sonho da minha irmã. Ela teve a oportunidade de fazer e não fez. E jamais passou pela minha cabeça fazer Direito. Eu acho que... Tipo assim, eu trabalhei a minha vida inteira auxiliar ao odontológico, então eu tinha vontade de fazer odontologia. Só que pra eu fazer odontologia eu tinha que ir pra BH, então assim, eu não conseguia me manter no curso de odontologia sem trabalhar. E também não achava justa a minha mãe pagar a minha faculdade, né, que os meus irmãos, embora ela ajudou todos, mas não ia ser o mesmo direito, né, eles não iam ter a mesma oportunidade que eu. Aí eu fiz o curso de Direito.
00:22:40 P/1:
E assim, a gente, às vezes, por senso comum, a gente fala que o curso superior transforma aquela pessoa que passa por ele, que normalmente quem faz um curso superior não sai dele da mesma forma que entrou. Como você acha que essa sua experiência transformou a sua vida?
00:23:03 R:
Me deu mais conhecimento. Então, conhecimento é uma coisa que ninguém tira da gente. Mas o dia a dia, a própria justiça, ela é muito cruel. Então, o direito ele é bonito, mas na prática ele é horrível. Então, eu fico sempre assim, metade gosto, metade não gosto, metade acredito, metade não acredito. Mas é isso, mas me transformou.
00:23:35 P/1:
E nesse período, você já falou que foi difícil no início, né? A gente fica muito tempo fora de sala de aula e quando volta é um mundo todo novo e cheio de resistência, né? Mas nesse período, o que foi mais marcante para você ali enquanto você estava cursando direito?
00:23:57 R:
Olha, teve uns momentos que foi muito ruim, principalmente nas aulas de penal. O professor, ele era ótimo. Ele, inclusive, a gente estava muito bem, mas ele dava uns exemplos. Ele deu um exemplo uma vez, bem no inicio do curso, que me deu uma bloqueada, porque eu sabia da história. E ele contou uma história de defesa do cliente dele, que eu ficava me perguntando, poxa vida, É esse papel que eu vou ter que fazer? Tipo, eu vou ter que inventar, eu vou ter que... Sabe? O cara matou. Eu vou ter que livrar a cara dele? Mas é isso, né? Toda pessoa tem o direito de ter o direito, né? De ter alguém pra defender. Mas depois eu pude entender que você escolhe, né? Você escolhe o profissional que você quer ser, você escolhe quem você quer defender. Então, mas me bloqueou. Aquelas falas dele me bloqueou e eu não conseguia. Quando ele estava dando aula, isso eu sempre na primeira carteira. Ficar olhando pra ele quando ele dava os exemplos, sabe? Aí depois a gente conversou, eu fui explicar pra ele por que eu tinha aquele bloqueio, por que eu não gostava das aulas dele, por que eu não conseguia olhar pra ele quando ele estava dando aula. Mas foi uma pessoa que me ajudou muito no curso.
00:25:24 P/1:
Bom, você fez direito, você falou quais os motivos e quais são as expectativas agora, depois de formado? Você pretende seguir com a carreira?
00:25:39 R:
Pois é, eu acho que advogar mesmo, eu acho que não é um desejo meu, acho que não é um sonho, sabe? mas continuar nessa luta por justiça e para ajudar outras pessoas eu acho que isso eu vou continuar porque eu acho que nem adianta eu falar que eu não quero, não tem jeito as pessoas me procuram e acaba envolvendo com os problemas dos outros. Mãe fica, você tem que parar, você não passou na prova da ordem ainda porque você tem que ver o que você quer da vida. Enquanto você estiver só em reunião, enquanto você estiver só ligada com os problemas dos outros, você não vai conseguir passar na prova. Se você não parar, não largar e não dedicar, não vai dar certo. Estou dizendo, mãe, tudo tem a hora, na hora que vier é essa mesmo. Mas é gratificante quando chega alguém te agradecendo pelo bem que você fez. Às vezes o bem não foi nem tão grande, mas foi uma palavra, foi uma ajuda num momento. Então, assim, isso não tem dinheiro que pague.
00:26:43 P/1:
E nesse período você fez algum estágio para poder adquirir experiência? Como é que foi?
00:26:48 R:
Eu fiz estágio na Polícia Civil. Eu ficava com a supervisão dos TCOs e fazendo relatório. Foi legal, mas foi bem tenso, porque a sala que eu ficava, a janela ficava aberta e na outra salinha era para onde eles levavam os presos naquele primeiro momento. Então, teve algumas cenas, alguns casos que me pegou muito, sabe? Não é falar assim, ah, eu tive dó. Não é isso, porque eu acho que qualquer atitude que você tem, você tem que ter ciência das consequências. Mas é que tinha umas coisas que eram tão desumanas, sabe? Que pegavam.
00:27:37 P/1:
Você falou um pouquinho, por alto, de como foi a sua trajetória profissional, Se você for pensar, desde quando você começou a trabalhar até hoje, como é que foi o seu percurso?
00:27:50 R:
Eu acho que foi um percurso de muito trabalho. Claro, tem momentos que a gente pensa em desistir, de jogar tudo para o alto, mas eu sempre saía de um serviço e já entrava em outro. Mas isso antes do rompimento, né? A gente tinha um contexto, a gente era visto de uma maneira. Eu não sei hoje, hoje eu trabalho, por exemplo, na assessoria técnica na Cáritas, que inclusive a gente tá de aviso prévio por falta de recurso depois da repactuação, né, que o governo assumiu uma responsabilidade, tirou uma responsabilidade das empresas que não tá dando conta de seguir com ela. Então, hoje, eu não sei se eu, ficando desempregada, se eu vou conseguir me inserir no mercado de trabalho aqui, Mariana, exatamente por causa do preconceito que as pessoas têm, né, as pessoas acham que pelo fato da gente ser atingida, a gente tá bem, a gente tá milionária, a gente não precisa trabalhar, mas é totalmente ao contrário. Desde que a barragem rompeu, muito pelo contrário, eu não parei de trabalhar.
00:28:55 P/1:
Pensando em como você não parou de trabalhar e começou o seu primeiro dia de trabalho.
00:29:02 R:
O meu primeiro dia de trabalho de carteira assinada foi numa clínica odontológica. Eu trabalhava meio período. Na verdade, nessa época, eu nem trabalhei de carteira assinada. Eu trabalhava meio período, eu trabalhei um ano. Aí era com o Marton, depois eu passei a trabalhar com a Márcia Regina, que atendia só criança. Ela faleceu na época do Covid, com Covid. Aí depois eu trabalhei com a Aline Paulino, que atendia adulto, e depois com a Marisa, que foi até o meu último emprego, até o falecimento do meu irmão. Porque quando meu irmão adoeceu, eu precisei ficar com ele. Foi logo no início da pandemia, então eu precisei ficar com ele no hospital, foi três meses. de hospital, aí quando eu voltei não tinha como eu continuar trabalhando e deixar a mãe sozinha, porque dentro de casa são nós duas, os meus irmãos têm a vida deles, aí eu saí do trabalho, pedi ela para me mandar embora, ela me mandou embora dia 27 de julho, quando foi dia 26 de agosto ela faleceu. Então, eu não fiquei parada nenhum minuto, nem antes quando eu trabalhava no bar com o meu avô, depois a minha tia Sandra sumiu e eu ficava no bar com ela. Então, sempre movimentando, sempre, como diz, correndo atrás.
00:30:27 P/1:
Enfrentou, e enfrenta o preconceito agora, né, por conta desse contexto, que as pessoas acham que já tá completamente resolvido e tal, mas quando você começou, você enfrentou algum preconceito assim no seu trabalho? Ou já enfrentou nesse meio desse percurso?
00:30:44 R:
De trabalho não. Aliás, quando eu fui trabalhar com a Marisa, muita gente falava que eu não ia dar conta. Porque ela era muito acelerada, ela atendia muito e eu não ia dar conta. E por coincidência, no primeiro dia de trabalho, deu ruim. Porque eu saí de Bento seis horas da manhã e chegando em Mariana, eu estava na minha via, era a minha preferência, e um caminhão atravessou à frente. do nada o caminhão apareceu, então eu tive que pisar no freio, fechei o olho e falei mãe a gente vai morrer agora segura que a gente vai morrer pisei no freio e acho que Deus tem um propósito muito grande na minha vida e não deixou nada acontecer então eu já cheguei no trabalho meio desconcertado com o que tinha acontecido e fomos fazer o primeiro atendimento uma cirurgia, fui auxiliar uma cirurgia tô lá em pé segurando o sugador E do nada, Mônica cai desmaiada. Mônica só escuta falando assim, Marisa, será que ela não tá grávida? Eu falei, opa, tô grávida não. Aí me sentaram, fiquei um tempo, aí depois eu melhorei, aí o marido dela também ajudava a gente no consultório, ele ficava assim, vou ter que colocar um colchãozinho aqui para você trabalhar, para quando você cair amortecer. Mas a gente sempre deu muito certo, então foi só esse equívoco mesmo no primeiro dia, mas a gente deu certo porque ela era acelerada e eu sou acelerada.
00:32:17 P/1:
Interessante você falar assim, porque Não é fácil, né? Você sai de uma rotina e depois vai pra outra e principalmente pensar em questões de trabalho, né? E trabalhar em consultório imagino que não deve ser uma coisa tão simples, né? Mas dentro dessa rotina de trabalho, assim, e pensando também, né? Trabalho, família e tal. Quais eram os maiores desafios?
00:32:44 R:
Era... acho que o maior desafio foi quando eu perdi minha avó, que inclusive hoje está fazendo 15 anos. A minha avó estava em tratamento de câncer, mas ela não sabia, a gente não deixou os médicos falar o que ela tinha. Quando ela descobriu o câncer de tireoide, a médica deu seis meses de vida, ela viveu sete anos. E o ruim de você estar trabalhando Pelo menos lá no início, quando eu trabalhava, eu tinha muito medo. Eu não gostava de levar testado, eu não gostava de faltar. Então, esse período que minha avó ficou internada, eu ficava com ela os finais de semana, feriado, tudo eu ia e ficava direto. Mas nesse dia que ela faleceu, eu não estava presente. Então, isso me doeu muito, porque eu sempre estava do lado dela. Mas... foi pesado, mas eu consegui fazer uma última coisa. Ela morreu em Belo Horizonte, no hospital... Luxemburgo. E trouxeram o corpo dela para ela ser arrumada aqui. Então, quando a gente organizou a funerária, O meu avô morreu dois anos antes, e quando o meu avô morreu, o rapaz da funerária não me deixou ajudar a arrumar. Então eu ficava olhando da gretinha pra ver o que eles estavam fazendo. E quando a minha avó faleceu, a gente chamou a mesma funerária. E eu falei pra ele, olha, quando o meu avô faleceu, você não me deixou te ajudar a arrumar. Agora com a minha avó, eu vou arrumar. Se você não deixar, você sai que eu vou arrumar outro funerário. Então, desde a hora que minha avó chegou, que a gente retirou, tava eu e uma prima, a gente retirou, eu fiz tudo. E não deixei eles fazerem nada do que eu achava que não precisasse, sabe? E fiquei com ela até o sepultamento, até o último minuto. Mas ela era muito importante pra mim. Ela era uma pessoa muito doce e ela sofreu muito. Eu não lembro da minha avó fazer mal a ninguém. E não entendo porque que ela sofreu tanto.
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E seus pais, eles esperavam que você trabalhasse com alguma coisa específica? Porque tem aquela coisa do sonho do pai, às vezes, projetar algum filho. Meu filho tem que ser isso, minha filha tem que ser aquilo. Tinha alguma coisa específica?
00:35:22 R:
Olha, se a minha mãe tinha, a minha mãe nunca falou. Porque a minha mãe, ela não é muito de dar pitapo na nossa vida, sabe? Então, se tinha, ela guardou pra ela. Mas eu imagino que, com certeza, ela queria sempre coisa boa, né?
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Com certeza. E que outros trabalhos você fez, assim, né? Como é que você... Você falou que você já trabalhou com... Também em consultório, mas você começou antes. Como é que foi, assim? Qual que é o tipo de outro trabalho que você já fez?
00:35:53 R:
Eu já fiquei muito no bar com a minha tia, né? Aí o meu avô tinha mercearia e o bar, e quando a minha tia sumiu, ela passou a fornecer comida. Então ela tinha um restaurante também. Então a gente sempre ajudava. Às vezes eu chegava do trabalho, seis horas, tinha uma turma de jipe que ia jantar lá à noite. Uma turma de médicos, ah, Sandra, tal dia a gente vai, 30 pessoas, a gente quer comer um frango caipira. Então, sempre eu chegava do trabalho e ficava lá com ela. E isso, a família inteira sempre ajudou, sabe? A minha mãe, final de semana a minha mãe cozinhava para ela. Então, querendo ou não, a gente também ia para o fogão. Então, era isso, né? A minha mãe nunca me ensinou a fazer comida, mas eu vi a minha avó fazendo, a minha avó me ensinou. Eu vi as minhas tias fazendo, eu vejo a minha mãe fazendo, então você acaba aprendendo, assim, não porque a pessoa te ensinou, sabe? A minha mãe, muito pelo contrário, ela odiava que a gente chegasse perto do fogão quando ela estava mexendo. Quando o meu pai, ela estava fritando bolinho de chuva, quando o meu pai foi pegar um bolinho, ela jogou gordura na mão dele. Só para ele sair de perto do fogão.
00:37:08 P/1:
Ô Mônica, pensando também na sua atuação, como você tem atuado, como você tem direto e indiretamente advogado, quais são os seus planos e projetos profissionais para o futuro?
00:37:28 R:
Sabe, eu não sou muito de trabalhar com projetos de futuro. Eu tenho vivido um dia de cada vez e o que vier é isso mesmo. Porque acaba a gente fazendo um plano e a gente faz um plano e Deus faz outro. Então você acaba frustrando. Então eu tenho tentado até me conter psicologicamente para não criar muita expectativa, sabe? De uma coisa que pode não dar certo. Até mesmo em relação a todo esse processo que a gente vem nesses quase dez anos. Às vezes a gente acha que tem alguma coisa a ganho e quando se assusta caiu por terra. A gente tinha conquistado muitos direitos aqui na ação civil pública que a gente tinha e depois da repactuação não existe mais. Então, o que estava garantido antes de todo mundo que morava em Bento ser restituído com uma moradia, hoje tem pessoas que correm o risco de ficar sem. Então, isso me dói muito, isso me frustra muito, porque quando a comunidade me escolheu, para fazer parte da comissão, para representá-los, embora eu sei que tem coisas que não dependem de mim, que não está sobre o meu poder, então o que eu faço, eu tento fazer muito bem feito e sempre pensando no próximo ao invés de mim, a gente acaba frustrando, né? Então, assim, é situação que não depende da gente, como diz Dalveretti, do final.
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Aproveitando o gancho, saber como que era a sua casa, né? Como é que era essa estrutura, se a Mercedes agora é próxima, como é que ela se parece, se eu tivesse que descrever esses lugares assim, como é que eles eram?
00:39:21 R:
Vou começar pela casa dos meus avós, né? Porque era uma casa do século XVIII. A minha mãe e os meus avós contavam que era um sobrado, tinha 36 cômodos e na parte de cima tinha uma sala, que era uma capelinha. Era como se você entrasse numa igreja e teto pintado, parede pintada. Eu não cheguei a conhecer essa parte da casa. Quando eu nasci, o meu avô já tinha tirado a parte de cima, então estava só com a parte de baixo. Mas já teve telégrafo na casa dos meus avós. E tinha duas salas, ela era de pau a pique, ela era com aquelas madeiras braunas, aquelas madeiras bonitas. E tinha duas salas, que na verdade era uma sala só e meu avô fez duas salas porque ela era muito grande, de pedras. Então, a gente... Na época da minha mãe, elas lavavam a sala, as pedras, com pita. batia a pita até fazer o sabão pra poder lavar. Na minha época não, era com a escova e o sabão mesmo a gente tinha que escovar pedra por pedra. E era muito engraçado porque era só enquanto a gente ia começar a lavar a sala, meu avô começava a pisar. Meu avô começava a passar, ele não tinha nada pra fazer, mas ele ficava passando. Então, isso irritava. Vô, a gente tá lavando, fica quieto. Fica lá fora, na hora que secar o senhor entra. Mas não tinha jeito. Ele fazia o que ele queria. Aí tinha o fogão a lenha, na casa da minha avó. Tinha as prateleiras, que as panelas eram colocadas e tudo brilhando que você conseguia se ver. Tinha conchego, tinha muita comida gostosa. que minha avó fazia e tinha as histórias que minha avó contava na época das festas e a gente era vizinho da igreja de São Bento então pra gente ir pra igreja se atravessava a rua, uns 10, 15 passos e já tava dentro da igreja e minha avó contava das festas que aconteciam de reinado, que a madrasta dela, porque ela também perdeu a mãe muito nova E o pai dela casou de novo, e a matrasta era muito legal. E quando eram essas festas, elas tinham que fazer muita quitanda, então colocavam em malas, aquelas malas tipo caixote, de quitanda. E teve uma vez que o meu bisavô, ele ficou com ciúme. da minha avó e colocou óleo e colocou fogo em todas as quitandas. E era gostoso quando minha avó contava as histórias de como fazia, das receitas, sabe? E dava pra gente sentir, embora eu nunca comi, mas dava pra sentir o sabor. E tinha um quintal muito grande, tinha muitos, muitos, muitos pés de fruta. Tinha jabuticaba. tinha laranja, tinha mexerica, tinha mamão, tinha maçã. Então tinha muita coisa, tinha muita fruta, tinha muita verdura. E meu avô plantava, na época que eu morei em Mariana, tinha um pé de chuchu que era só pra mim, porque eu sou apaixonada com chuchu. Então ele plantava o pé de chuchu e todo final de semana que eu vinha eu trazia sacolada de chuchu. Aí tinha um quintal, tinha a casa do meu tio, o quintal, e tudo não tinha cerca, você saía de uma casa e já ia pra outra. E do lado da casa de tio quintal, era a casa da minha mãe, que tinha três quartos, tinha duas salas, tinha cozinha, tinha banheiro, tinha área, tinha muita laranja, tinha muita mexerica, tinha condensa, tinha carambola, tinha muitas plantas, tinha muitas flores, e tinha muito amor, e tinha muita felicidade.
00:43:21 P/1:
E a mercearia, como é que era?
00:43:24 R:
Menino, se encontrava de tudo. Desde feijão no quilo, de fubá, de milho, de cachaça, de vinho, de linguiça, de brinquedo, tinha de tudo. E eu lembro que o meu avô, eles eram... ele só tinha uma irmã. E antes dele morrer, tinha alguns anos que ela tinha mudado para BH, e nunca mais tinha voltado. A gente até achava que ela já tinha até falecido. E do nada ela aparece. E eu tava no bar e meu avô queria fazer sala pra ela. Aí meu avô falou, você fica lá no bar que eu vou lá ver a Anitta. E ela era baixinha, mais baixa que eu, tinha o cabelo grande, duas tranças, andava toda tortinha. Ela chegou no bar, bateu no balcão e falou assim, coloca uma Maria Rita pra mim. Aí eu olhei Vô, o que é Maria Rita? É uma cachaça, Mônica. Peguei o copo Lagoinha e fui colocar uma dose de cachaça. Ela falou, não, é na risca. Enchi o copo na risca. Ela pegou e virou igual água. Eu olhei e falei assim, vô, é só essa, você não vai dar mais não, é só essa, acabou. e nunca mais ela voltou, nunca mais a gente teve contato com ela depois disso, sabe? Ela ficou o final de semana com a gente e logo que a barragem rompeu ela ligou para o telefone da minha tia falando que ela tinha ficado sabendo se a gente estava precisando de alguma coisa e deixou o contato dela e minha tia me passou o contato, só que acabou que naquela loucura que a gente ainda estava em hotel eu perdi. Hoje a gente não sabe se ela é viva, como que ela tá, mas eu sei que ela morava no bairro Chatobá, em Belo Horizonte.
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E falando de tempo mais presente, como é que é o seu dia-a-dia, o que você gosta de fazer nas suas horas válidas, quando elas aparecem?
00:45:28 R:
Olha, o meu dia-a-dia, hoje eu trabalho na assessoria, Então, eu fico durante o dia trabalhando e à noite, normalmente, todas as noites a gente tem reunião. Os meus dias vagos é o final de semana e a gente vai para o bento de origem, o bento destruído. A gente continua ficando lá o final de semana. A gente não tem conforto, a gente começou a ficar lá em 2016, e eu, mãe, uma tia e uma prima, que na época ela estava com sete anos. A gente ficava na casa de uma tia, que a lama não foi, mas ela foi toda saqueada. A gente ficava sem porta, sem janela, ficava a luz de velo. Depois a gente passou a ficar a usar lanterna. E era muito engraçado, era muito engraçado que a gente estava e do nada aparecia pessoas lá. E teve um dia que a gente estava, era uma sexta-feira, era umas cinco e meia, parou um carro. A Olívia saiu e falou, nossa, o Caça Fantasma Brasil! Eu estou assim, hã? O carro do Caça Fantasma Brasil! Eu estou assim, o que é Caça Fantasma Brasil, Olívia? Eu sigo eles no Instagram, eu sigo Caça Fantasma. Aí o pessoal desceu, foi conversar. Foi uma experiência, eu sou muito católica, mas foi uma experiência assim, não tem nem como explicar. Eles chegaram, eles conversaram, falaram que eles tinham comunicado e tinha alguém que tinha pedido para eles irem lá no território, eles precisavam ir onde as duas crianças foram arrastadas pela lama, que lá de Bento morreram cinco pessoas, duas crianças e três idosos, e a gente andou com eles no território, e nisso foi escurecendo. Eu, Simari e Olívia, e mãe ficou em casa fazendo uma canjiquinha, porque estava frio, para a gente comer, fazendo canjiquinha e mingau de milho. E a gente foi andando e nisso foi escurecendo. Aí ela pediu pra ir na igreja das Mercês. Não falei nada, absolutamente nada da minha vida pra ela. Não falei quem eram os meus avós, não falei nada. A gente só foi conversando sobre o rompimento. E chegamos na igreja, a gente tinha a chave. Ela pediu pra ir no cemitério. E já tava de noite. Aí eu fui acompanhá-la no cemitério e a tia ficou do lado de fora porque a Olivia era muito pequena e ela não deixava ela ir à noite. Primeira vez também que a gente entrou no cemitério à noite. E foi muito interessante que ela começava... Tinha uma pessoa... quem que era a pessoa que ficava em pé com a mão assim dentro da calça? Colocava a mão assim dentro da calça e fazia... Eu olhei para o amigo meu que tinha chegado na hora, disse assim, era meu avô. Ah, mas ele fazia assim, assim, assim? Fazia, é o meu avô. Aí ele passou um recado e tal, aí a gente andamos mais um pouquinho, aí ela parou no outro túmulo e falou assim, quem que era esse? Aqui tem uma criança que chora muito, quem que é? A gente ficou sem saber. Aí ela ia falando, ia falando, ia falando, aí a gente conseguia identificar. Foi uma experiência muito legal e tem o vídeo dessa visita no YouTube. Se eu não me engano é... bento, mal-assombrado, parte 1 e depois tem a parte 2, que depois eles voltaram e a gente ficou amigo, né? Aí eles voltaram mais uma vez e passaram o final de semana lá com a gente. Nesse dia eles só tinham ido pra conhecer, passaram só algumas horas e foram embora. E nesse dia eles deixaram uma lanterna com a gente, porque a gente ficava à luz de vela. Aí a partir daí a gente ficou com lanterna. Esquentava a água, fizemos um fogãozinho no chão com dois tijolos, esquentava a água e tomava um pão de canela. Aí depois ensinaram a gente a comprar um adaptador que a gente conectava na bateria do carro e colocava uma luz. Beleza, fizemos isso, já fomos tendo conforto, colocamos porta, janela. Aí fizemos o fogão além e colocamos serpentinho. Porque antes também a gente tinha um tambor desse tamanho com chuveiro embaixo, era na carretilha, enchia de água, na hora que esvaziava se descia e tomava banho. Hoje não, hoje a gente compramos cano e fizemos a religação da água, porque onde era nascente a lama não foi. a gente ganhou um sistema de placa solar, então hoje a gente tem energia não pro chuveiro, porque a gente continua com a serpentina então hoje a gente tem um pouco mais de conforto, mas esse tempo que a gente tem ido pra lá, a gente já foi assaltado oito vezes e o último assalto que teve lá não levaram nada, simplesmente reviraram tudo pegaram os pacotes de mantimento, caixa de leite, tudo e abriu e fez aquela bagunça Eu acho, não tenho como provar, mas eu acho que foi a mando da empresa para tentar inibir a gente de continuar frequentando lá. Mas mesmo assim, a gente continua. Porque é ali que a gente recarrega as energias, é ali que é o nosso remédio e o nosso psicólogo. Então, o meu tempo livre, a gente está em Bento. Que mesmo destruído, é o melhor lugar do mundo.
00:50:53 P/1:
E você tem algum relacionamento, vocês se conhecem?
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Não, hoje eu estou sozinha. Porque não dá tempo, né? Como que você vai arrumar uma pessoa pra te aguentar, pra aguentar essa vida que a gente tem? É meio complicado.
00:51:10 P/1:
Você tem filhos?
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Não. Tenho sobrinhos e afiliados. Muitos.
00:51:17 P/1:
Mãe de outros.
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É, mãe de outros.
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Dentro do, você falou, período da Covid-19, né, e ele foi realmente difícil, a gente que viveu isso aqui no Brasil, né, Foi simples, é. Como é que foi o impacto, por exemplo, desse período na sua vida, na sua família, na sua rotina, trabalho? Como é que foi esse período?
00:51:41 R:
Foi engraçado, porque quando falou quarentena, ah, vamos ficar de quarentena. A gente achava que você ia ficar enclausurado 40 dias e estava tudo ok. Minha patroa falou, Mônica, a gente vai ficar um tempo sem trabalhar. Estou assim, beleza. Mãe, a gente vai para o Bento. Eu vou passar no supermercado, me fala o que é que precisa de comprar, mas comprar muita coisa porque a gente não vai vir Mariana mais. A gente vai para o Bento e vai ficar lá no Bento. A ideia era essa, né? Fui no supermercado, fiz aquele... comprei aquele tanto de coisa e fomos para o Bento. Eu, mãe e minhas tias. E parece que... as coisas vão acontecendo e atravessando tudo, né? A gente ali meio sem entender, a gente só sabia rezar, a gente só sabia ficar com o texto na mão e todo mundo rezando, todo mundo rezando, aquela coisa toda. No dia seguinte, isso a gente foi num dia, no dia seguinte, a minha cunhada me liga que ela tava com meu irmão no hospital, ele precisava ser transferido pra Belo Horizonte, ela não podia ir com ele, ele tava com suspeita de Covid, ela não podia ir com ele. Falei, bom, espera que eu vou. Só que eu achava que não ia dar tempo de eu chegar. Então eu liguei pra minha tia que estava aqui, Mariana. Falei, tia T, vai pro hospital porque o Lúcio precisa de ir pra Belo Horizonte, ele precisa de acompanhante até eu chegar. Fui juntar as coisas pra poder vir. Meu carro não funcionava. Eu tô, poxa vida, gente, o que tá acontecendo? Você batia a chave, a luz acendia, mas ele não funcionava. Aí comecei a ficar desesperada, aí liguei para um colega e disse assim, olha, eu vou fazer uma chamada de vídeo, você me explica o que eu preciso fazer, que o carro não quer funcionar. E assim eu fiz, ele foi explicando, eu fui fazendo, o carro funcionou, viemos embora, deixei mãe aqui e fui para o hospital. A gente foi sair com ele, era meia noite e meia mais ou menos. Aí, ele lá no quarto, eu não podia entrar, fiquei na recepção e falei com minha tia, você pode ir embora que agora eu consegui ir com ele para o hospital, para Belo Horizonte. Veio uma enfermeira e falou, me deu umas instruções e nesse início de Covid, as pessoas aqui em Mariana eram muito despreparadas. Como que a pessoa está com suspeita de Covid, você coloca um acompanhante simplesmente com uma máscara. Então ela me chamou assim, a recepção lá tava cheia, o povo esperando atendimento. Quem que é a acompanhante do Lúcio que tá com Covid? Na hora que falou assim, na hora que já ia passando com ele pra ir pra ambulância no corredor, o porteiro já foi falando, o médico já foi falando, sai todo mundo que tá à frente que é um paciente com Covid. Aí, tipo assim, todo mundo olha pra você, né? E todo mundo acha, poxa, tá morrendo. Me colocaram na ambulância, ela me deu uma máscara e falou, olha, você não tira a máscara. Você vai na ambulância com ele e você não tira a máscara. Na hora que você chegar no hospital, você joga ela fora e troca. E assim fui. Aí o médico, o enfermeiro que acompanhou, tudo aparementado, com aquelas roupas, tudo, e foram sentado na frente com o motorista e eu com ele dentro da ambulância. E eu com a roupa normal e simplesmente uma máscara. num banquinho que mal cabia gente, e ele deitado na maca, e eu não sabia se eu me segurava para eu não cair em cima dele. Eu sei que a gente gastou menos de uma hora para chegar em Belo Horizonte. A ambulância foi muito correndo. Chegamos lá no Hospital Belo Horizonte, o tratamento foi totalmente diferente. Era o primeiro paciente com suspeita de Covid que estava chegando no hospital. E a diferença de atendimento foi muito, porque eles não estavam com aquele medo. tipo, eles estavam com máscara e jaleco, não estava com aquela paramentada toda e levou a gente para uma sala para fazer triagem, para fazer os exames e me deixou com ele tudo normal, mas não tinha aquele medo que eles colocaram aqui, sabe? Fiz a internação do meu irmão, aí eu falei, não vou embora porque amanhã de manhã vai ter visita e eu já fico para visitar ele. Fiquei lá no hospital, sentada na cadeira. Quando deu o horário de visita, me mandou ir para uma sala, fiquei lá esperando, todo mundo que estava esperando a visita foram chamados e eu esperando e nada de me chamarem para falar do meu irmão. E eu deixei ele até aparentemente mais ou menos. Aí na hora que a médica me chamou e falou, olha, seu irmão, a gente precisou entubar ele. Você vai poder entrar para ver, mas a gente vai suspender visita e tal. Aí eu falei, poxa, Você via as cenas na televisão de quem estava com suspeita de covid, que estava entubado, morria. Eu respirei e falei, é, não vou poder falar com ninguém a situação que tá. Minha irmã morava lá, liguei, Flávia me busca porque eu não vou poder ficar com o Lúcio e não tem visita. Me busca aqui no hospital e me leva pra rodoviária pra eu ir embora. Ela chegou no hospital, eu falei, olha, vou te contar uma coisa. Você não vai contar pra ninguém, nem pro seu marido. Vai ser um segredo meu e seu. Se você não me prometer, eu não vou te contar o que tá acontecendo. Ela falou, não pode contar. Eu falei, olha, o Lúcio tá assim, assim, assim. Ninguém pode saber. Imagina, eu chego pra mãe e falo, mãe, deixei o Lúcio entubado? Pra esposa dele, com uma menina de 4 anos, 5 anos, o Lúcio tá entubado? Aí fiquei. Aí a médica liberou visita. Aí eu falei que só eu podia visitar, porque eu que tinha feito a internação. Aí depois parou a visita, aí ela ligava pra tratar a notícia. Aí teve um dia que ela falou, olha, ele tá entubado, ele pode ficar somente 16 dias entubado. Se não, se ele não responder, a gente vai ter que fazer a tráquea. Aí eu pensei, pô, se precisar fazer a tráquea, vai precisar de autorização. Ele tem esposa, não vai poder eu que for autorizar. Ele tem mãe, então eu já tô descartada. e batendo o joelho no chão e rezando, e os resultados do exame não saíam, não saíam. No dia que o Papa Francisco deu uma bênção, três horas da tarde, a gente enjoelhado, todo mundo enjoelhado rezando, me ligaram falando que o teste dele tinha dado negativo. O teste que foi feito aqui e o teste que foi feito em Belo Horizonte. Deu negativo. Menos mal. No dia seguinte, a médica ligou falando que não precisava mais fazer a tracro, que ele tinha reagido e já estava tirando a entubação dele. Nesse período, ela me ligava às 10 horas da manhã. Eu não atendia o telefone perto de mãe. Eu ia para o banheiro, ligava o chuveiro e atendia o telefone para a mãe não escutar e para a mãe não saber o que estava acontecendo. Deve alto. Trouxe ele embora. O médico falou que ele precisava fazer um acompanhamento com um pneu. Mas que era para esperar um pouquinho, porque ele ainda estava fraco e tal. E os médicos aqui em Mariana, antes de suspeitar de Covid, estavam falando que era sinusite. Aí levei ele pra casa e falei com meu sobrinho, olha, não deixa ninguém entrar na sua casa pra ver seu pai, se chegar é do portão pra fora, não deixa seu pai fazer nada que ele não pode fazer nada. E todo dia ela me ligava. Tia Momó, meu pai lavou o carro. Tia Momó, meu pai tá mexendo com água. Tia Momó, minha tia veio visitar meu pai e ela entrou. Eu falei que não era pra entrar e ela entrou dentro de casa. Aquela coisa toda. Aí eu marquei o médico, o médico pediu uma série de exames e levei pra Ouro Preto pra fazer. Aí fez o eletro. Na hora que ele fez o eletro, o médico falou, olha, ele precisa passar no cardiologista. Corrugência. E ele já não estava bem. Aí eu consegui uma vaga no dia seguinte. Eu falei, olha, qualquer horário que tiver alguma desistência, vocês podem me ligar que eu trago ele. E viemos embora pra casa. Na hora que a gente chegou em casa, era meio dia e meio, a gente estava com o prato de comida, me ligaram que tinha surgido uma vaga duas horas. Aí levei ele. E ele tossindo, tossindo, tossindo. E eu, Lúcia, para de tossir. Porque tá todo mundo olhando e achando que você tá com Covid. Para de tossir. Ninguém quer ficar perto da gente. Aquela coisa toda. Aí, na hora que o médico chega, o médico pergunta quem era Lúcia. E ele tossindo. Não, mas... Você não tem que estar aqui, não. Você tem que estar... A paciente com Covid é do outro lado. Não é aqui. Então, eu disse, não, doutor. Ele não tá com Covid. Tá aqui, ó. Três... Quatro testes de Covid, todos negativos. Ele pegou uma pilha de exame. entrou pro consultor. Ficou meia hora. Meia hora depois ele voltou, aí ele já mudou totalmente o tratamento. Chamou a gente pra sala, nós entramos, ele falou, você nunca teve problema renal? Não, que eu saiba não. É porque você precisa trocar duas válvulas no coração com urgência. Ninguém nunca te falou isso? Uma simples escuta, Qualquer médico, com o aparelhinho aqui, ele já sabia, já diagnosticava. Eu disse, não. E meu irmão sempre foi no médico, ele trabalhou por seis anos na Vale, então tinha que fazer periódico sempre, aquela coisa toda. Não. Aí ele passou um coquetel de remédio e falou, Dá-lhe o remédio, leva-lhe pra casa. A gente vai olhar... Você olha o cirurgião pra fazer a cirurgia dele em Belo Horizonte. Qualquer coisa que ele tiver, você não vai pra Mariana e nem pensa em levar ele pra Belo Horizonte. Você vem pra Ouro Preto. Viemos embora quando foi nove horas da noite. Volto aí eu com ele pra Ouro Preto. Aí internou ele, ficou uma semana. Conseguimos a vaga pra ele no Mar de Tereza. Aí foi a luta. o convênio não liberava a ambulância. E Mônica tem que pegar o telefone, Mônica tem que brigar, Mônica tem que ameaçar ir na promotoria, Mônica tem que ameaçar que vai entrar na justiça, aquela coisa toda. Aí, resumindo, chegaram duas ambulâncias no mesmo horário. Sete e meia da noite. Duas ambulâncias. Fomos pro hospital Madereza, ele ficou lá esperando os exames melhorar pra fazer cirurgia e não aguentou, pegou uma infecção e não aguentou. Aí eu fico perguntando, Olha, três meses. Deixou uma menina de cinco anos, tinha uma vontade de viver, meu irmão na cama do hospital, no CTI, meu irmão comprando pela internet. Um ano depois do aniversário da minha cunhada, chegou o presente que meu irmão tinha comprado quando estava internado. Estou assim, Lúcio, você fica postando, você fica comprando, o seu patrão não vai achar que você está doente, vai achar que você está... Você está falando que você está levando a testada à toa. Aí foi assim, foi um velório, que a gente tinha aquele medo por causa do Covid, de aclomeração, mas nós levamos o corpo dele para o bento de origem, fizemos o velório dele na casa da minha tia, quando clareou o dia, chegamos lá era por volta de duas horas da manhã, quando clareou o dia a gente foi para a igreja, porque tinha mais espaço, e foi muita gente, e minha mãe com medo de de alguém estar com Covid, passar e acontecer alguma coisa, aí estava marcado para sepultar às quatro, a gente sepultou às quatorze, exatamente por causa daquela pandemia. Então, assim, foram momentos terríveis.
01:02:51 P/1:
E a vida da gente também é um aglomerado de histórias, entre as boas e as ruins. A gente já está caminhando para o final da nossa conversa aqui. E de todas as histórias que você mencionou, contou, tem alguma história que você gostaria de contar? Você acha que tem que ficar registrada aqui com a gente?
01:03:16 R:
Alguma história? Acho que não. Bom, no dia 5 de novembro de 2015, eu saí de casa às 6 horas da manhã para vir para a Mariana trabalhar. E nesse dia, eu ia retornar às 17. porque a minha patroa trabalhou até o horário de almoço, depois ela foi para BH, então quando ela não estava eu saía mais cedo. Eu saía às 17 porque era o horário que mãe largava o serviço. E às 16 horas eu recebi uma ligação de que a barragem tinha rompido e que não estava conseguindo falar com ninguém dentro. Então eu tentei ligar, mandei mensagem no WhatsApp, Mas pra mim, a barragem que tinha rompido era a barragem de Santarém, que era uma barragem de água. Era como se fosse um enchente. A gente ia imundar a casa, se perdia alguns móveis, se limpava, mas estava tudo bem. Eu só fui ter noção do que aconteceu no dia 6, quando clareou o dia, porque eu passei a noite na estrada. porque os policiais não deixavam a gente passar, então a gente não tinha ciência de quem tinha sobrevivido, de quem tinha falecido, e quando o dia clareou que eu subi numa parte alta, que dava para avistar o bento, foi o momento que eu vi o que tinha acontecido e de fato que eu não tinha mais nada, porque a cena que eu tive era onde era a casa dos meus avós, a minha casa e a igreja. Ali tinha muita lama, muito telhado, muito carro, Naquele momento, eu pude entender o que tinha acontecido. Eu tinha saído de casa às seis horas da manhã para trabalhar, tendo tudo, e simplesmente não existia mais nada. Foi ali que começou a luta, as brigas, os preconceitos e essa busca em seção de pela justiça. E foi a partir daí que, em 2017, eu comecei a fazer o direito. Que me jogaram para o direito, na verdade. Não era porque eu queria fazer, não era o meu sonho fazer direito. Mas era o contexto em qual eu me encontrava, a minha comunidade estava, que eu tinha que fazer alguma coisa para poder ter um pouco mais de qualificação para ajudar os meus.
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E nesse percurso, qual o legado que você acha que essa sua ação, sua luta, ela deixa?
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É difícil, né? É muito difícil, mas eu acho que o mais importante de tudo isso é ter empatia e amor ao próximo. E saber que o dinheiro, ele não é tudo. Que a ganância pelo poder, a ganância pelo dinheiro não leva a nada. Leva as 20 pessoas que morreram no dia 5 e as 81 da minha comunidade que morreram pós-rompimento. a grande parte dela sem ser indenizado e sem ao menos entrar na casa. Então, o que a gente tira de lição é que não adianta querer muita coisa. Até porque a gente não precisa de muito para viver. A gente precisa de tudo o suficiente para ter um conforto, para ter uma comida e para conseguir ajudar quem está do nosso lado. Olha, a cena que eu vi já não existia mais caso. A única coisa que sobrou foi os dois pés de manga que ficavam do lado da casa dos meus avós com a igreja. Foi a única referência que eu tive para localizar onde era a minha casa. Eu só consegui entrar dentro do bento mesmo no dia 21 de dezembro. foi com a Rede Globo. A Rede Globo chamou minha mãe para fazer uma entrevista. Lá eu falei que a minha mãe só ia se eu pudesse ir também. Não para dar entrevista, mas para poder entrar. Porque a gente era proibido de acessar. Então, nesse período até o dia 22, todos os dias, eu pegava o carro e ia. porque a gente não ia pela estrada principal, a gente tinha que estar a volta para o Santa Rita, outra comunidade que era próxima, para poder entrar em bem, para poder ver, para poder procurar alguma coisa, para tentar achar uma roupa, uma foto, uma imagem, alguma coisa. Então, no dia 22, foi quando eu pude entrar, a gente foi onde era a nossa casa, Foi ali, mesmo eu tendo visto antes, entendido o que tinha acontecido, mas foi ali que, de fato, eu tive um pouco de noção do que tinha acontecido e do que estava para acontecer. Mas, mesmo assim, a gente achava que tudo isso ia ser resolvido num prazo de dois anos, porque a gente estava falando das maiores mineradoras do Brasil e do mundo também. Então, o dinheiro para fazer o reassentamento, o dinheiro para indenizar, no caso, não seria o problema. Só que o que aconteceu foi totalmente diferente. Há quase 10 anos a gente ainda está sem casa, a gente ainda mora em uma casa alugada. Todos os direitos que a gente conseguiu foi através de muita luta, muita união da comunidade, e com a ajuda incansável do Dr. Guilherme, que era o promotor à época, tudo que a gente conquistou foi através de ordem judicial. E cada dia que passa, a gente entende que o crime não foi só no dia 5, ele é um crime continuado, porque todos os dias os direitos são violados. o crime, ele foi posto e para as empresas, o que eu tiro de conclusão, que eu acho que elas acham, é que matar compensa. Porque quando você começa a fazer associação, depois do rompimento da barragem de fundão da Samarco, não precisava ter acontecido em Brumadinho, né? A gente alertou. Inclusive, eu tive a oportunidade de ir para fora do Brasil para poder fazer denúncias. E no dia 5, quando estava completando um ano, dois anos do crime, não, três anos do crime, a gente teve uma reunião lá em Londres com duas diretoras da BHP, exatamente na hora do rompimento, às 16 horas, e fomos uma comitiva, fomos seis atingidos, o indígena e todo mundo, relatamos todos os cumprimentos que estavam, e elas não tiveram nenhum pingo de sensibilidade. Então, a Fundação Renova continuou fazendo tudo que queria, da forma que queria, como bem quis. Elas estão frias quanto o clima de lá e, em janeiro, rompe Brumadinho. E a partir daí, todas as barragens de propriedade da Vale, da Samarco, que eles colocaram em níveis, nível 1, nível 2, vocês podem prestar atenção nisso. Toda vez que uma barragem muda de nível, o preço do minério sobe. Então é tudo de caso pensado. As mortes foram de caso pensado, porque eles sabiam que a barragem estava com problema, eles sabiam que precisava ser feito e simplesmente não fizeram. Só que na cabeça deles, no entendimento deles, acabaria só com a comunidade de Bento. Eles não tinham noção que o rejeito chegaria ao mar. Eles tinham feito um estudo até a quantidade de pessoas que morreria com possível rompimento. Isso aqui, Mariana. Em Brumadinho, a mesma coisa. Então, para as empresas é isso. O crime compensa. A ganância, o poder, o lucro é acima das vidas. É acima de tudo.
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Você tem mais alguma pergunta? Como você estava muito próxima da comunidade, você já tinha isso também antes, pelo que eu estou entendendo. Você conheceu muitas das pessoas também que foram soterradas?
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Das 20 pessoas que morreram no dia 5, tinha a... aí eu vou falar os apelidos, que era como a gente tratava. Tinha o Tiaguinho, que era criança de sete anos, ele morava duas casas abaixo da minha, então assim, né, contato direto, a cena que eu tenho dele é ele passando de bicicleta e eu falando, Ê Tiaguinho cruzeirense, eu não sou cruzeirense, eu sou curintiano. Era a fala dele. E adorava ir no bar da minha tia pra tomar uma coquinha e comer uma coxinha. Tinha a Manu, que era uma menina muito doce. Tinha a Gracita, que o nome dela era Maria Celestina, mas a gente chamava ela de Gracita, que era uma senhorinha também. Tinha o Antônio Prisco, que era o Totózinho, que a cena que a gente tem dele é ele pra rua fora com uma sanfona, tocando, quando ele bebia. E tinha a Maria, que ela tava passando férias na casa do primo, que eu tinha mais contato, né? Porque os funcionários que... o único funcionário dessa marca, o qual o corpo não foi encontrado, Depois que faleceu, eu fiquei sabendo que ele era irmão do marido de uma prima minha que mora em Catasaltas. O marido dela perdeu o irmão e o cunhado. E ele foi o corpo que não foi encontrado. Então, depois do crime, os familiares dessas pessoas, a gente começou a ter contato, né? você estava no mesmo espaço de reunião, aquela coisa toda. Então, hoje eu sou amiga de alguns familiares das pessoas que faleceram. Um dos motivos pelo qual também eu entrei com o recurso contra a decisão que nos sentou, tanto a Samarco quanto as pessoas físicas. E tive o desprazer de participar na comarca de Ponte Nova da oitiva deles. Eu pude entrar muda e sair calada, mas estava lá com a minha camisa, com a foto das vítimas, de frente para eles, para eles verem que a gente estava ali, que eles mataram. Mas as pessoas não se comovem. Inclusive todos eles já estão trabalhando em empregos até melhores.
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Obrigado. Mônica, para a gente fechar, como é que foi para você? contar a sua história aqui pra gente.
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Ah, é sempre legal. Embora tem coisas muito tristes, mas tem coisas muito boas também, né? E é importante deixar um registro, pra quando a Mônica não estiver aqui, as pessoas saberem quem foi Mônica. Como diz minha sobrinha, né? Quando meu irmão faleceu, no dia dos pais, ela foi levar o presente que ela tinha feito na escolinha, E ela tava começando a ler, ela sentia mamão, aí começava. Quem que é esse? Quem que é esse? Você podia colocar uma foto do meu pai? Porque às vezes as pessoas vão chegar aqui e vão esquecer quem era ele. Às vezes os amigos dele não vão lembrar do rosto dele. Aí eu fiz e o meu irmão ele foi sepultado no túmulo do meu pai. Aí era meu pai, um tio avô e ele. Aí eu coloquei a foto do meu tio avô e do meu irmão e infelizmente não tem a do meu pai. para as pessoas saberem quem foi meu irmão.
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