IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Nilson Viana Cesário. Eu nasci em 13 de março de 1953. Fiz 56 anos, quarta-feira passada. Nasci em Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro, em um local chamado São Gonçalo.
INGRESSO NA PETROBRAS
Durante muito tempo, trabalhei na lavoura cortando cana para a Usina de São José. Fiz o curso do Senai, aprendi a profissão de torneiro mecânico e fui fazer estágio na usina, onde antes cortava cana. Fui torneiro mecânico dessa usina até que vim servir o Exército, em 1972, no Rio de Janeiro. Aqui, continuei os meus estudos, me formei em técnico e, em 1977, fiz concurso pra Petrobras e passei como torneiro mecânico. Iniciei a minha atividade na Petrobras em junho de 1979, com o cadastro de reserva. Com um ano de trabalho, comecei a perceber que, dentro da Petrobras, havia uma possibilidade de organização na sociedade e que poderíamos dar uma contribuição na luta pela abertura democrática do Brasil. O fato de estar em uma estatal que não permitia uma demissão sumária, pois existia um processo administrativo, me fez sentir seguro e, em 1980, iniciei a luta pela formação da Central Única dos Trabalhadores e pela criação do Partido dos Trabalhadores. Dentro da Refinaria de Duque de Caxias, como torneiro mecânico, organizamos um grupo de companheiros, um grupo mínimo, porque a repressão era muito grande, mas tínhamos condições de nos organizar. Começamos a discutir qual seria a forma de organização dos trabalhadores. A primeira percepção que eu tive foi de que não daria pra fazer um trabalho a nível local, ou seja, só Duque de Caxias, só Reduc. Considerando a Petrobras uma empresa nacional, era fundamental a estruturação política dos trabalhadores a nível nacional. Era fundamental uma aliança com todos os Estados brasileiros, onde tinha a presença da Petrobras, para alavancar mais uma celulazinha que fortalecesse a luta pela democratização, pela abertura política do país. Foi no início de...
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Meu nome é Nilson Viana Cesário. Eu nasci em 13 de março de 1953. Fiz 56 anos, quarta-feira passada. Nasci em Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro, em um local chamado São Gonçalo.
INGRESSO NA PETROBRAS
Durante muito tempo, trabalhei na lavoura cortando cana para a Usina de São José. Fiz o curso do Senai, aprendi a profissão de torneiro mecânico e fui fazer estágio na usina, onde antes cortava cana. Fui torneiro mecânico dessa usina até que vim servir o Exército, em 1972, no Rio de Janeiro. Aqui, continuei os meus estudos, me formei em técnico e, em 1977, fiz concurso pra Petrobras e passei como torneiro mecânico. Iniciei a minha atividade na Petrobras em junho de 1979, com o cadastro de reserva. Com um ano de trabalho, comecei a perceber que, dentro da Petrobras, havia uma possibilidade de organização na sociedade e que poderíamos dar uma contribuição na luta pela abertura democrática do Brasil. O fato de estar em uma estatal que não permitia uma demissão sumária, pois existia um processo administrativo, me fez sentir seguro e, em 1980, iniciei a luta pela formação da Central Única dos Trabalhadores e pela criação do Partido dos Trabalhadores. Dentro da Refinaria de Duque de Caxias, como torneiro mecânico, organizamos um grupo de companheiros, um grupo mínimo, porque a repressão era muito grande, mas tínhamos condições de nos organizar. Começamos a discutir qual seria a forma de organização dos trabalhadores. A primeira percepção que eu tive foi de que não daria pra fazer um trabalho a nível local, ou seja, só Duque de Caxias, só Reduc. Considerando a Petrobras uma empresa nacional, era fundamental a estruturação política dos trabalhadores a nível nacional. Era fundamental uma aliança com todos os Estados brasileiros, onde tinha a presença da Petrobras, para alavancar mais uma celulazinha que fortalecesse a luta pela democratização, pela abertura política do país. Foi no início de 1980 que surgiu o PT e a CUT. No Movimento Sindical dos petroleiros, eu comecei a observar os efeitos da opressão que os petroleiros tinham sofrido durante a ditadura de 1964. Os companheiros tinham medo de enfrentar a gerência, na maioria composta por generais e coronéis. Como eu vim da lavoura, da roça, e enfrentava os feitores, os administradores da roça, da lavoura, sem ter direito a nada, eu achava que aquilo, na Petrobras, era um passeio no bosque, porque tínhamos direto assegurado, carteira assinada, férias, décimo-terceiro, ônibus pra pegar e levar pro serviço. Eu falei: “Pô, se eu vim da roça, enfrentava os caras quando eu não tinha nada, isso aqui é refresco.” Comecei a organização dos companheiros e foi fortalecendo.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Meu primeiro teste de urna, na Petrobras, foi em 1984, quando o superintendente da Refinaria de Duque de Caxias ousou colocar em votação quem seria o operário-padrão da refinaria. Nós tínhamos o conceito de que o operário-padrão deveria ser alguém que tivesse um entendimento classista, não um operário-padrão forjado pelos empresários, pelo campo do trabalho, mas alguém próximo do campo da luta de classes. Meu nome entrou justamente para ser um operário-padrão dentro da representação de classes, e não com a visão da chibata, do cara que é obediente às leis trabalhistas, aos gerentes da Petrobras. Eu coloquei o meu nome. Os companheiros da oficina mecânica, onde eu trabalhava, tiraram uma palavra de ordem: “Pelo sim ou pelo não, Cesário é o nosso padrão” Isso foi uma brincadeira, mas, no dia seguinte, a turma estava gritando dentro do restaurante: “Pelo sim ou pelo não, Cesário é o nosso padrão” Começou a ter um problema interno, dentro da Reduc, porque eu não era o operário-padrão da gerência, eu era um operário-padrão do pessoal da oficina. Eu fui eleito operário-padrão, mas não tive o título da refinaria, porque foi uma lista tríplice e, dos três eleitos na divisão de manutenção, outra pessoa foi escolhida. Fui eleito, tive o diploma todo direitinho, mas a refinaria identificou outra pessoa como seu operário-padrão.
OPOSIÇÃO PETROLEIRA DA CUT
Estive sempre nesse trabalho de base, na organização do movimento. Houve todo um enfrentamento, na época do Sarney, em preparação à luta pelas Diretas e pela nova Constituição do Brasil. Começamos a nos fortalecer mais. A CUT orientou o movimento sindical para sua organização enquanto departamento: ao invés de serem oposições sindicais desgarradas, seriam oposições sindicais pelos seus departamentos. Foi criado o Departamento Nacional das Oposições Petroleiras da CUT. Então, essa oposição começou a ganhar uma estrutura de fato, porque nós tínhamos o apoio político da CUT e dos sindicatos que eram ligados à CUT, no caso, o Sindipetro Campinas, Mauá, São José dos Campos, São Paulo e o Sindipetro Sergipe-Alagoas. Eu era da oposição do Sindipetro Duque de Caxias. Estávamos preparando, a nível nacional, um movimento para derrubar os pelegos que estavam dentro do sindicato. Não dava para se falar, de imediato, em eleição naquele sindicato; era necessária uma estrutura política, porque, caso ocorresse algum tipo de dificuldade, podíamos contar com o apoio de aliados a nível nacional. Assim, nós fizemos. O Departamento Nacional dos Petroleiros da CUT forjou a oposição em todos os sindicatos que não eram cutistas e que não tinham o entendimento de luta de classes, sindicatos pelegos que funcionavam simplesmente para homologar acordos coletivos da Petrobras, conforme a ditadura determinava, por meio de militares e civis, a serviço do governo militar. Portanto, tinha uma cunha no meio, que era o movimento classista, e o movimento que nós chamávamos de pelego, esse segmento do Sindicato dos Petroleiros que alimentava a chibata, a opressão. Foi criado um movimento. Os Sindipetros de Campinas, Mauá, São José dos Campos, São Paulo e Sergipe-Alagoas foram sindicatos de ponta nesse processo de organização nacional. Tinha outros sindicatos que ajudavam, mas timidamente, pois eram esses os mais abertos à luta de classes. Eu fui participar como membro do Departamento Nacional dos Petroleiros da CUT.
OPOSIÇÃO PETROLEIRA DA CUT / DUQUE DE CAXIAS
Em 1986, nós criamos a Oposição Cutista dos Petroleiros de Duque de Caxias, com esse corte nacional, ou seja, era uma oposição comprometida com a luta nacional, não era uma oposição para ganhar o Sindipetro Caxias. Ganhar o Sindipetro Caxias fazia parte do contexto da luta nacional, para contribuir com a unidade dos petroleiros a nível nacional: era essa a força do nosso trabalho. Perdemos o primeiro processo eleitoral, em fevereiro de 1989. Por que perdemos? Porque se comentava que a CUT só queria saber de greve, só queria saber de dar porrada, de ocupar [a unidade de produção]. Dizia-se que a CUT era formada por vagabundos, pessoas que não trabalhavam, só queriam saber de fazer greve e tal. Mesmo assim, nós não fugimos da linha classista, mantivemos o nosso projeto de identificação com a virada da política nacional. Foi um quadro interessante: perdemos a eleição do Sindipetro Caxias e os trabalhadores ficaram num baixo astral tremendo. A militância, os mobilizadores da refinaria, votou na nossa chapa. Quem votou na outra chapa foram os trabalhadores que não faziam greve, que estavam fora do movimento de luta; foi esse pessoal que garantiu a vitória da outra chapa, uma vitória silenciosa, não foi uma vitória do grito pela emancipação da opressão. Eu continuei junto com os meus companheiros: o companheiro Maurício, hoje diretor da Petros, o companheiro Arnaldo, Mota, o Figueiró. Eram companheiros que se destacaram junto comigo, companheiros que atuaram no conjunto do nosso trabalho. Havia outros companheiros: o Leonardo de Souza Briguiet e o Agnaldo. Tiveram vários companheiros que somaram nessa luta. Eles sempre me colocavam na liderança do processo, devido à minha facilidade de diálogo com os companheiros da Reduc. Como eu era um operário da refinaria, encarava todos trabalhadores sem distinção dos níveis de profissão. Nós nos fortalecemos e, em fevereiro de 1992, ganhamos a eleição com uma margem de quase 80% dos votos. Não tinha outra chapa para disputar conosco. Ao ganhar a eleição, fomos para o congresso da categoria, em Santos, um congresso que tirou a pauta de reivindicação da categoria. Pelo histórico da nossa luta, da nossa solidariedade com os outros sindicatos, fomos indicados para participar do Comando Nacional dos Petroleiros. Foi quando surgiu, a nível nacional, a primeira organização política dos petroleiros depois da opressão, o Comando Nacional dos Petroleiros. Eu participei e, junto com os meus companheiros, coordenamos o movimento dos petroleiros a nível nacional. A pauta de reivindicação era enfrentamento, greves, organização no local de trabalho e tudo. [Mas, como eu estava dizendo, antes da vitória nas eleições], eu comecei na preparação da oposição e na organização da CIPA, dentro da refinaria. Legalmente, eu tinha uma estabilidade através da CIPA. Eu e os companheiros eleitos da CIPA começamos a desenvolver a luta de classes. Ali tinha um embate, que eram os representantes da refinaria e os representantes dos trabalhadores. Na CIPA, nós começamos a mostrar a necessidade de uma representação efetiva dos trabalhadores. Foi daí que deu essa vitória nossa de 80% na eleição, porque tinha um trabalho legalizado, dentro da refinaria, através da CIPA. Nós ganhamos a direção do sindicato e fomos pro Comando Nacional dos Petroleiros.
SINDIPETRO DUQUE DE CAXIAS
A partir da eleição no sindicato, nós começamos a desenvolver uma metodologia de que petroleiros não eram apenas os contratados pela Petrobras, petroleiros eram todos os trabalhadores que entravam do portão da refinaria pra dentro, todos eram considerados petroleiros, porque estavam imbuídos do mesmo exercício, colocavam sua mão-de-obra a serviço da Petróleo Brasileiro S/A. Não tinha porque tratar um petroleiro de crachá verde de uma forma e o outro petroleiro que não tinha crachá verde, por não ser concursado, de outra forma. Somos todos iguais aqui, dentro dessa batalha, que era o que mais valia: a exploração de petróleo. Esse foi o cenário que montamos. Era necessária essa identidade com os outros companheiros, porque fortalecia a nossa luta. O apartheid petroleiro de crachá verde e companheiro de empreiteira enfraquecia a nossa luta. Quando os companheiros da empreiteira entenderam o que pleiteávamos, mesmo que soubéssemos de todas as suas dificuldades, eles vieram somar conosco, vieram junto conosco. Começamos a desenvolver uma metodologia de união de classe, de união de categoria, buscando um acordo coletivo único para toda a categoria, apoiando os companheiros da empreiteira que eram sacaneados. Eu procurava tomar conhecimento dos contratos de trabalho que as empreiteiras faziam com a Petrobras, para verificar se realmente estava sendo executado aquilo que constava nos contratos. Muitas vezes, o processo de corrupção interna na Petrobras prejudicava, porque as empreiteiras roubavam o dinheiro que estava no contrato para pagar os trabalhadores. Eles roubavam mesmo, literalmente, grifa-se e com caixa alta, com a conivência de alguns fiscais da Petrobras. Foi aí que começou uma tensão do sindicato com a gerência da Petrobras, quando nós identificamos que alguns gerentes estavam dentro desse processo de corrupção com as empreiteiras. Desenvolvemos esse trabalho e, em 1995, tivemos outra eleição no sindicato e eu fui reeleito, com uma diferença de votos também considerável. Fui reeleito com a palavra de ordem de que era necessário ao Sindipetro ter como seus filiados os trabalhadores das empreiteiras. Passamos a ser um sindicato único dos trabalhadores da Refinaria de Duque de Caxias, que incluía os companheiros das empreiteiras e os companheiros petroleiros. Os companheiros concordaram e não teve chapa para disputar conosco. Foi um fato inédito, conseguimos uma chapa única dos petroleiros, com a participação dos companheiros das empreiteiras e dos trabalhadores da Petrobras. Ali “a porca torceu o rabo”. Alguns gerentes da Petrobras não aceitavam essa aproximação dos companheiros das empreiteiras à nossa estrutura, porque significaria dor de cabeça para eles. Mesmo assim, fomos tocando, administrando e avançamos. Fizemos todas as greves necessárias no nosso país, várias greves ocorreram durante esse período. O Sindipetro Caxias colaborou com todas as greves. Eu fiz parte do Comando Nacional dos Petroleiros, participei da fundação da Federação Única dos Petroleiros. O companheiro Maurício, então dirigente do Sindipetro Caxias, me substituiu dentro da FUP, foi coordenador durante um bom período. Eu não fui coordenador da Federação, fui membro.
DITADURA / GREVES
Antes da nossa diretoria, as greves eram pelegas. O dirigente sindical fazia toda aquela arruaça para fazer a greve, levava os trabalhadores a uma expectativa de confronto e, quando chegava 48 ou 24 horas antes da greve, ele fechava um acordo com o patrão. Ele deixava todo mundo na mão, a peãozada ficava chateada, porque queria a vitória dentro daquele confronto. Quando nós assumimos o Sindipetro Caxias, a base de Caxias começou efetivamente a participar da greve, porque quem fazia a greve eram os outros sindicatos cutistas, de São Paulo, da Bahia. Nossos companheiros faziam greves, mas Caxias não participava. Depois nós entramos. Foi devido a essa aliança nacional que Caxias começou a participar do processo de greve.
GREVE DE 1989
Eu tive uma frustração na greve de 1989. A greve era pelo turno de seis horas. Foi uma greve do turno, dos trabalhadores do turno. Éramos da oposição e nós perdemos a votação dos trabalhadores. Queríamos que a greve não fosse apenas do trabalhador de turno. Entendíamos que era um enfrentamento dos trabalhadores e, portanto, deveria contemplar os companheiros da manutenção, do laboratório, da administração, da operação, do apoio, enfim toda a refinaria deveria estar naquela greve. Embora tivesse uma proposta que era a luta pelo turno de seis horas, tinha, também, outras reivindicações que contemplavam toda a categoria: a questão de salário, de plano de cargo e uma série de coisas que se poderia fazer. Eu fiquei um pouco quebrado, porque nós não conseguíamos alavancar uma greve de fato. Foi uma greve pipoca, como se fala. Tivemos 32 companheiros demitidos nessa greve coordenada pela direção do sindicato, que ainda não era a nossa. Depois que nós assumimos, começamos a fazer várias greves de 24 horas, 48 horas, de cinco dias.
GREVE DE 1995
A greve que marcou foi a de 1995. Nós tínhamos sido reeleitos em março, quando já havia esse movimento de greve. Iniciamos a greve em abril. Foram 32 dias de greve, de pancada mesmo. Aquela foi show de bola. Uma greve em que os trabalhadores estavam determinados a um confronto nacional e político. Não era greve por salário, era uma greve por mudança da concepção da Petrobras na relação com os trabalhadores. Em Petrobras, leia-se Governo Federal. Foi um confronto com o Governo Federal, para que ele obedecesse aos acordos coletivos já efetuados. Dentro desse bojo, estava a concepção da política de Estado. Nós entendíamos que o Estado Brasileiro tinha que tomar conta da Petrobras, nós não permitíamos o capital privado dentro da Petrobras. A nossa concepção era de que o Estado Brasileiro tinha que ser Petrobras e a Petrobras tinha que ser Estado. A greve de maio de 1995 foi uma greve de concepção política da Petrobras, não foi uma greve marcada pelo salário, o salário foi um aperitivo, um torresmo, um pescoço de galinha, um tira-gosto dentro do processo. Foi uma greve política. Um enfrentamento bonito e sem precedentes, porque nós conseguimos trazer para a greve, não apenas os companheiros mais consequentes na luta de classes, como também aqueles setores da Petrobras tachados como atrasados. Conseguimos o apoio destes e a greve foi um consenso. Havia concentração direto na porta da refinaria. Houve a ameaça de invasão da Reduc pelo Exército, como teve em Campinas. Assim como teve a ameaça em Cubatão, teve também em Caxias, mas os caras não invadiram Caxias. Eu estava preparado, já tinha montado um grupo para dirigir o sindicato, caso houvesse alguma baixa nossa ou se eu fosse assassinado ou se fosse preso, alguma coisa nesse sentido. Já tinha o nosso grupo preparado para segurar o sindicato, para não deixar a greve acabar. Eu não sei o que rolou na cabeça deles, porque não invadiram Caxias, invadiram outros lugares, mas não Caxias. Depois, eu fui saber que se comentava entre os militares e a direção da época que eu queria me transformar em um mártir, queria ser fuzilado para ficar na história que Cesário morreu na greve. Eu queria é que eles continuassem pensando que a greve iria durar mais um pouco. Nós conseguimos levar com sobriedade o nosso trabalho e a nossa vitória foi que, nessa greve de maio de 1995, não tivemos nenhum demitido na Reduc. Por que não teve demissão? Porque foi uma greve de consenso e houve todo um trabalho de entendimento da categoria. Se tivesse qualquer demissão, manteríamos a greve até o retorno dos nossos companheiros. A gerência não quis apostar nesse viés de demissão. Antes de terminar a greve, eu chamei o superintendente da época, o Brandão, e falei com ele: “Temos a orientação nacional de conclusão da greve, mas eu queria só uma posição sua, enquanto superintendente da Reduc, de que não vai ter demissão aqui.” Ele me deu a palavra que não teria demissão na Reduc. Então, no dia seguinte, terminamos a greve, cantamos o Hino Nacional, tudo direitinho, e o pessoal foi almoçar tranquilo.
POLÍTICA PARTIDÁRIA
Eu continuei trabalhando o processo das empreiteiras. Em 1998, fui reeleito, pela terceira vez consecutiva, presidente do Sindipetro Caxias. Fui eleito em 1992, 1995 e 1998. Em 2001, eu não queria mais continuar à frente do Sindipetro, porque eu tinha o compromisso de organizar o programa de governo do Presidente Lula. Queria entrar numa disputa que não era mais uma disputa de categorias e, sim, uma disputa de classe social, de um governo dos trabalhadores no Brasil. Fui convidado a participar da preparação do programa de governo. A parte que me coube foi organizar, junto aos companheiros, um processo de combate à discriminação e à desigualdade social no país. Foi quando se deu a origem da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial, da qual a companheira Matilde Ribeiro foi titular até pouco tempo. Eu indiquei o companheiro Fonseca, hoje gerente em Cubatão, para me substituir como presidente do Sindipetro Caxias. Ganhamos as eleições com uma margem folgada, porque era um trabalho consequente. Não tinha como contrapor o nosso trabalho a outro: é tipo preto e branco, uma coisa bem diferente. Qualquer proposta que se aproximasse, a nossa era sempre a melhor, porque o pessoal já conhecia, sabia como o sindicato trabalhava. Desenvolvemos uma aliança importante com todos os setores políticos.
GREVES
Dentro do movimento, tivemos alguns atritos, evidentemente, com alguns setores do movimento sindical mais radicalizados, porque tinha uma diferença entre se travar o embate da greve, com negociação e avanço na consolidação daquela vitória, e entrar numa greve pelo enfrentamento político da greve, sem nenhuma meta de conquista para os trabalhadores. Geralmente, nós divergíamos sobre qual seria o momento da greve começar e qual seria o momento dela terminar. A gente avaliava que tinha que começar na hora que a refinaria estava com o estoque de combustível baixo. Esta era a hora certa de ir pro confronto, não adiantava ir quando a refinaria estava com tudo estocado. Mas eles diziam: “Pode entrar em greve aí, fica 50 dias em greve que não tem problema nenhum.” O efeito da greve estava justamente na baixa produção. Esse outro setor no movimento sindical, mais radical, são companheiros excelentes, contribuíram muito com o nosso trabalho. Eu acredito que, se não tivesse esses companheiros, não tinha um contraponto na política do movimento sindical para o enfrentamento. Eram justamente esses companheiros que davam a nós a condição de assimilar a importância da luta e a importância da negociação.
GOVERNO LULA
Na porta da Refinaria de Caxias, em todas as assembléias, em todas as greves, eu fazia uma avaliação de conjuntura: “Companheiros, vamos nos preparar para governar o nosso país, vamos nos preparar para governar o Brasil, vamos nos preparar para trazer outros trabalhadores, para ter o mesmo acordo coletivo que nós temos, nós temos um acordo coletivo de 130 cláusulas, qual é a categoria que tem um acordo coletivo desses? Então, nós temos que lutar para esses outros trabalhadores terem o mesmo direito que nós temos.” Alguns companheiros me achavam chato: “Pô, o Cesário enche a paciência com esse negócio de apoiar outros trabalhadores, vamos cuidar da gente aqui.” Eu fui impotente com relação a esse ponto de elevar a consciência dos petroleiros, de mudar a mentalidade de maneira que a luta pelo país fosse importante. Hoje, estou convencido de que eu estava certo, porque a maioria dos petroleiros assumiu gerências da Petrobras e é impotente em se colocar enquanto ex-dirigente sindical, de maneira a avançar na sociedade. Eles se encolheram, foram pra dentro da Petrobras e falaram assim: “Pô, eu vou conservar o que está aqui, porque se tentar dar qualquer passo, eu serei pessoa não grata aqui, vou perder o meu cargo.” Quando o Lula foi eleito, eu comecei na assessoria dos projetos sociais da Petrobras, do Programa Fome Zero e, depois, fui tachado como pessoa não grata e me mandaram embora. Eu mantive o entendimento do que é a luta de classes e não morri por isso. Estou aqui, hoje, conversando com vocês. E os nossos ex-companheiros do movimento sindical se escondem dentro da Petrobras. Na nossa concepção, não é empresa de Governo, é empresa da sociedade, do povo brasileiro. Quando o sindicato ocupa espaço dentro dessa empresa do Governo, ele tem que colocar essa empresa para o povo brasileiro e não colocar essa empresa como um grupo seleto que perpetua dentro da Petrobras. Tem que pagar bem os companheiros, com salários compatíveis, evidentemente. Mas eles se apegam a questões de conforto pessoal e não à luta mais abrangente. Eu avalio que se nós tivéssemos trabalhado a luta de classes, tivéssemos trabalhado a solidariedade a outras categorias, tivéssemos trabalhado como vão ser os petroleiros no Governo, a história seria outra. Fomos forjados para a porrada, para o confronto, para derrubar o regime e implantar o dos trabalhadores. Mas como governar para os trabalhadores? Não houve essa [discussão]. Não me eximo dessa questão, assumo minha responsabilidade; fomos impotentes com relação a esse enfrentamento social.
CONTRATADOS
Eu falo para os companheiros que, assim como o Getúlio Vargas deixou as leis trabalhistas, o Presidente Lula poderia deixar para o povo brasileiro o fim desse apartheid que tem dentro da Petrobras e transformá-la num exemplo de empresa nacional, na sua condição de relações trabalhistas. Na Petrobras, hoje, tem um companheiro que ganha dez salários-mínimos e tem outra pessoa, que faz a mesma coisa, e ganha dois salários-mínimos. Isso me emociona. Eu vejo e perco até o sentido da minha vida em saber que eu participei de um grupo desses. Como se pode concordar com três trabalhando e o patrão entra e fala: “Amanhã tem carro pra pegar você em casa, enquanto você pega um trem em Belford Roxo e você pega um trem em Campo Grande, mas todos vêm trabalhar aqui.”? E se deseja que os três cheguem à mesma hora, com o mesmo sorriso, com a mesma barriga cheia e a família dizendo: “Beleza, ótimo, excelente”. Mas isso não vai acontecer, porque o outro vai dizer: ”O trem atrasou”, “Embolou o meio de campo em Campo Grande”. Dentro da Petrobras existe esse processo. Os nossos companheiros sindicalistas da Petrobras não conseguiram passar para o Presidente Lula a importância de se equacionar esse problema. Toda vez que eu faço esse debate, a visão atrasada do movimento sindical dos petroleiros diz que não pode acabar com as empreiteiras. Eu vou relaxar nesse ponto. Eu reivindico um acordo coletivo único dos trabalhadores. Pode deixar 50 empreiteiras ou mil, se forem necessárias, não tem problema, pode deixar quantas quiser, mas eu quero um acordo coletivo único, um contrato de trabalho que pegue toda a força de trabalho da Petrobras. Para mim, isto está de bom tamanho. Agora, não dá para ter essa relação diferenciada, dentro da Petrobras.
IMAGEM DA PETROBRAS
Há certa apatia da categoria com alguns dirigentes sindicais que eram combativos, aguerridos, faziam discursos eloqüentes, deixavam todos emocionados com a greve, faziam o peão chorar, iam pra porrada, aquelas coisas todas e, quando se tornaram gerentes, colocaram aquela bravura, aquela emoção, aquele sentimento de classe em segundo plano. Essa discussão era necessária, deveríamos ter preparado os petroleiros para esse momento. Hoje, a relação da Petrobras com a sociedade seria outra. O Presidente Lula e a companheira Dilma estão propondo uma nova empresa para o Pré-Sal. Qual é a razão de uma nova empresa para o Pré-Sal? Por que não a própria Petrobras? Porque a Petrobras está cheia de equívocos administrativos. A governança da Petrobras não consegue transmitir para a sociedade a mesma paixão que a sociedade tem pela Petrobras. Quando se chega a uma comunidade, num município, seja em qualquer lugar, a bandeira da Petrobras é hasteada. A sociedade é quem conta a história da Petrobras. Ela é apaixonada pela Petrobras, não quer saber de coisa alguma, ela a ama. Mas a gerência da Petrobras não corresponde a essa paixão da sociedade. A relação da Petrobras com a sociedade é como a do descobrimento do Brasil, é a relação de dar espelhinho para os índios em troca de pau-brasil. Com a riqueza que a Petrobras tem, ela teria condições de investir, de ser uma empresa do governo protagonista na estruturação dos municípios, na estruturação do Estado, da educação, da saúde e não o que vemos hoje. A Petrobras contribui com projetos insignificantes que confundem uma relação de responsabilidade social com uma relação de patrocínio comercial. A Petrobras lida com a comunidade como lida com o patrocínio do Flamengo, como lida com a Fórmula 1. Estamos com dirigentes sindicais lá dentro, são meus companheiros, fizeram greve comigo, saíram na porrada e estão lá dentro. É inadmissível que isso aconteça. Não sou contra o patrocínio comercial, ela precisa mostrar a qualidade do seu produto; eu quero que a Petrobras se dê bem cada vez mais. Porém, a relação com a sociedade deve ser diferente, trata-se de políticas públicas dentro da transversalidade que poderiam contribuir muito com a sociedade. Vai à favela e pega uma família, um grupo desdentado, com pé no chão, sem esmalte na unha, todo quebrado, todo arrebentado, uma família desprovida dos direitos sociais. A Petrobras vai lá e patrocina, bota aquela faixa “Patrocínio Petrobras” e chama toda a família descabelada, arrebentada, e tira uma foto que entra nos relatórios que vai para o Sistema Financeiro Internacional, para financiar as questões da Petrobras. Mas, na prática, a Petrobras não executa uma política de respeito à comunidade, como deveria. Mas o que eu estou falando não é do ponto de vista pejorativo, do ponto de vista negativo do processo. Falo de um processo da sociedade tomar posse daquilo que é dela: a Petrobras. Hoje, tem um grupo interno que a coordena como se fosse uma empresa privada. Eu quero ressaltar alguns pontos. O primeiro é que eu participei de um movimento sindical que tinha como luta que todos os trabalhadores da Petrobras tivessem o mesmo objetivo, a mesma finalidade, pois são companheiros que colocam a sua mão-de-obra à disposição da Petrobras e devem ser tratados da mesma forma como os outros companheiros, não pode ter discriminação. O segundo ponto é o conceito Petrobras, empresa do povo brasileiro. A Petrobras precisa ter respeito pelo povo brasileiro, sua governança precisa conduzir a Petrobras para os braços do povo, retribuindo a paixão que o povo tem por ela, com o mesmo respeito. A relação de responsabilidade social da Petrobras é o mesmo de uma relação comercial. A outra questão, no movimento sindical, é a presença do Estado na sociedade. Quando a Petrobras é levada para a sociedade, se está dizendo que o Estado está dentro da sociedade. Quando a Petrobras é tirada da sociedade e se dá só um espelhinho para ela e nada mais, isso significa a ausência do Estado na sociedade. Essa é uma luta nossa. Tem um grupo que não quer a Petrobras nos braços da sociedade e um outro grupo que deseja isso. Evidentemente, o grupo que quer a Petrobras nos braços da sociedade a defende como [propriedade] do povo brasileiro. O grupo que não a quer nos braços da sociedade alimenta uma expectativa de sua privatização.
MOVIMENTOS SOCIAIS
O Sindipetro Duque de Caxias sempre foi solidário a todo movimento organizado, suas portas sempre estiveram abertas a todos os movimentos organizados: movimento sindical, associações de moradores, movimento negro, das prostitutas, movimento gay, dos índios, de catadores de materiais recicláveis, dos aidéticos, dos deficientes físicos, movimento jovem, da igreja, de centro espírita. Enfim, todos os setores da sociedade estavam presentes no Sindipetro, durante a minha gestão. Trabalhamos com esses grupos, todos, todos Desculpe a minha emoção. É importante falar isso. Não existe união, nem existe solidariedade de classe, no momento em que alguém é discriminado por participar de outro movimento. Estamos todos no mesmo contexto social, por que alguém vai me discriminar? O Sindipetro sempre trabalhou nessa linha, mas essa linha política foi derrotada ao longo desse último período. Por isso, a presença de sindicalistas dentro de uma empresa do governo não faz a diferença que poderia fazer na sociedade..
MEMÓRIA PETROBRAS
Essa é a minha contribuição. Tem outras questões do envolvimento do Sindipetro na política ambiental, o meu envolvimento no vazamento da Baía de Guanabara, em 2000, a denúncia que eu fiz no Ministério Público, tem uma série de coisas que podemos aprofundar em outra ocasião. Eu sonho com o movimento sindical acompanhando as ideias do Presidente Lula. Teremos, no futuro, uma sociedade potencializada, com poder. Hoje, estamos ainda meio capengas. Eu quero parabenizar a todos os companheiros que estão trabalhando aqui, nesse projeto. Que Jesus Cristo, Buda, Oxalá, Xangô, Deus, o Poder Superior, as águas, as matas, o mar, não sei mais o quê, a pedra, uma pedreira, em quem vocês acreditem que possa dar força a todos nós para continuarmos caminhando. O mais importante é isso, dar a mão ao fraco. Se você respira, tenta levantar aquele que não está respirando; se você é forte, dê a mão ao fraco. Quando se faz aliança com quem é forte, não se está fazendo diferença nenhuma. O forte tem que fazer aliança para ajudar aos fracos e não fazer aliança com o forte para pisar ainda mais nos fracos. Deus comigo e com vocês também. Que Oxalá nos abençoe
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