Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Raimundo Nonato Ferreira Cavalcante
Entrevistado por Tiana da Silva e Alane Vieira de Souza
Serra Pelada, 01 de setembro de 2024
Código da entrevista: MSP_HV005
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Primeira pergunta é, qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Bom, eu me chamo Raimundo Nonato Ferreira Cavalcante, nasci em São Luís, no Maranhão, dia 27 de dezembro de 1967.
P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Bom, parcialmente a minha mãe contou uma vez que eu nasci em um período de chuva, com muito trovão. Acho que por isso eu tinha muito medo de trovão. Hoje não, relâmpago também e tudo. Mas foi só isso. Ela teve… como ela falou, eu nasci normal mesmo, entendeu? Se eu fiquei anormal, aí foi depois de grande (risos).
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Sim, porque eu deduzi e tirei a dúvida com o meu pai, que é sobre a questão, o porquê, eu sou o primogênito dos homens, entendeu? Não sou o primeiro da família, mas dos homens, o primogênito.
P/1 - Me fala o nome da sua mãe e como você a descreve?
R - Bom, o nome da minha mãe… a minha mãe se chamava Joana Ferreira Cavalcante. Era uma pessoa que pra mim, até hoje, me traz boas recordações. Foi uma excelente mãe, uma excelente educadora, professora, diretora, entendeu? E eu me orgulho muito dela!
P/1 - Qual o nome do seu pai e como você o descreve?
R - Meu pai se chama Raimundo Nonato Cavalcante. E ele é um paizão. Quando a nossa mãe se foi, ele abraçou todo mundo, abraçou os filhos, não deixou de maneira nenhuma desamparados, por isso eu honro ele.
P/1 - Fala um pouco da sua família? O senhor tem irmãos?
R - Sim, a minha família é incrível! Nós éramos seis e faleceram dois já, não por sequência, mas por tempo. Mas hoje, da mesma forma como antes, a nossa família, nós irmãos, sempre fomos unidos. E o que me vem sobre essa...
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Entrevista de Raimundo Nonato Ferreira Cavalcante
Entrevistado por Tiana da Silva e Alane Vieira de Souza
Serra Pelada, 01 de setembro de 2024
Código da entrevista: MSP_HV005
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Primeira pergunta é, qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Bom, eu me chamo Raimundo Nonato Ferreira Cavalcante, nasci em São Luís, no Maranhão, dia 27 de dezembro de 1967.
P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Bom, parcialmente a minha mãe contou uma vez que eu nasci em um período de chuva, com muito trovão. Acho que por isso eu tinha muito medo de trovão. Hoje não, relâmpago também e tudo. Mas foi só isso. Ela teve… como ela falou, eu nasci normal mesmo, entendeu? Se eu fiquei anormal, aí foi depois de grande (risos).
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Sim, porque eu deduzi e tirei a dúvida com o meu pai, que é sobre a questão, o porquê, eu sou o primogênito dos homens, entendeu? Não sou o primeiro da família, mas dos homens, o primogênito.
P/1 - Me fala o nome da sua mãe e como você a descreve?
R - Bom, o nome da minha mãe… a minha mãe se chamava Joana Ferreira Cavalcante. Era uma pessoa que pra mim, até hoje, me traz boas recordações. Foi uma excelente mãe, uma excelente educadora, professora, diretora, entendeu? E eu me orgulho muito dela!
P/1 - Qual o nome do seu pai e como você o descreve?
R - Meu pai se chama Raimundo Nonato Cavalcante. E ele é um paizão. Quando a nossa mãe se foi, ele abraçou todo mundo, abraçou os filhos, não deixou de maneira nenhuma desamparados, por isso eu honro ele.
P/1 - Fala um pouco da sua família? O senhor tem irmãos?
R - Sim, a minha família é incrível! Nós éramos seis e faleceram dois já, não por sequência, mas por tempo. Mas hoje, da mesma forma como antes, a nossa família, nós irmãos, sempre fomos unidos. E o que me vem sobre essa questão na cabeça, é que, é engraçado, que eu nem tinha me tocado nisso, mas o pessoal às vezes, os vizinhos nossos aqui, eles perguntam pra gente às vezes: “Vocês não brigam em casa e tal?”. Falam aquelas coisas. Mas a gente briga sim, coisa de irmão, né? Tem isso. Mas sempre a gente fala baixinho, quando está errado, isso, aquilo, outro. Eu acho que não precisa a população saber de tudo. Mas depois, assim, todo mundo fica de bem, depois começam a rir um da cara do outro.
P/1 - Vocês são quantos irmãos?
R - Atualmente nós somos só quatro irmãos, eu a Lúcia, a Ilíria e a Iolinda, cinco no caso.
P/1 - Seus pais passaram quanto tempo casados? E assim, eles falaram pra vocês como foi que eles se conheceram?
R - Olha, a história do meu pai é meio, meio assim, como é que se diz? Ele foi meio maluquinho, eu acho que eu puxei mais para a minha mãe. Porque ele namorou com a minha mãe, se apaixonou por ela, mas ela era daquela forma tímida. [intervenção] A minha mãe mesmo, ela nunca falou pra gente, mas de uns tempos para cá, o meu pai contou pra gente, de vez em quando ele começa a contar um pouquinho. Então ele disse que quando ele veio para cá, para São Luís, ele viu a minha mãe e achou ela muito bonita, e ela era mesmo, eu vi as fotos lá. Mas ela era daquele tipo que não dava importância para ele, a difícil, a difícil. Mas é como ele diz, assim: “A coisa mais difícil, é a melhor coisa. Tudo que é bom é difícil de se conseguir”. Realmente, ele conseguiu e acabou namorando, mesmo contra a vontade da minha avó, assim eles contavam. Mas o meu avô, que era português, aceitava. Eu tenho pouca lembrança dele, logo a gente criança, só tenho lembrança daquela questão de ter aquele homem alto, grandão, parecendo um gigante e me carregando, isso eu tenho na lembrança, um homem de olhos azuis. Então, mas o meu avô, o meu pai confirmou tudo isso, que ele gostava de carregar a gente mesmo, os netos. E o meu pai confirmou, realmente, que a minha mãe era realmente também, difícil dele conseguir conquistar ela, mas teve o apoio do meu avô, da minha avó não.
P/1 - Onde os seus avós moravam?
R - São Luís. O meu avô, pelo que eu sei, ele era de Portugal. Então ele veio e resolveu se alistar, veio para o Brasil e resolveu se alistar aqui no Brasil. E ele se alistou no Brasil, na Marinha, ele era marinheiro.
R - E a sua avó?
R - Não, a minha avó era uma cearense arretada, arretada. Eu falo assim da questão de conhecer mais a minha avó, porque a gente, na época de infância, também moramos com ela. [intervenção] E ela era, a minha avó, ela era cearense, agora imagina a questão de um português com uma cearense, parece livro de José de Alencar, história de José de Alencar. Mas ela sempre foi uma vozona mesmo, entendeu? Sempre com os pés no chão e também meio desconfiada de alguma coisa, mas ela era muito, muito vó mesmo!
P/1 - Seus avós, esses que o senhor está falando, são maternos ou paternos?
R - Maternos. Não cheguei a conhecer os meus avós paternos, porque quando o meu pai foi embora para São Luís, saiu… [intervenção]. Sim, aí o meu pai, o meu avô paterno, não chegamos a conhecer, porque o meu pai perdeu os pais, a mãe e o pai muito cedo. Pelo que ele nos falou, contava, que ele foi um dos filhos mais velho e quando a minha avó, mãe dele, minha avó paterna, faleceu, ele que teve que cuidar dos outros três irmãos, todos pequenos, entendeu? E o meu avô só vivia doente também e acabou falecendo.
P/1 - Você lembra do que os seus pais trabalhavam?
R - Bom, desde criança, quando eu me entendi, o meu pai tinha um comércio, um depósito, um varejão de vender cebola, essas coisas, batata, em São Luís, tinha um depósito, e ele foi sustentando esse depósito até na minha idade de oito, nove anos. Ele então já me ensinava um pouco para trabalhar com ele, porque ele sempre dizia que aquilo não era dele, mas era dos filhos, e ele sempre fez isso com a gente, entendeu?
P/1 - Vocês têm algum parente próximo que você continua tendo contato? E aquele parente que vocês mais gostam?
R - Olha, assim, parente de contato, assim, eu tenho o meu tio e os meus primos que moram em Belém. A gente tem um grupo, hoje pela questão da internet, nós temos um grupo de whatsapp e a gente tem contato dessa forma.
P/2 - Nonato, falando ainda assim, do pai, da mãe, como foi a relação deles durante a vida de casal? Conta pra gente.
R - Vai me fazer chorar, não é possível. Não, assim, o meu pai, ele sempre foi batalhador, sempre… [intervenção]. Pode repetir a pergunta de novo?
P/1 - Professor Nonato, em relação aos seus pais, como foi a relação deles dois, o casamento, a criação dos filhos?
R - Com relação ao casamento deles, a gente nasceu, eles já eram casados, mas assim, sempre foi legal, claro que tinha, devido a dificuldade também para quem mora nas grandes metrópoles, cidades, não é tão fácil assim como pensam. Mas sempre o meu pai respeitou a minha mãe, nunca na vida vimos ele sequer levantar a mão pra ela, mas ele tinha uns amigos, que às vezes, ele bebia umas e quando chegava em casa, eu achava bonito, ele chegava tarde da noite, bêbado e a minha mãe botava a gente pra deitar, mas a gente não dormia, porque a gente já tinha o costume de todo mundo pular em cima dele na cama. E quando ele chegava morto de bêbado, o modo de dizer, e ela com toda aquela calma, ela chegava, pegava ele, levava para o banheiro, dava banho nele, entendeu? E depois eu só ouvia ela dizer: “Tu tá dando um bom exemplo para os teus filhos!”. Eu me lembro muito bem que ela falava isso: “Tu tá dando um bom exemplo para os teus filhos!”. Aí ele só dizia assim: “Eu vou deixar de beber”. Mas depois, quando ele deitava na cama, aí não tinha jeito, a gente corria pra cama e pulava em cima dele, porque ele tinha um buchãozinho grandão, o bucho. E era legal demais! Então assim, a convivência deles nunca foi daquela questão, mesmo com dificuldades, de dizer que brigavam, um desrespeitar o outro e ela ir embora pra casa da minha avó ou ele abandonar ela, trair ela com outra mulher, não, não tinha isso, entendeu? Não é que a família fosse perfeita, não, já dava pra perceber que na verdade tinha dificuldades ali. O meu pai, eu não entendia porque ele bebia tanto daquela forma. Mas depois eu entendi, foi a questão do serviço dele, porque ele tinha o depósito e depois, na época, o governo confiscou, tomou muitos depósitos lá em São Luís, e o meu pai perdeu tudo, entendeu? Então assim, ele era um pai que ia para o serviço, a minha mãe ficava aqui, ajeitava a gente, levava para escola e quando ele voltava do serviço, ele passava pela escola e pegava a gente pra levar pra casa, porque era distante do bairro, ia para o centro a escola. Então eles sempre foram assim, entendeu?
P/2 - Como ele teve força pra recomeçar depois de perder tudo?
R - Olha, foi assim, eu conto, na verdade isso não é pela questão de querer se aparecer, de maneira nenhuma, é a questão de ver a questão da força, entendeu? Porque a gente, mesmo crianças, o meu pai nunca deixou de deixar a gente sonhar como criança, que Papai Noel, aquela coisa. Ele comprava os brinquedos, ele botava debaixo da cama ou da rede, quem dormia em rede, e a gente levantava no dia de Natal, todo mundo alegre. Só que eu percebia, eu passei a perceber a questão dos brinquedos, que não eram aqueles brinquedos tão sofisticados da época, já eram alguns brinquedos mais… Então a gente entendia, eu e os meus irmãos, né, entendíamos que era dificultoso. E a minha mãe sempre falava assim: “Olha, a coisa está difícil, mas logo, logo vai melhorar”. Ela sempre falava isso. Mas chegou o momento que não foi isso, não aconteceu isso.
P/1 - Como o seu pai era português e a sua mãe era cearense, vocês tinham assim, uma comida…
R - Deixa só eu tirar uma dúvida, o meu avô que era português, o meu avô, pai da minha mãe.
P/1 - Quais eram os principais costumes que a sua família tinha?
R - Costume, assim, tu fala de comer?
P/1 - Comida, cheiro, alguma crença…
R - Nós éramos católicos, muito católicos. A família foi católica mesmo, entendeu? Todo sábado o meu pai dava uma folga do serviço dele e a gente ia para a praia, todo sábado, já era sagrado ali, mas no domingo a gente tinha que ir para a missa. Quando ele trabalhava, quando não conseguia, como é que se diz? Arrecadar um pouco mais de dinheiro no comércio, na outra venda que ele tinha, no domingo a gente ia à praia, mas quando, aliás, íamos para a igreja, para a missa, e quando voltávamos da missa, a gente ia tudo pra praia. Ele sempre levava a gente para a praia.
P/1 - E quais as histórias que vocês gostavam de ouvir?
R - Ah, quando o meu pai, quando ele contava pra gente de assombração. É porque eu lembro que a gente sentava, os filhos, todos ao redor dele e ele contava aquela história. E quando chegava bem no fim, ele dava um susto na gente, e todo mundo se assustava e a gente gostava. Aí pronto, a minha mãe só dizia: “Se eles derem trabalho para dormir, tu é que vai botar eles pra dormir!”.
P/1 - Tem alguma história que marcou, que foi inesquecível?
R - Ah, teve tantas, olha, teve tantas! Teve uma história assim, quando criança, você pergunta?
P/1 - Sim.
R - A que muito me marcou foi quando ele falou do homem do saco preto, sabe? Aí a gente ficava meio… E quando ele ia contar, sempre a gente pedia: “E o homem do saco preto”, aí ele: “Tá vindo aí, espera aí”. Aí ele contava primeiro as outras histórias, para depois repetir a do homem do saco preto.
P/2 - E dentro da sua história familiar, um fato assim, no seu convívio com a sua família, você criança, que aconteceu e você guarda?
R - Ah, gente. Vocês vão me fazer chorar! Porque, assim, foi quando o meu pai, ele perdeu o depósito e perdeu tudo, e a gente ficou mesmo sem condições financeiras, morando em cidade grande, pra pagar luz, no caso, energia, água, e a gente era acostumado sempre na televisão, aquela coisa e tudo e comer à vontade, fartura, e foi regrando. E quando não teve jeito, ele teve que montar um moinho dentro de casa mesmo para fazer corante, lá se chama colorau, e pegava o urucum, comprava, pegava com outras pessoas e fazia ali. Para nós era brincadeira, a gente ia pra lá e se sujava, mesmo a gente atrapalhando lá, os filhos, naquela brincadeira toda, ele brincava, acabava brincando, sujando a gente de urucum. E a gente ainda não tinha uma noção de que aquilo era, na verdade, pra gente era brincadeira, alegria. Mas a gente percebia, eu particularmente percebia, o semblante dele que mudava, não era mais aquele paizão, não que maltratasse, mas que nadava mais preocupado. E isso o perturbou mais, porque, por causa disso, ele passou a beber mais, entendeu? E minha mãe era quem era o suporte. Então isso me marcou muito! Em ver ele hoje dessa forma, um homem que, honestamente, o meu pai é o melhor pai do mundo!
P/2 - E a sua mãe, como ela lidou com esse momento tão difícil da vida de vocês, da parte financeira que praticamente sustentava a família? Como a sua mãe lidou com esse momento?
R - A minha mãe, ela era um tipo de pessoa que via mais o real, o meu pai, ainda a gente via que ele brincava, sonhava e fazia a gente sonhar. A partir do momento que eles começaram a perder as finanças e tudo, aquela questão, a família, nós como filhos, ainda não tínhamos, assim, sabíamos, mas não tínhamos uma noção do que era. A minha mãe começava já a regrar as coisas, comida também, e tudo. Mas de qualquer forma, ela de maneira nenhuma, era daquela mãe que ficava zangada, brigando, espancando, querendo descontar alguma coisa em filho, não. Ela foi uma mulher, assim, guerreira, entendeu? Admiro muito ela, falo que, pra mim, também, foi a melhor mãe do mundo! Tanto é que quando o meu pai veio para Serra Pelada, a gente não tinha nem noção, ele viu na televisão, os amigos convidaram, e a minha mãe chorou muito, porque ficou com receio dele vir e não voltar mais, porque via na Serra Pelada tanta morte pela televisão. Mas nós, eu pelo menos, os meus outros irmãos mais novos, não tínhamos uma percepção disso, as minhas irmãs mais velhas já tinham. Eu passei a ter depois, quando eu via a situação em casa mesmo. Tem uma coisa da minha mãe que eu nunca esqueci e quando eu falo isso dela, eu a admiro mais. Eu me lembro que não tínhamos gás, tinha acabado o gás, não tinha dinheiro para comprar nada, e o meu pai já tinha vindo para Serra Pelada e o meu irmão, Sérgio, que era o caçula, ele era daquele jeito que só vivia brigando na escola e sempre voltava com o uniforme sujo, às vezes o uniforme rasgado, o bolso, e a minha mãe sempre reclamava pra ele, sempre reclamava e dizia: “Meu filho, porque você fica brigando? Não pode brigar!”. Então o meu pai quando veio pra cá, nós estávamos em uma casa lá, de favor, porque não tinha nem como alugar, porque a gente estava sem dinheiro mesmo. E eu tenho uma lembrança dela que, acabou o gás e eu estava deitado em um colchão, ela pegou o colchão, os dois colchões e juntou os colchões para todos os filhos deitarem, e ela deitava. Mas de manhã cedo, ela tinha que levantar pra poder fazer o café, aquele café magro, como chamam, com biscoito e café puro. E eu me lembro que estava um tempo chuvoso e na casa onde nós morávamos não tinha energia, tinham cortado a energia, porque o pessoal cedeu pra gente morar lá, mas não tínhamos dinheiro para mandar ligar, porque era uma casa, que na verdade, era do Banco do Brasil e estava sendo abandonada, mas deram a oportunidade pra gente morar, tinha piscina, tinha tudo, mas não tinha energia. E eu me lembro que uma manhã cedo, antes de ir para a escola, acho que na base de umas 04h, 05 horas da manhã, eu olhei ela ascendendo com toda calma um fogareiro e fazendo um pouco de café que tinha. E eu olhava pra ela, mas eu já olhava pra ela, pensando que ela estava sofrendo, ela estava sentindo falta da minha mãe. Só que ela pegou… a meia do Sérgio, o meu irmão, estava molhada e ela botou no fogareiro, pra tentar secar, porque, não sei agora, mas na cidade, na capital, em São Luís, a gente só podia entrar fardado, com meias, eles levantavam a nossa calça e tudo, entendeu? Tinha que… não podia, senão, não entrava. E eu me lembro dela secando a meia dele no fogo, aí eu olhando aquilo, e de repente ela se descuidou e a meia pegou fogo, e aquela meia é sintética, meio sintético aquilo, e pegou fogo, o fogo subiu rápido e pegou na mão dela assim, bem em cima, e ela só botou a mão na boca. E eu ligeiro só abaixei a cabeça, porque eu sabia que ela ia me olhar e eu não queria que ela me visse. Ela botou a mão na boca assim, abaixou e olhou pra gente, aí eu rapidinho fui me cobrir. Aí eu olhei ela lá, tirou calmamente aquela meia quente do couro, saindo com o couro, naquele momento eu descobri que eu tinha a melhor mãe do mundo, uma mãe que nunca descontava na gente o que ela estava passando, as dores. Pelo contrário, quando o meu pai veio pra Serra, ela foi a mãe e pai, ao mesmo tempo, entendeu? Passou basicamente um ano, um ano e meio sem dar notícias. E os meus tios, diziam, até mesmo a minha avó, diziam que ele já estava morto, que ele já estava aqui, que ela tinha que casar com outro e tudo. Mas ela era perseverante, não dava atenção. E o meu pai aqui, na verdade, ele estava doente, malária e tudo. E a gente não sabia, não tinha nem como saber. Então a gente passou, basicamente, quase um ano e meio sem ter notícia dele e ela ali. Minha mãe era professora, mas em cidades grandes, como vocês percebem, é difícil encontrar emprego. E o emprego que ela encontrou foi na escola, mas como faxineira, ela limpava os banheiros da escola e tudo e era assim. E eu sempre dizia comigo mesmo: “Eu vou crescer, eu vou trabalhar e vou ficar bem rico para tirar tudo isso, o desconto, para dar a melhor coisa para a minha mãe”. Eu sempre tinha isso na minha cabeça. As minhas irmãs sempre foram assim também, irmãs assim, fortes, que também ajudavam a minha mãe, eram três meninas e dois meninos, com mais um que ela criou, três meninos. Então assim, o que eu valorizo da minha mãe, é que ela foi uma mãe mesmo. Sofreu, sentiu dores de parto, ainda sentiu dores da vida, mas foi guerreira, não se deixou vencer.
P/1 - Qual a idade que você tinha na época dessa dificuldade toda?
R - Eu tinha os meus sete a oito anos, oito anos, entendeu? A gente já começava a partir dos oito anos, a gente já estava se desligando desse luxo que a gente tinha. E o meu pai, ele sempre lutava, lutava para não deixar faltar nada em casa, entendeu? Mas acho que eu hoje agradeço a Deus por ter passado tudo isso com a minha família, porque a minha família é uma família unida, onde todo mundo mesmo distante, mas a gente se conecta todo mundo bem. O meu pai, eu amo o meu pai demais. Muito, muito! A gente não entendia quando ele foi para Serra Pelada, a gente achava que ele estava abandonando a nossa mãe. Mas depois, a gente crescendo, a gente entendeu, começou a entender. Tanto é que a minha mãe sempre foi daquelas de levar a gente pra igreja, né, e a gente desde criança ia em peça de Natal na igreja. E o meu pai, a primeira vez que ele apareceu, nós estávamos na igreja e eu não sabia, ninguém, nem a minha mãe sabia que ele ia pra lá. E eu me lembro que eu estava na praça em frente da igreja, e eu estava com uma das minhas irmãs e eu disse pra ela assim: “Mais um Natal que o nosso pai…” Eu falei… Corta essa parte, tá? Aí eu falei: “Mais um Natal sem o pai aqui com a gente”. Só que eu não sabia que o meu pai tinha contraído a malária e adoeceu, quase morre. E também não sabia que naquele dia ele estava lá na praça sentado num banco, porque não teve como ele mandar uma carta pra minha mãe e ele resolveu ir lá pra casa em São Luís. Mas aí ele disse assim, depois ele nos falou que ele primeiro, como não tinha mais notícias nossas, porque aqui também a dificuldade de cartas era difícil, era grande a dificuldade. Então ele pensou: “Eu vou para a igreja, vou sentar na praça, se eu ver os meus filhos e a minha esposa, vindo para a igreja, ainda são os meus filhos e a minha esposa. Mas se eles não virem e se ela vier com um outro homem, então eu já sei que ela já casou com outro”. E eu não sabia que o meu pai estava, nem eu nem a minha irmã Líria, que ele estava na… Quando eu fui sentar na praça, eu sentei triste, chorando lembrando dele e ela veio me consolar, minha irmã, aí eu disse pra ela: “Mais um ano sem o pai, sem o Natal”. Quando as outras crianças me chamaram lá na porta da igreja, que já era hora da apresentação de Natal e eu entrei. Quando eu estava no quarto, lá, me arrumando, o Sérgio, meu irmão, chegou chorando, chorando, chorando, chorando e eu disse: “O que foi? O que foi?”. Aí ele sem conseguir falar, foi quando ele disse: “O pai, o pai!”. Aí eu pensei assim: “Alguém trouxe notícia que ele morreu”. Aí ele: “O pai, o pai está aí!”. Quando ele falou: “O pai tá aí”. Eu corri feito doido como o roupão de João Batista e saí correndo pela igreja, o pessoal me chamando, que era a minha hora. E eu só lembro que eu pulei em cima dele e ele me olhou, me beijou e disse: “Tu tá grande! Tu cresceu!”. Aquilo ali eu nunca esqueço, nunca.
P/1 - Vocês ouviam música ou assistiam tv?
R - A gente ouvia música e assistia tv. Eles sempre tinham um… eles sempre faziam, doutrinavam isso pra gente: “O horário de estudar é o horário de estudar, horário de música e brincadeira”, era o horário… sempre foi assim, acho que por isso que eu fiquei, não sei se é sistemático, né, mas é por isso que a gente lá em casa faz isso, dessa forma, um horário certo pra isso, a gente confere pra não atrasar.
P/1 - Quais eram as suas brincadeiras favoritas?
R - Era chutar lata, esconde- esconde e eu brincava, gostava muito de xuxo, papagaio, que é pipa, aqui chamam pipa, lá pra nós, pipa é maior. E eu cortava muito o pé na rua correndo atrás de pipa, muito, entendeu?
P/1 - Você tinha muitos amigos?
R - Olha, só colegas, vizinhos mesmo, garotada de vizinhança mesmo, entendeu?
P/1 - Tem alguma comida de infância que marcou você?
R - Tem sim, da nossa vizinha do lado esquerdo, a dona Antonieta. Tinha o Carlinhos, um amigo meu e um outro amigo meu também, o Adailson, que a gente ficou até a nossa adolescência e depois até maior de idade. A gente tinha combinado de ir embora para um outro país. Hoje um está na França e o outro está na Alemanha. Mas eu fui me preparando para ir pra Portugal, mas chegou o momento e não deu, quando foi pra eu ir para Portugal, entendeu?
P/1 - O que você queria ser quando crescesse?
R - Engraçado você está fazendo essa pergunta, da questão do que eu queria ser quando crescesse. Vocês, eu acho, que quem ouvir pode até não acreditar, mas acredite, porque é verdade. Voltando a questão da minha infância, quando eu estudava na segunda e terceira série, sempre a nossa escola era longe, a gente tinha que pegar ônibus pra ir, a minha mãe quando ela não nos levava, ele levava a gente até o ponto de ônibus e o motorista já sabia, não tinha como tem hoje, van, ônibus escolares. Então eu me lembro que quando o deu uma parada, assim, na questão do trânsito, deu uma parada bem em frente, assim eu estava na vidraça e eu olhei da janela, “Academia de Letras” e eu mesmo falei baixinho, eu acho que eu estava com uns oito, nove anos, nessa fase, nove anos, é, nove anos, e eu olhei aquilo escrito, “Academia de Letras”, aí eu falei pra mim mesmo, bem baixinho: “Eu vou estudar, vou crescer e vou sentar ainda em uma cadeira de letras como essa aqui”. Falando, porque eu tinha um amigo imaginário, toda criança já teve um amigo imaginário. E eu falava para esse meu amigo imaginário. E por incrível que pareça, quando eu estive aqui, terminei os estudos em São Luís, quando estive aqui, surgiu a oportunidade de fazer faculdade. Então resolvi fazer a Faculdade de Matemática [pausa]. Bom, interessante que ainda menino eu me lembro que quando a gente foi no ônibus, pra ir para a escola, o ônibus parou no semáforo e a janela que eu fiquei deu de frente com a Academia de Letras do Maranhão e eu falando com o meu amigo imaginário, eu falei assim: “Eu vou estudar, estudar bastante, pra um dia sentar em uma dessas cadeiras da Academia de Letras”, eu falei isso. Os anos se passaram, né? Foi quando cheguei em Serra Pelada, chegou uma proposta pra eu fazer faculdade, tinha de Letras e tinha de Matemática e eu optei por matemática, em Conceição do Araguaia. E quando eu cheguei em Conceição do Araguaia para fazer a minha inscrição da faculdade, já tinha acabado de matemática, e eu não tinha nem dado, como é que se diz? Nem me lembrava do que eu tinha falado naquele tempo com o meu amiguinho imaginário. E foi quando disseram pra mim: “Olha, não tem mais vagas, só tem pra Letras”. Aí eu fui e disse: “Ah, vai pra Letras mesmo”. Nem pensava. Fiz o provão, a prova, o vestibular, prestei o vestibular, fui um dos cinco alunos que tirou a maior nota. Eu lembro até quando a gente foi fazer a prova, o vestibular lá, e eu via muitos colegas jovens, reclamando que estava pesado, que foi pesado o provão e alguém me perguntou assim: “O que tu achou?”. Eu disse: “Rapaz, eu só não vou pra faculdade se ela não me quiser, mas eu tenho certeza que eu acertei”. Aí o outro tirou até uma crítica minha, fez crítica de mim: “Quer ser o tal!”. Aí saiu. Aí com uns dias a gente recebeu a notificação e eu recebi que eu tinha sido um dos quatro que tiraram a melhor nota. E vocês nem imaginam a alegria quando a gente, no primeiro dia da faculdade, na universidade, e o seu nome gravado no muro da universidade parabenizando os dez primeiros que tiraram as melhores notas e o meu nome estava ali. Então a partir daquele momento eu despertei e lembrei do que eu tinha falado há muito tempo. Por isso que eu gosto muito de proferir coisas boas, porque quando a gente profere coisas negativas, isso é o meu pensar, coisas negativas vem. E quando a gente profere muitas coisas boas, ao invés de criticar, aí é bom a gente proferir coisas boas, que coisas boas virão pra gente. Então eu acabei me formando em Letras na universidade do Pará e acabei também, logo em sequência, fiz também, me profissionalizei mais, também, na questão de metodologia de Língua Portuguesa e Literatura e em sequência eu comecei a fazer cursos técnicos, me deu ânimo de fazer curso técnico. Então, eu hoje sou técnico em meio ambiente, sou técnico em recursos humanos. E é assim, a gente trabalhou isso também dentro da comunidade de Serra Pelada, com relação a trazer cursos técnicos, não foi fácil, mas a gente trouxe e também se profissionalizou, porque não adiantava só os alunos, mas nós profissionais da educação também se profissionalizar.
P/2 - Nonato, dentro dessa pergunta, desse tema educação, pra você assim, qual a sua primeira lembrança da sua escola dos momentos que você estudava ainda?
R - Criança, né? Nossa, eu tenho várias lembranças minhas. Voltando ao passado, nunca esqueci, graças a Deus, por não esquecer, no jardim de infância, geralmente hoje falam creche, mas naquele tempo era jardim de infância. Como a minha mãe era professora e ela dava aula particular, já que ela não conseguia arrumar, conseguir um emprego mesmo em escolas públicas, então ela começou a dar aula de reforço. Então assim, ela sempre colocou a gente, os filhos, como exemplo para ler, aprender a ler. Quando eu entrei no jardim de infância, eu já conhecia as vogais todas, já conhecia o alfabeto. E lá eles trabalhavam muito a questão de desenhos animados com a gente e o que eu gostava muito, isso me marcou muito, porque eu sempre tinha… o barulho está atrapalhando, né?
P/1 - Não, pode continuar
R - E o que eu lembro é a questão… oi? Você falou alguma coisa?
P/2 - Não, foi o cara lá fora.
R - Então o que eu me lembro do meu tempo de infância ainda, é a questão do jardim de infância. Eu estudei, porque os meus pais foram sempre pais assim, de nunca deixar a gente faltar na escola, nem minhas irmãs, nem meu irmão, nem o meu outro irmão de criação, nenhum de nós. Então a minha mãe sempre, ela sempre… E o meu pai, como ele não tinha um estudo, uma formação, ele teve estudo, estudou só até o 5° ano, que na época chamava de quarta série, pra ele. E o meu pai sabe ler e escrever, escreve muito bem e é bom de matemática ainda, melhor do que eu, me dá uma surra em matemática. Mas, assim, eles sempre foram aqueles pais presentes na nossa vida com relação à educação. Eu lembro que o primeiro dia de ir para o jardim de infância, eu chorei, fiquei com medo, porque eu olhava aquele monte daquelas muralhas altonas e pra mim parecia que era uma prisão, mas aí do segundo dia em diante eu comecei a pegar gosto e pronto, ali pra mim quando diziam: “Hora de ir para a escola”. Já estava pulando mesmo, entendeu? Então, assim, a gente nunca foi assim, de dar trabalho para os nossos pais e nem eles nunca foram ausentes em reuniões de pais, a minha mãe sempre acompanhava isso. E eu me lembro do jardim de infância, é que uma vez teve um concurso lá, do melhor desenho e como eu já tinha, eu acho que pela questão de ter a percepção de um avô que era marinheiro, que era grandão, gigante, eu tinha a vontade de ser soldado, de ir para a guerra, era aquela coisa que eu pensava, eu achava aquilo bonito, mas não tinha noção, porque era criança. Hoje não, né? Mas eu me lembro que eles fizeram, esses professores, eles fizeram lá a questão de um projeto lá, sobre o melhor desenho e eu acabei ganhando a premiação, eu fiz um, digamos, um soldado com um capacete de guerra e uma arma, segurando uma arma. Eu nunca esqueci, até hoje esse desenho está na minha mente. E elas perguntaram se eu tinha trazido de casa e eu dizia que não, aí ela: “Faz de novo”. Aí eu fui, peguei o papel e fiz. Aí ela pediu pra eu fazer com colagem, depois, de tecido. Aí eu fiz também. E eu me senti orgulhoso, porque quando teve reuniões de pais, elas fizeram um mural e botaram para mostrar para os pais e eu ganhei um presentinho também, de lembrança. Então isso me marcou muito! Eu não sabia que ali já era o começo da educação entrar em mim. Não é nem eu entrar na educação, é ela entrar em mim.
P/1 - Você tinha alguma matéria favorita na escola?
R - Eu sempre gostei de português, não sei porquê, mas sempre gostei, tanto é que eu aprendi a ler cedo.
P/1 - Conte uma história que marcou sua vida na escola.
R - Na escola? Uma vida? Isso tem muitas, muitas histórias, assim, além… eu vou… uma coisa que me marcou mesmo, foi já no período do ginásio, fazendo o 6° para o 7° ano e que tinha os meninos, tinha uns alunos que faziam bullying com outros alunos, naquele tempo existia mesmo, e eu era muito caladão, mas só era faladeiro, como dizia a minha mãe, quando era pra falar com os outros. E realmente eu sempre tive uma oratória de gostar de conversar com pessoas adultas, que eles diziam pra mim assim: “Menino, que idade tu tem? Tu fala tão assim, como se fosse um adulto”. Mas é porque eu também gostava de ler, como eu já aprendi a ler cedo, eu gostava muito de ler. Então eu me lembro que no 7° ano, tinha um colega por nome Célio, nunca esqueci o nome dele, esse colega fazia bullying com todo mundo, na época a gente não… não existia a palavra bullying, mas já havia bullying naquele tempo. Então chegou um momento que um professor do… a secretária foi chamar o professor, que ela precisava conversar com ele rapidinho lá na secretaria, e o professor virou pra mim e disse assim: “Cavalcante, apague o quadro para o professor aí, quando eu voltar eu quero encontrar o quadro apagado”. E esse menino não queria copiar, ele sempre foi assim, dificultoso mesmo, dava trabalho até para os outros professores. E eu era daquele tipo que só conversava quando alguém conversava comigo, quando alguém falasse comigo. Então eu estava nas carteiras logo da primeira fileira e eu perguntei para a turma se eu podia apagar, aí a turma: “Sim”. Disseram sim, porém ele disse não, aí eu parei, não apaguei, depois ele começou a brincar, brincar, xingando um, xingando outro. Aí eu tornei a perguntar: “Você já terminou?”. Aí ele foi e disse: “Não”. E chamou um nome feio para a minha mãe, xingou a minha mãe, nessa hora eu ceguei, pulei em cima dele com carteira e tudo, entendeu? E bati, bati e os meninos começaram a gritar sorrindo: “Bate”. Porque parece que eles queriam aquilo também, porque ele enchia o saco de muitos ali. Mas eu não aconselho ninguém a fazer isso, viu, hoje eu não aconselho. Aí o meu professor de Moral e Cívica, olha a disciplina, Moral e Cívica, entrou e me puxou, e eu continuei agarrado nele e dando socos com a outra mão. Aí ele pegou e disse assim para mim: “Cavalcante, estou decepcionado com você”. Quando ele falou isso foi mesmo que se me cortasse ao meio, eu fui lá para trás, na última cadeira e fiquei triste. Mas fazia força para não chorar, para mim chorar seria fraqueza. Então assim, quando ele falou isso, aquilo me marcou muito, porque depois eu fui ver que bastava eu só empurra ele e pronto, não precisava eu pular em cima dele com carteira e tudo, ele ficou preso e eu batendo nele, porque eu não gostava quando as pessoas xingavam a mãe das outras, eu sempre falo isso para os meus alunos quando eles estão aí nessa questão de “Ah é tua, tua”. Eu chamo a atenção deles e digo: “Mãe é sagrada, a gente tem que respeitar”. Então me levaram para a secretaria, a diretora chegou na hora, quando ela chegou e me viu na secretaria de castigo… e o garoto foi, o Célio, foi também, ela perguntou: “O que houve?”. Aí a secretária contou, aí ela foi e disse assim: “Eu quero ouvir o Cavalcante agora”. Aí eu falei, contei o que aconteceu. E ela perguntou para o menino e ele disse: “Mentira, ele não falou nada, ele só me bateu!”. Aí ela foi e disse assim: “Você está mentindo!”. Falou dessa forma, com convicção, pra ele e disse: “Eu acredito no Cavalcante, porque ele nunca fez mal pra ninguém”. E aquilo também me levou mais a refletir que o que eu fiz foi covardemente, não deveria ter feito isso, mas de qualquer forma fui punido assim, pela questão do que o professor pra mim, que ele tinha se decepcionado comigo, isso me marcou. Mas o aluno, o colega que provocou, ele acabou sendo punido, foi para casa e só voltou com a mãe. E eu mesmo cheguei em casa e contei para minha mãe e ela foi comigo lá na escola. Só que a diretora disse: “Não, ele já conversou comigo, a gente viu a situação, o Cavalcante nunca foi de briga na escola, nunca, mas foi por um bem querer, ele defendeu você mãe”. Mas aí minha mãe falou que não é assim que se defende. Hoje eu olho assim, que é uma coisa que poderia continuar, porque às vezes, nós como adultos, como pais, como avós, tios, tias, mães, quando o filho apanha na escola, a vontade, que a gente vê, percebe, é de querer também ir lá e brigar com os familiares e tudo, entendeu? E isso não é certo, a gente sabe que não é certo, que a gente, “Por que tu não bateu nele? Se ele te bateu, dava nele também!”. A gente não pode fazer isso, porque a gente está incitando a própria criança para o mal. E eu louvo a Deus que a minha mãe, ela me deu umas lapadinhas, eu não vou negar, nesse dia, e eu entendo porque, porque ela disse assim: “Você vai para a escola é para estudar e não para brigar!”. Então eu entendi isso.
P/1 - Isso que aconteceu, você trouxe essa reflexão para a sua vida?
R - Sim, até hoje. E eu sempre falo isso para os meus alunos, que a gente deve respeitar os pais, devem respeitar os mais velhos. Que não é certo, se o colega mexe com você, não custa nada, fala com o professor, fala para a direção que a gente dá um jeito e conversa com ele. Mas assim, incitar a briga não é bom. E isso hoje, eu sempre faço essa reflexão e converso com os alunos, entendeu? Na verdade, às vezes eu até brinco demais com eles dentro de sala de aula.
P/1 - Voltando um pouco para a infância, você teve algum professor ou amigo que marcou na escola?
R - Tive um professor de educação física, Maxwell. Olha só, a professora que mais me marcou, depois eu vou falar porque estou colocando essa professora, ela se chamava professora Darly, ela era minha professora da 2° série, e toda vez, como ela era uma professora que já dava pra ver que ela não tinha tempo, então ela dizia assim pra gente: “Assistam às novelas, assistam os filmes, para depois vocês contarem pra mim, que a professora não tem tempo”. Só que eu não estava percebendo que aquilo era uma tática dela para a gente saber fazer narrativa, hoje eu sei muito bem o que é isso, porque hoje eu faço isso com os meus alunos. Então assim, quando ela chegava, que ela chegava: “Bom dia, meus amores”. Ela era dessa forma, nunca esqueci ela, eu a amava demais, entendeu? E quando ela dizia assim: “Quem vai contar primeiro? Quem assistiu a novela aqui? Quem assistiu ao filme?”. Aí ficava todo mundo querendo: “Eu, eu, eu”. Aí ela botava as cadeiras tudo ao redor e cada um ia contando a novela ou o filme que assistia e cada um queria falar mais do que o outro. Ela: “Não, agora está bom. É a vez do Cavalcante. Agora está bom”. Então assim, ela marcou muito! Ainda marcou mais, quando ela conheceu um primo meu, que na verdade era primo do meu pai, era primo do meu pai, que tinha vindo de fora do Brasil, vinha para o Brasil, ele tinha se divorciado e nessa história ele conheceu ela e acabaram se casando. Aí eu fiquei feliz demais, porque, poxa, eu tinha o melhor primo, um primo que era primo do meu pai, mas eu considerava como primo, menino, e a minha professora, “Agora minha professora vai ser como minha tia”. Então a dona Darly foi uma pessoa, uma referência pra mim e disso, da forma como ela dava aula, isso repercutiu muito pra mim hoje.
P/1 - Você lembra como você ia para a escola?
R - Sim, eu ia de ônibus, minha mãe sempre colocava a gente no ônibus. E como eu e o Sérgio, meu irmão, e o _____ éramos menores, os homens eram menores, as meninas eram as mais velhas, sempre elas tinham que estar acompanhando a gente também. E às vezes, quando o pai podia sair do depósito, quando ele ainda estava no depósito, ele ia pegar todos nós, os filhos, para pegar o coletivo junto com ele. Quando era com ele era festa, era picolé, era tudo.
P/1 - Você lembra quando você começou a sair sozinho, com amigos?
R - Sim, a partir dos meus 13, 14 anos, eu comecei a sair assim, como a gente foi criado dentro da igreja, da católica, depois da evangélica, então assim, a gente nunca… a minha mãe e o pai sempre ficavam naquela questão de, monitorando a gente. E a primeira vez que eu saí, com os meus, acho que eu estava com os meus 16 anos, eu tinha ido para uma praça próxima lá da nossa casa lá em São Luís e estava junto com os amigos, lá, só que o tempo passou, passou e eu me lembro que quando deu meia noite, o meu pai, eu olho, o meu pai atravessando a rua, subindo e vindo no meu rumo, eu disse: “Pronto, vou apanhar”. Aí ele chegou na frente dos meus colegas: “Você não tem casa? Você já viu o horário que você está aqui? Já é meia noite!”. Aí falou dessa forma. Pra mim, ali, era o mesmo que dar uma surra. Então eu me levantei caladinho, os outros colegas tudo foram embora e eu fui para casa, aí ele disse: “Não faça mais isso, que da próxima vez vai ser diferente!”. Foi a primeira vez que eu saí. Só que depois, a partir daquele momento, ele percebeu que eu já era um rapazinho e já estava na fase de sair. Só que sempre a gente saía, mas assim, sempre dizia pra onde ia. Nunca fomos para questão de festas de coisas, não, era mais eventos de adolescentes na igreja e tudo.
P/1 - O que você fazia pra se divertir na adolescência?
R - É isso que eu acabei de falar, justamente. A questão de brincadeiras também, a gente jogava muito vôlei que tinha no início, era mais futebol, aí depois o vôlei. Então a gente marcava com os outros colegas, na casa dos colegas, quando não era lá em casa. E a gente se divertia muito.
P/1 - Alguma coisa mudou quando você chegou na adolescência?
R - Se alguma coisa mudou?
P/1 - É.
R - Com relação a minha vida?
P/1 - Não, a sua adolescência.
R - Ah, a adolescência. A fase pra mim, uma das piores fases foi a da adolescência, porque, não sei… Porque a adolescência é a fase, era, não sei agora se os adolescentes pensam assim, é uma fase de muito conflito, muito conflito e que a gente quer algo, mas não consegue, não tem, a gente fica frustrado. E gostaria de estar em um lugar, mas você não pode estar naquele lugar, entendeu? Então até de uma roupa que você gostaria de usar, uma roupa, mas não tem aquela roupa, não tem como, ou então quando o seu pai e sua mãe dizem: “Você ainda não tem idade pra isso”. Então assim, queria ir pra festa pensava sim em ir pra festa e eu sempre ia, mas era sempre monitorado pelas minhas irmãs que eram mais velhas, e quando não era, era a minha mãe que ia, a minha mãe ia. Quando o meu pai estava, ele sim ia, mas não era a mesma coisa, porque, sabe, adolescente quer fazer uma coisa assim, como é que se diz? Livre, né, sem ver bronca de pai e bronca de mãe. Mas a minha mãe e o meu pai nunca foram de prender a gente dentro de casa, apenas que dissessem para onde que iriam e não voltasse tarde.
P/1 - Você gostava de namorar quando era adolescente?
R - É, eu vou ser sincero, eu era namorador sim, adolescente, muito. Depois que a gente cresce, fica velho e tal, a gente vai, mas eu era sim. E era uma questão assim, de que mais era da igreja. Mas era aquele namoro de igreja, sabe como é, né? Era um amor bem comportado, um namoro comportado.
P/1 - Quando você começou a trabalhar, como foi o seu primeiro emprego?
R - O meu primeiro emprego ainda foi na adolescência, eu comecei a trabalhar novo ainda. Essa questão aí é um pouquinho longa, viu? É porque, assim, como eu era da igreja, então, desde criança eu cantava nos grupos, e na adolescência tinha o grupo de adolescente e foi um moço lá colocar o cortinado da igreja que o pastor tinha comprado, o cortinado caro, na época. E os outros colegas terminaram o ensaio e saíram e eu fiquei esperando a minha mãe ou o pai irem lá para me pegar, porque onde a gente morava tinha que pegar no coletivo. Então eu fiquei olhando a forma como ele estava fazendo e eu achei bacana, aí cheguei perto dele e fui conversando, tal e tal, e ele foi e disse pra mim: “Você trabalha?’. Eu disse: “Não”. Aí ele disse assim: “Adolescente, né?”. Eu disse: “Sou”. “Está estudando?”. “Tô”. Ele começou a me dar conselho e eu olhei e achei bacana, aí ele falou da loja dele, tudo bem. Quando foi um certo dia, a minha tia falou para a minha mãe, “Olha, tem uma loja que está precisando de um adolescente lá para trabalhar, leva o Nonato lá”. E como eu estudava pela manhã, então daria. Aí ela foi e me levou, só que por incrível que pareça, quando eu cheguei na loja lá de tecidos, quem era o dono? Ele me conheceu na hora e eu achei bom, ele foi muito bacana comigo, ele tirou tudo, de pesado pra mim e deu até, como é que se diz? Um compartimento para que eu trabalhasse. Aí eu tive essa experiência no trabalho de tecido, por isso que hoje eu conheço tecido. Ele mesmo, com os meus 16, 17 anos já, ele me fez aprender um pouco de tecido pra vender para pessoa, por exemplo, tinha o concurso de miss Brasil, aí vinha a miss Maranhão, ele passou, me acompanhou e passava pra ela e o cara que estava com ela, acompanhando, e eu passava os nomes dos tecidos e comecei. Ele trabalhou, me trabalhou, me ajudou muito, pra dizer qual é o tecido, o nome do tecido, que tipo de tecido aquela pessoa precisaria e isso me ajudou muito. Por isso que hoje a gente tem mais ou menos noção de tecido e as pessoas procuram a gente, aprendi isso.
P/1 - Como você se sentiu no seu primeiro emprego?
R - Nossa, eu me senti assim, como diz, “o cara”. A gente pensa logo no salário. Então com o primeiro salário comprar isso, aquilo outro e tal. Mas não é bem assim, né? Mas feliz, porque pelo menos a gente recebia.
P/1 - Você lembra o que foi que você fez com o seu primeiro salário?
R - O meu primeiro salário eu dividi, dei para a minha mãe e dei para a minha avó, porque a minha avó, como eu ficava assim, uma hora ia para onde ela, outra hora ia pra onde estava a minha mãe, sempre com a minha mãe, mas eu não gostava de deixá-la só, então eu dividia, entendeu? Passava uma parte pra ela, e as outras era pra lanchar com namorada, era assim
P/1 - Que outros trabalhos você fez?
R - Em sequência eu comecei a trabalhar, olha só, pra ver a educação, de novo, me apresentaram a um ex-padre que era dono de uma livraria, e essa livraria tinha que vender livros lá fora. Então eu passei a vender os livros, eu vendia e também voltava pra arrecadar, né. Então a partir daí eu comecei a ter intimidade com os livros e me desenvolvi mais, assim, dentro da questão do trabalho. Então isso também, pra mim, está repercutindo muito agora no futuro.
P/1- Como você falou, que você escolheu a profissão de professor, né? Professor de português. O que te fez escolher essa área?
R - Justamente porque eu gostava muito de produção de texto, e quando a gente fazia trabalho de debate em sala de aula, no ginásio, sempre os meninos colocavam o Nonato, entendeu? Na verdade, me chamavam de Natinho, o Natinho para falar e fazer a narrativa, escrever. Eu achava era bom, porque eu gostava disso, porque o meu sonho, tirando essa questão do exército, marinha, essas coisas, o meu sonho, formar, era ser repórter que eu tinha vontade. Até hoje ainda tenho aquele, entendeu?
P/1 - Voltando à adolescência, me fala o nome da sua primeira namorada.
R - Ichi, olha, a minha primeira namorada, o nome dela é meio esquisito, mas é Undanci, me traiu com um policial, pode? Mas é aquela questão, de que, na verdade, a gente diz assim, mas a gente cria expectativas de que está namorando, que é a minha namorada, mas não é. Às vezes estudava comigo, era a minha colega de sala de aula, me dava beijinho no rosto, aí eu já estava: “Não, pronto, já estamos namorando”. Dava beijinho no rosto dela; Mas era Undanci.
P/1 - Nessa trajetória de faculdade, o que mudou na sua vida?
R - Mudou muito. Olha, muito mesmo, porque me fez assim, mas ter… ter mais … valorizar mais a questão da educação. Porque antes de me formar, quando eu cheguei aqui na Serra, eu comecei a dar aula para idosos garimpeiros, que eles não sabiam ler, aí pediram pra eu dar aula. Então eu comecei a dar aula e outros já queriam que eu ensinasse a tocar violão. Aí aquilo me deixou mais, sabe o que é você se sentir útil? e eu comecei a lecionar no particular para eles, não cobrava nada.
P/1 - Aí foi a sua primeira experiência?
R - Isso. A segunda, foi quando eu fui trabalhar em uma escola, que foi a primeira escola, que o nome já era Ângela Bezerra, lá no Açaizal, da Maria José, e que me deram uma turma de umas 50 crianças, era, vocês pensam o quê? 50 crianças, cada uma de um jeito, de várias idades, para alfabetizar. Vocês já viram? Ali foi um desafio pra mim, muito, eu pensei que eu ia ficar doido. Depois a gente começou a fazer, digamos assim, ter ideias, “Como fazer? Como fazer para aqueles meninos se comportarem?”. Entendeu? Porque eles só viviam correndo, botava pra sentar, quando a gente ia botar o outro, o outro já estava correndo atrás do outro. Não sei se vocês também foram assim.
P/1 - Como isso influenciou na sua profissão?
R - Como influenciou? Olha, influenciou de uma forma assim, de que a gente precisa… [intervenção] Como influenciou? Olha, muito, porque foi dali que a gente teve uma, assim, uma questão de observar que realmente todo mundo é diferente, mas todos, acho, que merecem aprender a ler, entendeu? E uma coisa que eu via aqui quando eu cheguei em Serra Pelada, as pessoas, a maioria não sabiam ler e a maioria eram garimpeiros mesmo. E quando eu comecei a pegar aquela criançada toda, aquela briga. E quando eu comecei a criar estratégias de segurar um, segurar dando função para um e para outro, eu percebi que na verdade o aluno, ele quer saber que ele precisa ser útil, que ele é útil também ali. E isso me veio a ideia da questão, porque muitos garimpeiros, enquanto alguns estavam indo para escola a noite, alguns diziam que não, que não iam, que de novo não conseguia, de velho mesmo que não. E os que conseguiram ler, a gente começou a trabalhar fazendo dinâmicas com eles, e eles começavam a ler, a fazer cartas, não era mais eu que fazia as cartas para eles, para os parentes lá fora; Então já eram eles que já começavam a escrever, eles só mostravam pra mim: “Tá bom, professor?”. “Tá, tá bom!”. Mesmo tendo um erro ortográfico, mas eu não tirava aquele sonho dele, entendeu? Aí eu só dizia: “Dá próxima vez a gente faz mais assim, que é melhor e tal”. Então isso ajudou muito. E com isso, eu percebia que aqueles alunos, já garimpeiros, se sentiam já valorizados, que eu via eles brincando: “E aí moço, agora eu já sei ler, agora eu já sei escrever e tal”. E aquilo a gente sentia assim, como se, pra mim, melhor do que dinheiro, você se sente recompensado, entendeu?
P/1 - A sua profissão de professor veio através da sua mãe?
R - Teve influência da minha mãe, sim. Mas assim, nunca imaginei que fosse, porque a ideia era ir para a guerra, ir para a marinha, não queria saber de ir para o exército, mas para a marinha, e era aquela coisa. Mas depois eu vi que realmente a minha profissão é professor.
P/1 - Como foi chegar e dar a notícia para a sua família de que você estava entrando na faculdade?
R - Olha, na verdade eles me deram forças, eu que estava querendo recusar. O meu pai mesmo me deu uma força, porque foi logo aqui, a família estava lá em São Luís, o restante. Então o meu pai ficava assim, dizia: “Você tem que ir, tem que ir, porque eu não quero filho garimpeiro”. Ele não sabia que eu ia por trás dele, sem ele saber, eu ia e também garimpava um pouquinho, um pouquinho, não era profissional como ele. Então assim, a educação, ela me pegou mesmo de cheio e quando veio foi pra segurar mesmo, não soltou mais, abraçou mesmo o Nonato.
P/1 - Há quanto tempo que você trabalha nessa área da educação?
R - Ichi, olha, já está há um bom tempo, um bom tempo mesmo. Pena que ainda não chegou o tempo de aposentar. Porque senão eu ficaria um pouco assim, porque a educação pra mim. Eu gosto, eu gosto mesmo, entendeu? Eu acredito naquele aluno que não… que acha que muitos alunos, como alguns alunos falaram para mim” Professor, eu não valho nada”. E eu sempre falo pra eles: “Vocês valem muito, e muito! E eu acredito, mas pra você conseguir, você tem que acreditar em você mesmo”. Então assim, a educação pra mim é tudo!
P/1 - Como você soube de Serra Pelada?
R - Ah, sim, a Serra Pelada foi pela televisão mesmo, eu ficava olhando e vendo. O meu pai viu com alguns amigos na televisão. Mas eu passei a refletir Serra Pelada foi na televisão, porque eu achava que eu ia ver o meu pai, naquela época. E eu sonhava, ficava… e a minha mãe começava a desligar, eu só via ela desligando e saía chorando caladinha, mas a gente notava que ela estava chorando. Então assim, aí eu ligava pra eu ver se eu olhava o meu pai lá na televisão.
P/2 - Como foi que o seu pai soube da notícia de Serra Pelada? E como foi a vinda dele pra cá?
R - Foi um amigo dele, uns amigos conversando, como ele ouviu falar, conversaram com ele, entendeu? Aí ele veio, pra fazer, mas dizendo: “Eu vou, mas se não der certo eu volto”. Aí ele veio, entendeu?
P/1 - Como você chegou até Serra Pelada e quando?
R - Eu cheguei… Quando eu cheguei: 22 de maio de 1987.
P/2 - Qual foi a sua impressão quando chegou aqui em Serra Pelada? Presumindo que você veio de uma capital para o interior e uma área de garimpo, qual foi o seu impacto?
R - Olha, na verdade não era bem para eu vir pra Serra Pelada, o meu pai… era pra eu vir com ele, mas no outro dia, ou uns dois ou três dias, ir para Belém, fazer faculdade em Belém na casa… ficar na casa dos meus tios, tias e primos. Só que eu gostei tanto daqui que eu não quis ir. E ele já ficou chateado comigo, tanto é que teve um dia que ele disse: “Amanhã você vai para Belém”. Aí eu disse: “Não vou!”. Aí ele correu atrás de mim para me dar umas lâmpadas. E eu corri e me escondi um pouco, aí voltei. Quando eu voltei, ele veio chorando e disse assim pra mim: “Eu sonhei que tu ia fazer isso, eu sonhei que você estava correndo em um monte de, como se fosse canteiros de flores e eu correndo atrás de ti, dizendo que eu queria te pegar para levar pra ir embora, pra ir para Belém, saí de Serra Pelada. Você dizia que não queria sair. Eu já esperava isso”, ele falou. Aí foi quando realmente eu resolvi ficar, porque eu estava gostando daqui. Muito! Nem ligava pra esse negócio de dinheiro, essas coisas, eles me davam umas pepitinhas, algumas, aí eu ficava: “Não, não precisa me dar”. Mas eu pegava. Serra Pelada me prendeu.
P/2 - E o que te fez gostar tanto desse local?
R - Olha, só para vocês verem, hoje é diferente, totalmente diferente. No meu tempo, em cidade grande, quando você vai, digamos, para o serviço esperar o ônibus, eu não falo Parauapebas e nem tão pouco Curionópolis, eu me refiro a metrópoles. E quando alguém chega, digamos assim, no ponto de ônibus e te dá um bom dia, você dá um bom dia meio desconfiado e se aquela pessoa só chega e te encara, você já fica meio desconfiado. E aqui em Serra Pelada foi diferente quando eu cheguei, todo mundo, mesmo eu sendo basicamente um garoto, eles passavam por mim: “Bom dia, bom dia, bom dia!”. Daquele jeito, vindo da cava lá, todos sujos, davam bom dia, “Bom dia!’. E isso me cativou muito, muito mesmo, por ser um local que tinha só, assim, coisa bruta, e eles darem bom dia. E a gente sentia que era verdadeiro aquilo. Então isso me deixou assim, preso, me prendeu aqui em Serra Pelada. E depois não teve jeito, Serra Pelada pra mim. Eu vou para Belo Horizonte, eu vou para São Luís, a gente viaja, mas assim, às vezes, quando chegamos em Belo Horizonte, dá uma saudade de Serra Pelada, dá vontade de voltar, entendeu? Então eu, como no caso que eu tive que viajar para Belo Horizonte para entender, para os meninos, aquela questão daquele, daquele, como é que se chama a palavra meu Deus? Eu fui até em Brumadinho, para conhecer Brumadinho, pronto, fui para conhecer Brumadinho e pra entender, porque um aluno aqui me perguntou: “Professor, por que aconteceu isso, isso e isso?”. E eu não podia falar pra eles, só falava o que estavam dizendo nas reportagens. Então eu precisei, ir para Brumadinho, para eu ver. E quando chegasse falar já a verdade pra eles. E eu fui para Brumadinho, pesquisei, conversei com várias pessoas lá e eles estavam muito desolados mesmo. A gente sentiu a dor deles. E quando eu cheguei eu soube responder as perguntas que eles tinham me feito.
P/2 - Professor, fale sobre essa questão que você escrevia cartas para os garimpeiros aqui.
R - Isso. Eles pediam, assim, para eu escrever a carta, mas eram os que trabalhavam lá no britador com o meu pai. Aí os que não sabiam ler, eles pediam para eu fazer as cartas e eu fazia as cartas. Aí alguns deles me deram uma pepitinha de ouro. Só que eu ficava com vergonha de aceitar, porque eu achava que, eu sei que… aí foi quando um deles, até, disse pra mim: “Não, esse aceitar é sinal que nós gostamos da carta que você está fazendo pra gente”. Aí foi que eu entendi, porque eu tinha medo deles acharem que eu estava era fazendo, digamos assim, tentando enrolar eles. E eu fazia carta mesmo. Eu não gostava… eles… só que eu fazia de uma forma, digamos assim, não da forma como eles falavam, eu tentava escrever de uma forma mais correta.
P/2 - Era o meio de comunicação daquele tempo?
R - Isso, era.
P/1 - Você lembra com quantos anos você veio para Serra Pelada?
R - Lembro sim, eu cheguei aqui eu estava com meus 17 para 18 anos.
P/1 - Como foi a sua primeira impressão quando você chegou aqui? O fato de você morar em uma cidade, uma capital, aí chegar em uma área de garimpo?
R - A minha primeira impressão, um pouco, eu fiquei um pouco assustado, porque eram casas de plástico preto, o meu pai já tinha, “Olha, lá é feio, é feio e tal”. E eu: “Sim, pai, sim”. Ele: “Eu não sei o que tu quer fazer em Serra Pelada?”. Aí eu disse: “Não. Mas sim, eu quero e tal”. Aí ficava… aí quando a gente chegou, primeiro o 16 ali foi uma coisa terrível, pra pegar o carro lá, que era apertado e tinha que… Vinha gente com galinha, vinha tudo. Tipo aquele filme lá. Aí no caso, esse, digamos, quando a gente entrou, até então eu achei bonito, a mata e tudo, mas quando entrou na vila, que eu vi aquilo tudinho e sem energia também, que parece que quem tinha gerador, era só quem era rico na época. E sem energia. Mas aí depois eu fui me adaptando, porque tinha um luar tão bacana e eu com o violão toda noite tocava, tocava, tocava e eles vinham, faziam fogueira e ficavam. Aí eu comecei a gostar.
P/1 - Qual foi o ano?
R - Ah, isso foi logo no ano que eu cheguei, de… pronto, essa eu esqueci.
P/2 - 87, 87.
R - É de 1987. Vai ter uma coisinha pra cortar, né? 1987.
P/1 - Quando você chegou aqui em Serra Pelada, qual foi a sua primeira ocupação?
R - Nada, gente. Imagina? Era só tocar violão e dormir até tarde. Na rede, também dormi na rede, aprendi a dormir naquela rede que, às vezes, eu saía todo marcado com ela. Mas, assim, eu não me queixo, eu achava bacana, muito legal!
P/2 - Sua mãe, seus irmãos já vieram também para Serra Pelada?
R - Não, a minha mãe sentiu tanta falta da gente, de mim, principalmente porque ele me trouxe e que eu não queria ir para Belém, a minha mãe resolveu, mandou uma carta e a carta chegou, e ela disse que ela estava vindo com os filhos tudinho. Aí ele se assustou com aquilo, “Não, não venha!”. Ela: “Vou!”. Começou a vender coisas e veio, veio mesmo, deixou a nossa casa lá, claro que com pessoas vigiando e tudo e veio pra cá. Aí pronto, todo mundo. Aí eu achei bom demais, muito, a família em peso.
P/2 - Quando ela chegou aqui, ela começou a trabalhar na área da educação, já que ela era educadora?
R - Ela ainda não tinha, logo de início, tomado assim, a questão da aula, porque eles viram quando foi pra montar uma escola daqui do… que era escola Serra Pelada, precisaria de uma pessoa que fosse formada na área. Aí só tinha… porque a outra professora, diretora já tinha ido embora, tinha ido pra Marabá. Aí foi na época que a minha mãe já tinha feito, já tinha estudado, já estava com os documentos, ela trouxe os documentos dela tudinho. Aí foi quando convidaram pra ela ser diretora, aí ela passou a ser diretora.
P/2 - Qual era a primeira escola de Serra Pelada?
R - Olha, na verdade, assim, o que foi constada como escola, documentação, mais ou menos, foi a escola Ângela Bezerra, que na época era lá no Açaizal, era um galpãozinho, entendeu? E depois teve a escola Serra Pelada, que o nome era Serra Pelada, próxima aqui a igreja católica, na época. Eu me lembro que era toda de tábua, aí tinha “Escola Serra Pelada". Depois a escola se mudou, que foi a Maria Belarmino, passou a ser, foi para um galpão. Aí nessa época a minha mãe continuou como diretora lá.
P/2 - Sua mãe dentro da educação foi uma das pioneiras aqui?
R - Ela foi uma delas, pioneira, entendeu?
P/1 - Só você que é formado na educação ou tem algum irmão formado?
R - Tenho irmã que é formada, tenho uma sobrinha que é formada na educação. A minha família básica… é a questão do, digamos assim, de seguir um ao outro, porque na verdade a minha mãe, ela fez educação, mas não exerceu lá em São Luís. E aqui ela já teve a oportunidade. Eu digo que isso tenha sido assim, já um propósito de Deus na nossa vida. E daí mesmo, como eu falei, eu não queria, eu queria mesmo era ser marinheiro, eu queria era ir para a guerra, e de repente veio essa oportunidade, acabei entrando também na educação. Mas sem perceber, eu já era educador, eu já dava aula para os garimpeiros, alguns que tinham dificuldade de leitura e de escrever. Hoje a gente olha isso e vê, rapaz, é uma coisa que a gente não tinha nem noção.
P/2 - Qual o legado que você vê que a sua mãe deixou para Serra Pelada?
R - Como mãe, é uma boa mãe mesmo, sobre a questão do respeito com o próximo, respeito com a família, respeito com a parte do nosso pai e o respeito uns aos outros. Como educadora, é que seja professor, professor mesmo, um educador e não aquele que embroma, embroma, embroma, ela sempre falava isso. Aí teve uma vez que ela disse pra mim que se sentia mais recompensada quando ela dava aula, ensinava aquela criança e aquela criança já saía falando aquilo que ela tinha ensinado. Então ela se sentia útil. E eu me sinto também dessa forma. Hoje eu tenho ex-alunos que a maioria são da educação e pra mim hoje não são mais como, digamos, não são mais meus alunos, são colegas de profissão, e isso pra mim vale ouro. Muito! Desde que a gente, como ela sempre dizia, desde que todos nós possamos sempre ter esse lado humilde de reconhecer as coisas.
P/2 - Professor, o fato de você ter dado aulas para alguns garimpeiros, aquela época que procuravam você, apesar de ser tão jovem, isso teve uma influência na sua decisão para hoje ser professor?
R - Teve, teve muito, muito mesmo.
P/2 - Por que?
R - Porque naquele tempo eu vi a questão da educação, ali, com eles, é que eles precisavam, eles precisavam, eles estavam assim, é como se tivessem assim, clamando para que eu fizesse isso, para que ensinasse eles a escrever. Então eu via aquilo ali, pessoas que, na verdade, são pessoas como nós e que precisam de ajuda. Então, assim como a gente ajudou eles, eles também nos ajudaram, porque eu aprendi muito com eles! Até mesmo quando foi o momento de seu ser apontador no garimpo, o meu pai estava. Então assim, aquilo me ajudou, quer dizer, não foram só eles que aprenderam, eu aprendi também, entendeu?
P/2 - Como foi viver esse momento de trabalhar dentro desse garimpo que trabalhou mais de 100 mil homens e ver todo esse movimento de mais de 100 mil homens mudando de lugar, uma montanha, como foi isso na cabeça de um jovem ali de 17 anos?
R - Quando eu cheguei, na verdade, eu já não tinha muito acesso a questão da cava. Porque a cava, o pessoal já estava evitando que garimpeiros descessem, eu não cheguei nesse período. Eu cheguei, alguns já estavam num outro garimpo próximo. Então assim, mas ainda tinham alguns que estavam na cava ainda. A oportunidade que eu tive de ir na cava, foi só dar uma descida, mas eu não pude descer mais profundo, devido a questão da falta de oxigênio, parece que a gente ficava meio… E não foi só eu, uma equipe. E assim, apontador foi em um outro garimpo que estavam formando lá aí o meu pai me colocou como apontador. Então pra mim foi bom demais, eu gostei, gostei mesmo. São experiências que pra mim servem, é como um acervo pra mim, entendeu?
P/2 - Professor, o seu pai trabalhou no garimpo aqui, ele chegou a pegar algum ouro?
R - Sim, ele pegou, mas, umas pepitas, poucas, não pegou assim, como muitos enricaram, né? Não, ele só pegava o que era mesmo... E o pouco que ele pegava, ele geralmente gerava em dinheiro e mandava pra minha mãe.
P/1 - O que mais te marcou naquela época que você chegou aqui na Serra? [interrupção] Como era a casa que você morava aqui na Serra? Como você a construiu?
R - Olha, na verdade quando eu cheguei aqui, a casa era de tábua com plástico, lona de plástico preta. A casa era dessa forma. Aí depois o meu pai fez uma casa, como a minha mãe teimou dizendo que vinha com todos os filhos, então ele começou a construir, construiu de dois andares a casa. E agora a gente está em uma outra casa que ainda estamos construindo.
P/1 - O que você fazia para se divertir naquela época?
R - Era ir para as lagoas, entendeu? Pra onde tinha e levava sempre o violão nas costas, assim. Eu gostava muito. Aí qualquer coisa eu inventava uma música, entendeu? E depois quando chegou uns coelhos, aí eu… apareceram uns coelhos, aí eu comecei a me ligar mais nos coelhos, depois veio preá e pronto, fui ligando mais para esses animais que em cidade grande é raro de se ver.
P/1 - Quais as datas de eventos mais importantes na Serra Pelada?
R - As datas mais importantes e marcantes?
P/1 - Isso.
R - Olha, pra mim, daqui, naquele tempo, o 07 de Setembro. O desfile, o primeiro desfile de 07 de Setembro nunca esqueci, minha mãe era diretora ainda. E nos outros que vieram também, já com novas direções, então sempre marcaram. Hoje é um pouco substituído pela questão da comemoração do aniversário do município. Mas o desfile de 07 de Setembro, eu creio que pra maioria é marcante.
P/1 - Conte como foi desenrolando a sua vida aqui na Serra.
R - Como foi desenrolando a minha vida aqui na Serra? Olha, foi assim, começando dando aula para uma turma, depois dando pra outra e acabou que cheguei na educação e acabei fincando.
P/2 - Entre tantos projetos que você trabalhou, professor, tem algum projeto que você criou aqui em Serra Pelada e desenvolveu?
R - Sim, tem a questão dos Jovens Sonhadores, né. Os Jovens Sonhadores, na verdade é como dizem, é um “Jovem Sonhador”, a ideia de um outro amigo, Dedson. Mas assim, o outro projeto é o “Natal na Comunidade”, esse “Natal na Comunidade”, foi projeto nosso, que a gente teve parceria de pessoas como o Dedson também, entendeu? E se Deus quiser vai ter esse ano, a gente está num plano aí. E também teve o projeto “Cinema na Comunidade”, também, com o nosso parceiro Carlinhos New, que foi parceiro demais, muito, entendeu? E foi muito bom! E a gente, se Deus quiser, a gente vai continuar com esse projeto.
P/2 - O que é o “Natal na Comunidade”?
R - O “Natal na Comunidade” é uma forma, na verdade quando eu digo “Natal na comunidade”, é uma forma de suavizar a população com relação ao Natal, porque muitos acham que o Natal é só ganhar presentes, é só beber e acaba que tantas coisas ruins que acontecem. Então vai muito mais além, às vezes tem pessoas que não tem nada para uma ceia de Natal, uma coisa que é importante também, não é só aquela questão de brindar com amigos e família, mas brindar a população mesmo, mostrando que realmente ainda existe o espírito do Natal. O Natal pra gente não é só a questão de dizer que se trata de relembrar o nascimento de Cristo, mas relembrar também que a gente precisa ajudar o próximo, muito!
P/1 - Esse projeto continua? Ainda continuam os projetos?
R - Sim, Os Jovens Sonhadores continua sim, com o Dedson. E o Natal da Comunidade, é como eu falei, o Natal da Comunidade, o projeto do Cinema na Comunidade, a gente, se Deus quiser, este ano continua.
P/2 - O que é Os Jovens Sonhadores?
R - Olha, Os Jovens Sonhadores, na verdade, é um grupo que veio a se adaptar, a fazer encenações, teatro. Os Jovens Sonhadores, o que eu achei bacana da questão do início dos Jovens Sonhadores, foi quando a gente uniu o útil ao que estava perdido um pouco, porque a gente ouvia muitos professores falando: “Olha, o aluno não conseguiu ler, o aluno não está lendo, o aluno não…”. Então a gente conversou, nós sentamos e conversamos, eu e o Dedson, assim: “Que tal a gente juntar os Jovens Sonhadores com a escola? Com a educação?”. E ele aceitou a proposta e deu certo mesmo, porque foi tão bacana quando a gente ouvia mães dizendo assim: “O meu filho já está lendo. A minha filha já está lendo”. E quando ouvia professores dizerem: “Olha, Nonato, olha, Dedson, o aluno tal já está aprendendo a ler, já está lendo”. Então eu me lembro que a gente sentava com eles no chão na quadra da casa do professor e a gente começava a passar as leituras, lia com eles e depois trabalhava com eles aquela leitura. Aqueles que tinham mais dificuldades de ler, eu pegava e o Dedson já ficava com outro grupo. E isso foi muito bacana, porque a gente tinha dois alunos que eram especiais e a gente conseguiu. Eu tinha receio de não conseguir trabalhar isso com eles. E hoje eu vejo, ele é meu aluno de 8° ano, e eu sou muito grato, muito mesmo, porque Os Jovens Sonhadores ajudou mesmo.
P/1 - Como funciona a Casa do Professor?
R - Olha, como funcionou ou como funciona?
P/1 - Como funcionou?
R - Ah, o projeto lá? Então, o projeto lá, eles cediam, como a casa era do professor, para reuniões, então eles cediam as áreas para os ensaios aos sábados. E aos sábados à noite, também quando era questão de fazer apresentações de escola, a gente começava a fazer de volta aquelas apresentações, a gente treinava lá na Casa do Professor.
P/2 - Como você vê a educação na história da comunidade de Serra Pelada?
R - Olha, hoje com o índice que está a questão o Ideb… [intervenção]
P/2 - Professor Nonato, como você vê a educação na história da comunidade de Serra Pelada?
R - Olha, a educação da história dentro de Serra Pelada, ela está sendo agora bem vista. Mas eu confesso pra vocês, assim, que não é questão de preguiça, assim, que professores… não era que os professores eram preguiçosos, não davam aula, não, é porque realmente era muito complicado. Então foi preciso a gente ir aprimorando determinadas metodologias pra saber, pra entender também para que o aluno também viesse ter uma forma mais clara de entender o aprendizado. E hoje eu vejo, Serra Pelada, nossa, Serra Pelada está em um nível de capital, o Ideb, entendeu? E eu parabenizo todos os professores, estão de parabéns! Desde daquela creche, até o do ensino médio.
P/2 - Dentro da educação de Serra Pelada, quais as pessoas que você destaca, que eles são como você, que chegou bem jovem e já ingressou na área da educação? Referências?
R - As referências, né? Olha, tem muitos professores aí bons. Tem novos professores que também tem uma nova mochila e estão entrando e se dando bem, graças a Deus. E isso é bom demais, porque tanto não só nós aprendemos com esses novatos, como eles também conosco, é um compartilhamento, isso é bom!
P/1 - Como é a educação para as crianças especiais?
R - Olha aqui, geralmente, nós temos as coordenadoras do AEE que também trabalham com isso, nos orientam, dão orientação a questão até do PEI pra fazer. Mas assim, geralmente para nós, assim, do F2, não é tão complicado como é para o F1, porque o F1 os professores têm que dar uma pelejada, ver direitinho, porque é criança e está no início.
P/1 - Para você uma criança especial, ela consegue se formar?
R - Com certeza, com certeza! E disso a gente tem provas, a gente vê aí. Então, depende, como diz, depende também não é só do professor, mas depende da família, porque se a família não tiver, como é que se diz? Unida com a educação, com o professor e com a escola, não consegue. Eu me lembro que o primeiro que eu me deparei, que foi para mim o aluno, que chegou eu tinha que levar ele ao banheiro, eu tinha que levar ele, ele sentia muita vontade de ir ao banheiro. Então ficava, para mim no início foi complicado, mas depois a gente pesquisando, sendo orientados pelos nossos coordenadores também pela direção também, secretários e tudo, então foram também nos auxiliando. E hoje a gente, confesso que estamos mais um pouco tranquilos em relação a isso, já não passa a ser mais um choque pra gente.
P/2 - O sistema educacional do município, ele está preparado para trabalhar com crianças especiais?
R - Olha, de estar preparado, sim. O que falta são mais coordenadores, mais professores nessa área, para que possam também, digamos assim, aumentar mais a questão do conhecimento nosso. De forma geral. Então, mas assim, eu creio que está sim, só falta mais a questão de mais voluntários, mais professores, educadores também nessa área.
P/1 - Por que você decidiu ficar aqui na Serra Pelada?
R - Porque eu descobri que na verdade, aqui, no momento, é o meu lugar. Eu amo Serra Pelada! Amo Serra Pelada, gente, sinceramente. Quando dizem assim, eu escuto tantas pessoas falarem, lá fora: “Ah, Serra Pelada é isso!”. E dentro de Serra Pelada mesmo, não é? E tem até um amigo que reclama tanto de Serra Pelada, quando chegou em outro lugar ele achou ruim que não tinha… “Viu, se tivesse na Serra, tinha, né?”. Então assim, eu amo Serra Pelada!
P/1 - Quais os lugares de Serra Pelada que te marcaram e por quê?
R - Olha, a cachoeira do seu Hélio é um dos lugares… o Véu de Noiva também, o outro que marcou muito eu esqueci o nome dele agora.
P/1 - Pirâmide?
R - A Pirâmide, oh, essa vai ter que cortar. Vamos lá, bom, o Véu de Noiva, muito bom! Seu Hélio, entendeu? Nós temos aí várias cachoeiras. Agora a Pirâmide foi uma das que mais me marcou. Porque foi logo quando a gente chegou, nossa, era bom demais. Hoje está um pouquinho escondida, mas a gente está por lá de vez em quando. E hoje é bom também, agora no momento é bom porque nós temos também vários locais, como a chácara, tem chácara aí que pode também, piscina, piscinão por aí. Então Serra pelada é sinal que está evoluindo, eu digo está evoluindo, porque eu acredito que ainda pode crescer mais.
P/1 - Quais os seus melhores amigos aqui em Serra Pelada?
R - Os meus melhores amigos. Eu tenho tantos, tenho tantos que às vezes eu nem sei se fui professor, eles me chamam: “Professor, lembra, foi meu professor?”. Mas assim, primeiro eu coloco a questão da minha família, são os meus amigos, minha família. Mas eu tenho amigos também aqui em Serra Pelada, muitos, muitos mesmos! Inimigos eu não sei, se tiver eu não sei quem é, nem é bom eu saber.
P/1 - Quais as histórias que são mais famosas aqui na Serra Pelada?
R - As histórias?
P/1 - Que seja triste, ou que seja engraçada, ou alegre?
R - As histórias… não, só aquela questão das mortes de tantos garimpeiros. Aquela questão… eu não cheguei, não estava nesse tempo. Eu só assisti uma vez de um, porque foi quando eu cheguei e que eu estava dando aulas para os alunos e alguns deles sofreram acidentes na cava e morreram. E eu fiquei assim, como é que se diz? Me mexeu muito isso, de ver eles ali, mortos. Foram poucos que morreram, parece, não sei se foram quatro ou cinco que morreram. Mas assim, mesmo assim eu digo poucos para os que morriam antigamente. Mas assim, a história de mortes de muitos me deixou muito triste. Isso me marcou muito!
P/1 - Professor, a sua trajetória como professor em Serra Pelada?
R - A minha trajetória, olha, como eu não pensava que eu ia ser professor, hoje sou professor e estou professor. E diante de tudo isso, eu olho e quando eu vejo os meus alunos à frente, e quando eu olho os que estão atrás, eu vejo assim, “Nossa, evoluiu. Vale a pena, valeu a pena!”. Porque aquele, quando eu olho dentro de sala de aula, e sendo professor hoje. Eu tendo qualquer outra função, eu fico, eu olho e vejo assim, “Valeu, vale a pena aquele calor, valeu a pena aquela fome, valeu a pena aquela briga”. Sabe, eu me sinto compensado com isso.
P/1 - Como a vida de professor é corrido, como você faz o seu dia a dia?
R - Olha, o meu dia a dia é mais em frente ao computador e de frente para a sala com os meninos, com a turma, entendeu? O meu dia a dia é muito corrido, porque agora já tem o Otto, já tem que levar pra creche, tem que ser eu que tem que levar e a gente marca tudo o horário certinho, de dormir, de acordar, o horário de sair e voltar para pegar ele e assim por diante. É muito corrido, mas vale a pena.
P/1 - Nos seus horários de folga, o que você gosta de fazer para lazer?
R - Na verdade os meus horários de folga, no momento, durante esse período letivo é mais para pesquisar, para não levar a mesmice dentro de sala de aula.
P/1 - Você gosta de morar na Serra Pelada?
R - Eu amo Serra Pelada!
P/1 - Você mudaria alguma coisa do seu passado?
R - Se eu mudaria alguma coisa do meu passado? Se eu tivesse ficado, talvez eu teria, como é que se diz? Talvez eu estaria na marinha, porque eu mandei a carta e eles me responderam, quando me responderam já foi pra cá, não podia. Mas assim, olhando por um outro lado, não me arrependo, eu não mudaria, eu faria a mesma coisa aqui.
P/1 - Você sente saudades da sua terra natal?
R - São Luís? Eu gosto de São Luís, a minha cidade e tudo, mas quando eu vou pra lá eu já sinto falta de Serra Pelada.
P/1 - O que você deseja para o futuro de Serra Pelada?
R - Aí, eu não sei se pode pensar em que Serra Pelada um dia deixasse de ser um distrito e fosse um município, mas se for um município, eu creio que um dia ainda será muito melhor do que está sendo. Isso não quer dizer que não seja bom Serra Pelada, tá bom sim. Não estou querendo dizer a questão de política, não, não é isso não, é questão porque… Mas enquanto isso, Serra Pelada está sendo bem cuidada, no meu ver. Serra Pelada agora, agora no momento está sendo bem cuidada e eu desejo que os cuidadores continuem cuidando dela.
P/1 - Como você vê o futuro de Serra Pelada?
R - Nossa, a gente está tão próximo ao futuro, né? Porque a gente olha e falta pouco aí pra algumas coisas acontecerem. Mas eu, na verdade, a bíblia diz que a gente tem que proferir coisas boas, para que as coisas boas venham, então eu vejo algo de bom! Um futuro promissor e bom!
P/1 - O que você faz hoje?
R - Hoje eu sou professor, continuo dando aula.
P/1 - Quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - Olha, gente, sinceramente, eu confesso pra vocês que eu estava um pouco assim, não querendo dar essa entrevista, mas o Carlinho, Carlinhos New nos orientou algumas coisas e eu confesso pra vocês, eu estou gostando de estar aqui, gostei e quero parabenizar vocês. Sinceramente foi bom. Está sendo bom tudo isso aqui, porque faz a gente lembrar um pouco, me fizeram lembrar um pouco do meu passado, da minha infância e isso foi bom demais!
P/1 - Qual o seu sonho?
R - Eu tenho vários sonhos, mas eu posso só posso dizer um no momento. O meu sonho é isso, que Serra pelada seja ainda mais e mais abençoada.
P/1 - Como foi pra você contar a sua história?
R - Foi assim, emocionante! Foi muito bom também, porque como eu falei, vocês me comoveram, me fizeram puxar coisas do passado que eu nunca tinha falado na minha vida. Ainda bem que eu resumi, porque senão… Então assim, foi muito bacana, muito bom, entendeu?
P/1 - Tem algo mais que você queira falar?
R - Não, só que o que eu desejo é que os alunos, professores… Principalmente… não, isso aí vocês vão cortar, isso aí, eu já ia falar coisa política, não pode. [intervenção]
P/2 - Tem alguma coisa que não foi falado aqui que você gostaria de acrescentar ou pra você está tudo bem?
R - Não, pra mim eu acho que deu pra acrescentar já. Eu acho que isso que eu falei está tudo bem, tranquilo.
P/1 - Eu ia falar no início, eu esqueci, o nosso projeto, o Museu da Pessoa, agradece o professor Nonato por essa entrevista maravilhosa!
R - Eu que agradeço vocês! Pela primeira vez não fiquei nervoso. Porque aquela da Globo foi terrível pra mim, mas foi bem bacana! E eu estou feliz também pelo projeto de vocês.
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