Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Jaldo Cortez da Rocha
Entrevista por Lucas Torigoe (P/1) e Antônio Carlos Souza da Silva (P/2)
Serra Pelada, 07 de agosto de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV018
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Seu Jaldo, obrigado viu? Obrigada por estar aqui na sua casa, ter aberto a casa do senhor para a gente, aqui, tá? E eu queria começar com uma pergunta que a gente sempre tem que fazer, que é a seguinte: Qual é o seu nome completo, que dia o senhor nasceu, que cidade que o senhor nasceu, por favor?
R - Meu nome completo é Jaldo Cortes da Rocha. Eu nasci no dia 04 de novembro de 1960, meu nascimento foi em Colinas, no Maranhão.
P/1 - Entendi, o seu pai ou a sua mãe, alguém disse como é que foi o dia que o senhor nasceu?
R - Meu pai disse que eu nasci em uma capela do mirador, chamada uma capela de Santa Rita, às 4 horas da tarde.
P/1 - O senhor nasceu na capela? Como assim?
R - Porque quando não era, aliás, na igreja, aliás, a gente nasceu, lá às 4 horas da tarde, depois a gente foi batizado nessa capela, chamado capela, que não é igreja, é só uma tenda, tipo igreja que chama capela.
P/1 - E o senhor nasceu de parteira, então? Como é que foi?
R - Foi daquelas senhoras que chamam parteiras, que vão… não era em hospital. Naquele tempo não tinha hospital, não tinha isso que tem hoje, a parteira vai lá na casa da pessoa e faz o parto da mãe da gente, e a gente nasce no interior. No interior sempre era essas coisas, né?
P/1 - E foi um parto difícil, fácil? Foi 4 horas da tarde?
R - Foi, foi fácil, todos os partos da minha mãe foram todos fáceis, não teve dificuldade, não teve nada de operação, não teve nada de levar para o hospital. As parteiras parecem que tinham uma oração muito grande, que já era, quando já botava a mão, já era, já estava nascendo, já era nascendo.
P/1 - Entendi, e conta para quem não conhece, seu Jaldo, Colinas no Maranhão, fica aonde...
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Entrevista de Jaldo Cortez da Rocha
Entrevista por Lucas Torigoe (P/1) e Antônio Carlos Souza da Silva (P/2)
Serra Pelada, 07 de agosto de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV018
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Seu Jaldo, obrigado viu? Obrigada por estar aqui na sua casa, ter aberto a casa do senhor para a gente, aqui, tá? E eu queria começar com uma pergunta que a gente sempre tem que fazer, que é a seguinte: Qual é o seu nome completo, que dia o senhor nasceu, que cidade que o senhor nasceu, por favor?
R - Meu nome completo é Jaldo Cortes da Rocha. Eu nasci no dia 04 de novembro de 1960, meu nascimento foi em Colinas, no Maranhão.
P/1 - Entendi, o seu pai ou a sua mãe, alguém disse como é que foi o dia que o senhor nasceu?
R - Meu pai disse que eu nasci em uma capela do mirador, chamada uma capela de Santa Rita, às 4 horas da tarde.
P/1 - O senhor nasceu na capela? Como assim?
R - Porque quando não era, aliás, na igreja, aliás, a gente nasceu, lá às 4 horas da tarde, depois a gente foi batizado nessa capela, chamado capela, que não é igreja, é só uma tenda, tipo igreja que chama capela.
P/1 - E o senhor nasceu de parteira, então? Como é que foi?
R - Foi daquelas senhoras que chamam parteiras, que vão… não era em hospital. Naquele tempo não tinha hospital, não tinha isso que tem hoje, a parteira vai lá na casa da pessoa e faz o parto da mãe da gente, e a gente nasce no interior. No interior sempre era essas coisas, né?
P/1 - E foi um parto difícil, fácil? Foi 4 horas da tarde?
R - Foi, foi fácil, todos os partos da minha mãe foram todos fáceis, não teve dificuldade, não teve nada de operação, não teve nada de levar para o hospital. As parteiras parecem que tinham uma oração muito grande, que já era, quando já botava a mão, já era, já estava nascendo, já era nascendo.
P/1 - Entendi, e conta para quem não conhece, seu Jaldo, Colinas no Maranhão, fica aonde no estado do Maranhão? É longe de São Luís ou não é? É perto, como é?
R - Colinas no Maranhão é uma cidade muito conhecida, muito boa, ela não fica longe da capital São Luís, ela fica entre São Domingos e perto de, aliás, fica em Presidente Dutra, aí São Domingos, aí Colinas, e ao lado tem o Mirador, bem pertinho, quase encostado, Mirador, e tem também ali do outro lado, a Pastos Bons, ali entre aquela... É muito, muito perto, agora a mais próxima é Mirador, e São Domingos do Maranhão.
P/1 - Entendi. E me conta uma coisa, qual é a origem da família do seu pai? Você conheceu seus avós de pai, avós de pai ou não?
R - Damião Paulo Cortez, meu avô, né? E a minha avó, é o mesmo nome, a dona Antônia Paulo Cortez.
P/1 - E eles faziam o quê? Eles eram do Maranhão também, seu Jaldo, ou não?
R - Todos do Maranhão, todo mundo do Maranhão, nascido lá, todo mundo. Inclusive o nosso interior lá, que é a onde a gente nasceu, onde a gente teve a infância de criança, todos os locais lá tem os nomes dos interiorzinho, lá tem Maravilha, tem Malícia, tem uns nomes aí, meu interiorzinho lá, tudo encostado no outro, é Pé da Ladeira, perto da ladeira onde entrava Damião Paulos Cortez, minha avó, meu pai, minha mãe, tudo lá, mas o interior era, chama Pé da Ladeira.
P/1 - Por que tem esse nome, Jaldo?
R - É porque, o seguinte, lá todos os locais que a pessoa fazia roça, aquelas roças, nós trabalhávamos com lavração, né? Lavrador, aí quando a gente ia subir para ir lá para onde a roça, brocar, derrubar, tudo, aí tinha uma ladeirona grande, a quando a gente caminhava poucos metros a ladeirona maior do mundo pra gente subir. E aí chama Pé da Ladeira. Quase a gente não terminava de subir, cansado, aí lá que chegava no plaino para fazer as roças. Aí deram o nome de Pé da Ladeira. E tem muitos anos, tem muitos anos.
P/1 - E a família da sua mãe, é de lá também?
R - Também é de lá.
P/1 - Conheceu eles?
R - Conheci.
P/1 - Quem são seus avós de parte de mãe?
R - Damião Paulos Cortez, Damião, aí os avós, a minha avó, que é a esposa do Damião Paulos Cortez eu não estou bem lembrada do nome dela não, mas é quase assim também. Que é pai da mamãe…. Carmosina Cortez da Rocha, que é a mamãe.
P/1 - Fala um pouquinho mais da sua mãe então, ela, quando você se deu por gente, o que ela fazia? Como que ela é?
R - A minha mãe, na verdade, quando eu passei a entender o mundo, foi uma das pessoas melhores que eu já vi na minha vida, mamãe e papai, todos são lavradores, todos são da roça, tudo. A minha mãe ela nos tratava nós, os filhos dela, com carinho, a minha mãe era uma lavradora quebradeira de coco, quebrava coco, lavava roupa, nossos alimentos era ela que fazia, por um acaso, o azeite de coco ela fazia. Quebrava o coco, fazia o azeite de coco, torra o coco, depois tira o azeite. O café, torra o café, faz o café, tudo de lá manual, e a vida era aquela, de roça, vida de lavradora, muito maravilhosa. Depois de, tinha aquela coisa, que a gente fazia quebra de jejum de manhã, fazia o cuscuz de milho, ou o cuscuz de arroz, e chamava “quebra jejum”, “Meu filho, vem quebrar o jejum".” Aí depois chamava um chapéu de couro, pisava o arroz no pilão, lá era no pilão, tem o pilão, e pisa, faz a massa, né? Aí depois fazia aquela massa, temperava com azeite de coco, tal, aí fritava na frigideira, chamava-se, o nome daquele quebra jejum, era “chapéu de couro”, a coisa mais gostosa do mundo, “chapéu de couro” o nome, que ela fritava o bolinho, e a gente: “Oh, mamãe, me dá meu chapéu de couro agora aí”. Muito legal. E o milho, o cuscuz de milho ou de arroz, fazia talhada, o nome era talhada, tirava a talhadinha e botava assim no prato, aí depois jogava um pouquinho de azeite de coco por cima, para ficar mais gostoso e a gente comia aquela talhadinha com café, com café, muito bom, minha mãe, maravilhosamente. Agora, uma coisa, acho que um sentimento que teve, quando eu saí de lá, que vim embora, porque a gente sempre foi lavrador, e o sentimento do lavrador nunca tem uma condição boa. Aí quando eu vim de lá para vir caçar uma condição melhor, né? Aí eu disse: “Mamãe eu vou me embora, vou caçar uma condição melhor, porque aqui na roça, eu não gosto de roça…” Nunca gostei de roça, eu sempre fui preguiçoso para trabalhar de roça, aí o mosquito dava na orelha da gente, eu começava a tanger os mosquitos. Aí eu vim… “Está meu filho, você quer ir, eu não queria que você fosse não, mas você quer ir…” E, infelizmente eu vim para Serra Pelada, eu vim em 1980 para Serra Pelada, e eu deixei ela, eu disse: “Olha mamãe, eu vou chegar aqui, com fé em Deus eu vou lhe dar uma vida melhor, para você”. E foi um sonho que eu não realizei. A minha mãe morreu, eu não consegui, não consegui, até hoje. Eu vim para Serra Pelada para conseguir uma coisa melhor, eu não consegui, não consegui.
P/1 - O senhor tinha quantos anos quando o senhor foi lá? Ou veio para cá?
R - Hum?
P/1 - O senhor tinha quantos anos quando o senhor veio para cá?
R - 20 anos. Eu vim para achar uma condição melhor, porque, os outros irmãos meu, gostava de roçar, eu nunca gostei de roçar, mas eu não consegui meu objetivo, para chegar lá e… não consegui esse sonho, ela morreu e eu não fui lá com…
P/1 - Ela faleceu com que idade, seu Jaldo? Que ano que foi? O senhor se lembra?
R - Ela faleceu com 88 anos de idade, já faleceu. O meu pai faleceu também com 86 anos de idade, meu pai faleceu primeiro que ela.
P/1 - Prosseguindo então seu Jaldo, nós estávamos falando da sua mãe, né? A sua mãe, em que ano ela faleceu? O senhor se lembra? Ela morreu com 88? Em que ano foi?
R - Ela morreu, é, está com 8 anos que ela morreu, que ela morreu.
P/1 - E ela estava lá no Maranhão?
R - Estava no Maranhão, e eu estava aqui. Foi no ano, deixa eu ver, 1980, não, foi em 2000.
P/1 - 2016?
R - Foi em 2002.
P/1 - 2002, tá.
P/1 - E vamos falar um pouquinho do seu pai então, qual é o nome completo dele? Como é que ele é?
R - O meu pai é Adonel Torres da Rocha, o nome do meu pai é Adonel Torres da Rocha. Ele também foi lavrador, ele foi um bom pai, um pai maravilhoso, nunca ele deu um mau exemplo para os filhos, ele nunca foi homem de andar, ele, tem uma coisa importante na vida dele, ele era sanfoneiro, tocava uma sanfoninha de botão, aquela sanfoninha pé de bode, bacana, e nós gostaríamos de fazer brincadeira. Inclusive, lá nós éramos os famosos tocadores de festa, festa com a sanfoninha dele, aí o zabumba dele, triângulo, e também, eu era sanfoneiro também, aprendi com ele. Ixi, quando nós íamos tocar chamava vesperal, vesperal, o vesperal, não é a festa de noite, começa às 03 horas da tarde, até mais ou menos às 6 horas, 7 horas da noite, chamava vesperal. Ixi, quando a gente tocava, aquela festa de dia, pandeiro, triângulo, sanfona… E ele sempre foi um sanfoneiro bom, um sanfoneiro alegre, toda a vida meu pai, por isso que quando o pessoal pergunta aqui: “Jaldo, porque você gosta de alegria? De forró? Passa na rua com teu carro de som tocando forró…” Eu digo: “É puxando para o meu pai.” Meu pai sempre gostou de tocar, e quando eu vim de lá, naquela época, 1980, eu já era tocador, em 75 foi a época que eu era jovem, tudo, tocando em festa, 76, 77, 78, 79, era rapaz novo, tocador de festa, junto com o meu pai. E o meu pai foi um grande homem, que nunca teve um problema com nada, não era valente, não bebia, não bebia bebida alcoólica, nada, uma pessoa tocadora, tocador, que é difícil ter um tocador para não beber um pouquinho, e ele tocava a festa dele, a sanfona dele, mas não bebia. Muito bom meu pai, meu pai e minha mãe, sinceramente, foram das pessoas mais importantes da minha vida, foi o que eu acabei de falar agora a pouco, eu tive esse sentimento, muito grande na minha vida, vim para Serra Pelada para tentar ajudar eles em alguma coisa, e não foi possível, não realizei esse sonho.
P/1- Agora, o seu pai, o senhor se lembra as primeiras músicas que seu pai te ensinou a tocar?
R - É muito difícil lembrar, porque é muita música, era no auge do Bartô Galeno, naquele tempo que o Bartô Galeno estava no auge, que tocava aquelas músicas, e aí a música, o papai, a maioria era forró dele mesmo, era música criada por ele mesmo, então é muito difícil lembrar o nome. Ele criava um forró, ele mesmo, não tinha autor, não tinha outra pessoa, era autoria dele. As músicas do papai, os forrós que ele tocava na sanfona eram autoria dele mesmo.
P/1- O senhor se lembra de algum desses forrós? Dá para cantar para nós aqui, ou não?
R - Não, não dá pra lembrar não, porque são muitos anos, e aí eu não lembro desses, não lembro não.
P/1- Se o senhor lembrar durante a entrevista pode pedir para parar e cantar, tá? Fica à vontade, tá bom?
R - Tá.
P/1- Mas assim, ele ensinou o senhor a tocar sanfona, o senhor era pequeno? Como é que foi isso aí?
R - Eu tinha 12 anos, quando ele me ensinou, ele tocava e me ensinava a tocar, 12 anos de idade, aí ele: “Meu filho, pega aqui, vamos embora”. Não era sanfona de palheta, era sanfona de botão, a pé de bode chamada, a pé de bode. A sanfona pé de bode é uma pequeninha, que é o botãozinho aqui, não é aquela de palheta, a de palheta sempre foi maior, e foi, mas ele me ensinou e quando ele tocava eu digo, inclusive depois que eu aprendi um pouco, né? Aprendi bem mesmo, aí quando nós íamos tocar a festa, né? Aí ele tocava um bom pedaço: “Agora vou descansar, vou passar para o meu filho”. Aí eu (barulho de sanfona) tocando, o pau quebrava, aí o papai: “Agora tem quem me descanse, agora tem quem…” Então, era bom demais, foi bom, aí, mas aquelas festas, aí inclusive quando não tinha festa a gente inventava o nome “farra”, “farra”, era uma tocada que juntava os amigos para tocar de noite, só para se divertir, e aí saia convidando no interior todo. Interior você sabe como é, não tinha, naquele tempo não tinha luz, não tinha, era luz de lamparina, lamparina é um bicho que a gente acende, bota querosene, tem um pavio. A gente saia convidando os amigos: “Hoje lá tem uma tocada, hoje tem uma farra”. Aí lá o seguinte, lá, a gente era sempre no interior foi muito farto de coisa, matava uma galinha, fazia uma comida, matava um porco, caçava tal, a farra era só para aquilo, não era para fazer, era só para: “Hoje aí vamos matar uma leitoinha para nós comermos, assar”. E aí começava a tocada, ixi era uma coisa bonita, até de madrugada, aí quando todo mundo comia carne, e dançava. Aí lá era sanfona, zabumba, pandeiro, triângulo, rec, eram as coisas do interior.
P/1- Quem que cantava? Alguém cantava?
R - Meu pai, lá todo mundo cantava, todo mundo cantava a música…
P/1- E quem que era a banda que o senhor e seu pai tocavam mais? Quem eram as pessoas que tocavam com vocês?
R - Não, quem tocava conosco era o Riba. Riba era um sobrinho da mamãe, filho do tio chamado Cantidio, tio Cantidio. O Riba era um bom pandeirista, o Antônio Joaquim o do triângulo, o zabumbeiro, aí tinha um zabumbeiro, cada um, tinham vários lá, todos da família. Batiam pandeiro, outro batia o triângulo, outro no rec, outro na zabumba, então cada um tinha a sua função.
P/1- E me conta uma coisa: Jaldo, vocês plantavam o que na roça nessa época?
R - A gente plantava arroz, feijão, milho, abóbora, melancia. Tudo que é de lavrador nós plantávamos, era uma roça de tudo, tudo. Primeiro quando a gente começava a fazer a roça, o primeiro lance da roça era brocar, o que é brocar? A gente entra dentro daquela mata virgem, aí faz o broque, cortando aqueles paus menores, aí depois derribar, derribar é cortar aqueles paus grandes, aí depois de derrubar rebaixar, cortar os galhos de pau, para depois tocar fogo na roça, depois de tocar fogo na roça, incolvará, tirar aqueles paus todos, juntar, para ficar limpo o terreno. Aí depois quando estava tudo limpo, aí plantava o arroz, o arroz geral, aí depois plantava as carreiras de milho. Lá chamava carreira de milho, carreira de milho, aí é mais ou menos 4 metros cada uma, carreira de milho. Aí depois nós plantamos melancia pelo meio, plantava uma abóbora, plantava o jerimum, e tudo dava. Quando chovia tudo que nascia tinha abóbora, melancia, milho, o arroz era por último, né? Aí depois ainda tem que limpar o arroz, limpar o arroz quer dizer, quando o arroz nasce, aí tem um mato pelo meio, né? Aí vamos limpar o arroz, limpar o arroz quer dizer, tirar os matos de dentro do arroz, para o arroz crescer. Quando essa roça ficava os arrozes, que a gente via aqueles cachos de arroz já amadurecendo, amarelinho, a coisa mais linda do mundo, rapaz, a gente saia pelo meio, o pé de melancia com muita melancia, olhava um pé de abóbora com muita abóbora, pepino, tudo. Os milhos enfileirando, chamava boneca de milho, os milhos embonecando, coisa mais… Nossa senhora, quando o milho amadurecia a gente ia quebrando os milhos, a coisa mais especial, fartura no mundo é roça, foi de onde eu vim, eu vim da roça, do meu pai, minha mãe, são lavradores, a coisa mais importante do mundo.
P/1 - Descreve para mim, conta pra gente como é que era o terreno de vocês lá no pé da ladeira, como é que era a casa de vocês?
R - A casa era assim, era uma casa de barro coberta de palha de coco. Aí como era que fazia essas paredes de barro? A pessoa pegava as talas de coco, enfiava os enchimentos, assim, um metro um do outro e depois pegava aquele talo de coco tirava as palhas, aí ficava só aquele talo, aquela vara comprida, aí pegava e amarrava na parede com cipó, chamamos de cipó. Cipó é uma embira, é um tipo que a gente amarra, tipo de um cipó que a gente dá um nó para segurar o enchimento. Aí quando estava todo tecidinho e amarrado de cipó, a pessoa amassava o barro, lá. Tinham as pessoas que amassavam o barro, pegavam, amassavam o barro, jogavam água, igualmente esse pessoal que faz coisas aqui, coisa para cimento, né? Aquele eles fazem para fazer a casa de cimento e lá não, aquele barro, quando ele estava bem… aí pegava ele e ia botando dentro do… aí ia só (batendo com as mãos). Não deixava muito mole não, para não cair. Aí quando vê, a parede já está lá em cima, parede de barro. Rapaz e é uma coisa feinha, o barro. Aí depois quando ele secava, meu amigo velho, pronto, era uma parede igualmente uma parede de tijolos. Agora a cobertura era palha, só palha de coco, coberto com palha de coco.
P/1 - Você tem irmãos, irmãs?
R - Tenho, graças a Deus tenho irmãos. Nós somos 4 irmãos, dois homens e duas mulheres. Eu tenho a minha irmã mais velha, a Ieda, Maria Ieda. Aí tem o João Côrtes da Rocha, que é o meu irmão. Aí tem eu e a Antônia Rita. Hoje esse povo é um povo, graças a Deus, rico, porque quando eu vim embora, que eles vieram para Colinas, todo mundo, hoje ficaram um povo formado, estudaram. Porque no tempo de eu estudar eu vim foi para Serra Pelada, é por isso que hoje eu estou nessa. Os que ficaram lá se formaram, estão todos bem de vida. Mas era assim, nós éramos quatro irmãos lá, aí todos os quatro irmãos trabalhavam de roça também, nós todos ajudávamos o papai e a mamãe. A mamãe tomava conta daquele negócio de quebrar coco, de tirar o azeite de coco e tudo. E o papai cuidando da roça. E nós ajudaremos. Inclusive quando, lá em cima da serra, que você me perguntou: “Pé da Ladeira?”. Que era para subir a ladeira, eu ficava aqui até na hora de deixar a comida do papai. Então na hora a mamãe fazia a comida, eu pegava a vasilha e ia subir a ladeira, “Vai deixar a comida do seu pai, meu filho”. Aí eu subia a ladeira, era longe a serra onde se fazia a roça. Aí ia lá e deixava, “Papai?”. Lá na roça tem uma casinha chamada rancho, “Quando você chegar no rancho, meu filho, aí você chama o seu pai”. Aí eu chegava no rancho. Rancho é uma casinha “deste tamanho” de palha também. Aí chegava lá, “Papai, a comida, pai!”. Ele, “Oi, meu filho!”. Aí lá vem ele, lá, saindo de dentro da roça, “Oh, meu filho. Chegou?”. Aí abria a marmitinha, amarrada com um pano, era uma bacia amarrada com um pano. A história da roça é uma coisa muito importante, foi onde eu nasci e fui criado. [intervenção
P/2 - Seu Jaldo, entre os seus irmãos, quais eram as brincadeiras favoritas?
R - As brincadeiras favoritas, brincar de bola, brincar de peteca, brincar de pião. Bola era aquele negócio de jogar bola e tal, tal, tal, peteca era aquele negócio que faz três buracos e vê quem é o melhor de jogar lá no buraco e o outro, pião, é aquele que a gente enrola no cordão e tchum, joga o pião e o melhor, o que era melhor acertava em cima do pião do outro e virava só o bagaço, agora quem era ruim nunca acertava o de cima. Aí eram as apostas, o pião é um bichinho que a gente enrola o cordão e faz “assim”, aí fica marcando o outro, e o outro está lá, o outro está enfiadinho, se o cara não acertar, aí quem vai jogar é o outro, mas tem hora que a gente acerta, é bom, aí esbagaçar o pião, pá! Fura o peão do outro, eita! Aí tinha também a brincadeira de se esconder, “Ei, já pode!”. Aí o cara saía, os outros se escondendo, caçava na parede daqui debaixo, aí dizia: “Onde está tu?”. E eu caladinho de trás de uma parede, de trás uma moitinha. As brincadeiras eram assim, do interior, brincadeira, moço era bom demais! “Ei!”. Aí quando achava a pessoa no local “Ih, eu te achei. Ah!!!”. Que dava aquela gritaria toda! Aí dizia: “Te achei!”. Aí aquele que achou ia se esconder para o outro caçar. Aí tudo era na porta. Eu me escondia tão… eu era difícil de achar, porque eu corria para frente dos matos, eu era sabido, eu era mais mala do que os outros, eu me escondia era debaixo da cama da mamãe, ninguém ia caçar lá, eu era mais artista, sempre fui mais artista. Então as brincadeiras eram assim, pião, peteca, se esconder, bola, as brincadeiras do interior sempre foram esses tipos de brincadeiras.
P/2 - Tem alguma comida, assim, de infância lá da família que você lembra bem, que você mais gostava?
R - Da família?
P/2 - Algum alimento que a sua mãe servia em casa que era a sua preferida?
R - Tenho, eu tenho. O que eu mais gostava era arroz com abóbora, quando a mamãe fazia arroz com abóbora, “Mamãe, você fez arroz?”. O arroz com abóbora, que tem a abóbora que a gente planta, assim, aí faz o arroz, o arroz era pilado no pilão, o arroz a gente tira lá da roça, chama paiol onde fica o arroz, paiol o nome, aquele monte de arroz com cacho, aí tira aquele arroz, pila no pilão, quando está muito verde bota no sol pra ele ficar um pouco seco, aí depois pega ele, aí bota no pilão e pisa. Aí fazia o arroz branquinho, gostoso, aí pegava a abóbora e botava dentro, nossa, uma das comidas melhores do mundo, que eu achava. Aí muitas vezes, naquele tempo, não tinha carne, a nossa carne era mais matando aqueles passarinhos, pomba, juriti, matava uma pomba, uma juriti, “Hoje tem uma pombinha para comer”. Se não tivesse, aí fritava um ovo, um ovo de galinha, que a gente criava muita, galinha tinha. Mas mamãe não matava a galinha todo dia, quando era galinha ou porco, que essas coisas tinham demais, galinha ou porco no interior não falta essas coisas, criação de porco, galinha e tudo. Mas aí, às vezes, quando não tinha essas coisas, a gente fritava um ovo. Mas quando tinha só arroz com abóbora, “Não, mamãe. Não tem problema não, arroz com abóbora pra mim tá bom demais!”. Mas eu era muito viciado em sal, eu pegava uma pitadinha de sal, assim, aquilo ali era o mesmo que um pedaço de carne, “Menino, não come sal não, que faz mal!” “Não, mamãe. Eu só tô triscando, só. Só tô triscando no sal”. “Menino, não pode comer sal não. Muito, não, que faz mal!”. Mas eu gostava de sal! Mamãe, mas o arroz com abóbora era o meu prato suficiente. Ela fazia com abóbora, fazia com outras coisas, com quiabo também, feijão com quiabo, com milho, mas o meu preferido é arroz com abóbora.
P/1 - Vocês iam na igreja ou não, lá?
R - Não tinha, não tinha. Na época não tinha igreja. O meu pai rezava muito e ensinava a gente a rezar, mãe, mas era dentro de casa mesmo. Agora só tinha, na época na Maravilha, bem pertinho, assim, outro interior chamado Maravilha, é tudo uma coisa só, eles tinham capela, mas a missa só era de ano em ano. Aí quando era o dia do festejo, ainda lembro até como se fosse hoje, 26 de julho era o dia. Aí todo mundo ia para a missa, aí vinha o padre lá de Caxias, de Colinas, aí eu dizia: “Hoje é o festejo, vai ter aí, ixi, vai ter gente demais!”. Naquela missa, eu acho, não sei nem como era que dava tanta gente, daquele tanto, porque ninguém era acostumado com missa e nem com padre. Ave Maria, o que o padre mandasse a gente fazer! Era uma missa bonita, capela, o nome era capela, não era igreja, a Capela da Maravilha.
P/1 - Agora, por que que era 26 de julho? E que festejo era esse?
R - Era uma data marcante, era o aniversário de um grande homem lá da Maravilha, o fundador da Maravilha. Era o dia do aniversário dele, aí botaram nesse dia o festejo.
P/1 - E tinha o que na festa?
R - Ah, na festa, depois da missa… tinha a missa, né? Aí depois da missa tinha os leilões, tinha aquela fogueteira, muito foguete. Aí depois do foguete, quando terminava tudo, o negócio da missa, com aqueles foguetes todos, os leilões que arrecadava dinheiro demais lá para a igreja, todo mundo arrematar um frango, uma banda de leitoa, de porco, com o maior prazer, e muito caras, aqueles caras mais ricos, porque era para ajudar a igreja e a capela e o padre também que ia. Aí depois daquilo ali, que terminava, eu dizia: “Agora é forró, menino!”. Aí forró com cachaça maranhense, “esquepingueleguebio”, o forró torava lá! À noite, né, depois que terminava tudo, aí o padre ia embora, né? Aí depois nós íamos para a festa. Aí o sanfoneirão com o triângulo e o pandeiro, tinha vez que era o papai, aí eu juntava os sanfoneiros todos para ajudar, né. Porque não era só o papai que era sanfoneiro, eram muitos sanfoneiros. Aí os sanfoneiros tocavam tudo e nós passávamos a noite todinha de brincadeira e de festa, mas uma brincadeira normal, né? O cabra tocando a sanfona e o povo dançando. Só que a cachacinha também tinha, a cachaça lá era no alambique, aquela cachaça aparada no alambique. Meu tio tinha um alambique, aquele que tem um engenho, que os bois vão rodando ao redor e bota a cana, a cana vai torcendo aqueles dois rolos, fazendo um engenho para tirar a garapa. A garapa fazia a rapadura, fazia a cachaça e outras coisas mais, a geleia. Só que nós gostávamos era da cachaça, quando dava fé, estava todo mundo bêbado ao pé do engenho. Aí nós pegávamos a cachaça e íamos para a festa, tinha cachaça também, mas também era sem brigas, uma coisa maravilhosa, uma brincadeira.
P/1 - Seu Jaldo, quando estava bêbado tocava também? Tocava melhor, pior, como era isso daí?
R - Não, quando eu estava bêbado eu tocava mais ruim, não tocava igual quando estava bom. Ninguém nunca faz uma coisa bem, mas não era também, ficava um pouco só mais animado, tocava, mas não tocava bem como quando estava bom, não, não tocava bem, não.
P/1 - Entendi. E que músicas o senhor gostava mais de tocar? O senhor lembra quais forrós que tocavam, que tipo que eram? Ou aquele forró que o senhor era bom tocando e cantando?
R - Nós tocávamos músicas mais antigas, mas não era nem muito nem bom tocar ela, tocar ela, é o xote que dizia assim: “Oh, tabaco bom, bom de se cheira. Oh, tabaco bom de se cheirar. Minha vida vem tocar”. A música tabaco bom era a música que estava no auge. E a outra era: “Pau de sebo é um pau escorregador, lá em cima tem dinheiro para o primeiro subidor”. Rapa, ih, é música antiga, era música.
P/1 - Vocês tocavam Luiz Gonzaga Também? Alguma coisa assim?
R - Tocava algumas músicas de Luiz Gonzaga também. Só que naquela época, a gente tocava mais músicas de autoria da gente, quase não tocava músicas… tocava músicas de outros cantores, mas, mais era da gente.
P/1 - E o senhor compôs alguma?
R - Não. Eu fiz algumas músicas, mas não estou lembrado, no momento eu não estou lembrando delas, não, já faz muitos anos e tal.
P/1 - E me conta uma coisa, lá onde o senhor morava, com os seus vizinhos, tinha alguma festa especial, alguma folia, alguma coisa assim que vocês faziam sempre?
R - Tinha, tinha. Inclusive essa que eu te falei era uma das festas especiais, que era o 26, um dia de festa. Aí também tinha o local que a gente fazia festa, era de ano em ano também, chamado Alto Bonito, é um interior também. Aí a gente fazia essas festas lá, dos irmãos. Tinha as festas lá do pessoal que festejava, dos interiorzinho, né. Tinha festa também na Panela, na Panela também tinha festa também, Panela é o nome de outro interior. Mas era tudo individual, cada festa tinha sua época, e às vezes também, era mais quando tinha o aniversário de uma pessoa e ela fazia uma festa, chamava a gente, fazia a festa, mas as festas eram todas de sanfona.
P/1 - Forró.
R - Forró e de sanfona, não tinha outra coisa não. [intevenção] Eu botei essa camisa porque ela é uma camisa antiga e identifica o meu nome, por isso que eu botei ela.
P/1 - Tá 10!
P/2 - Seu Jaldo, a sua banda e do seu pai, os tocadores ali, eles eram bem requisitados na região para estarem acompanhando as festas?
P/1 - Era, quando tinha aquelas festas no interior, “Vamos chamar o Donelli, o pai do Jaldo. Vamos chamar ele”. Aí ele era chamado. Mas tinha os outros também, tinha uma turma que achava os outros melhores, tio Chico, Chico Galdino, Antônio Galdino, tinha o João Galdino, Adonel, mas o papai era bem chamado.
P/1 - E pagava como e quanto?
R - Cota, tirava cota. Cota é a casa, um barracão desse tipo assim, de palha. E aí o seguinte, lá quando vai fazer a festa, aí tem um cantinho onde ficam os sanfoneiros todos, aí ficam dois porteiros aqui na porta com a candeia, lamparina o nome, aí um aqui e o outro de lá, agora quem passar ali vai ter que pagar a cota, a cota é a portaria para dançar, mulher não, a mulher é liberada, mas os homens tinham que pagar a cota. Só que quando era a hora de começar, ninguém fazia questão, chegavam lá e pagavam, pagavam, pagavam, pah e pow, “Eu quero entrar!”. E tinham uns que passavam a noite todinha esperando, pedindo para liberar, aqueles sem dinheiro, né. Mas aí o que pagava ia dançar, as meninas, a mulherada está lá no canto esperando e não tem negócio de… quando chegava o cara que pagou a cota, só fazia puxar pelo braço de uma e o pau quebrava. Então aquele dinheiro, aquele dinheiro ali era que ia sair para o sanfoneiro, o que era tirado na cota. Mas também ninguém dançava sem pagar, não.
P/1 - O senhor dançava também?
R - Dançava, eu era um bom dançador. Eu sempre fui, ainda hoje sou. Eu sou dançador, dançava também, enquanto o papai estava tocando lá eu estava dançando. E as meninas, porque eu era o sanfoneiro, as meninas gostavam de dançar comigo, “Olha, o Jaldo. Vou dançar com o Jaldo”.
P/1 - O senhor namorou muito nessa época dançante?
R - Namorei, muito, muito mesmo, muito! As meninas gostavam de namorar comigo, porque eu era sanfoneiro, rapaz novo e bonito. Eu já fui bonito, naquele tempo eu tinha cabelo, eu tinha cabelo naquele tempo, era famoso, namorador.
P/1 - Namorava como nessa época?
R - Hum?
P/1 - Como é que namorava nessa época?
R - Não, namoro naquele tempo era aquele namoro de, como é que chama? Com toda responsabilidade, ia para casa da menina, não tinha negócio de ficar com frescurinha na frente do pai, o pai ficava sentado em uma cadeira aqui e a outra ali, pegado na mão. Não tinha esse negócio de ir para lugarzinho de trás de parede, e ainda tinha que pedir para o pai pra namorar, se o pai não aceitasse não adiantava não. Regime duro! E aí se o cara mexesse com a menina, não podia mexer, se mexesse com a menina, ele tinha que casar e se não casasse podia pegar um sofrimento. Era assim. Aí a gente ia pra casa da menina, namorava, o pai… aí quando era tantas horas da noite, sentado aqui namorando, tal, “Minha filha, tá na hora de dormir! E tá na hora de você ir para casa cidadão”. Aí botava a menina para dormir e o cabra saia quietinho pra casa dele. Não era negócio dessa frescurinha de hoje, de estar atrás de parede, em banheiro. Isso era coisa séria naquela época, na época de 70, 60, 70. Em 70 eu já tinha dez anos, que eu sou de 1960, o regime era duro, aqueles velhos, tu sabe aqueles velhões duros que dá respeito à família, “Vai lá, vai namorar, mas tu…”. E na hora de casar era o pai que estava lá, não tinha esse negócio. Hoje meu filho, a coisa tá comum, mas naquela época a coisa era com respeito.
P/2 - E algum de seus irmãos acompanhavam vocês também na música?
R - Acompanhava, o meu irmão, o João. Nós somos só dois homens e duas mulheres, acompanhavam, todo mundo acompanhava na festa, acompanhava, ia para lá, brincava. Inclusive até hoje o meu irmão é um dos maiores dançadores da região, lá quando tem uma festa, uma brincadeira: “Convida o João, vai ter um concurso de forró, chama o João que ele ganha todos”. O meu irmão. Eu sou dançador, mas meu irmão é mais dançador do que eu.
P/1 - Agora o senhor, nessa escadinha, o senhor está aonde? E qual é o nome dos irmãos do senhor?
R - O nome dos meus irmãos, a mais velha, é Maria Ieda Cortez da Rocha, aí vem meu outro irmão, João Francisco Cortez da Rocha, aí vem eu Jaldo Cortez da Rocha, aí vem a mais nova Antônia Rita Cortez da Rocha.
P/1 - E porque o seu nome é Jaldo? Falaram para o senhor como foi essa escolha aí?
R - Dizem que quando eu nasci escolheram lá, aquele povo do interior e tal. Eu nasci e aí escolheram esse nome, mas não me explicaram, que dizem que naquela época acompanhava o nome do santo, e meu nome deu certo com esse Jaldo. E a coisa mais difícil do mundo é eu achar um xará com esse nome Jaldo, nunca, não sei porque o nome de Jaldo é difícil, de José, Pedro, Antônio, João, tem um milhão, José, Pedro, Francisco, agora Jaldo é difícil demais. E lá o pai me disse assim: “Não, é porque teu nome é Jaldo". Aí um dia eu perguntei: “Papai, por que meu nome é Jaldo, Jaldo Cortez da Rocha?”. Aí ele disse assim: “Não, é porque nós escolhemos, reunimos e escolhemos esse nome, porque deu certo com um santo”. Agora eu não sei que Santo é esse. Por isso que até aí… foi… e aí é Jaldo. E eu andei por esse Pará todinho aqui, por Imperatriz, por tudo e nunca encontrei um Jaldo.
P/1 - E me conta uma coisa também, você falou que não tinha energia, né? Nessa época?
R - Não, lá não tinha energia não, era candeia, o nome é candeia. Candeia, o nome é candeia e lamparina, é uma bichinha assim que a gente bota querosene dentro, um pavio feito de algodão, aí puxa ele aqui, aí acende ele e passa a noite todinha. Só que tem que abastecer quando o querosene está pouco. Quando ele começa a ficar ruim eu digo: “ Ei, o querosene acabou“. Aí bota o querosene, querosene, não é gasolina não, porque se botar gasolina…
P/1 - Agora, vocês então tinham que dormir cedo ou o seu pai, sua mãe ou algum avô ficava contando história para o senhor?
R - Não, tinha dia que o papai ficava contando histórias, aquelas histórias bonitas, chamavam um tio para contar história. Tinha o dia de história, “Hoje o fulano de tal, o Titinho, o tio Cantidio ou Tio Felício vem contar histórias aqui hoje para nós”. Porque tinham os contadores de histórias. Naquele dia a gente ficava até muito tarde ouvindo as histórias, eram histórias bonitas, a gente sorria. Tinha história que a gente morria de sorrir ao redor dele, a turma toda, mas quando não tinha o dia de história, a gente dormia cedo. “Pai já vou dormir! Pai já vou dormir, benção”. Aí todos nós naquela época tínhamos que dar benção ao pai e a mãe para ir dormir, quando levantávamos cedo também tinha que dar benção, “Benção pai, benção mãe”. De manhã cedo. Para dormir tinha que dar benção, e quando iam se alimentar, na hora almoço, tinha que rezar uma oração antes de se alimentar, todo mundo ali, com uma mesa aqui, tinha vez com uma alimentação, pode ser de qualquer tipo, tinha que fazer oração, aí quando todo mundo terminava de almoçar, aí todo mundo se benzia, aí, “Benção pai, benção mãe”.
P/1 - Agora que histórias eram essas, Jaldo, que contavam para você? O senhor se lembra de alguma que marcou o senhor?
R - Não, chamavam o nome, chamavam história de Trancoso, é o nome, tinha todo o tipo de história, de cavalaria, de gente que tinha se perdido na mata. Eram histórias importantes, o nome se dava “história de Trancoso”, o nome de interior daquela época.
P/1 - O senhor lembra de uma pra contar para a gente?
R - Não, não lembro não. Eu lembro só de uma história que foi um filho que se perdeu na mata, naquela época, aí foi uma grande repercussão para ir caçar ele, até quando acharam essa pessoa que estava na mata. Eu lembro só mais ou menos, eu não lembro de toda, não, porque é muita história. Mas as histórias, davam o nome de histórias de Trancoso, naquela época. Aí tinha vez que a gente passava quase a noite toda com essas histórias bonitas. Aqueles mais velhos, os mais velhos, os nossos tios, os nossos amigos mais velhos contavam essas histórias para a gente sorrir, mas mais eram histórias pra gente sorrir. Eita, aí quando dávamos fé, estava todo mundo deitado no chão sorrindo das histórias que ele fazia. Eles contavam histórias com graça, né? Então naquela época era assim.
P/1- Seu Jaldo, quando dava confusão na festa, o que rolava? Como é que era?
R - É, tinha a turma de chegar, tinha uns caras valentes quando dava confusão, mas tinha uns amigos que chegavam e diziam: “É, rapaz, não faz isso não, por favor! Não vamos acabar com a festa, por favor!”. Aí aquietava. Aí a pessoa que estava valente, que às vezes, muitas vezes bebia muito, ficava muito valente, igualmente uns que tem por aí. Aí chegava à turma: “Rapaz, é o seguinte, por favor, eu não quero que você fique valente, não acaba com minha festa”. O dono da festa O dono da festa chegava: “Eu não quero que você faça bagunça aqui, porque eu estou na festa, está tendo despesas e tal”. Aí o cara ficava mansinho, aí acalmava, “Não, tá bom, desculpa aí”. Pedia desculpa ainda, quando tinha confusão, ele pedia desculpa. Tinha vez que tinha alguns que não tinham jeito pra ir numa festa, tinha uns que desintegrava. E quando o cabra estava meio bêbado, não tinha jeito para não ter um querendo ser melhor do que o outro, “E tu? E tu é o quê?”. Aí fica sempre aquele negocinho. Mas aí quando começava os empurrões, chegava o dono da história, que é o dono da festa e pedia: “Rapaz, é o seguinte, eu estou fazendo a festa aqui, estou fazendo uma despesa muito grande e não quero que você bagunce não, porque você vai…”. Aí o cara: “Não, tá bom. Desculpa!”. E acalmava.
P/1 - E me conta uma coisa, Jaldo, o senhor foi para a escola nessa época? Como foi?
R - Fui. Lá nós tínhamos as escolas nesse local, nós estávamos no Pé da Ladeira, o nome do interior, aí íamos para Maravilha, lá tinha as escolas. Agora naquele tempo era estudo mesmo meu filho, era aquele que tinha o primeiro ano, o terceiro ano e eram uns livros grandes no colégio, uma bíblia. E tinha que estudar mesmo, lá tinha que fazer os deveres e estudar e se não fizesse a coisa certinha, quem era danado, ia para palmatória, o nome era palmatória, que era uma palma, uma bicha parecendo uma mão, e aí: “Bota a mão aqui, castigo, pah!” Se você não desse conta e fosse danado, não tinha esse negócio dessas coisas que tem hoje não, era regime, “Ou você vai dar conta do seu estudo ou então você vai para o castigo!”. Botava de joelhos, a professora nos botava de joelhos quando éramos danados. E o livro do primeiro ano, do segundo ano, do terceiro ano, era um livro que eu acho que até eu tenho um aí de lembrança, parecia uma bíblia. E tinha que estudar, não era negócio de… tinha que estudar e dar conta dos deveres o cabra. Lá era primeiro ano, segundo ano, terceiro ano e quarto ano, chamava era quarto ano, não era… hoje mudou o nome e tudo, mas era. E tinha que dar conta. Aí quando o aluno era danado, podia ter certeza que ele não passava não.
P/1 - Mas o senhor tinha alguma professora ou professor que marcou o senhor nessa época?
R - Dilza, Dilza era a minha professora. Dilza, uma pessoa mais maravilhosa! Tinham muitos nomes lá, mas a minha era a Dilza, eu estou com o nome dela na cabeça, de quando eu vim, de 1978, 78 ela foi professora minha. Quando eu saí de lá, saí com saudade dela, a Dilza, filha do Manoel Joaquim, o pai dela, que já morreu, todos já morreram, já morreu todo mundo.
P/1 - E os senhor sente saudade dela por quê?
R - Porque ela era muito boa para mim. Ela me dava muito cabresto para eu aprender, ela me dava muita lição e ela botava quente para eu ser uma pessoa. Ela dizia assim, dava uns conselhos bons: “Olha, se você não der conta do seu recado, você vai… “. E aí eu tinha que obedecer a ela. Que eu era, na verdade, eu era um aluno danado, traquina, o nome era traquina, traquina é aquele menino danado, e eu era traquina e dava trabalho para ela. Mas ela pegava nas minhas orelhas, pegava nos meus cabelos: “Fica de joelhos”. E o papai dizia, e a mamãe, “Bota ele no castigo, pega ele”. E tah, à palmatória. Aí teve um dia que os alunos quase morrem de rir, que ela me botou no castigo e aí foi me dar… “Agora você vai pegar três bolo”. O nome era bolo: “Tu vai pegar três bolos, com a palmatoriazinha assim. Aí foi um dia ela, pah! Aí eu aguentei, aí, pah! Segunda, aí na terceira eu fiz tchum, aí ela largou a palmatória na canela dela, “Ih, agora eu vou te…”. Rapaz, mas alunos que estavam olhando quase morreram de rir. Aí foi um dia que eu passei foi o dia todinho de joelhos, porque eu fiz aquilo e não era pra ter feito. Porque eu digo que já estava doendo, moço, à palmatória, aí, pah! Aí ficou ardendo, ficou mesmo que fogo, aí outra, pah! Palmatória e bolo, o nome, naquele tempo.
P/1 - E o senhor fazia o quê, que era traquinagem? O que o senhor aprontava?
R - Não, eu ficava sorrindo, ficava cutucando o outro aluno, “kikikiki” Sorrindo, atentando, ficava atentando, eu ficava atentando com traquinagem. Aí a professora botava quente em mim. Eu fazia essas coisas, traquinagem, eu era danado, não vou mentir, né?
P/2 - Seu Jaldo, na sua infância, quando você pensava em ser um adulto, o que você sonhava em ser?
R - Eu sempre tive um sonho de ser um advogado, um advogado. Eu lutei e não foi possível eu estudar porque, na época nós morávamos, nesse tempo que eu estou lhe contando essa história, que era lá na Maravilha, lá no Pé da Ladeira. Hoje os meus primos… o maior advogado que tem no brasil é o meu primo, filho do irmão da mamãe, Dr. José Antônio Côrtes, tá lá em Brasília, trabalha na câmara dos deputados, o maior advogado. Pode ligar pra ele aí agora, se quiser saber se é verdade ou não. E eu tinha vontade também, mas não foi possível, você sabe por que? Porque naquela época nós morávamos no Pé da Ladeira, a gente era pobre, a gente não teve condição de vir para a cidade estudar. Eles como eram mais ricos, todo mundo comprou casa na cidade, em Colinas, o tio Adão, irmão da mamãe, comprou, o tio Clementino, que é pai do doutor José Antônio, também comprou, a dona Irene comprou casa e nós não compramos, porque não tínhamos condição, éramos pobres, aí eu não tive condição de estudar, eu não tive condição de estudar. Aí com um bom tempo que eles já tinham essas casas lá em Colinas, foi que o papai veio comprar uma casinha, com muito tempo, mas eu já tinha vindo até embora. Aí eu não estudei, e eu também, trabalhador de roça, eu não gostava de roça, mas por esse motivo que eu não fui. Aí o sonho, a pergunta que você fez, o meu sonho era estudar pra ser um advogado, que nem hoje tem na minha família, e tem quatro advogados, mas eu não consegui também. Foi o mesmo sonho que eu não consegui ajudar a mamãe, porque eu não tive condição. E eu fui à luta e hoje quando eu chego lá, agora recentemente, que eu vou lá direto, todo ano eu vou lá, aí o Dr. José Antônio, tem uns que me criticam, porque eu chego lá pobre, mas o Dr. José Antônio, que hoje é advogado: “Olha, rapaz, não judia desse homem, não critica esse homem, porque esse homem foi a luta, ele saiu pelo mundo, mas é um grande homem! É respeitado! Vergonha se esse homem tivesse saído pelo mundo e virado um bandido, um pistoleiro, um vagabundo, um maconheiro, um ladrão. Hoje ele vem aqui com toda a limpeza dele e onde ele chega todo mundo recebe. Então respeite! O cara não teve condição, porque até agora não chegou o dia dele, mas vai chegar”. É o que o Dr. José Antônio Côrtes disse para mim agora, há poucos dias. Então, assim, o meu sonho era esse, mas não foi possível. Dois sonhos que até agora… primeiro um que não vai ser realizado mais, que era para ajudar a mamãe, que até hoje, de vez em quando eu choro aqui por causa da mamãe, que morreu e eu não ajudei ela, mamãe e o meu pai. E esse sonho que eu também não pude conseguir estudar. Então a resposta é essa aí, meu sonho era ser advogado.
P/1 - Me diz uma coisa, Jaldo, o senhor se lembra quando foi que o senhor ouviu falar de Serra Pelada? Como é que foi? Onde o senhor estava?
R - Lembro, 1982, eu estava em Imperatriz do Maranhão, aí, não, 1980, perdão, desculpa, aí disseram: “Rapaz, explodiu um garimpo que todo mundo tá enricando lá”. Aí quando surgiu a história, um cara lá, chamado Genésio, que era o dono disso aqui, Genésio, lá caiu um pau, e nesse pau que caiu, acharam uma pedra de ouro grande, aí essa pedra de ouro, o cara, o dono da fazenda pegou, esse homem é o maior rico da história. E aí quando explodiu Serra Pelada, moço, quando foi com pouco tempo, aqui estavam 100 mil homens aqui dentro, explodiu o garimpo por causa dessa história, “Rapaz, lá na fazenda…”. Aí deram o nome de Serra Pelada. Moço, mas aqui deu gente! Aí o povo só dizendo… E outra coisa, era ouro demais, era ouro mesmo aqui em cima da terra, o pessoal pegava era no balde o ouro, eu vi balde de ouro, mas não era nem todo mundo que tinha. Aí quando eu ouvi falar nisso, eu disse: “Eu vou para Serra Pelada, eu vou para Serra Pelada!”. Porque eu nunca gostei de roça. Então foi nessa época que eu vim para Serra Pelada.
P/1 - E o senhor fez como pra chegar aqui?
R - Quando eu vim, existia a polícia federal, tinham feito uma barreira aqui para o povo não entrar. Os que já estavam todos explodidos no ouro aqui, mas aí tinha que controlar. Aí para vir para Serra Pelada tinha os “furão”, chama-se “furão”. O que é furão? Furão é quem não tinha licença para entrar em Serra Pelada, o nome era furão. Aí eu cheguei lá no Tocantins, na beira do Tocantins, rapaz, sozinho, sem ter nenhum conhecido, aí eu disse: “Meu Deus, mas como é que eu vou para Serra Pelada se eu não tenho ninguém conhecido lá? Se eu não tenho ninguém lá?”. Aí quando eu atravessei o… era atravessado no barco, na balsa, de Imperatriz para o outro lado, já era Goiás. Aí eu atravessei no barco, quando eu cheguei do outro lado do Tocantins, aí, “Ei, caminhonete para Serra Pelada, quem é que vai? Quem é que vai?”. Aí eu, “Olha, Serra Pelada, eu vou”. Aí eu entrei na caminhonete sem ter nenhum conhecido. Rapaz, Deus é maravilhoso, opera nas coisas certas, Deus é Deus! Por isso que eu gosto de Deus demais! Aí eu aqui dentro da caminhonete, todo mundo conversando, tal, tal, “E aí peão, tu vai pra onde?”. Aí eu disse: “Rapaz, eu quero ir para Serra Pelada”. Aí o outro, “E tu, peão?”. Eu disse: “Rapaz eu tô querendo… “.. “Se vocês vão pra Serra Pelada, eu também vou!”. Aí um, “E aí, tem carteira?” Aí um cara, rapaz, Deus é Deus, “Tu tem carteira?”. “Eu tenho nada, moço. Eu aqui…”. “Como é que tu vai chegar lá?”. Eu disse: “Só Deus sabe como é que eu vou chegar lá”. Rapaz, não é que o cara que estava encostado em mim, “Aí, tu já foi lá?”. “Não”. Aí o cara começou a dizer assim: “Rapaz, é o seguinte, eu vou levando essa turma aqui, essa turma aí eu que vou levando, agora já que tu tá no meio, tu quer ir na minha turma?”. “Quero, quero!”. Chico Souza, o pai do agente de saúde daqui, não tem um agente de saúde aqui? Aí eu disse: “Vou”. “Pois é, então é o seguinte, eu tenho carteira, tá aqui a carteira de garimpeiro, que eu já fui lá e já tirei a carteira, só que eu vou com essa turma por dentro da mata, que eu sei por onde é que fura”. Olha, rapaz, que coisa mais maravilhosa! “Se tu quiser ir para o meu barraco, eu vou te levar”. Rapaz, eu disse: “Rapaz, eu não estou nem acreditando que essa operação é deste tamanho”. Quando chegou lá no ponto, bem aqui, na entrada 16, tinha que furar, entrar em um lugar por dentro da mata aqui. E eu com essa turma, o nome do cara era Chico Souza e eu vim direto para o barraco dele. Foi a minha vinda aqui, furando. Aí quando foi no dia que eu cheguei, no dia que eu cheguei estava uma fila de garimpeiros para tirar a carteira, bem aqui na rádio do Dino, em frente à rádio do Dino, que você falou agora. Ele falou: “Jaldo, vai lá para a fila, aí tu já vai para tirar a tua carteira”. Que estavam dando, rapaz, mas a fila era grande, eram dois, três dias na fila. Eu disse: “Então, eu vou”. Rapaz, no terceiro dia de Serra Pelada, eu já era garimpeiro, tá bem aí minha carteira para provar, tá bem aqui a minha carteira para provar, olha a desgraçada, a primeira carteira da Receita Federal. [intervenção]
P/1 - Então o senhor foi lá e pegou a carteira na mão, e agora?
R - Aí quando eu peguei a carteira, que foi na Receita Federal, aqui tinha Receita Federal e tinha a Caixa Econômica Federal, onde comprava o ouro, o pessoal pegavam os baldes de ouro e tudo, os barrancos eram bamburrados, aí tinha a Receita Federal e tinha a Caixa Econômica Federal. Aí eu peguei a carteira e já fiquei sendo garimpeiro. Aí eu fiquei no barraco do Chico Souza, aí lá eles gostaram de mim, acharam, gostaram de mim, porque eu sempre fiz as coisas para… aí, “Seu Jaldo, o senhor vai ficar aqui e tal”. Aí eu trabalhei no barranco número um da Malvina, Malvina é o nome da… todos tinha área, Malvinas, Tilim, Terra Preta, Burro Preto, Milharina, dentro do garimpo tinham às áreas, os nomes, aí tinha um barranco chamado Malvina, número um do Chico Souza. Por que eles deram esse nome de Malvina? Porque foi no tempo da guerrilha de Malvinas que eles abriram esse barranco, aí botaram o apelido do barranco de Malvina. Aí tinha a área do barranco, Malvina, eu disse: “Oxente, que diacho é isso? Malvina?”. Que não teve a guerrilha das Malvinas? Então aí eu trabalhei em meio por cento cativo, o que quer dizer meio por cento cativo? Meio por cento cativo, você vai trabalhar meio por cento cativo, se der ouro você vai pegar só meio por cento. Os garimpeiros pegavam um barranco, são 10, o nome, Meia Praça, 10 Meia Praça, cada um tem 10%, o barranco é 100%, aí como cada um ficava com 10, então cada um tinha 10%, 10 homens, aí baixavam o barranco quando não tinha fornecedor, fornecedor que chama, o cara pega e aí gasta o dinheiro para baixar na Iara. Mas no começo do garimpo é 10 Meia Praça. Aqueles 10 Meia Praça, eles vão descer o barranco juntos, só que no barranco, todo mundo compra suas comidas, todo mundo fazia a despesa igual, quando começou. Aí vai descendo o barranco, todo mundo, aí se tem um que quer sair, “Rapaz, é o seguinte, eu não vou mais trabalhar aqui não”. “Ei, tu quer 5% desse barranco, 5% da minha área, aí tu vai trabalhar”. Aí o cabra já ficava livre, ia pra lá pro barraco, e tranquilo que não ia mais trabalhar. Era assim. Aí o cabra ia descer sabendo que era só 5% dele, quando tedse ouro era só 5% dele. Aí com um pouco, outro desistia também, “Não, eu vou te dar só 5%”. Aí o cara dizia assim: “Não, eu só quero se for 8%”. Aí o cabra, “Não, então pega os 8% e eu fico só com dois”. E o cara que está trabalhando fica com… Era assim. Aí depois já começou a aparecer, quando dava muito ouro, aí apareciam os empresários grandes que: “Eu vou descer, eu vou descer é na diária”. Aí botava era 80 homens para trabalhar, aí aqueles Meia Praça, eles davam a porcentagem “Eu vou baixar esse aqui por 50%, e fica 50% para dividir pra vocês”. Daqui a pouco os caras estavam todos ricos, com 50%, baixava o Meia Praça, o cara botava 80 homens trabalhando, carregando saco ligeirinho, o barranco descia, iam lá para baixo e chegavam no ouro. Aí quando dava fé, lá era ouro de balde e balde, meu filho, era ouro de balde, assim.
P/1 - O senhor se lembra da primeira vez que entrou na cava, o senhor viu o buraco? O que o senhor sentiu?
R - Eu entrei no dia… a primeira vez em que eu entrei foi no dia 23 de dezembro de 1982, lá dentro. Entrei lá dentro para ver a Malvina, nesse barranco, número um da Malvina.
P/1 - E qual foi a sensação do senhor quando viu a cava e os homens lá?
R - Meu amigo, sinceramente, eu entrei lá e eu fiquei um pouco esmorecido e com medo, porque eu via aquele tanto de gente melada de melechete com esse saco na cabeça, e eu também era o brabo, sabe o que é brabo? Brabo é aquela pessoa que não está acostumada a levar saco e não sabe como é que leva, pra sair com o saco melado de melechete. E a roupa era um calção, um calção que era torado o fundo para não dar aquele negócio de coceira, porque se tivesse com aquela coceira, dava aquela coceira e ralava tudo, ficava tudo queimado. O cara torava o fundo, aí melado de melechete. Pra eu subir foi o maior trabalho do mundo, a maior coisa, eu querendo subir, “Meu Deus!". Os outros que eram acostumados, “Sai daí, brabo”. Eles chamavam de brabo, “Sai daí, sai do meio filho da puta! Tu não sabe subir!”. Moço, é ruim o cara que chega brabo. Foi aquela história da escada “Adeus mamãe”. Que o cara foi subir, e ia subindo quase a força, aí quando chegou lá em cima escapuliu, aí quando ele chegou em baixo, matou o outro, caiu em cima do outro, e a palavra que a gente falou foi, “Adeus mamãe!”. Porque brabo, o brabo chama-se assim, não é acostumado a subir. Aí quando ele vai subir pela primeira vez, melado de melechete, com aquele saco aqui e ele não sabe aonde bota. Agora o cara que já é acostumado... Aí depois eu acostumei, botava aqui… porque para subir com aquele saco lá dentro do garimpo, não pode você tá segurando um saco em momento algum, ele tem que estar seguro bem aqui com a cia, o saco aqui e as mãos é só para a escada, não adianta você querer subir em uma escada daquela ajeitando o saco com uma mão aqui, não adianta que não sobe. Então foi difícil eu subir no primeiro saco, foi muito difícil, foi muito ruim e foi muito cansativo. E naquele momento eu pensei até em desistir: “Não vou mais não, meu Deus! Meu Deus eu vim para cá fazer o quê? Meu Deus, eu vim só morrer! Meu Deus eu vim caçar uma melhora e achei foi uma piora, Jesus!”. E tinha cara… E outra coisa, vou lhe contar rapidinho, tinha cara que chegava só para pegar rec, o que era rec? Aquele barranco que estava dando ouro, ele pegava uma pontinha de pá, o cara dá… os amigos… o cavador é quem manda lá, o cavador e o enchedor. Aí botava uma pontinha de pá, muitas vezes o cara chegava em um dia e chegava lá no homem, “Ei, rapaz, bota aqui um requezinho”. O que é rec? Uma pontinha de pá. Moço, meio quilo de ouro, o cara enricava em um dia e já ia embora. E eu não tive essa sorte de pegar um rec., primeiro que eu tinha vergonha de pedir e segundo que olha, eu sou tão complicado, que hoje todo mundo pede um cheque de moradia, e eu estou sem fazer a minha casa, porque eu não tenho coragem de pedir, eu tenho vergonha de pedir, eu tenho vergonha de pedir. Eu vou ficar a vida inteira desse jeito aqui. Então os caras pediam o cheque e na mesma hora, o rec, aí iam lá, lavavam, meio quilo de ouro, Carlinho, meio quilo de ouro, Carlinho. Aí o cara já ia embora e ganhava o mundo, “O que eu vou fazer aí mais?”. E eu subi e quase me lasco.
P/1 - Quem nesse período que estava difícil para o senhor, que o senhor falou, o senhor fez algum amigo, alguma amizade, alguém que ajudou o senhor, ensinou o senhor a trabalhar? Como é que foi isso?
R - Ave Maria, amigo eu criei demais, vixe, amizade que eu tinha, foi explodindo amizade que eu acho que em Serra Pelada eu tenho é uma irmandade. Eu comecei a criar amizade com todo mundo, todo mundo ficou no barraco lá, no dia que eu fiz um barraco meu, o pessoal não queria nem que eu saísse do barraco, “Não, Jaldo, não saí daqui, não”. Aí depois eu fui buscar uma sanfona lá, que eu tinha deixado, a sanfona… ah, eu trouxe a sanfona até Imperatriz. Aí lá eu comecei, trouxe a sanfona e lá no barraco todo dia nós brincávamos de noite, esquepingueleguedingue, ficávamos batendo pandeiro, “E o Jaldo, é o tocador nosso aqui”. Moço, pronto, o barraco era uma animação. Aí depois o pessoal me botou um apelido, Grelado, eu disse: “Aí, rapaz, vocês estão”. “Ah, é porque os caras estão chamando tu de Grelado”. “Grelado, por quê?”. “É porque, bicho, quando tu olha os outros, tu arregala os olhos e não bate nem pestana”. Eu disse: “Vixe, Maria, vocês me botaram Grelado, foi?” Aí depois botaram outro apelido, de Meia Grama. Botaram eu para batear lá, para fazer um teste em mim, rapaz, mas eu também, aí eu fui lá bateei, bateei e tal, tal, mentira, que eu não sabia nem para onde é que ia a bateia. Aí quando eu cheguei, “E aí, Grelhado, como é que foi aí? Deu ouro na tua bateia?”. Ai eu, “Rapaz, deu meia grama”. “Mentira!”. Eu estava era mentindo. Aí botaram, “Ei, Meia Grama, ei, Meia Grama!”. Aí pronto, moço, aí os caras me botaram o apelido de Meia Grama, aí acabou-se a conversa, “E aí, Meia Grama!”. “Não manga de mim não, pô!”. Aí eu queria me zangar, mas eu não me zangava. Então é o seguinte, a turma lá foi uma amizade muito boa, lá no barraco, muito boa.
P/1 - Fala pra gente, até para registrar para o povo, o senhor lembra qual era o nome do pessoal que estava com você no primeiro barranco que o senhor chegou, além do Chico Souza?
R - Francisco Souza, José Pereira, Galego, que era um galegão, o nome dele eu não sei não, mas a gente chamava de Galego, o Zéquinha, Antônio Preto, Jorge Pereira, Zequinha, eu lembro de todos. Só que na verdade, nessa época, ninguém se chamava por nome, só por apelidos. Tinha o Chico Preto, tinha o Pereira, Paraíba. Nessa época, se conhecia por nome, só por apelidos.
P/1 - E o povo vinha da onde, Jaldo?
R - De todo o estado do Brasil veio gente, veio gente do Maranhão, do Piauí, da Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo e tudo. Toda a gente aqui nesta Serra Pelada trabalhou, de todo o estado do Brasil e também gente do exterior. Aqui veio alemão trabalhar, veio canadense, tudo tinha. Mas daqui, de todo o estado trabalhou gente. O que menos veio gente foi do Pará, que é o próprio estado da Serra. “Arriba a mão os maranhenses”. Era o que mais tinha, os maranhenses, “Piauiense”. Plau! “Cearense” Tal! “Riograndense, mato-grossense”. Tal! Agora o Pará foi o que menos deu. Eu lembro até na hora que mandava. E outra coisa, todo santo dia era rodado o hino nacional bem aí na Praça da Bandeira, o hino nacional, “Ouviram do Ipiranga às margens…”. E todo garimpeiro aqui em forma, com a mão no peito, “O hino nacional” “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas”. Rodando o hino nacional e todo mundo acompanhando com a mão, e tinha que ser essa mão aqui, e essa mão aqui no peito. E todo mundo que tinha chapéu tinha que tirar o chapéu da cabeça e quando terminava o hino nacional aí todo mundo botava o chapéu na cabeça e ia para o serviço. Quando era de tardezinha, a mesma coisa. Mas o hino nacional era rodado, erguido com a mão no peito em cima do coração, rodado todo santo dia.
P/1 - E o povo tinha cultura diferente?
R 1- Não, ninguém se dividia em nada, todo mundo aqui era igual, era irmandade, ninguém puxava para um lado, “Eu sou cearense, eu sou não sei o que”. Ninguém dizia nada, ninguém dizia nada, todo mundo em um objetivo só, todo mundo em um objetivo só, não tinha nada de cultura diferente uma da outra. E outra coisa, quando estava aquela turma, ninguém nem perguntava: “Tu é de onde? Tu é do Maranhão? Tu é do Piauí? Tu é riograndense? Tu é mato-grossense?”. Não, aquela turma era igual a uma irmandade.
P/2 - Seu Jaldo, dentro do garimpo também tinha vários profissionais?
R - Aí quando a gente pensava que não, um cara carregando saco aqui, igualmente eu carreguei, tá, “Quem é esse homem?”. “É um piloto de avião”. “Quem é esse homem?”. “É um engenheiro”. “Quem é esse homem aqui?”. “Esse aqui é um doutor da medicina”. Trabalhou todo tipo de função dentro do garimpo, doutor, engenheiro, tudo, por quê? Porque o cara era engenheiro, piloto de avião, mas lá da onde ele saiu não tinha os serviços, ele não tinha os serviços para… aí como Serra Pelada estava explodindo, que todo mundo que vinha aqui enricava, aí todo mundo vinha. E outra coisa, aqui, muita gente enricou, aqueles que enricavam, eles muitas vezes sabiam aproveitar o patrimônio do recurso deles e muitas vezes jogavam fora. O cabra comprava dois, três carros, a família que ele deixou lá ou no Maranhão ou no Piauí, ele nem lembrava mais dela, esquecia, a bichinha ficava lá sofrendo, as famílias com tudo. Aí ele ia aqui criar outra história, com outra família, sabe como? Cabaré, raparigada, raparigada, cabaré, carro bonito, raparigada, quando dava fé, quando dava fé, sabe o que acontecia? O cabra estava pedindo esmola de novo, porque gastava o dinheiro todinho com a raparigagem. E deixou a família, a família bonita que estava lá, esperando, ou pai, ou mãe, “Oh, meu marido, vem aqui, me ajuda”. “ Ah, aquela porra lá, deixa aquela porra pra lá”. E aí, meu amigo, o cara estava aqui com o carro novo, bonito, raparigando, mulher bonita, nova, aí ele não lembra mais de lá. Aí terminava gastando tudo e se acabou. Por exemplo, o Chico Osório está aí, Chico Osório está aí para dar exemplo, Chico Osório enricou, o homem mais rico daqui foi o Chico Osório, e aí era Brasília, avião, fretando avião e tudo, aí se acabou. Aí outra coisa lamentável, as famílias de lá pedindo, teve muita separação, muita separação de casal, Serra Pelada separou muita gente, muito casal, porque eles ficavam mandando de lá, “Oh, rapaz, manda alguma coisa para mim, eu estou aqui, nós estamos sofrendo”. Aí muitas vezes o garimpeiro não tinha, aí ficava sofrendo aqui também, “Não posso”. Mas não mandava porque não tinha. Pelo menos eu cheguei no começo de Serra Pelada, não arrumei nada, mas, que quando a gente chega lá, o pessoal fica mangando da gente, “Rapaz, o cabra passou esse tanto de anos, 40 anos de Serra Pelada e não traz nada!”. Rapaz, a gente fica com vergonha. Aí uns criticam, mas criticam por trás, a gente vê que eles estão falando da gente, “Rapaz, o cara não… Olha, o Jaldo chegou. Não trouxe nada, o cara está pobre! Que diabo que esse cabra está fazendo lá?”. A gente fica com vergonha. Aí ainda bem que tem a casa do papai e da mamãe, eu fico lá, eu nem saio, cara, eu nem saio, porque a gente chega pobre, os outros chegam todos ricos e tal, com carrão bonito, com umas motonas bonitas. Aí eu chego pobrezinho, tenho que ficar, eles ficam mangando.
P/1 - Seu Jaldo, como é que conversava com o povo? Como é que mandava notícias para a família? E como a família mandava notícias para o garimpeiro aqui?
R - Diretamente a minha família dizia assim: “Rapaz, sai daí, sai daí. Tu já está com 40 anos e não tem nada, já chega!”. A minha irmã que é advogada, o meu primo, tudo, que são todos formados, “Rapaz, quando a gente passa 40 anos num lugar que não deu nada pra gente, a gente tem que desistir e partir para outra”. Aí é onde me dói, porque a minha vida eu gastei aqui, aí me dói dentro do coração, rapaz, “Eu não posso sair daqui que existe uma esperança de que a gente vai ter um direito”. “Vai nada, rapaz, o direito já acabou, vai terminar morrendo, sai daí, sai daí!”. Isso me dói dentro, olha, de eu ter perdido 40 anos aqui dentro. A história é só essa, “Sai daí, rapaz, vem pra cá”. Quando a gente passa, aí fica reprisando, “40 anos em um lugar, Serra Pelada não te deu nada, não te deu nada! Vem pra casa, volta!”. Aí eu digo: “Meu Deus do céu, voltar para a roça de novo!”.
P/2 - Seu Jaldo, e por que o senhor fica aqui? Qual é o maior motivo?
R - O meu maior motivo de ficar aqui é essa história daqui que os garimpeiros velhos, que já morreram quase todos… Os garimpeiros velhos que descobriram Serra Pelada, Lucas, já morreram quase todos, ainda tem uma quantidade, bem pouquinho, não tem mais 20% de gente viva não. A juventude está aí, graças a Deus, formaram todos, são uns caras bacanas, essa turma aí todinha é filho de garimpeiro e estão… tem uns na Vale, tem uns formados, tudo e tal, e a vida deles maravilhosamente tal, né, já não tem mais problema. E nós temos esse problema aí de esperar um direito, uma coisinha, dessas cooperativas darem alguma coisa para nós, essas cooperativas que só tem brigas e mentiras. E a gente ainda está com esse sonho, é o motivo da gente ficar aqui. Eu acho que eu vou ser o último a sair daqui, Carlinhos, Lucas, porque eu digo, enquanto… eu já estou quase morto mesmo. Se já tem 20% ______, eu vou ficar aqui até ver se tem alguma coisa, porque não adianta, Lucas, Carlinhos, eu sair daqui para ir procurar mais outra coisa, em outro canto, eu vou sair do zero de novo, para passar mais 40 anos? Então eu tenho que esperar aqui, ou tudo ou nada, aqui é tudo ou nada, ou Deus diz assim: “Deus só dá no dia certo”. Então eu estou esperando para Deus dar no dia certo, porque um bocado de gente que chegou em Serra Pelada já está rico, casa bonita, casa nova, tudo, todo mundo construiu casa, quem chegou ontem, todo mundo aí! Eu nunca construí a minha casa, que não tive condição até agora, mas eu quero com honestidade. Aí dizem que os que constroem fazem umas coisas aí que não são boas, fazem uns trambiques aí, terminam ficando ricos, carro, moto bonita. Não, eu só quero se Deus me der, se Deus botar bem aqui nessa mão, agora com rolo não, eu não vou ser rico com rolo nunca! Que aí tem um bocado que está rico e tal, mas mexem com as coisas ruins, arriscado até perder a vida e eu não quero. Se Deus chegar bem aqui: “Olha, Jaldo, o teu está aqui”. Aí eu vou receber, e se não receber, eu vou ficar desse jeito aqui. Então a esperança é, ainda estou esperando por esse objetivo.
P/1 - Agora, seu Jaldo, além do ouro, dessa esperança, o senhor tem muita amizade aqui, muita história aqui, né? Isso faz o senhor ficar aqui também ou não?
R - Agora você falou uma coisa bonita! O que mais me faz ficar, além dessa história da esperança, tem muita coisa aqui que a gente criou uma família, esse povo de Serra Pelada virou uma família, todo mundo aqui para mim, é da minha família. Eu ando na rua, os meus amigos me abraçando, minhas crianças, todo mundo, “padrinho, padrinho” e tal, e eu criei uma amizade que eu penso que é minha família. Eu chego aqui uma criança me chama, “Padrinho, me dá um dinheiro para eu merendar. Padrinho, eu quero merendar”. Eu ganho o meu dinheiro e saio dando, até chegar… e não tenho pena de dar, não tenho. Aí, assim, vem um, “Eh, compadre Joel”. Tem um sistema aqui, que todo mundo me chama de compadre, que foi eu que ensinei, e de comadre, compadre, “Compadre, eu tal”. E eu saio nessa amizade. Isso me dá uma coisa boa em Serra Pelada, a Serra Pelada é uma família para mim. Eu saio daqui, quando é a pé é até melhor, que a gente sai a pé e, “Vem cá compadre Jaldo, pá, pá”. Aí chego lá na frente, “Compadre Jaldo, compadre Jaldo”. Daqui a pouco as criancinhas, “Oh, padrinho, padrinho”. Todo mundo me chama de padrinho, parece que, rapaz, eu tenho tanto afilhado, porque só aprendem a me chamar de padrinho, e eu fico feliz com isso. Então isso me amarrou, é que nem uma família, o que me amarra é isso aqui, bom. Além dessa esperança que eu tenho, será? Eu tenho certeza que Deus vai dar o meu, uma hora dá, moço, não é possível, o que Deus deu para os outros, dá para mim também. Então são essas duas esperanças, esperar e essa amizade que eu tenho com esse povo.
P/1 - Agora vamos voltar lá para os anos 80 então, Jaldo, era correio que fazia a comunicação? Você recebia carta, escrevia carta, é isso?
R - Como?
P/1 - O senhor escrevia carta, recebia carta?
R - Era, era correio. Era através de correio, mas só que o correio era em Curionópolis, a gente fazia a carta e ia deixar em Curionópolis pra ir para onde era o destino. E quando você ia pegar carta também tinha que ir para lá, para Curionópolis.
P/1 - E quem não sabia escrever, como é que fazia para mandar?
R - Mandava um amigo. Sentava um amigo aqui ao lado e o outro aqui ao lado, aí ele começava a dizer, “Tal, tal, tal”. E o que sabia, o amigo que sabia escrever, fazia a carta completa, tudo que ele estava dizendo para a família. Ele estava dizendo aqui, um aqui, que não sabia, né? Amigo, apareciam os amigos de fazer as cartas. E era direto as cartas naquele tempo, 1981, 82, 83, escreviam as cartas para mandar, aí aquele que sabia escrever dizia: “O que é que tem que falar?”. Aí o cara sentava ao lado dele e ia conversando. Era assim o sistema. Tem muita carta aí que eu ainda tenho, escrita por correio, tem.
P/1 - E o senhor recebia muitas cartas da família?
R - Recebia. Recebia muitas cartas da família, mas toda a vida essas cartas eram dizendo para eu sair. Eu não gostava das cartas, dizia: “Eu não vou sair daqui, eu perdi o meu tempo, a vida inteira aqui, não estudei, não me formei e tudo, por causa de Serra Pelada! Eu não vou sair daqui que eu tenho um direito para receber”. Aí, “Tem nada! Aí não tem mais nada, não!”. Aí morria aí. Aí eu ficava com raiva e dizia: “Não, mas eu não vou, não vou!”. Olha, o meu pai morreu e me chamaram lá para dar a casa, assinaram o documento, os irmãos, aí disseram assim: “Mas é o seguinte, nós vamos te dar a casa, mas só se tu sair de Serra Pelada”. Eu disse: “Pois é o seguinte, então eu vou perder a casa, eu não vou não. Eu venho para cá, passo dois ou três dias, mas não dá certo”. “Eu não largo Serra Pelada não, eu sou o último a sair de lá”. Aí o pessoal…, mas, moço, não largo não.
P/2 - Jaldo, as pessoas que escreviam as cartas, elas cobravam para escrever as cartas?
R - Como é?
P/2 - As pessoas que escreviam as cartas para aquelas pessoas que não sabiam escrever, elas cobravam?
R - Sobraram? Cobravam?
P/2 - É.
R - Não, ninguém nunca cobrou para fazer uma carta, ninguém nunca cobrou, o cara que escrevia, que sabia, nunca, Ave Maria! Tinham uns caras aí que eram legais, bacanas, que faziam era questão de fazer a carta para o amigo dele, faziam era questão, nunca cobraram nada, nunca, nenhum real. Era através de correio.
P/1 - E o povo não tinha receio de tá contando a carta para o outro? Que às vezes é coisa muito pessoal, muito íntima, como tinha essa…
R - Não, para aquele que estava escrevendo, para outros talvez tinha, mas para aquele que estava escrevendo, o cabra não tinha receio nenhum. O que estava escrevendo, o cara dizia o que ele queria para a mulher, para a esposa, para o filho, para não sei pra quem, não tinha segredo não, até porque não podia mesmo. Agora se era uma coisa meio particular ele não deixava outra pessoa ficar perto, até porque, quando o cara escrevia uma carta, só tinha os dois, não tinha outra pessoa perto, não, não queria outra pessoa perto, o que ele ia dizer para a mulher, para o filho, o que ele estava sofrendo, ou de bom, outra pessoa não vinha ouvir, não aceitava. Mas nunca cobrou, nunca foi cobrado. Tinha um cara aí, que estava num setor aí, que ele era o famoso escrevedor de carta, ele fazia era questão, dizia: “Rapaz, tu vai…”. Ele achava era bom, nunca cobrou um real.
P/1 - Seu Jaldo, o senhor presenciou nesse tempo no garimpo, muita coisa, eu imagino, o que mais fica na sua memória? Que passagens mais ficam na sua memória do senhor nesse tempo do garimpo?
R - O que mais ficou de importante é que nós chegamos aqui em 1980 e aqui tinha um regime duro, um regime duro, um regime de militar, militarismo duro, que era o Curió o comandante de Serra Pelada, Curió. Aí nós tivemos, 80, 81, 82, 83, e aí é o seguinte, se fosse pego bebida, o cabra com bebida, entrava na taca, entrava no pau, ou o cabra que roubasse um ouro do garimpeiro, ele era morto, era ,era taca, tudo. Aí outra coisa, mulher nem podia chegar aqui perto. O mais marcante foi que em 1986 liberaram para as mulheres virem, aí foi o mais marcante. E foi bonito, porque antes das mulheres virem, quando vinha um circo que tinha mulher, Ave Maria, rapaz, era uma das coisas que parecia que era Deus no céu e aquela mulher lá no circo. Teve uma mulher que era do circo e ficava assim, na beira da cerca, só para o garimpeiro só olhar para ela, uma menina do circo, que apresentava, né, os caras faziam era fila dando dinheiro, só para olhar para a mulher, uma coisa admirada, um circo que teve ali, bem ali. Então é assim, não era liberado para mulheres de 1980 até 86, aí em 86 foi que veio para liberar as mulheres. Então foi um momento que encheu de mulheres para ajudar o garimpeiro, umas vieram para a casa dos seus próprios maridos, ajudar os garimpeiros e outras vieram e casaram com os garimpeiros que estavam por aqui, outras vieram buscar os maridos. Então foi o momento mais marcante e especial, quando foi liberado em 1986.
P/1 - E o senhor essa época conheceu alguma mulher? Se casou, namorou?
R - Conheci. Eu conheci uma mulher que é a mãe do meu filho hoje, tá aí ela, olha, essa é a Regilene Franco de Araújo e esse aqui é o meu filho, Darlan Franco Araújo e aqui sou eu. Então eu a conheci, eu morei muitos anos com ela, separamos, mas foi uma boa pessoa para mim. E o meu filho hoje é um pastor, um dos maiores pastores da região é o meu filho, o pastor Darlan, um dos maiores pastores da região, dos melhores e dos maiores, digo com todo orgulho e mando provar, pode entrar nas redes sociais e procurar o meu filho, o pastor Darlan, um dos maiores e melhores. Assim, ele tem poder de cura, o meu filho, o meu filho tem até poder de cura, uma pessoa chega com qualquer problema, ele abaixa a mãozona dele. E na época, se não fosse Deus e se não fosse eu, o meu filho tinha virado um bandido, e eu: “Olha, olha, por favor, não é assim não, por favor, não é assim não, com as más companhias”. E eu andei, lutei, até que um dia teve o exemplo de um negócio errado, aí a comunidade e a polícia, “Rapaz, não faça isso com o teu pai, teu pai é a publicidade do povo, é o Jaldo, não vai fazer vergonha para o teu pai, não!”. Aí ele: “Rapaz, é mesmo!”. Aí virou pastor, graças a Deus! Porque mal companhia bota a perder. Aí virou um pastor. Então é o seguinte, eu tive uma mulher, quando entraram as mulheres, eu tive a minha mulher, hoje eu sou separado, mas tive a minha mulher, tem o meu filho. Hoje eu sou separado, mas tive.
P/1 - O senhor a conheceu como e quando?
R - Eu conheci essa mulher bem aqui, eu era o representante aqui da igreja católica, que eu trabalhei muitos anos aqui na igreja católica, organizando as procissões, os desfiles todos e tal. E nós fazíamos uma brincadeira da igreja católica bem aqui onde é a escola, essa escola Maria Belarmino, nós fazíamos um arraial, um arraial para arrecadar dinheiro para a igreja, cada um montava a sua banquinha, mas tudo em prol da igreja. E aí não tinha escola essa época, em 88 ainda não tinha a escola, aí a gente fazia o arraial, eu era o tocador, olha aqui, ainda hoje está aqui o conjunto está aqui, aqui estão só duas caixas, mas ali tem som. Aí lá, eu tocando e tal e a mulher começou a olhar para mim e eu disse: “Tá olhando para mim, é?”. “Eu também estou olhando para tu”. Aí eu fui e arrumei ela, namorei com ela e casei, foi bem aqui. Então a pergunta eu respondi, aqui, achei ela bem aqui no arraial da igreja católica.
P/1 - Então o senhor foi fazendo outras coisas depois, né? Então garimpo, ele secou? Como é que foi isso aí?
R - O garimpo, ele foi fracassando, foi enchendo de água, na verdade, foi enchendo de água e ficou sem condição do garimpeiro manual trabalhar. E aconteceu muita coisa ruim aí, porque o garimpeiro estava em um barranco que estava dando ouro, na beira de uma barreira, uns pegando rec. e outros pegando ouro, aí a polícia federal junto com os seguranças, tinham um apito e diziam: “Eita, rachou aqui em cima, por favor, sai daí!”. Mas os garimpeiros na ânsia de enricar, não saía de lá, e a polícia federal, “Ei, sai daí!”. Quando dava fé, meu amigo, a barreira vinha e matava, teve um dia que matou 19 de uma lapada, 19 pessoas, matava. Então naquela época do garimpo era uma coisa muito especial, aí naquele tempo, foi naquele tempo, aí foi fechando, aí ficou sem condição de trabalhar, foi fechando, encheu de água, aí ficou sem condição de trabalhar e nós ficamos por aqui, ficamos por aqui fazendo esses arraiais, eu sempre… Na verdade, nesse dia que morreram 19 pessoas, eu no não me lembro, eu fiz uma promessa, que eu ia caindo também, eu estava na escada também que caiu, eu disse: “Nossa Senhora Aparecida, não deixa eu morrer, por favor, me ajuda!”. Aí eu fiquei enganchado na escada lá em cima, com o saco na cabeça enganchado lá, a minha escada não desceu. Aí nesse dia eu disse assim: “Nunca mais eu vou ficar sem o rosário no pescoço”. E daquele tempo para cá, eu nunca mais tirei um rosário do pescoço, nunca mais, a promessa foi feita num segundo, mas eu agora estou terminando de declarar para vocês, tá ali, nossa Senhora Aparecida, tá ali Jesus. Foi nesse momento, no dia que eu ia morrer, eu disse: “Nossa Senhora Aparecida, por favor, me ajuda, não me deixa eu morrer, não”. Aí ela me segurou assim, eu vi a mão, a mão me segurou, a mão segurou. Aí eu nunca, foi uma promessa que eu fiz naquele dia. Aí o garimpo caiu, foi ficando sem condição de trabalhar, aí até quando parou. Aí o que aconteceu? Por que tem esse povo aqui hoje? Esses garimpeiros que estão aqui hoje, olha, essa juventude aí tudo é daqui, homem formado, tal, esses meninos aí todos são formados, todos cabras bacanas, todos formados, um bocado trabalha na Vale, um bocado trabalha em outros cantos, é só uma juventude formada, porque os garimpeiros não puderam sair e criaram a família aqui dentro, não pode sair, porque não pode sair, não pode sair e acabou! Eu não pude sair, e ir para onde? Então a gente ficou aqui por causa disso, o garimpo fechou e nós ficamos aqui. E essa família aí, essa juventude, esses jovens aí, olha, todos são jovens que agora nasceram em outra geração, geração de curso, de tecnologia, se formaram todos, um bocado está na Vale, outros em outros setores, na prefeitura, todos formados, porque é outra inteligência, é outra inteligência, todo mundo se formou. Os garimpeiros velhos, fizeram foi morrer, todo mundo, só tem 20%, eu estou nos 20% , eu estou nos 20%.
P/2 - Jaldo, vamos entrar agora em um assunto sobre um personagem muito importante aqui de Serra Pelada, né? Fala sobre a chegada do Sebastião Curió aqui em Serra Pelada.
R - O Sebastião Curió, ele era um comandante major do exército brasileiro, ele chegou aqui para comandar o garimpo. E na época o presidente era o João Figueiredo. E ele veio porque explodiu o garimpo e estava muito perigoso, estava muito perigoso o garimpo e ele veio para acalmar o garimpo. Ele desceu de helicóptero, bem aí, olha, bem nessa praça aí, desceu de helicóptero e tal, quando ele desceu, em 1980, no helicóptero e tal, o major Curió, era major, ele era major, depois ele passou a ser coronel. Aí quando ele chegou, o garimpo todinho abraçou ele, abraçou. E ele veio para acalmar as coisas, ver a situação do garimpo. E todo garimpeiro atendia o Curió, veio para acalmar. E no tempo do Curió, o tempo do Curió foi a maior moral da história, a maior moral da história foi no tempo do Curió, major do exército brasileiro, não existia um homem, um comandante melhor do que o Curió. Aí depois ele recebeu uma ordem para fechar o garimpo, para fechar isso aqui e o Curió não aceitou a proposta. Não vou falar de quem foi que saiu a ordem, porque também já vou chegar… Aí o Curió disse assim: “Eu não vou fechar o garimpo, eu vou deixar o povo trabalhar! Eu vou querer que o povo trabalhe. Esses 100 mil homens, eles precisam trabalhar para sobreviver”. Aí não aceitou fechar o garimpo. Aí começou a explodir palma, tudo, foguete. Aí deram o nome de Curionópolis para uma vila lá, como ele fez isso, que veio para fechar e não fechou, aí deram o nome de Curionópolis, o nome de Curionópolis foi porque a comunidade todinha garimpeira amou ele, o que ele fez, aí botaram o nome de Curionópolis por causa dessa coisa boa que ele fez no garimpo, Curionópolis, o nome não sai mais nunca, não adianta querer mudar, porque foi isso, ele veio para fechar o garimpo, ele teve pena do garimpeiro e não aceitou, “O garimpo não vai ser fechado não!”. Nem a ordem do presidente ele aceitou, do presidente da república, coronel do exército, major Curió.
P/1 - Seu Jaldo, antes das mulheres chegarem, como é que os homens encontravam mulheres aqui em Serra Pelada? Ia para onde?
R - Eles saiam daqui de Serra Pelada, para ir lá para Curionópolis, saiam daqui para procurar mulher lá. O cabra pegava muito dinheiro, porque naquela época dava dinheiro demais, eles enchiam o bolso de dinheiro e saia para lá para procurar, porque não tinha aqui, saiam direto para lá e gastavam, chegavam lá no cabaré de Curionópolis, onde tinha mulher, as mulheres já estavam esperando os garimpeiros bamburrados lá, e a palha rolava lá, era dinheiro, muito dinheiro e tudo. Só que morria muita gente, morria muita gente, que lá era perigoso, todos que saiam, saiam armados, e os que estavam por lá estavam armados, qualquer desavença, o cabra largava a bala no outro. Aí teve até um tempo que deram um nome, sabe do quê? O nome era 30, aí como era 30, quando morria muita gente, aí deu nome… “De dia é trinta e de noite é 38”. Aí o pau quebrava, 38 subiam e morriam muita gente. Era essa história numa época, de dia eram 30 e de noite eram 38. Então eles saiam para lá, para gastar o dinheiro lá, como não tinha mulheres aqui, os que pegavam dinheiro, né. Aí também teve uma coisa muito grave, que foi muito ruim, que nessa época, os que não podiam ir para lá nessas, chamava-se montoeira, tinha montoeira aí, que se chamava montoeira, onde o garimpeiro botava o rejeito, teve uma época que veio muito homossexual, então aqueles que não podiam ir lá com dinheiro ficavam com esse tipo de pessoa nas montoeiras, nas barreiras e tal, um escândalo muito ruim, muito perigoso e aconteceu demais.
P/1 - Fala pra mim, quais eram os cabarés mais conhecidos lá, na época de Curionópolis.
R - O cabaré que estava em Curionópolis, lá, eu não sei o nome do cabaré de Curionópolis, eu sei do daqui de Serra Pelada, o primeiro cabaré que foi montado em Serra Pelada, Troca Tapa, Troca Tapa era o nome do cabaré, primeiro cabaré de Serra Pelada, que é bem ali quando vem ali no fim da pista de avião, que entra para lá, Troca Tapa. Lá em Curionópolis eu não, primeiro que eu nunca fui lá ver esse cabaré, eu não sabia o nome, sabia que o pessoal ia para o cabaré, agora o daqui, o primeiro cabaré foi o Troca Tapa, o nome, agora o de lá não, não sabia o nome não.
P/1 - E como é que era o Troca Tapa? Descreve pra gente.
R - O Troca Tapa a gente ia para lá, chegávamos lá estavam as mulheres, tinham as barracas, os locais das mulheres namorar com os homens, né, e cada mulher que ia fazer o seu programa com o garimpeiro, era tudo combinado, era tudo, não era nada bagunçado, tudo combinado e tal, a mulher fazia o programa sabendo quanto ia ganhar e tinham os seus locais. Troca Tapa, tinha muitas mulheres bonitas e cada uma dava o seu preço para namorar com o rapaz. Aí a bebida já era outra coisa, vamos beber e vamos namorar é uma coisa, é tanto, agora aqui, o cara que vai namorar vai ter que pagar aquela bebida até a hora que quiser. Então funcionava assim, mas era tudo combinado, não era nada bagunçado não, lá ninguém saia para enganar, não tinha bagunça, aqui nunca houve morte, não tinha bala, não tinha. Que nem lá em Curionópolis, era bagunçado, lá os ciúmes cortavam, os caras se matavam a noite toda, pah! Por isso que deram esse nome de 38, 30 de dia e de noite 38. Mas aqui não, aqui era tudo…
P/1 - E por que o nome Troca Tapa?
R - Agora aí eu não sei, eu não posso explicar porque é Troca Tapa.
P/1 - E pagava em dinheiro? E quanto era média?
R - Em dinheiro.
P/1 - Era caro ou barato?
R - Eu acho que naquela época era o equivalente, cada garimpeiro que pagava pra fazer um programa com uma mulher, equivalente a quantia de duas gramas de ouro, equivalente a duas gramas de ouro. O negócio era feito em ouro, não era nem, era duas gramas de ouro que a pessoa pegava livre, agora o que ele ia gastar com bebida já era outra coisa. Mas era tudo organizado, não tinha nada pra esconder, tudo era conversado, tudo era combinado tudo direitinho. E as pessoas que vinham também eram bacanas, as mulheres que vinham eram bacanas, não eram mulher de… elas já estavam lá esperando, mulheres bonitas, lindas, lindas! Sentavam aqui e vamos conversar: “E aí, como é que vai ser?”. Aí conversava. Aqui no Troca Tapa. Agora lá eu não posso lhe dizer, do 30 não, porque eu nunca fui, nunca fui no cabaré do 30, naquela época, nunca fui, só ouvia as histórias, 30 e 38. A única história é essa que eu disse aí pra vocês, de porquê deram o nome de Curionópolis, porque o major Curió desceu e fez a coisa boa para o garimpeiro e deram o nome da cidade de Curionópolis. Mas que eu era frequentante de cabaré, eu não era, eu nunca fui, aliás, em canto nenhum, eu nunca fui frequentante de cabaré, não.
P/2 - Seu Jaldo, ainda na década de 80, antes da chegada das mulheres, você falou que aqui existiam alguns homossexuais, como era o trânsito deles aqui dentro?
R - Eles vinham porque não tinha mulher, eles vinham, não era proibido, vinham e aí alguns homens que estavam necessitados de mulheres, conheciam eles e levavam para as montoeiras. São conhecidos, os viados das montoeiras, o nome, viados das montoeiras, iam lá, faziam o programa, bacana, legal. Agora eu não posso em momento algum dizer quem é que pagava uns aos outros, se era o viado ou o dono do programa, não sei quem diabo é que pagava, aí eu não posso, aí só Jesus Cristo pode dizer. Mas existia e foi muito escandaloso, coisa feia! Agora homem, não, e tinha muito cabra safado, Ave Maria, tinha cabra que se apaixonava pelos caras, pelos, eram apaixonados, teve paixão grande, briga. Agora como eu não era muito chegado nesse tipo de coisa, eu não sabia, só sabia história, “Fulano de tal foi lá pra montoeira com fulano de tal”. Aí eu não tentava saber muito dessas coisas não, que eu nunca… uma coisa que a gente não gosta, não é muito bom a gente se envolver nessa coisa, só que existia, antes de entrar as mulheres existia essa palhaçada, isso é palhaçada, eu considero como palhaçada.
P/1 - Me conta só uma coisa, desenvolve essa história então, teve gente que se apaixonou? É uma história conhecida? Como é que é essa história aí?
R - Não, é que muitos garimpeiros, quando eles faziam sexo com o viado lá, diziam: “Pô, o cara é muito legal, é muito bom! Eu dou tudo por aquele cara, eu estou apaixonado por ele”. Aí ele contava a história, e quem é que impedia ele de contar? Ninguém impedia ele de contar. Aí quem é que vai perguntar, “Quem foi? Quem era aquele?”. Não, não. Eu ouvia, pra mim, eu não dava... E tinha filme aí, ao público, cinema ao público, um telão maior do mundo aí de frente ali onde é a cooperativa hoje, ali que era uma praça, encostada a rádio do Dino, tinha um cinema público, todo dia tinha um cinema público, isso ali era uma palhaçada, só saía filme de sexo, os caras faziam aquele negócio, lá mesmo naquele lugar, alguns moleques. O filme de sexo, só saía filme de sexo, porque não tinha mulher, né, no telão, telão maior do mundo, quase oito metros em quadro, não, perdão, quatro metros em quadro. Aí saía aquele filme, as mulheres transando com os caras e tal, e os caras lá. Aí tinha uns outros moleques nesse cinema, em 82, que pegavam aquelas latas de refrigerante, mijavam dentro da lata e jogavam, era gente demais! Aí quando dava fé, pow! Você pegava uma latada. Eu fui um dia assistir esse filme e aí eu estava lá tranquilo e tal, porque era dos garimpeiros e tudo, aí peguei uma latada na cabeça com mijo dentro, tava quente ainda, chega o bicho estava quente ainda, pah! Só que ninguém sabia de onde veio, né. Rapaz, vou te falar, foi a derradeira, a primeira e a derradeira, nunca mais eu pisei lá. Então tinha essa palhaçada. Aí quando terminava o , aí os que estavam lá, doidões, pegavam os caras, os viados e saíam lá, aliás, eu não sei se era só para as montoeiras ou para os barracos, mas que eles pegavam os caras, eles pegavam.
P/1 - Seu Jaldo, eles trabalhavam no garimpo ou em cozinha? Como era a questão deles no dia a dia?
R - Os viados? Trabalhavam igualmente aos outros. Trabalhavam no garimpo, também trabalhavam em cozinha, depende da situação que ele veio. Lá no meio dos carregadores de saco, ninguém sabia quem era doutor, engenheiro, viado e tal, todo mundo estava carregando saco, estavam ganhando dinheiro, ninguém sabia quem era viado, quem dava o cú, uma pergunta: “Tu dá o cu, filha da puta?”. Só tem um negócio que a gente dizia, se o cara peidava na frente da gente, “Eh, filha da puta! Eu vou tapar teu cú com uma boroca, desgraçado!”. Era o ditado do garimpeiro, “Hei, filha da mãe, eu vou tapar teu cú com a minha boroca”. Rapaz, era escândalo, moço. “Eu quero o teu cu pra fazer a boroca da minha pica!”. Era um escândalo! Aquele povo, assim, tomado no ódio, né. “Isso aí é frescura, rapaz!”. Aí um cara bem assim, com um saco, topado no cu da gente, o infeliz peidava, poh! “Ei, infeliz!”. Rapaz, aí saía, rapaz, se fosse pra filmar aquilo ali, era coisa feia! E todo mundo aperreado, e era devagarzinho, moço, porque o que está lá na frente, ninguém pode empurrar o outro não, o cabra morrendo de cansado, melado, todo melado de melechete preto e subindo. E aí o cabra peidava e tinha que aguentar o peido, não podia cair não, ou saltar pra lá, saltar para onde? Pra morrer? “Ei, infeliz! Não peida não, desgraçado!”.
P/2 - Seu Jaldo, não tinha nem como tapar o nariz, né?
R - Pois é, não podia tapar, não podia tapar, o cabra com as duas mãos ocupadas e o saco aqui, só se entupisse de melechete, mas também não podia tirar, moço, tinha que aguentar o peido, “Ei, satanás! Tu tá me matando desgraça!”. Tinha que aguentar o peido caladinho. Moço, naquela escada era muita gente, e ali ninguém podia topar no outro, tinha que aguentar, se o daqui cutucasse o cu da gente, não podia fazer nada também, tinha que aguentar a cutucada, e esse daqui também, ninguém podia fazer nada. Aquela milharina com leite, o peido mais fedorento do mundo, rapaz, é coisa que a gente não aguentava, moço, pelo amor de Deus, sofrimento, mas tinha que aguentar. O maior sofrimento do mundo foi o garimpeiro em Serra Pelada, os que bamburraram, bamburraram, os que foram embora, foram embora. E hoje, essa geração que está aqui hoje, é porque não puderam sair, não bamburraram, quem não bamburrou teve que ficar aqui, como eu e outros mais. O pai desse rapaz aqui, o pai desse rapaz aqui, são meus amigos demais, são meus amigos o pai deles aí, são do meu tempo, o pai desses dois jovens aí é do meu tempo, foi obrigado nós ficarmos, porque senão, íamos para onde? Para onde nós íamos? Não tínhamos para onde ir. Então é por isso que tem essa geração em Serra Pelada. Mas o garimpo foi uma coisa difícil!
P/1 - Depois que acabou o garimpo, o senhor foi se virar como? Foi viver como?
R - Muito bem, boa pergunta! Depois que acabou o garimpo eu disse assim: “Eu não vou morrer de fome”. Aí eu criei uma rádio, a minha rádio era, Real FM. Eu criei uma rádio, só que a rádio, a minha rádio, eu sou dono da rádio também. A minha rádio, o nome dela é Real FM, aí a rádio não deu nada, deu confusão, só era confusão. Aí eu criei uma eletrônica, Eletrônica Real, que é essa aí, ainda hoje está ela montada aí, eletrônica, consertando. Aí depois eu criei uns instrumentos, que eu era tocador, que nem eu já falei, aí comecei com uns instrumentos aqui, que ainda hoje estão aqui, tá tudo aí, eu tenho equipamento aqui que dá uma carrada de som. Aí comecei a tocar em festas, o maior tocador de Serra Pelada sou eu, pode sair aí se informando onde era o forró da Velha, o forró Drinks Bar, tocador de festa. Aí para comer eu era tocador, achei outros tocadores e comecei. E depois abusei de tocar em festa, depois passei para isso aqui, agora, recentemente, a profissão é essa aqui, carro de som, carro de som e publicidade, eu faço uma vez na rua. Então é assim, parou, a gente teve que se virar. Outros foram para a roça, o cara que é lavrador, tem muita terra aí ao redor, tem muita terra boa para plantar, tem muita gente que tem esses plantios melhor do mundo, planta, tem roça, tudo, outros foram roçar juquira, foram para os Miranda, para tudo, outros foram… tem uns empregados na prefeitura, tá bom, outros foram para a Vale e se formaram, outros… Então cada um se virou, cada um caçou o seu jeito de ficar, porque se fosse confiar no garimpo, morria de fome.
P/1 - Antes de falar da sua rádio, me fala um pouquinho das rádios que tinham aqui em Serra Pelada quando o senhor chegou e o que tem na cabeça de um homem de criar uma rádio aqui dentro?
R - É o Dino, a rádio é do Dino, Central de Comunicação, Central de Comunicação de Serra Pelada, a primeira rádio, do Dino, foi o maior autor, muito legal, está bem ali, o prédio dela ainda está. Ele era para ajudar a animar a cidade, dar aquelas notícias, as notícias só eram para nós mesmo, notícia para garimpeiro. O Dino montou a rádio e tocava o Hino Nacional, tocava as músicas boas, tocava uns forrós, animava, e os garimpeiros com os radinhos, todos ouvindo. E aí como nem todo mundo tinha rádio, ele botava nas bocas de ferro para sair, que nem eu também fazia aqui, nas bocas de ferro, para animar, “Parapapá! E tal”. Aí fazia um aviso, lá, o Dino, que é da primeira rádio. Aí depois teve a radiozinho do Raul, Raul é outro garimpeiro muito bacana, legal o Raul, aí ele foi embora, porque adoeceu, também caiu nesse fracasso aqui do garimpo, porque um bocado foi embora por causa do fracasso do garimpo, e aí foi embora a rádio dele também. Só que eu também tinha a minha aqui, aí a minha, como eu vi que aquilo ali não era bom, não era uma profissão boa, porque tinha um negócio de uma licença e tal, aí complicou tanto, aí depois eu fui parar na justiça, “Por que essa rádio está funcionando?”. Aí quando chegou lá, foi provado, com esse advogado de Brasília, que a minha rádio trabalhava para o povo, não ganhava nada, rádio comunitária, aí foi por isso que eu não fui preso, mas quase que que ia preso.
P/1 - Agora para quem não conhece esse cara, quem é esse Dino? Ele veio de onde? E por que ele abriu uma rádio aqui?
R - Não, agora aí é uma pergunta mais complicada, porque ele era Gaúcho, ele era Gaúcho e tal e ele veio, ele não era garimpeiro, ele veio montar uma rádio, mas ele não era garimpeiro, não era e nunca foi garimpeiro. Ele veio, montou a rádio, pediu licença para o garimpeiro, entrou, mas ele veio depois que o garimpo estava montado, a Central de Comunicação, ele não era garimpeiro.
P/1 - O senhor lembra de alguma chamada de algum programa ou dele fazendo a locução? O senhor lembra de alguma coisa assim?
R - Rapaz, eu só lembro do programa do Titi Valeriano Vale, o programa do Titi Valeriano Vale, é o meu cunhado, a Regilene, que era a minha esposa, essa aí, o Titi Valeriano é casado com a irmã dela, aí eu só lembro do programa que ele fazia, que é forró, o forró do Titi Valeriano Vale, moço, mas todo mundo… e ele falava uma fala, “Eu quero que a dica do forró do Titi Valeriano Vale”. Então ele falava de um personagem que ele fazia, era lindo demais! Eu só sei desse programa. O Dino fazia uns avisos comunitários, fazia uns avisos normais lá da cidade. Aí as músicas dele, eram aquelas músicas antigas de Raul Seixas e tudo, aquelas músicas antigas, aquelas músicas que o Dino, o próprio dono gostava. Agora o Titi Valeriano, não, forró do Titi Valeriano Vale, aí o pau quebrava, igualmente “Esquepinguelelebingue!”. Aí era bonito, animava a cidade, e ele falava em um personagem, “Eu vou tocar um forró aqui do Titi Valeriano Vale, e vai essa música de forrozão aqui”. E aí a turma ficava no pezinho do rádio achando bom, todo mundo achando bom.
P/1 - E ele dava avisos do que, assim, da prefeitura? Era aviso público?
R - Não, nessa época não tinha aviso da prefeitura não, naquela época era aviso de garimpo, “Olha, tal hora o garimpeiro, fulano de tal, teve um problema em tal barranco”. Aí fazia, “Olha, garimpeiro, fulano de tal, está caçando a família. Chegou aqui o parente do garimpeiro, fulano de tal, está caçando o fulano de tal, que veio daqui em mil…”. Era só aviso de garimpo, não tinha, nessa época não tinha prefeitura, não tinha aviso de prefeitura, não tinha nada de prefeitura, nada, nem se falava em prefeitura nessa época, agora o aviso era de garimpo. Chegava uma mulher para fazer um aviso, às vezes não era nem mulher, chegava um parente caçando outro parente, aí já: “Olha, fulano de tal, que veio do Ceará, está perguntando por fulano de tal, que está aqui. Ele veio para Serra Pelada e está aqui em frente à rádio, de frente aqui o pau…”. Chamava-se, a bandeira, o pau da bandeira, na Praça da Bandeira. Aí ele dava aquele aviso e ficava lá sentado esperando. Aí ficava lá o Dino. “Atenção, atenção, chegou o fulano de tal do Zé Lopes Pereira buscando o fulano de tal do Lopes Pereira”. E dava o nome. Aí o cara ficava lá e quando dava fé aparecia, aí o cara chegava, “Oba!”. “Oh, rapaz, é tu!”. Aí era só para isso, não tinha aviso da prefeitura nessa época e nem de cooperativa, nem cooperativa existia nessa época.
P/1 - O senhor se inspirou neles então? O senhor se inspirou nesses dois radialistas para fazer a sua rádio?
R - Não. Eu montei um transmissor, que eu sou eletrônico, e montei a minha rádio e fiquei também trabalhando do jeito deles. Só que a minha rádio tinha um sistema até melhor do que o dele. Ainda hoje está aí a prova, bem ali, eu montei o sistema da rádio com as duas bocas de ferro, tudo que saía na rádio, saía nas duas bocas de ferro, quem tinha rádio ouvia e quem não tinha rádio, ouvia pelas bocas de ferro. Nunca cobrei um aviso também, nunca cobrei e quase eu ia parar na cadeia.
P/1 - Seu Jaldo, qual era a sintonia da sua rádio?
R - 104,5, 104,5 a sintonia da minha rádio. 104,5.
P/2 - Como você fazia a sua locução?
R - Eu fazia a minha locução para fazer avisos e tocando forró. Eu fui tentar imitar o Valeriano Vale, “Eita forrozão. esquepíngue e tchu! Eh, vamos animar aqui a cidade”. Aí jogava o forrozão. O meu programa era de forró também, era de forró, eu aprendi com Titi, igual, o Titi foi embora: “Eu vou continuar aqui com ele”.
P/2 - Como as pessoas se comunicavam com a rádio? Os garimpeiros?
R - Não, eles ficavam ouvindo lá, aí depois chegava alguém, vinha caminhando, entregando bilhetinhos pedindo a música do fulano de tal ou para dar um aviso. Só era isso, agora onde estavam os barracos que estavam ouvindo, eu não sei onde era e tal. Mas chegavam, “Ei, manda essa música para fulana de tal para Francisca Pereira de Souza, que essa música vai para cá. E que fulano de tal está caçando isso aqui”. Aí eu, igualmente ele também dizia, o Dino. Mas aí ninguém sabia, mas só aqui, era só aqui dentro, não tinha aviso lá para Eldorado, Canaã, não tinha, porque ela não saía, a frequência era muito pouquinha.
P/1 - E o senhor acha que já ajudou alguém aqui na Serra Pelada com esse serviço de rádio ou não?
R - Sim, a minha rádio foi propriamente para quando tinha uma pessoa doente, uma pessoa que aparecia muito, aí eu enchia essa sala aqui de alimentação, “Gente, tem fulano de tal, que está doente, está precisando, não tem alimentação e queria se vocês pudessem doar um quilo de arroz, um quilo de feijão, venham aqui na rádio Real FM, do Jaldo”. Rapaz, eu vou te falar, graças a Deus, o respeito que sempre a comunidade teve por mim e vinham aqui, quando dava fé, estava um monte de alimentação. Aí eu dava para a pessoa, mandava para a pessoa, eu não ficava com um saco de sal. E muitas vezes eu arrecadei também alimentação, aliás, dinheiro para a pessoa que ia se tratar, estava com problema financeiro, queria ir para Teresina e tal, uma operação muito grave, eu arrecadava o dinheiro, tinha o lugar para a pessoa arrecadar. Eu nunca quis, eu mesmo não pegava não, nunca quis. Aí quando dava fé, salvava muita gente, salvava muita gente arrecadando. Aí a pessoa ia se tratar. E alimentação, quando dava fé, estava cheio de alimentos, a pessoa vinha e pegava e levava para a pessoa que estava querendo. Fiz isso demais na minha rádio, muito.
P/1 - Teve uma época que aqui ficou muito pobre, não foi?
R - Teve, teve, inclusive foi essa aí que você perguntou na época que fechou o garimpo, ficou todo mundo, inclusive nós que estamos aqui, foi a época que ficou ruim. Por que? Parou o garimpo, quem enricou, enricou, foi embora, quem ficou pobre, ficou pobre e quem não pôde sair, foi muito ruim, 84, 85, 86 e aí ficou, 88, uma situação muito… aí ficou parado e nós tínhamos que se virar, nós tínhamos que se virar para poder sobreviver, senão. E outra coisa, de novo eu vou repetir, os que estão aqui hoje, eu acho que essa geração que está aqui hoje, foi Deus que abençoou, porque não pudemos sair e os garimpeiros geraram uma família, que estão aí, eles aí. O pai desse rapaz aqui, mora ali no Sereno, desse rapaz aí também. Todos foram sofredores que não puderam sair e ficaram aqui, fazer o quê? Mas geraram uma família bonita. E essa geração que está hoje aí, deles aí, foi uma família diferente de nós os garimpeiros velhos, nasceram na sabedoria, no curso, na tecnologia. E nós naquela época não sabíamos de nada, nós não sabíamos nem escrever uma carta, que era outro que tinha que escrever, mas eles hoje estão aí. Então nós estamos hoje aqui, porque não pudemos sair, tinha que ficar aqui.
P/1 - E essa história do Forró da Velha, conta pra mim o que era isso?
R - É porque lá, ela montou, uma senhora montou um forró, que era pra gente animar, todo sábado, final de semana não ser uma coisa parada. Aí ela montou o “Forró da Velha”, a titia, era ali encostado da assembleia de Deus, um salão de festa, botou o forró da Velha. Aí nós íamos para lá, a minha banda, que eu tocava, era com tudo junto, com teclado, guitarra, bateria, os caras eram cinco homens para tocar na festa. Aí nós íamos lá para tocar a festa, aí lá nós tocávamos a festa, à noite, aí tinha a portaria, né, quem ia dançar, brincar, tinha que pagar a portaria, os dois porteiros estavam aqui na portaria para cobrar a cota, chamava-se cota, a cota, “Vamos tirar a cota”. Aí quem ia dançar, os caras pagavam, aí lá ela pagava a banda, tirava o dela de pagar as bebidas e ficava com o dela também, o lucro. E era bom, era bom! Era um meio de sobreviver, o Forró da Velha. Não foi só esse forró, mas aqui era o Tropical, o Forró Tropical também, eu tocava também aqui. Então isso era um meio de sobrevivência, porque nós não tínhamos outro meio, quem foi para a roça, foi para a roça, quem foi pra juquira, foi pra juquira, quem foi para…,mas aí nós íamos fazer o quê? Eu? Não, eu vou tocar na festa para ganhar aí.
P/1 - O senhor encontrou a banda do senhor aqui mesmo? Como é que foi isso?
R - Foi aqui mesmo, eu montei ela aqui.
P/1 - Vocês já tinham tocado ou não?
R - Eu já tocava quando era criança.
P/1 - Mas o senhor sabia que esses cabras tocavam também? Como foi que o senhor conheceu eles?
R - Eu não sabia. Eu comecei a montar aqui, tocar aqui na igreja católica, hino na igreja católica, apresentar, aí eu comecei a tocar no violão e num teclado aqui dentro da igreja católica, em 88. Aí começou a aparecer os músicos, “Rapaz, eu vou te ajudar. Tu tem uma guitarra aí?”. Aí nós começamos a banda aqui dentro, mas só toque de igreja, hinos, aí apareceu outro baterista, “Rapaz, eu sei bater”. Aí eu fui comprando. Aí depois, “Rapaz, bora experimentar uma festa?”. Aí a mulher disse assim, “Rapaz, aqueles caras tocam bem demais! Bora tocar uma festa?”. Aí eu disse: “Rapaz, nós tocamos aqui na igreja, mas tem alguém que quer nos pagar para nós tocarmos outra coisa diferente”. Os caras: “Bora! Bora ganhar pelo menos um quilo de arroz”. Aí fomos, nós tocamos a primeira festa, aí pronto, achamos bom e ficamos tocando no Forró da Velha e tocando na igreja. Mas aí lá… aqui não, aqui é de graça, serviço de graça para a igreja, mas lá nós ganhávamos o arrozinho com feijão e a carne, dizia: “Mas, rapaz, nós tocando aqui, olha, tem um quilo de carne aqui na minha mão”. Então foi assim o começo.
P/1 - E durou até quando esse forró? E o senhor tocando?
R - Rapaz, durou até… 1980, 86, 88, até agora há pouco tempo, eu parei de tocar faz pouco tempo, aqui agora, em 2012, até 2012.
P/1 - E por que o senhor parou?
R - É porque os músicos foram embora e eu tive uma dificuldade muito grande, assim, de estar tocando em festa e não tendo lucro e enfrentando bêbados, enfrentando gente, aí eu resolvi não mais sofrer, eu disse: “Deus, eu não vou querer mais isso não, eu quero que o senhor me dê outra profissão”. Eu pedi para Deus. A gente tocava aqui em um setor e outros tocavam lá, aí faziam duas festas, aí quando os caras gastavam o dinheiro todinho lá que acabava, aí quando a gente estava 02 horas da madrugada aqui sem nada, sem ganhar nada, aí chegavam um monte de bêbados, todos liso e enfrentavam a gente na porta, empurravam, queriam matar a gente e tal, era obrigado a gente abrir a porta e ficar humilhado. Aí não gastavam nada, já vinha todo mundo liso, todo mundo bêbado, aí eu vendo aquilo ali, eu: “Meu Deus, eu acho que eu não vou querer isso aí mais não”. Aí eu parei.
P/1 - E o carro de som começou quando?
R - Aí quando parou essa coisa, que eu parei a festa, aí surgiu, aí eu comprei um carrinho e tal, aí os meninos começaram a mandar eu fazer uns avisos aqui. Aí eu disse assim: “Rapaz, quer saber de uma coisa”. Aí eu já tinha som, montei a caixa de som em cima do carro, aí eu fiz uns avisos na rua, a hora, quando eu comecei era 15 conto a hora. Aí eu fiz os avisos na rua, me dei bem, fiz quatro horas e disse: “Rapaz eu ganhei 30 conto”. Aí eu disse: “Moço, mas é bom demais”. Aí eu chegava com o carro, encostava o carrinho aqui. Aí depois no outro dia fiz mais outro. Aí a gente vai lá ver na rua, só que aí andar em toda a rua, o publicitário tem que caminhar, é devagarzinho e tem que andar. Aí eu disse: “Rapaz, mas é melhor”. Aí chegava em casa, dinheiro no bolso, “Rapaz, mas é bom demais!”. Aí pronto. E aí foi a que durou mais, a minha profissão. Gostei, achei bom, tá até hoje. Hoje a hora de caução é 80 conto, eu saio pra fazer uma hora de carro de som, quando eu chego aqui, tô com 80 conto no bolso. Agora, fracassou anteriormente, por causa do coronavírus, a pandemia acabou com muitas de nossas profissões, a pandemia, depois da pandemia nunca mais controlou o nosso serviço, as minhas profissões nunca mais controlaram, eletrônica, carro de som, alugar som, a pandemia bagunçou tudo, até hoje é difícil fazer, mas quando faz…
P/1 - Vou perguntar para o senhor uma coisa, o senhor nesse carro de som, o senhor vai no gogó mesmo ou fica gravado?
R - Tanto faz, se mandar mídia eu vou na mídia, se mandar no gogó eu vou no gogó.
P/1 - E quais mensagens o senhor faz? É um pouquinho de tudo?
R - Por acaso, recentemente eu fiz uns avisos, tênis de cabeça: “Atenção todas as pessoas do bairro da Telepará, é para comparecer na Prefeitura Municipal, para fazer uma reunião”. Aviso de urgência, foi para tirar os títulos, né, os títulos de moradia. Aí, “Jaldo, tu vai fazer ali só no bairro do Telepará”. “Atenção pessoal, estou convidando todas as pessoas do bairro da Telepará, para comparecer agora lá na prefeitura para ter uma reunião, uma palestra”. Atenção pessoal do bairro do Açaizal. Atenção!”. Aí eu vou no gogó, que é aviso que não pode gravar mídia urgente. Aí quando é de dentista ou de oculista, que eles vão fazer um trabalho aqui, atender ou na cooperativa, ou na Assembleia de Deus, eles já mandam a mídia pronta, aí eu já vou lá e pah, eu não falo, Mas se disser assim, “Ei, atenção!”. Se por acaso tu vai fazer uma reunião, eu quero conversar com o povo, o Carlinhos, “Gente, atenção pessoal! O Carlinhos está chamando todo o pessoal ali no ginásio da Praça da Bandeira, quer falar com todas as pessoas, uma coisa muito importante”. Eu vou fazendo no gogó, aviso de surpresa, aí eu vou no gogó, vou no gogó e vou na mídia, do jeito que tocar eu danço.
P/1 - A gente vai, infelizmente, seu Jaldo, ir para as perguntas finais agora, tá? Eu queria antes perguntar se a gente não perguntou ainda uma coisa que o senhor queria falar? Ou se o senhor quer dar alguma mensagem para alguém, aproveitar que nós estamos gravando. Tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar que não foi perguntado? Alguma história que o senhor queira contar antes da gente ir para as perguntas finais?
R - Não, o que eu quero falar é que eu quero agradecer vocês, aliás, a Deus em primeiro lugar, a vocês que vieram aqui fazer essa entrevista comigo, todo esse pessoal aí! Muito obrigado pela consideração e muito obrigado por tudo! O que eu tenho que falar é isso aqui, que eu estou aqui ainda no meu sonho, esperando alguma coisa, esperando por Deus, porque Deus é Deus e todo mundo tem seu dia. Então o que eu quero dizer é muito obrigada! E estou aqui pronto, o que eu sei, eu falo, o que eu não sei, eu não falo. E vocês muito obrigada por me procurarem! O que eu tinha a dizer para vocês é isso que eu disse. O que eu não tenho pra dizer, muitas coisas que eu não pude dizer é porque eu não lembro, mas mesmo assim, muito obrigado a todos vocês!
P/1 - Seu Jaldo, quais são os lugares daqui de Serra Pelada que o senhor mais gosta de visitar e que o senhor indicaria para as pessoas verem? Pra quem não é de Serra Pelada.
R - Como assim? Para ir visitar?
P/1 - É, que o senhor mais gosta de ir, onde o senhor mais vai aqui.
R - Não, o que eu mais gosto de ir, aliás, eu quase não gosto de sair e tal, mas o lugar que eu saio mais é até na Praça da Juventude, eu gosto de ir lá no posto quando eu vou botar gasolina na minha moto, eu gosto de ir lá em frente da quadra para olhar o pessoal jogando, a juventude se divertindo, eu gosto de comprar um espetinho lá na Liga do Espetinho para eu comer, eu gosto de ir ali na escola Maria Belarmino ver o movimento, eu gosto de ir também no bar do Biu. É assim, é porque eu sou técnico do Biu, que além de eu mexer com som, eu sou técnico, eu gosto de ir lá, não é nem gostar de ir lá, é gostar de ir lá arrumar as coisas todas. Então são os locais que eu… porque na verdade, depois que eu parei com essa situação de festas, eu não saio quase de noite mais não, eu não saio, eu não gosto de festa, eu não gosto de folia, eu não gosto de andar, eu não gosto dessas coisas, pra mim acabou, há muitos anos eu não saio mais com esse negócio de festa, folia e tal, porque eu abusei, eu era tocador de festa e abusei, e se eu parei, eu abusei. Mas aí os locais que eu saio é assim, de dia, de noite, é raridade eu sair de noite.
P/1 - E o que o senhor quer para o futuro de Serra Pelada? Para os mais jovens de Serra Pelada? O que o senhor deseja para eles?
R - Agora tu chegou onde eu queria. Eu quero para o futuro de Serra Pelada, primeiro, o nosso objetivo, para os garimpeiros de Serra Pelada, eu queria que um dia nós realizássemos esse sonho, nós os garimpeiros velhos, os que estão vivos ainda, é o que eu quero, os que estão vivos ainda, porque 80% dos garimpeiros velhos que descobriram Serra Pelada já morreram, só tem 20%. O que eu quero é que Deus, é Deus, falo com Deus para ver como é que nós vamos ficar nessa situação, esse objetivo, nosso final dessa história. Eu queria, antes de eu morrer, ter alguma coisa disso aqui, é o meu objetivo. A juventude, graças a Deus, a juventude que nasceu hoje, que é filho de garimpeiro, graças a Deus se formaram, tá todo mundo, um bocado na Vale, um bocado na prefeitura, um bocado nas suas profissões, em outros setores, bacana. Agora nós, garimpeiros velhos, que não temos curso nenhum, que somos analfabetos praticamente, pode dizer, o que eu quero é ver um futuro, um objetivo para mim e para os outros que estão sofrendo, que só restam 20%, só isso o que eu quero.
P/3 - Eu queria fazer uma pergunta, seu Jaldo, o senhor falou que tocava violão, essas coisas assim, o senhor tem violão?
R - Se eu ainda toco?
P/1 - O senhor ainda tem um instrumento aqui?
R - Não. Eu tocava violão e teclado e tudo, mas só que esses objetos, uns eu doei, eu ainda tenho o teclado, o teclado tá ali, mas só que está desmantelado faz tempo. Mas ainda tem instrumento, a bateria eu emprestei para a queimadinha. Eu tinha todos os instrumentos, só que como eu parei, né, eu doei tudo, o teclado, o tecladão grande, eu doei para a igreja do véu, é um tecladão, eu doei, fiz uma doação, né. Aí o violão também, eu fiz uma doação para um amigo meu, a guitarra também, na verdade, o instrumento que eu tenho hoje é só um teclado ali, queimado.
P/1 - Nem sanfona?
R - Mas nunca mais, nunca mais eu, depois que eu parei, nunca mais eu peguei nesses instrumentos para tocar, para experimentar, nunca mais eu peguei, nunca peguei nem no teclado. Mas eu sabia tocar tudo, eu sabia.
P/1 - O senhor não sente falta de tocar, não?
R - Hum?
P/1 - O senhor não sente falta de tocar, não?
R - Não, eu não sinto falta de tocar não, não quero mais não, não quero mais, não sinto falta não, não quero mais. Se fosse para eu voltar, foi igual eu disse em uma entrevista que eu dei um tempo desse aí que vieram fazer entrevista comigo: “E se fosse pra tu voltar lá pra carregar saco, se aventurar de novo?”. Eu disse: “Não, eu não iria mais!”. E eu tenho uma prova bem aqui para mostrar, depois tu pega o meu zap eu vou te mostrar eu dizendo: “Não, eu não iria mais lá me aventurar na vida carregando saco”. Eu tenho essa entrevista, está aí, em todo canto do Brasil tem essa filmagem, eu disse: “Eu não iria mais”. Então eu não iria mais tocar, se fosse para tocar hoje, eu não iria mais tocar.
P/2 - Seu Jaldo, na sua história você mudaria alguma coisa?
R - Não, não mudaria nada não. O que eu disse é o que eu disse e vou dizer sempre! As que eu lembrar eu vou dizer sempre assim, as que eu não lembrar eu não vou dizer, mas eu não mudaria a minha história não, a minha história é desse tipo aqui e vai continuar até o dia que Deus quiser, o dia que Ele não quiser. Mas eu estou aqui do mesmo jeito que eu cheguei em Serra Pelada, tô do mesmo jeito, a mesma história, documento, ninguém tem documento do mesmo tanto, por isso que eu trouxe eles até aqui que era pra vocês: “Eu vou botar logo pertinho, porque se eles perguntarem”. Não tem no mundo um outro garimpeiro que tenha um tanto de carteira dessa aqui, olha, é muito.
P/1 - Pode sentar, seu Jaldo, para mostrar sentadinho e pegar na câmera? Mas seu Jaldo, eu vou pedir só para a gente finalizar aqui a gravação, tá? Então a gente agradece muito a gravação do senhor, essa entrevista, tá bom? Nós vamos ter um tempo de voltar aqui para tentar escanear esses documentos e guardar para sempre no Museu, tá bom?
R - Tá bom, beleza.
P/1 - Se o senhor um dia não estiver mais entre nós, como todos no mundo vamos morrer um dia, isso vai ficar gravado para sempre, tá bom?
R - Beleza!
P/1 - Então muito obrigado, seu Jaldo, parabéns pela sua história, foi um prazer ouvir o senhor.
R - Obrigado também!
P/2 - Obrigado, Jaldo!
R - Obrigado vocês!
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