P/1 – Ana, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Ana Kariny Gurgel Holanda da Silva, tenho 36 anos e nasci em Fortaleza.
P/1 – Seus pais são de Fortaleza?
R – Minha mãe. Minha mãe e toda a minha família por parte de mãe é de Fortaleza e a família do meu pai do Rio de Janeiro. Meu pai era piloto, pernoitou em Fortaleza, arrumou uma namorada com 15 pra 16 anos, casou e eu nasci com 17. Minha mãe com 17 anos me teve.
P/1 – E seus avós maternos e paternos?
R – É, os avós maternos de Fortaleza e paternos do Rio de Janeiro. Agora...
P/1 – E você tem essa descendência de alemão assim?
R – Tenho de alemão e holandês por parte de mãe e de português por parte de pai.
P/1 – Qual que é o grau dos holandeses e alemães? É tipo bisavô?
R – Bisavô e por parte de pai também, bisavô.
P/1 – Você sabe um pouco a história dos seus avôs maternos e paternos?
R – O que eu sei, pelo menos do materno, assim, era uma família de uma aristocracia tradicional em Fortaleza. Eles eram donos de banco e tinha uma coisa de não poderem – isso eu acho péssimo falar – meus bisavôs não deixavam os filhos se relacionarem com pessoas... Tinha que ser no mínimo primo, tinha que ter um grau de parentesco. Aí, eu brinco que a família tem um pouco de parafuso a menos por causa disso. Porque tinha ser ali, todo ali, filho de não sei quem com não sei quem pode. Então, a minha avó se revoltou, casou às quatro horas da manhã, fugindo com o meu avô e casou no Civil. Minha avó por parte de pai já não, eu venho de uma família de militares, meu avô era militar; meu pai é militar, não é mais, e da reserva, minha avó saiu de casa cedo pra casa, porque naquela época era uma liberdade, não trocava de casa; trocava de pai pra marido. E a minha avó pegou um segundo pai, que era meu avô super carrasco, militar muito radical. E eu cresci dessa mistura com um lado nordestino picante, de pessoas espontâneas, que falam tudo na cara, eu costumo dizer que em Fortaleza eles não têm sotaque, eles gritam. Essa família que grita com uma família muito fechada e muito radical, repressora, que era a família do meu pai. E eu sou isso, quando as pessoas me olham hora elas me acham metida e aí me conhecem, em cinco minutos eu já desconstruo, já vê que eu sou a pessoa mais falante, tenho um pouco de humor e já vou com todo mundo. Sou tranquila de lidar.
P/1 – Aí, seu pai foi fazer o que em Fortaleza, que você disse?
R – Ele tava viajando. Ele já era capitão e aí foi fazer uns voos que eles tinham que fazer e aí ele tinha que… escala é linguagem de atriz, não sei nem como dizer...
P/1 – Escala.
R – É, ele tinha escala em Fortaleza e, aí, nessa ele conheceu a minha tia e a minha tia...
P/1 – Eles se conheceram aonde?
R – Ah, eu acho que assim, num lugar típico, na época o lugar da hora. De repente ele, à noite, foi sair e aí encontrou a minha tia. Minha tia era aquela que conhecia todo mundo e aí ele começou a dar uma paquerada na minha tia e ela só podia sair, com qualquer namoradinho, e a minha mãe fosse junto. Só que a minha mãe era muito articulada, muito descolada, uma magrelinha de 48 quilos, 15 anos... Aí, chegou, começou a conversar com o meu pai e ele: opa, eu gostei foi da novinha. Meu pai também era novo, tinha 25 anos e aí começou a rolar o namoro dos dois. Aí, meu pai parece que não queria namorar de jeito nenhum...
P/1 – Mas rolou como? Tipo, ele do Rio de Janeiro e ela de Fortaleza...
R – Vinha. Só que, aí, ela deu uma...
P/1 – E ele começou a ir lá?
R – Começou, começou. E, aí, ele...
P/1 – Então se apaixonou mesmo!
R – Se apaixonou. E, aí, ela fez uma ameaça, tipo que se eles não casassem, assim. Eu falo: “Pai, só vocês mesmo nessa época “ porque é muito impossível. Ela jogou uma que era pra casar, com seis meses de namoro e ele: “Como é que é? Eu tenho 25 anos” “Eu quero casar, eu quero casar!” e minha mãe sempre foi muito adulta. Sempre muito adulta, eu fico, assim, chocada com essa iniciativa dela: “Eu quero casar”. Imagina! Eu agora, com 36, é que to pensando. E, aí, meu pai falou: “Não, eu não vou” “Então eu vou estudar na Suíça”. E, aí, já tava com passagem comprada e ele: “Putz. Então, eu vou casar”. Imagina, louco! Imagina . Eu jamais chantagearia porque o cara podia falar, de repente: “Então vai”. Hoje em dia é tão assim. O cara fala: “Vai, a gente se encontra na volta”. E deu certo, aí, ela saiu de Fortaleza, morando em vários lugares, Natal, Paraguai, fui alfabetizada no Paraguai, morei um ano lá.
P/1 – Você é filha única ou você tem um irmão?
R – Tenho uma irmã. Morei em Fortaleza, depois fui pra Natal...
P/1 – Pera só um pouquinho, ela tinha 17 anos. Ela casou com quantos anos?
R – Com 16.
P/1 – Ela casou com 16 anos e, aí, ela veio morar no Rio?
R – Não, ela casou, moraram em Fortaleza um ano; eu nasci; aí, eu fui pra Natal; voltamos pra Fortaleza e minha irmã nasceu; depois, de lá, a gente foi pro Paraguai e eu comecei a minha alfabetização lá; voltei pro Brasil, fui morar na Base Aérea, lá em Santa Cruz, Região Norte. Região Norte do Rio? É? É Região Norte ou Oeste, não sei. E, aí, tem uma base aérea lá; tenho lembranças ótimas, contato com a natureza, morar...
P/1 – A casa de infância que você mais lembra é essa, da base aérea?
R – Não, eu lembro também do Paraguai.
P/1 – Como é que foi lá, no Paraguai?
R – Paraguai era o chão batido também mas era uma casa grande... Tem algumas coisas que eu lembro, lembro de um – isso é ridículo – de um festival de dança que, aí, eu era muito caladinha e a professora tava ensaiando o dia inteiro com a gente e tinha um garoto que vivia tirando meleca e eu falava: “Meu Deus do Céu”, novinha, “Essa professora não pode me deixar dançar com esse menino” e foi justamente esse menino que foi o meu par! A dança… ele tirava meleca o dia todo, e ele tinha que fazer assim e eu tinha que segurar na mão dele e dançar. Eu segurava assim a mão dele no dia da apresentação . “Meu Deus, por que isso?” e a minha cara nas fotos é emburradíssima, com muito ódio de estar ali. E eu tinha muita raiva de tirar foto; muita raiva, assim, eu não entendo porquê, eu era bem fechada; fechadona. Aí, depois do Paraguai eu vim, morei em Santa Cruz... Morei em vila, esse esquema de vila, muitos amigos...
P/1 – Quando você morou em Santa Cruz, você tinha quantos anos?
R – Eu tinha uns quatro.
P/1 – E a sua irmã três?
R – Três, é. Aí, é aquele mundo você pode ficar solta ali no parque e vai pro clube... Nasci com esse clima de clube, sempre protegida ali. Fui depois pra Marechal Hermes, morei também na base de Marechal Hermes e estudei num colégio em Campo Grande. Mudava toda hora de colégio.
P/1 – Mas isso... Calma, calma!
R – É muito doido, é muita coisa.
P/1 – Vamo devagar que daí a gente vai destrinchando as partes. Marechal Hermes, isso quanto tempo você tinha? Quanto tempo foi de um pro outro?
R – De três em três. Três anos eu fiquei...
P/1 – Então, são três anos em cada lugar?
R – É, sim.
P/1 – Então, no Paraguai você ficou...
R – Na verdade no Paraguai foi um.
P/1 – Aí, você veio pro Rio?
R – Em Santa Cruz. Fiquei três anos em Santa Cruz.
P/1 – Que é esse lugar que você disse que ficava livre, chão de terra?
R – Isso. Meu primeiro contato de andar de bicicleta sem rodinha...
P/1 – Você tava com quatro anos
R – Isso. É.
P/1 – Aí, você foi pra Marechal Hermes?
R – Sim, pra Marechal Hermes com seis.
P/1 – O quê que você lembra de Marechal Hermes?
R – Ah, tenho amigos até hoje, da época militar. A primeira festinha que eu queria ir de penetra, lembro...
P/1 – Como assim essa festinha, de penetra?
R – Porque do meu apartamento eu tinha vista pro clube e eu ficava enlouquecida, tocando música lenta, tocando música de festa de 15 anos. Meu sonho era entrar numa festa de 15 anos. Meus amigos já iam de penetra.
P/1 – Com sete?
R – Com sete! Aí, eu falei: “Ah, como é que vocês conseguem entrar?” “Ah, a gente dá um jeito” que não sei quê. E eles se arrumavam. Meu sonho era fazer isso. E, aí, minha mãe, eu sempre tive muito medo da minha mãe. Apesar do meu pai ser o militar, na em casa era ela quem botava quente. Eu ficava olhando da minha janela e, assim, foi meu primeiro contato com uma festa de 15 anos, com música lenta. Eu adorava sair da vila e comprar em quermesse um pirolitinho em formato de chupeta; eu lembro muito disso. Comecei a fazer aula de dança, estudava num colégio, no Valqueire, chamado “Ursinho Pimpão” era uma graça. Eu tinha uma infância maravilhosa! Eu me achava a pessoa mais rica do mundo, entendeu? Eu morava na vila e achava que aquilo era tudo meu, sabe, aquela coisa imensa, clube imenso. Achava tudo incrível, vivia num mundo, assim, num mar de rosas. Aí, fui pra Brasília, em 87. Fiquei quatro anos em Brasília e lá já foi a época de conhecer um pouco de Legião Urbana...
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu fui pra Brasília com 11.
P/1 – Vamos voltar na escola, que lembrança você tem da escola? Porque em cada lugar você foi numa. Uma professora que tenha te marcado mais?
R – Então, assim, eu fui muito boa aluna mas eu na alfabetização eu tive uma crisezinha porque eu reprovei porque eu não falava uma língua, o português. Então, minha prova -o meu ditado- minha mãe disse que era um livro de comédia, porque eu misturava tudo. E normalmente a minha irmã me alcançou, então a gente sempre estudou junta minha imagem, minha lembrança de colégio, é eu e minha irmã. Eu estudando e ela pedindo pra eu estudar pra depois passar cola pra ela. Ela vai morrer quando souber que eu to falando isso! E eu sempre gostei de ser a primeira da turma, de fazer tudo certinho, sempre fui muito nervosa, queria ser... Estudava, estudava, estudava, queria sempre saber o porquê do porquê do porquê. Tinha uma angústia de querer saber das coisas, até uma vez eu perguntei pra professora: “Professora…”, a aula era de Ciências, “…começou o Universo com sais minerais?” e isso, aquilo. “Mas e antes?” “Não, Ana, que a gente sabe é assim” “Mas e antes?” e antes, e antes... Aí, ela chamou a minha mãe e falou: “Sua filha tem uma dúvida, pelo amor de Deus, ela quer saber o porquê do porquê” e eu era chatíssima era o porquê disso, o porquê da aquilo, por quê? Sempre quis saber o porquê. E aí, eu estudando, sempre que estudava eu falava: “Vamos pegar o livro anterior?” minha irmã: “Não, não, não, a matéria é só essa”. Aí, eu falei: “Não, é interessante que a gente pegue porque aí a gente vai saber” papapá papapá. E aí ela: “Caraca, para com isso! Vamo ser prática! Eu só quero tirar sete pra passar” . Ela falava isso. E eu não, eu queria passar pra tirar dez. Então, assim, eu tenho essa lembrança de estudar muito, de lembrar muito da minha mãe puxando os meus cabelos pra aprender tabuada. Que mais de colégio? Ah, era uma delícia, era uma fase maravilhosa.
P/1 – Alguma professora que você lembra?
R – Cara, tem um negócio muito estranho, eu fui estudar num colégio chamado “Monteiro Lobato”, minha mãe tinha me tirado do “Ursinho Pimpão” pra estudar no “Monteiro Lobato” porque era um colégio mais difícil, mais conceitual.
P/1 – Onde era isso?
R – Em Marechal Hermes. E eu fiquei super revoltada. Eu achava horrível uniforme, que era marrom. Eu cheguei lá e tive uma depressão incrível, porque hoje eu acho que foi uma depressão porque eu não falava com ninguém. Aí, uma vez a professora chegou pra falar comigo: “Ana, vamos cantar o hino?” falei: “Não quero” “Por quê?” “Porque eu não quero. Não gosto de você, não gosto de ninguém do colégio”. Então, eu não tive contato nenhum, eu fiquei a minha segunda série toda calada, introspectiva, com saudade do outro colégio. E já era adaptação de vida de militar de estar se mudando e daí que eu tive esse crise. Acho que foi a única que eu tive de não estar conseguindo me adaptar. Aí, reprovei de novo. Pô, porque eu não conseguia prestar atenção na aula e a minha mãe falou: “É legal você passar…”, não é nem que eu tenha reprovado, eu passei ali, com média raspando, “…não, não quero que você tenha essa imagem, vou te botar num outro colégio. A gente vai pra Brasília e você vai fazer de novo lá”. E Brasília eu adorei! Assim que eu cheguei já gostei muito, achei a cidade – eu lembro disso – muito limpa, tudo muito parecido, parecia que tava no mesmo lugar. Meu colégio era ótimo, chamado Minas Gerais, já cheguei fazendo amigos, arrumando namoradinho e adorava...
P/1 – Foi o seu primeiro namorado?
R – Era o meu primeiro namorado. Ele era meio albino. E eu gostava só de namorar ele pra dizer que eu tinha um namorado; eu não queria namorar. Na verdade, eu não queria namorar de fato então, quando vinha pra ele me dar um beijo na boca, eu falava: “Não, para! A gente só tem que fingir que é namorado” “Bom, a gente tem que namorar! Todo mundo beija na boca” “Aqui na minha boca você não vai encostar” “Por quê?” falei: “Não, imagina você usa aparelho! Meu pai mata você, imagina se me corta? Não”. Ele me deu um beijo e eu praticamente não engoli, cheguei em casa, lavei a minha boca muito! Olha que coisa ridícula. E com muito nojo: “Que coisa nojenta, beijo na boca! Que coisa horrorosa”. Minhas amigas todas beijando já e eu falei: “Não quero crescer; eu quero ser criança!” E aí, fui, eu só gostava de amor platônico. Eu gostava da coisa da cartinha de escrever carta, ficar sofrendo. Eu gostava disso, era a minha onda. Se o cara viesse pra me namorar acabou eu ia odiar ele, ia criar um verdadeiro ódio. Fiquei quatro anos em Brasília e, aí, vim pro Rio. No que eu vim pro Rio, fui pra Ilha do Governador.
P/1 – Brasília você falou que tava com quantos anos? Onze?
R – Onze.
P/1 – Você falou que você começou com o Legião Urbana a ter contato com música.
R – É, adorava. Brasília tem muito esse pegada do Rock.
P/1 – O quê que você ouvia lá?
R – Eu gostava muito do Legião, do Capital. Mas, ao mesmo tempo – isso à noite, quando eu tava com meus amigos – eu tinha Xuxa e queria ser paquita, entendeu? À noite eu ficava mais adulta pra tentar entrar na onda da galera mas eu adorava, assim, o máximo era quem sabia cantar “Faroeste Caboclo”, sabe? Andava com a turma mais tchan quem cantasse a letra. Então, eu lembro muito das festinhas, garagem tocando Legião e uh-hu, era sinal que você tava sendo mais rebelde e bacana era o...
P/1 – Como que eram essas festas de garagem?
R – Ah, aquela coisa skinny, Coca-Cola e o pessoal pegava e fumava e achava que estava fazendo a coisa mais louca e subversiva, aí, pegou uma cartela de Free! Papapá papapá. No meu grupo não tinha drogas, assim, no máximo cigarro e bebia High-Fi e achava que isso era o máximo da subversão, o máximo da subversão. E eu lembro que se uma garota sentasse no colo era galinha, eu lembro dessas coisas, não podia sentar no colo que era galinha. Hoje eu tava até conversando com o pessoal do elenco: “Lembra que os meninos faziam uma cosquinha na mão da gente e essa cosquinha era sinal de alguma ‘maldade’?” Olha como é que vão vindo as coisas na nossa cabeça! E, assim, foi muito bacana morar em Brasília. Quando eu vim pra Ilha, já foi o meu primeiro namoro, de verdade mesmo, de beijo na boca sem querer lavar a boca. Estudei num colégio militar já foi um grupo grande, mesmo assim ainda tinha aquela educação reprimida, podia ficar até meia noite na festinha. Pô, meia noite a festa não é nada! O que é bom é a partir das duas. E minha mãe foi lá me tirar uma vez, porque ela não queria que eu fosse pra uma quadra de tênis e eu fui chamar a minha amiga que tava na quadra de tênis, que ela tava lá, se beijando com um moleque. Aí, eu fui falar pra ela: “Você vai voltar com a minha mãe, não vai beijar na quadra de tênis. Beija aqui”. Minha mãe deu uma volta, parecia que sabia o que eu tava fazendo e foi, entrou dentro da festa e me tirou, pelos cabelos, assim, desse jeito, lá na vila. Aí, eu fiquei três meses sem descer do apartamento e aí eu comecei a namorar o meu vizinho. Pra você ver, não adianta nada. Começou a minha vida a mudar aí o mundo cor de rosa. Foi um namoro bem conturbado, ele era muito mais velho do que eu e...
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu já tinha 16.
P/1 – E ele?
R – Ele tinha 26. Nem acreditava, não tinha peito, não tinha nada, era magrela! Nem acreditava que eu estava namorando e que ele se interessava por mim mas era aquele cara, assim, o gostoso da turma. Aí, começamos a namorar. Foi um namorinho meio conturbado. Depois disso, eu comecei a estudar pro vestibular e nessa época eu tive Síndrome do Pânico. Eu acho que eu saí da vila militar e meu pai foi pra reserva e eu comecei a ter contato com a vida civil. Uma coisa menos protetora. E, aí, era estranho morar do lado de uma vizinha que eu não conhecia, que eu não conhecesse. E não tinha mais aquela galera...
P/1 – Aí, quando vai pra reserva, você tem que sair da Base?
R – É, sim, sim.
P/1 – E vocês foram pra onde?
R – Na Ilha mesmo só que em outro local. Mas, aí, você já se sente menor ali porque você tá naquele apartamento. Quando você mora numa vila você tem o clube, a casa dos amigos é extensão do teu quintal. E ali, na área civil, não, teu espaço é ali. Então, eu já achava aquilo estranho. Aí, fui estudar em outro colégio.
P/1 – O quê que foi? Como que você soube que você tava com Síndrome do Pânico?
R – Cara, eu tava com todos os sintomas do pânico, com 17 anos, de 93 pra 94, numa época que não se tinha capa da Veja que dizia o quê que era pânico. Eu sei que até pra Terreiro de Macumba me levaram porque falaram: “Essa menina tá com um problema sério de espírito”. Eu ia, assim, se você mandasse eu ir pra Lua, eu ia porque eu queria paz para o que eu tive. Foi super forte a crise, muito forte. Eu fiquei bem doente.
P/1 – Que sintomas você tinha?
R – Todos, todos, todos. Sensação de morte iminente, sintomas de pânico mesmo, falta de ar, sudorese. Nossa, eu sou PhD. E...
P/1 – E, aí, como foi, um psiquiatra descobriu?
R – Não, uma semana que eu fui pro psicólogo, meu pai relutou muito: “Não, minha filha não precisa disso”, e eu mesma quis. Eu falei: “Eu quero ir” e na semana que eu cheguei no psicólogo ele falou: “Calma. Vem acontecendo isso, pessoas da sua idade estão sentindo isso” “Mas a minha vida é perfeita, não tem nada demais” “Não, a gente não é perfeito”. Aí, eu fui entendendo mais. Eu era muito fechada, queria ser sempre a melhor no colégio, me superar sempre, sempre controladora demais. Daí, eu: “Putz, não precisa ser tanto assim” uma cobrança que me custou muito caro porque foi a melhor época da minha adolescência, sabe? Já tinha uma educação repressora e, aí, quando você começa com 17, 18 anos a entender e ver o mundo, você tá doente. Pra mim, enquanto as minhas amigas estavam bebendo, eu tava tomando antidepressivo. Então, isso pra mim foi... Eu fiquei um tempo revoltada e falei: “Cara, não vai adiantar nada eu ficar revoltada. Eu não vou entrar pras drogas; eu já tô tomando uma droga lícita”. Ok, aconteceu isso, beleza. Eu sempre tive uma atitude positiva. Ao mesmo tempo que eu ficava um pouco coitada eu queria tender porque eu tinha desenvolvido isso, porque na cabeça eu falava seu eu fiz até agora tudo certo, primeira da turma, nunca fiz nada de errado, nunca matei uma aula; como que eu tenho isso? E eu comecei a entender que as coisas não estavam tanto no meu controle. Comecei a perceber que a vida tem um curso que ela te impõe. E, comecei a ficar muito mais humana, muito mais sensível, muito mais com vontade de conversar com as pessoas. Essa crise ela me ajudou muito. Foi horrível mas depois que passou ela me ajudou muito a entender mais as pessoas, a querer estar perto das pessoas, a sentir que eu precisava de amigos, que essa coisa de mudança tinha tido um peso e que beleza, ok, estou doente; vou melhorar, uma hora vai passar. E passou. Eu sempre fui muito certa no meu tratamento, muito correta e, aí, a vida artística me descobriu. Eu não fui nem atrás, eu tava fazendo faculdade, Publicidade…
P/1 – Só volta um pouquinho, desculpa. Você teve algum tipo de formação religiosa?
R – Católica. Católica mas eu ia super empurrada aos domingos pra igreja.
P/1 – Sua mãe e seu pai faziam questão?
R – Não, não. Mas eu ia pra igreja faz catecismo e eu vou te falar que eu não achava a menor graça. E eu lembro que uma vez no meu colégio – estudei num colégio de freira – e um padre chegou pra mim: “Ana, vamos se confessar? Você precisa se confessar e contar pra mim seus pecados” mas eu olhei pra ele e eu tinha 15 anos e falei: “Mas como assim eu tenho que me confessar? Se o senhor mesmo falou que Deus é onisciente, onipresente, onipotente, por que eu tenho que falar com você se ele tá sabendo o que eu faço? Deixa que eu me acerto com ele à noite!” “Três Pai-Nosso, três Ave-Maria, eu vou chamar sua mãe, você é muito respondona!” “Mas, eu não to entendo…”, no meu porquê óbvio, “…eu quero entender! Se Deus tá vendo o que eu tô fazendo por quê que eu tenho que dividir com o senhor? Não, imagina! Aí você está invadindo a minha privacidade”. Quando eu cheguei em casa, minha mãe me deu a razão. Normalmente ela não era de dar a razão, não. Mas ela me deu a razão. Minha mãe falou: “Você tá na sua razão, realmente. Você tem que argumentar”. Quando ela me falou isso, em Fortaleza tem muita história de padres. Muita história pesada de padre. Então, eu cresci um pouco com isso. Respeito a Igreja Católica mas nunca foi o meu conforto. Eu sempre tive muito sono em missa e quis muito uma busca espiritual e foi muito importante na minha Síndrome do Pânico, eu procurava alguma coisa. Então, eu fui pra todas as religiões que você pode imaginar. Minha, uma busca minha, interior. Eu pensei: ‘já que eu tive essa crise eu preciso, agora, vamos lá, saber quem sou e vamos também ver em quê que eu acredito’. E fui em todas, fiquei seis meses no Budismo; fui para a Igreja Evangélica, saí de lá assustadíssima com a gritaria: “Deus me livre, credo, não quero isso aqui”; e eu me encontrei no Kardecismo. Gosto, foi um lugar, assim, que cheguei super desconfiada, hum, coisa estranha, não sei, manifestação... Sempre desconfiadíssima. Mas, quando cheguei lá, fui tendo uma postura diferente, foi me acalmando, me aclamando. E pra mim, se você falar que se acalma, aí ganha, porque eu sou hiperativa, elétrica. E, aí, eu comecei a ter um paz muito grande e falei: “Quero isso aqui pra mim. Se isso aqui é Kardecismo, se é não sei o que, qualquer nome que der, eu quero estar nesse lugar”. E comecei a frequentar. Perdi uns amigos muito cedo de maneiras de acidentes, trágicas; outros de maneiras inexplicáveis. E só ratificou mesmo a minha procura pela religião é o que segura, assim, é a minha certeza.
P/1 – Até hoje?
R – Até hoje. Até hoje eu gosto muito.
P/1 – Como que era na sua casa? Você falou que a sua mãe, apesar de o seu pai ser o militar, era mais enérgica. Como que era isso? Quem que exercia a autoridade?
R – Acho que porque casou cedo e sabia da coisa mais rápido. A minha mãe fumava novinha, escondida, então: “Não quero isso pras minhas filhas”. Mas também não adianta você prender porque a vida vai te puxar. Eu tenho uma... Eu fui chamada pra vida artística com 18 anos e fui acompanhar uma amiga minha na festinha de uma agência de modelo. Quando cheguei lá já fui convidada. Eu: “Hum, imagina! Não quero isso nunca pra mim. Ah, não. Esse meio? Meu meio é certinho, eu não quero esses negócios”. Pra mim a vida já tava feita, ser publicitária.
P/1 – Você queria ser publicitária?
R – Achava até ser chamada pra cobrir pelo Fernando Ceylão.
P/1 – Mas, aí, aos 18 anos te convidaram?
R – É, pra eu ser modelo e fazer fotos e tudo. Eu super desconfiei mas não achava que eu tinha, apesar de ter 48, 45 quilos, eu era raquítica, falei: “Não, sou muito magra. Imagina, não tenho cara de modelo”. Aí, quando eu cheguei na agência que falaram pra eu ir, na hora me aceitaram. Eu falei: “Caraca! Que loucura”. Isso ajudou muito no meu processo também, de tratamento, na minha autoestima. Eu me achava muito magra e me aceitavam desse jeito. Na minha adolescência eu usava quatro calças legging por baixo da do colégio porque eu queria ter perna grossa. Eu não tinha peito, não tinha bunda nem perna. Então, vamos apelar! Minha amiga disse: “Eu descobri uma forma pra ficar gostosa. É só botar quatro calças leggings” e eu, com calor do Rio de Janeiro, era quase 40 graus, e eu botava aquela calça por debaixo da calça do colégio e também ficava sendo a menina mais difícil, porque o cara não podia encostar a mão na minha perna porque senão ele ia descobrir o truque, entendeu? EU falava: “Não, não pode pegar na minha perna. Que isso, tá pensando o quê?” E era o truque ele não podia fazer. Aula de Educação Física eu dava um jeito de não saber pra não descobrirem que minha perna era fina. Era a loucura!
P/1 – É mesmo?
R – Louca! Eu era louca pra botar aparelho pra perna. Essas coisas, nunca botei aparelho, numa usei óculos, nunca quebrei a perna e usava quatro calças embaixo. E ficava rezando: ‘Deus, engrossa as minhas pernas, pelo amor de Deus!’ Mas, assim, não tinha contato com a Arte...
P/1 – Aí, te convidaram?
R – Aí, me convidaram e eu comecei a ter contato com essa Arte.
P/1 – Aí, você foi?
R – Aí, eu fui. Achei que os meus pais fossem relutar mas meu pai foi o primeiro a falar: “Vai lá e vamos ver o que vai dar nisso”. E comecei a trabalhar bastante; trabalhei muito.
P/1 – Como é que foi como modelo?
R – Eu super consegui já me soltar; acho que a terapia já tava me ajudando, a psicanálise. Eu comecei a ser o oposto do que eu era, a me soltar mesmo, ter mais confiança e ir. E fui.
P/1 – Mas aí você fazia o quê? Desfile?
R – Não, comercial. Fazia comercial e foto. Então, eu comecei a me soltar, a ter mais intimidade, a sentir que era a minha nova casa. Aí fui me apaixonando. Aí, nessas eu comecei, fui chamada pra fazer Teatro e pra...
P/1 – Sem nunca ter feito curso de atriz?
R – Sem nunca ter feito. Eu achei um absurdo o cara me chamar. Aí, eu falei: “Que isso? Mas vou. Eu tô adorando esses desafios. Mas vou, depois que eu tive esse pânico qualquer coisa eu faço. Não é isso que me pega”. Aí, fiz, estreei, deu certo. Aí eu falei: agora eu vou estudar que eu não gosto de nada mal feito. Fui, entrei na faculdade da cidade e aí comecei a faculdade de Teatro e tranquei a de Publicidade.
P/1 – Ah, primeiro você prestou pra Publicidade?
R – Tava no sexto período. Eu estagiava no Núcleo de Comunicação dentro da Faculdade, o coordenador super apostava em mim. Eu tava na Criação e ele já tava e ele super apostava, já tava vendo uma agência pra eu começar a estagiar em São Paulo. Aí, eu falei pra ele: “Olha, tô começando a gostar de uma outra coisa” “Só não me diga que é Televisão” “É por aí: é o Teatro”. Ele falou: “Não, pelo amor de Deus, você não vai fazer isso. Você vai e dar bem na Publicidade” “Pois é. Mas eu descobri que eu tô apaixonada por isso”. E, aí, fui fazer um curso de Cinema com o Walter Lima Júnior e o pessoal tinha falando que esse curso era bacanérrimo. Mas eu pensei que fosse de aperfeiçoamento... Mentira de iniciante mas era de aperfeiçoamento. Quando eu cheguei lá eram todos atores famosos, quis sair correndo. Aí, o Walter: “Não, entra e continua”. E eu fiquei. Cara de pau, sem saber técnica nenhuma, fazendo o curso e aí fiquei apaixonada, apaixonada pelo ser humano! Eu tinha uma coisa de que queria trabalhar com o ser humano, eu só não sabia exatamente o que era. Eu falei: “Ah, Psicologia? Não, não consigo ouvir o problema dos outros que eu vou chorar, vou ficar desesperada. É Publicidade? É Publicidade! Vou bolar umas coisas pra eles, ou seja, vou ajudar a vida deles. Mas eu achava muito frio a maneira publicitária de pensar. Eu cheguei até a estagiar aí eu falava: “Não, gente, não dá; é o lucro e eu quero uma pegada diferente”. E eu não sabia que já era essa parada de atriz que vinha como uma luva. Quando eu comecei a estudar na peça eu pensei: ‘gente, é isso, eu preciso entender o ser humano para atuar, para representar’.
P/1 – Que peça era essa que você tava atuando?
R – A primeira foi “Mesa Sete”, era uma peça experimental, feita num bar. E foi ótimo, assim, a gente ficou três meses em cartaz; de público foi ótimo. Eu consegui, assim.
P/1 – Mas você já tava fazendo o curso de Cinema?
R – Não, eu fiz a peça e fui estudar.
P/1 – E como que eles te convidaram? Pela publicidade?
R – Pela publicidade. Perguntaram, por uma menina que tinha saído e precisavam do perfil, de uma menina loira. E, aí, tinham visto uma foto minha, falaram que eu fazia muita publicidade e o pessoal tem uma mania de dar uma confundida. Ok, se dá bem com as câmeras pode ser também fácil de levar. Até dá certo mas é arriscado. O fato é que colou, comigo colou, entendeu? Eu consegui segurar a onda. Mas, óbvio, queria sempre estar segura do que eu tava falando, do que eu tava defendendo, do personagem. Então, eu fiz pra cobrir uma situação mas não vou te dizer que, é óbvio, se eu quisesse hoje seria completamente diferente... Eu queria me embasar.
P/1 – Mas, aí, da “Mesa Sete” é que você foi fazer o curso de Cinema?
R – Foi. Fui fazer de Cinema e de Teatro.
P/1 – E trancou a faculdade?
R – E tranquei a faculdade.
P/1 – E Teatro você foi fazer onde?
R – Na Universidade. A professora era a Itala Nandi, Alexandre Melo. Tive professores bons... Fred Tolipan, Cris Jatahy, tive professores bons, assim. Fiz “Baal”, “Roberto Zuco”, “Quem Casa quer Casa”, “Martins Pena”. Fiz “Brinquedos na Hora da Sesta”, “Despertar da Primavera”, fiz bastante montagem. E aquilo pra mim era...
P/1 – Montagem pra faculdade? Trabalho de faculdade?
R – É.
P/1 – E a sua turma quem que era na faculdade?
R – Então, na minha turma eu tive até uma atriz agora, a Bárbara Borges, ela fez parte da minha turma. Tem atores que ficaram só em Companhias de Teatro mas foram pra televisão a Bárbara, tem mais alguém que eu esqueci. Esqueci! Ah, montei também “Antígona”. Mas eu amava; foi a completude, ali eu falei: caramba, é isso.
P/1 – E você continuava fazendo propaganda?
R – Continuava, o meu ganha pão.
P/1 – Qual foi a que mais te marcou, assim, a que mais te rendeu das propagandas que você fez nesse período, assim, que te deu uma projeção?
R – Todas as bebidas que você possa imaginar, inclusive bebidas pra fora; fiz a mudança da Telefônica pra Vivo, eu anunciava a mudança, achei isso bacana; eu fiz tanta coisa! Eu fiz tanta coisa, assim, eu trabalhei muito com o Andrucha Waddington. Trabalhei demais, demais, da conta com ele. Já tinha, assim, uma equipe que ele trabalhava, a galerinha dele. Fiz refrigerante, fiz todas, Fanta foi uma que eu gostei de fazer também. Eu fiz uma que, meu Deus, até hoje eu sou conhecida por isso como mulher limão, fiz uma da Barcardi Lemon e eu era o lemon e a gente gravou na Polo Cine, sei lá, acho que dez graus negativos e eu tinha uma rodela, uma saia com um cinturão de couro e a saia toda de rodela de limão, limão mesmo, natural; foram três dias de gravação. Nem preciso dizer que no segundo dia já tava fedendo essa saia, pingava limão, o refletor vinha aqui nas minhas pernas e queimava. Na outra semana eu tava com pneumonia mas eu fiquei conhecida como a mulher limão que o pessoal já tinha pena de mim, em cima do queijo, com aquela rodela de limão, querendo matar a figurinista e sofrendo, em carne viva aqui. Essa me marcou muito, pelo sofrimento. Pelo sofrimento. Mas adorava, assim, eu sou uma pessoa que odeia acordar cedo mas você me chamar pra trabalhar com arte, às quatro da manhã, eu tô feliz. Às quatro da manhã! Acho que nem pra casar se você me chamar às quatro da manhã eu vou querer mas pra trabalhar, qualquer que seja a gravação, eu tô feliz. Eu escutei isso muito de um namorado: “É impressionante o valor que você dá pra Arte e não me dá o mesmo; você não divide a atenção” e eu levei isso pra terapia durante muitos anos, meus Deus do Céu, eu não consigo disfarçar, não é possível. Porque, realmente, é a coisa mais importante da minha vida, a Arte, minha família. E namoro é consequência.
P/1 – Ah, depois dessa, você se formou lá na Faculdade da Cidade?
R – Me formei na Faculdade da Cidade, senti falta de fazer alguma coisa, assim, porque a gente é jogada. Se forma meio jogada no mundo. Falei: “Meu Deus do Céu e agora?” e, aí, fui bater na porta de todos os lugares e faz cadastro aqui, cadastro ali, papapá papapá e fiz algumas participações, peças de teatro...
P/1 – Quais?
R – Ah, fiz em novelas, participações em seriados.
P/1 – Quais em novela?
R – Aí, “Senhora do Destino”; na “Grande Família” eu fiz participação...
P/1 – O quê que você fez na “Grande Família”?
R – Eu fiz a namorada do Fábio Assunção em uma participação com ele, era bem pequena. Fiz uma participação grande em “A Cor do Pecado”, que eu tirava a Ingrid Guimarães, comprava o apartamento dela, foi uma participação bacana; fiz bastante. Na “Malhação” eu fiquei três meses como elenco de apoio e foi bacana, foi super válido conhecer como é que era esse universo, entender como é que era o dia a dia. Foi bacana mas nunca tive um trabalho grande, assim.
P/1 – Qual foi o seu primeiro na televisão?
R – Foi com o Luiz, foi em 2010...
P/1 – Não, foi o primeiro grande?
R – Foi o primeiro grande.
P/1 – Mas já na Globo?
R – Foi “Malhação”.
P/1 – Foi na Globo já?
R – Já, já foi. Foi engraçado porque o diretor olhou pra mim e eu fui acompanhar uma colega e ele disse: “Quer fazer teste pra ‘Malhação’?” e eu falei: “Não”. Aí, ele: “Como assim não?” “Não, não quero; não quero fazer teste nenhum, não”. Nessa época...
P/1 – Você foi acompanhar uma colega outra vez, igual na agência?
R – Foi, olha só como são as coisas. Ela disse: “Ana, vamos lá que eu preciso fazer um teste pra ‘Malhação” e eu ainda não tinha trancado a faculdade de Publicidade mas não tava mais amando tanto. Aí, eu acompanhá-la no PROJAC e ele falou: “Você quer fazer teste pra ‘Malhação?” “Não, não quero” “Por quê?” “Porque eu não quero ser atriz” “Ah, não? Mas, pô, você o perfil que eu quero”. Aí, eu falei: “Mas o quê que precisa fazer nesse teste?” “Ah, você tem que botar biquíni” “Botar biquíni? Ah, você tá de sacanagem! Tem que botar biquíni?” isso eu falando com um diretor! “É, porque como é uma novela que tem uma pegada com a questão estética”, papapá papapá. Eu falei: “Mas nunca! Imagina” aí, eu pirada, olha isso: “Jamais eu vou botar biquíni pra fazer teste? Você tá louco. Teste pra mim é estudar”, isso e aquilo. Aí, ele me ligou três dias depois e falou: “O, marrenta, gostei do seu perfil; você que fazer, mas pro elenco de apoio?” “Como é que isso de elenco de apoio?”, sempre muito desconfiada. Aí, ele disse: é assim, assim, assado, tem algumas cenas que eu posso colocar você. Eu falei: “Hum, estranho” e ele me ligando e falando e falando vai, não sei o quê... E eu falei: cara, eu vou. Vou ter uma carteira assinada, vou ver qual é e aí fui. Aí, me chamaram pra fazer o teste, pra fazer a peça...
P/1 – Como assim carteira assinada?
R – Porque o elenco de apoio assina a carteira. Salariozinho e eu só era modelo, aí eu tinha uma coisa “freela” queria ter uma coisa na minha carteira.
P/1 – Aí, você teve da Globo só?
R – Tive da Globo. Falei: gente, eu preciso ter a carteira assinada.
P/1 – Quanto tempo você ficou com eles?
R – Ah, pouquinho, só três meses. Foi legal, foi bacana mas já deu, assim. Eles renovaram o contrato de algumas pessoas mas eu pedi pra sair, não queria mais, não. Aí, eu quero estudar, quero fazer alguma coisa assim. Que é o tempo todo. Você tem que estar lá, disponível. Não, quero estudar. Aí, fiz a faculdade, fiz o curso de Cinema e aí foi, voltando, continuando. Quando eu larguei, quando eu larguei não, quando eu me formei, comecei a sentir falta...
P/1 – Você sentia falta de comercial?
R – Continuei fazendo propaganda, continuei fazendo meu Teatro e falei: “Caramba, cara, eu não posso deixar uma faculdade que eu fiz seis períodos pra traz mas eu não quero mais Publicidade então eu vou fazer Jornalismo porque eu ou puxar várias matérias” e foi legal porque eu queria escrever, eu queria ter uma noção, eu queria ter uma coisa mais humana, qualquer coisa “Se não der certo, eu trabalho numa Casa de Cultura, é sempre a Cultura ali. Sempre levando pra esse lado; eu trabalho com isso, com Cultura e eu acho mais humano trabalhar como jornalista, eu vou entrevistar pessoas e vou estar junto com pessoas; é, então eu vou fazer Jornalismo”. Então, assim, adorei. Fiz Jornalismo mas nunca foi o meu amor.
P/1 – Mas você chegou a trabalhar, exercer?
R – Trabalhei. Trabalhei no Governo.
P/1 – O que você fez?
R – Eu trabalhei como repórter depois como assessora.
P/1 – Mas aonde?
R – Secretária de Transportes do Governo. Depois, eu fui pra Agência Reguladora e trabalhei como assessora.
P/1 – Agência Reguladora de notícias?
R – De Transportes. Muito doído, eu me sentia muito atuando, estou, neste momento, jornalista. Neste momento, assessora de Imprensa. Eu me sentia muito atuando. Estou vestindo uma roupa assim, assim, assado. Estou assim, assado.
P/1 – Mas você tinha um emprego fixo?
R – Tinha um emprego fixo e, aí, vi que não era o tudo. Falei: cara, é isso aí que vai parar de fazer com que eu corra atrás. Que é isso que não para, que me move. E não é, ser humano é assim, a gente precisa estar sempre correndo. E eu não tava feliz e eu falei: “Ah, eu preciso da Arte, urgentemente”. E, aí, pegou fogo nesse meu trabalho e eu falei: “Cara, eu não vou à praia, vou no PROJAC; tô com muita saudade de atuar”. Aí, quando eu cheguei lá, bati na porta de todo mundo e não tem nada, não tem nada, não tem nada. Aí, Nelsinho tava lá, foi último produtor de elenco de “Afinal, o que querem as mulheres?”, que foi o mesmo produtor de elenco daqui. E eu falei: “Não, é o seguinte”...
P/1 – E você conhecia ele da onde?
R – De alguns outros trabalhos que eu tinha feito que ele já tinha me chamado pra fazer participação. Falei: “Olha só, eu tô super infeliz no meu trabalho, vou pedir demissão e vou ter que fazer alguma coisa aqui; você vai ter que me ajudar”. Ele falou: não sei o quê “tem uma minissérie aí que tem várias mulheres, vou ver se tem o teu perfil”. E eu falei: “Tem que ter o meu perfil! Tem que ter porque são várias mulheres, eu tô nesse perfil”. Aí, peguei a lista lá e comecei a “não, eu não saio daqui; você vai me dar o dia do teste que eu não saio mais daqui; não vou sair” deu a loca em mim e ele me marcou um teste. Aí, no teste pedi pra eu ser a primeira e não consegui, fui quase a última. Já cheguei no teste quebrando o cenário super destrambelhada, eu sou muito destrambelhada. Já, opa, desculpa, aí, figurino, não sei quê, ai meu Deus do Céu. Aí, eu olhei pro diretor e falei: “Tu é o Luiz Fernando Carvalho? Não posso saber senão não vai rolar, não vai sair nada”.
P/1 – Você já conhecia o trabalho dele?
R – Conhecia de “Lavoura Arcaica” mas, assim, não tinha aquela noção de que era “o cara”. Achei incrível o filme dele, tinha acompanhado as minisséries, mas quando eu vi ali, na minha frente, pô, eu gelei. Falei: “Caraca, vou ter um troço”. E, aí, errei o texto umas três vezes e no improviso eu falei: agora que eu gosto. Agora vai. Aí, eu comecei a esquecer que ele era ele e, assim, eu procuro não achar que o Luiz Fernando é o Luiz Fernando. Eu procuro tratar como...
P/1 – Mas aí você fez, o quê que você como teste?
R – Eu fiz pra uma garçonete e ele pediu depois pra eu ficar até mais tarde pra fazer de enfermeira, entendeu? Mas, basicamente, foi engraçado porque o Luiz colocou a gente – ele formou o Núcleo e colocou a gente – pra fazer vários personagenzinhos pequenos. Então, é interessante porque eu fui fazer uma perua, outro dia eu fui fazer uma mulher mais frustrada, fazia essa garçonete que era, realmente, o principal, fazia a enfermeira. Então, a gente brincou muito, fazia jogos. E eu fiquei muito impressionada com o laboratório dele, com o processo. Fiquei muito impressionada. Eu tenho essa imagem do tapete que ele colocou de sala pra gente no Tear, lá dentro do PROJAC e eu achava o máximo, assim, chegar lá e já entrar naquele universo. Era densidade diferente, eu saía, xingava no trânsito, quando eu chegava ali, no momento do laboratório, tirava o meu sapatinho, esquece celular e já mergulhava. Tinha aquela música que ele colocava, já tinha um trabalho com máscaras, já tinha um trabalho de corpo, os atores ali, já todo mundo na mesma. E começava a entrar naquele processo, a transcender. E eu adoro transcender, Nossa Senhora! Se for pra plantar bananeira eu planto na hora e eu vou mesmo, viajo legal. Então, eu ficava naquela sala, às vezes de manhã, de nove às sete da noite, a semana inteira. Então, eu chegava em casa, assim, com um outro olhar e aquilo foi mexendo dentro de mim porque a faculdade não tinha me dado isso...
P/1 – Mas quem falou que você passou no teste?
R – Foi o Nelsinho. Foi assim: nesse dia que ele me falou que eu tinha passado, um mês depois, a Globo é assim, ela te mata. Se acha que passou mas não me mandaram e-mail nem nada e eu falei: “Caraca, até esqueceram de mim.”. E, aí, eu tava super triste, tinha acabado de levar uma bronca da minha chefe, aí fui pro banheiro chorar e ainda levei o celular pra falar com meu namorado. Aí, entrou uma ligação, de número desconhecido. Eu falei: “Putz” “Oi, Ana, é Nelsinho…”, não, ah, não, era ele “…oi, Ana, Nelsinho, tudo bem?” eu meio assim (reproduzindo soluços de choro) “Oi, tudo bem” não sei quê. Ele falou: “Então, lôra, é só pra dizer que você passou”. Aí eu comecei a chorar mais ainda! Caraca! Aí, veio na minha cabeça, pedir demissão, papapá papapá, era o que eu precisava. Aí, voltei do banheiro ótima, tipo, essa minha chefe não vai mais me ter. Mas foi na hora, uma bobagem, já tá tranquilo com ela. E, aí, eu já fui me organizando pra sair de lá e, ao mesmo, indo pro laboratório. Mas tudo difícil, nada fácil, precisou pegar fogo pra eu pedir um teste e pra passar no teste não foi nada fácil. Deus foi bonzinho agora e dessa segunda vez o Luiz me convidou e...
P/1 – Ele convidou pra fazer um teste? Vamos falar do “Suburbia”.
R – No “Suburbia”...
P/1 – Ele te convidou pra fazer um teste?
R – Não, pra Beth já.
P/1 – Já convidou pra...
R – Já pra Beth. Foi muito bonito que no “Afinal, o que querem as mulheres?”...
P/1 – Ele te ligou?
R – Não, no “Afinal, o que querem as mulheres?” a gente fez uma cena de velório, que era de um funeral musical, uma cena linda, linda, linda -se vocês puderem ter a oportunidade, assistam- e essa cena, assim, o Luiz te dá essa liberdade. Ele fala logo, você vai entrar aqui. E ele quer que você mostre proposta. E eu tinha um dia difícil, era um dia pesado, complicado, ele tava nervoso demais mas, assim. Eu falei meu Deus do Céu, que eu começo com essa cena, agora, sou eu que começo a cantar; cada atriz tinha uma parte em que ela cantava. A gente teve aula com Agnes Moço e, aí, eu falei: “Agora é a minha cena, me ajuda”. E, aí, me veio uma força, uma coisa de eu agarrar aquele momento. Eu tinha um livro de bolso que eu carregava na cinta liga e, aí, ele escreveu uma dedicatória não, mas escreveu uma, sei lá, um afago ali dizendo que gostou muito, e papapá papapá, tinha sido um sucesso a minha cena. Nisso, eu tinha colocado um cristal japonês perto -eu não sabia como é que se usava, aí, o pessoal dizia bota perto do olho e eu botei aqui e não pode, tinha que ser mais ou menos aqui por baixo- e eu tava chorando muito. Ele tinha dado o intervalo da cena e eu ia pro camarim chorar, gritar na verdade: “Meu olho tá queimando”. Aí, o Luiz entrou na maquiagem e me deu esse meu livrinho de bolso: “Segura isso aqui, sua louca. O que você fez no olho?” “Eu queria chorar com mais verdade e não tava conseguindo”. Aí, ele: “Vê isso aqui”. Eu olhei e achei aquilo lindo...
P/1 – Não entendi o cristal japonês.
R – É porque a cena, assim, eu tava querendo chorar desesperadamente. Tava com fome, com frio, não tava vindo. Eu queria estar chorando nessa cena e eu falei: “Me empresta esse cristal pra eu ver como é que é isso?” e aí: “Não adiantou nada; esse cristal eu só botei e me causou um incidente porque ele me ardeu tanto, óbvio que depois eu chorei que nem uma louca porque tava machucando meu olho já e o Luiz já tinha dado intervalo dessa cena e foi entregar o caderninho, o livrinho dizendo que tinha gostado da minha cena. E aí eu falei: “Pô, que bacana, que legal” e, aí, um dia eu falei pra ele: “Vamos fazer ‘Afinal, o que querem as mulheres dois’?”. Ele: “Não, no próximo trabalho eu chamo você, pode ficar tranquila”; eu não levei muito a sério e ele chamou, assim. Achei muito bacana.
P/1 – Como foi que ele te ligou?
R – O Nelsinho. Eu sabia que tava tendo “Suburbia”, eu liguei pra todas as minhas amigas negras e falei: “Liga pro Nelsinho porque aí é a praia de vocês” “Ah, mas você não vai fazer?” “Não, imagina, eu já soube que o elenco é todo de negros, não tem nada a ver comigo”. Aí, eu falei pras minhas amigas irem fazer o teste e eu super ia acompanhar o trabalho dele, que eu adoro e, aí, um belo dia eu tô lá, sentadinha, num domingo, em casa...
P/1 – Você tava fazendo alguma coisa?
R – Eu tô fazendo Produção de um filme. E, aí, eu tava sentada em casa, tava meio triste também esse dia e tocou o telefone: “Número desconhecido, não vou atender, não porque isso é trote” e não sei o quê e não atendi. Aí, quando foi na segunda, me ligou de novo o número desconhecido e me deixou recado. Eu falei: “Pô, deixa eu atender” e era o Nelson: “Você quer trabalhar? Quero falar com você”. Aí, quando ele me falou que era o Luiz que estava me chamando pro “Suburbia”, eu falei: “Não, você tá me zoando, não é possível. Como assim?!”. Quando eu recebi os textos eu tava achando tudo lindo. Chorando e, pô, esse homem mudou a minha vida mesmo; foi um divisor de águas na minha vida, em tudo, assim, até em como eu enxergo a Arte hoje, o respeito que eu tenho, a sensibilidade, eu não esquecendo dele falando vão atrás. Eu e as minhas amigas que a gente montou uma peça depois do Afinal, a gente montou uma Companhia de Teatro, com umas atrizes que fizeram Afinal.
P/1 – Quem são elas?
R – Shirley Cruz, Giselle Motta, Luciana Pacheco e eu.
P/1 – Vocês criaram uma companhia?
R – Companhia “Palavra de Mulher”. Aí, a gente foi atrás e começamos a nos encontrar e ir atrás de patrocínio. Saiu o nosso patrocínio agora e a gente vai começar a ensaiar em Novembro.
P/1 – Que peça?
R – “Palavra de Mulher” e a gente quer fazer um mix de Poesia, alguns textos ligados ao universo feminino, falar sobre a mulher contemporânea, dar uma pincelada na História da Mulher e quem é a mulher que tá no século XXI, como é que ela se encontra, quais são os anseios, que eu uma coisa mesmo de depois dos 30 anos, o que a gente sente. O quê que essa mulher que é cobrada e que se cobra, que quer se firmar, quem são as “Dilmas”, quem são as “Marinas Silva”, essas mães maravilhosas mas que são pais ao mesmo tempo... Então, a gente quer dar uma pincelada nesse universo feminino.
P/1 – E fala da personagem, pra qual personagem do “Suburbia” ele te convidou?
R – No “Suburbia” eu vou fazer a Beth.
P/1 – E como que é a personagem?
R – A Beth é uma mulher de fibra, vaidosa, prendada, apaixonada pela família dela, pelo marido, morre de ciúmes dele, ela tem uma insegurança, por mais que viva na comunidade ela não tem aquele pandeiro, ela samba mas não tem aquele gingado inerente do negro. Apesar de termos todos uma porcentagem negra nas nossas veias pela miscigenação. Mas a Beth quer segurar o homem dela, quer sempre estar causando com ele, ser a lôra da vida dele, ele dá umas olhadas pro lado mas não tem coragem de fazer, não, ele é amarradão nela mas ela gosta de estar sempre ali, protagonizando na vida dele. Quando ela vê a Ceiça, a Ceição, ela se vê ameaçada. Menina linda, nova, sabe que o marido já opa, não trabalha, fica em casa. Mente vazia oficina do Diabo. Então, ela fica com um pé atrás muito grande com aquela menina. Ela foi aceita naquela família e, aí, chega a Ceição e tira o lugar dela agora, entendeu? Então, ela perde um pouco a majestade mas, assim, faz de um tudo pra essa família, lava, passa, presa a união familiar. Tem um quê moralista, não quer ser aquela funkeira e não quer que a cunhada mais nova vá pro lado da periguetagem, quer conduzir ela pra moral e pros bons costumes. Gosta de uma encrencazinha mas é uma mulher, assim, muito forte e de muito coração, de quem ela ama, ela dedica a quem ela ama e quem a ama.
P/1 – Vocês fizeram esse exercício, que você já me falou...
R – Foi maravilhoso esse dia.
P/1 – Foi o primeiro que você fez. E esse segundo, você pode contar um pouco dos dois pra gente?
R – A Gente chegou pra fazer esse exercício aqui, com a Lucinha, a gente foi muito na forma, eu sou péssima pra desenhar, dá pra notar. Falei: “Caramba, bão sei desenhar, meu Deus do Céu” e eu imaginava a Beth, desde o começo, como a pessoa que... Uma das pessoas que cuidou de mim, eu tinha uma babá, que é negra, e sempre me chamou muita atenção ela cozinhando; ela fazia e faz ate hoje, da cozinha dela um grande laboratório, ela faz ali uma grande orquestra dela. Então era “minhas panelas; tira a mão das minhas panelas; sai daqui da minha cozinha; não vai sujar o meu chão” e eu achava engraçada essa coisa da possessividade. A casa era minha mas a panela era dela porque ela estava naquele momento geograficamente era dela a coisa, a criança era do quintal do pro quarto, acabou. E me veio isso muito forte que eu chamo ela de Cinha, minha mãe preta. E a Cinha toda vez que cozinha gosta de uma cervejinha do lado dela, uma caipirinha, uma batidinha, aí, eu falei pô a Beth a tem isso. Ela tá ali arrumadinha, papapá papapá, com o tamanco, tem uma vaidadezinha dela aqui, mas ela tá cozinhando, tem aqui o cenário dela, que ela gosta, o momento que ela produz, ela com as amigas as panelas. Eu desenhei muito a forma de como eu via a Beth, achando que o exercício só fosse ficar nisso. “Putz, vai ser chato esse exercício”. A gente fez um exercício depois, nesse mesmo dia, depois desse desenho, misturando os quatro elementos, terra, água, fogo e ar. Esse exercício mexeu tanto, comigo e com todos nós, falo porque todo mundo falou isso depois, verbalizou, que eu chegava a sentir o cheiro lá de fora, da árvore, da natureza, o vento soprando. Uma coisa que mexeu muito brincar com esses elementos. E, aí, eu saí da forma e fui pra dentro da Beth dessa alma, dessa entidade. Eu vi a Beth uma mistura de Iemanjá, Iansã. Ela tem um Sol incrível, ela tem esse homem que ela é apaixonada, que ela defende dentro do possível esse homem e, se for preciso ela mata pra ter ele e se fizerem alguma coisa com os filhos, ela tem um coração enorme por essa família e pela família que a recebeu. Ela dentro do que é possível, no mundo dela da cozinha, brilha; ela brilha. Mas, assim, basicamente, ela é essa pessoa que defende e que ama. Ela é a leoa, uma leonina.
P/1 – O quê que tem dela, dessa personagem, que tem em você?
R – A defesa mesmo de quem eu gosto. Eu fico louca, imagina! Fico maluca se acontecesse alguma coisa com a minha família, irmã, meus pais, eu defendo. Nossa Senhora, amigos? Quantas vezes eu já briguei com marido de amiga minha. Me metia mesmo. Botava o dedo na cara: “Você não vai fazer sofrer” minhas amigas falam que a minha casa é um SOS, que se deu problema vai pra casa da Ana; já vai pra cama dela que ela já vai fazer chá, já vai fazer isso, vai fazer aquilo. Defendo, eu defendo. Às vezes eu sinto muita falta de ser... Nos meus relacionamentos eu sempre fui muito a que desenhava a situação. Eu sentia muita falta de alguém também muito forte comigo. Eu sempre tive namorados mais tranquilos e que eu regesse a orquestra. Mas sempre tem o cara que... Acho que de repente eles notam isso, pra não brigar, que sou muito fera quando se trata da minha família, dos meus amigos, que eu tenho uma loucura pelos meus amigos. Minha festa de aniversário, se você for ver, são 50, cem e são todas as tribos porque eu não gosto de só ter uma tribo. Eu não gosto que tenham ciúmes também, porque eu falo: “Hoje eu tô com você, amanhã eu tô com a tribo de lá”. Eu vivo no limite, sempre. Eu tô sempre com os amigos hippies, os amigos da Lapa, do Teatro; os amigos da Vieira Souto, os amigos do Kardecismo, os amigos da Umbanda, os amigos não sei quê. Todos, eu gosto de fazer amizade, eu gosto de conhecer a vida das pessoas, eu gosto de ter contato com gente. Sofro muito por isso, sofro muito por gente, sofro pela vida deles, sofro pelas derrotas, vibro com as conquistas e é isso.
P/1 – E a Beth?
R – A Beth ela tem isso, ela tem essa mesma coisa da Kariny, assim, o empresto pra ela é essa coisa, essa força.
P/1 – Olhando a sua trajetória, a gente falou do seu passado desde a sua infância, se você tivesse oportunidade você mudaria alguma coisa?
R – Olha, eu sinto muita falta de ter enxergado mais cedo essa profissão. Eu queria ter enxergado mais cedo mas eu acho que a minha vida foi tanta mudança, eu tive um laboratório já a minha vida inteira, que foi me mudar e me adaptar. Hoje em dia eu me adapto super fácil nos lugares e eu acho que a minha vivência foi bem, assim, quando eu achava que tava num mar de rosas eu tava mergulhada em sentimentos profundos de mudança, perda, apegos e desapegos. Então, eu achava que tava vivendo num mar de rosas. Ledo engano, eu já tava numa vivência profunda e aprendendo a me desapegar. O que eu mudaria se eu pudesse ainda eu teria mais um olhar pra Arte, assim, eu gostava muito da Televisão, eu queria muito ali porque fazer isso eu tenho vontade um dia, mas eu, ao mesmo tempo, me sentia muito pequena quando eu saia do portão da guarita da vila militar. Eu tinha um certo medo de sair dali então eu vi uma coisa um pouco impossível de acontecer. Mas, assim, acho que veio no momento que eu tava mais forte, eu tive que passar por tudo o que eu passei. Talvez , se eu tivesse ido mais cedo, não conseguisse absorver e não teria maturidade e talvez não me tocasse como me tocou. Quando apareceu pra mim eu abracei e me apaixonei e é o grande malandro da minha vida, assim, é o homem que eu sou apaixonada, é o homem que me faz chorar, que me faz correr atrás dele, mas que me dá muito prazer, muita alegria e eu sou completamente apaixonada, fissurada e amo, perdidamente. Não sei nem se é saudável isso, mas é o que é.
P/1 – Você tem um grande sonho? Você tem sonhos?
R – Tenho, tenho. Eu tenho vontade de ter a minha Produtora, tenho vontade de com as minhas amigas, esse meu grupo, ter uma Produtora e ser multifacetada, fazer muita coisa, desde de projeto em Comunidades, que eu ano passado trabalhei muito fazendo Teatro Escola, gostei muito de fazer isso e eu tenho vontade de escrever sketches, como eu escrevi, e levar como serviço público mesmo. Tenho vontade de trabalhar com ONGs, fazer parcerias, fazer filmes. Eu quero estar inserida na Arte, não importa como mas eu quero estar sempre respirando isso, porque é o que me legitima, o que me faz sentir viva é estar atuando. Então, eu preciso da Arte pra respirar. Ela que me liberta, ela que leva pra conhecer as pessoas, o Mundo. Então, o meu grande sonho é viver da minha Arte, assim, de várias formas. Sabe, tirar esse preconceito de só poder fazer isso? Tô no Canto, tô na Dança, tô no... Faz tudo, o que puder fazer a gente pode fazer, entendeu? A minha vontade é essa, meu sonho.
P/1 – Ana, o que você achou da experiência de dar esse depoimento, de contar a sua história?
R – É engraçado porque eu já fui repórter e é muito estranho estar desse lado, porque eu não estou com minha máscara, eu não estou atuando, eu estou na minha vida. E contar a história da minha vida mexe. Eu tô aqui acessando todo o meu passado, minhas cicatrizes. Eu não estava confortável pra vir, eu até queria que não tivesse. Eu tava no começo: “Meu Deus, tem que mudar” porque ia mexer e não é fácil publicar tua vida; não é. Eu posso falar mil coisas numa cena mas mostrar minha vida é bem complicado. Então, eu me sinto... Tomara que sirva de exemplo, porque eu, assim, não é tão fácil dar essa entrevista. Não é uma coisa que eu consiga fazer com tanta facilidade. Mas, acho que tá valendo. Tá valendo se servir, aí, pra material de estudo, pras pessoas que acharem que a vida já tá ali. Mentira, sua vida pode mudar, pode dar uma volta de cento e oitenta e a minha deu, continua dando. Minha vida sempre é uma manifestação de eterno recomeço, sempre. Quando eu acho que tá tudo feito, pronto, não está. Eu sempre tenho uma mensagem vinda do além e uma concretização que, ó, vai começar tudo de novo. Então, assim, que sirva pra alguma coisa. Que sirva pra ajudar, pra agregar.
P/1 – Obrigada por ter compartilhado.
R – De nada!
P/1 – Nossa, que entrevista ótima, não é?
R – Jura?
P/1 – Muito bom. Nossa, muito articulada.
R – Jura? Eu acho que me perdi várias vezes.
P/1 – Eu também fico achando, é normal.
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