Entrevista de Otacílio Alexandrino das Virgens (Mestre Iôza)
Entrevistado por Jonas Samaúma
Cachoeira (BA), 06 de maio de 2023
Projeto Conte Sua História - Mestres do Brasil
Entrevista número PCSH_HV1383
Transcrita via Transkriptor
Revisado por Larissa Mesquita Colejo
Coração complicado
Todo o meu samba calado
Não quer mais cantar
Tanto tempo esperando
Meu amor aprontando
Para você me enfeitei
Me vesti de pureza
Pois eu tinha certeza
Que eu seria seu rei
De você fiz meu samba
Madrugada cantei
Peito cheio de alegria
Com você na boêmia
Ao seu amor me apeguei
Peito cheio de alegria
Com você na boêmia
Ao seu amor me apeguei
Amei demais
Não fui capaz de controlar
Coração derrotado
Todo meu samba calado
Não quer mais cantar
R- Gostou foi?
P/1- Então, Iôza. Primeiro eu queria agradecer a sua presença…
R- Eu que agradeço a vocês, porque eu sempre corri de ser entrevistado…Sempre corri… Muito procurado, mas eu sempre corri! Mas eu vi que tem que mostrar o que você tem. Venho mostrar a vocês, com prazer!
P/1- Eu ia falar para você falar o seu nome e o nome de seus pais. E falar um pouco o que você sabe da história dos seus pais.
R- Bom, eu vim de família de operário fumageiro. E minha mãe trabalhava na Suerdieck, meu pai também era Suerdieck, e terminou me levando em pequeno para ser porteiro (risos) da Suerdieck. Depois me colocou no colégio, eu fiz o primário, depois fiz a sexta, sétima série lá no Anísio Teixeira, que eu acho que vocês conhecem, em Salvador. Anísio Teixeira, cara… Mas corri aqueles colégios quase todos. Por que eu corri? Porque eu entrei no exército, aí eu pedi ao comandante uma transferência de um lugar pra outro. E tinha facilidade, porque eu era estafeta - estafeta anda na rua fazendo serviço do quartel. Eu dei essa sorte de eu pegar isso… E aí por diante.
P/1- Não, mas vamos começar com…
R- Meu pai…
P/1- Seus pais…
R- Meu pai morreu… Minha mãe morreu em 1970, da...
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Entrevistado por Jonas Samaúma
Cachoeira (BA), 06 de maio de 2023
Projeto Conte Sua História - Mestres do Brasil
Entrevista número PCSH_HV1383
Transcrita via Transkriptor
Revisado por Larissa Mesquita Colejo
Coração complicado
Todo o meu samba calado
Não quer mais cantar
Tanto tempo esperando
Meu amor aprontando
Para você me enfeitei
Me vesti de pureza
Pois eu tinha certeza
Que eu seria seu rei
De você fiz meu samba
Madrugada cantei
Peito cheio de alegria
Com você na boêmia
Ao seu amor me apeguei
Peito cheio de alegria
Com você na boêmia
Ao seu amor me apeguei
Amei demais
Não fui capaz de controlar
Coração derrotado
Todo meu samba calado
Não quer mais cantar
R- Gostou foi?
P/1- Então, Iôza. Primeiro eu queria agradecer a sua presença…
R- Eu que agradeço a vocês, porque eu sempre corri de ser entrevistado…Sempre corri… Muito procurado, mas eu sempre corri! Mas eu vi que tem que mostrar o que você tem. Venho mostrar a vocês, com prazer!
P/1- Eu ia falar para você falar o seu nome e o nome de seus pais. E falar um pouco o que você sabe da história dos seus pais.
R- Bom, eu vim de família de operário fumageiro. E minha mãe trabalhava na Suerdieck, meu pai também era Suerdieck, e terminou me levando em pequeno para ser porteiro (risos) da Suerdieck. Depois me colocou no colégio, eu fiz o primário, depois fiz a sexta, sétima série lá no Anísio Teixeira, que eu acho que vocês conhecem, em Salvador. Anísio Teixeira, cara… Mas corri aqueles colégios quase todos. Por que eu corri? Porque eu entrei no exército, aí eu pedi ao comandante uma transferência de um lugar pra outro. E tinha facilidade, porque eu era estafeta - estafeta anda na rua fazendo serviço do quartel. Eu dei essa sorte de eu pegar isso… E aí por diante.
P/1- Não, mas vamos começar com…
R- Meu pai…
P/1- Seus pais…
R- Meu pai morreu… Minha mãe morreu em 1970, da doença mais fácil de ser curada hoje, que é a tuberculose, ela morreu de tuberculose. E meu pai morreu, que ele era cardíaco, morreu em 73, quando eu tinha chegado de Porto Seguro, na equipe da missão de altear a bandeira do Brasil em Porto Seguro.
P/1- E qual que é a lembrança mais forte que você tem do seu pai?
R- Meu pai, porque ele tocava violão, e eu fazia muita farra. Quando eu chegava… ele era crente, crente da Assembleia de Deus, e às vezes eu ia, tocava com ele na igreja… Mas quando eu chegava da farra, ele me dava aquele conselho: “não seja farrista!”, e o lado que pegou foi esse. Em setenta eu já vinha fazendo minhas farra, mas não era doutrinado do pai. Quando eu cheguei no exército, que ele devia fugir da doutrina, foi quando ele me chamou para eu fazer aquilo e tal, tal tal… Quando eu cheguei de Porto Seguro, ele estava sentado na cadeira… Minha mãe morreu e já esperava morrer, mas ele não. Mas ele tinha sempre uma coisa, ele me falava: “você é o filho mais velho e quando eu morrer, você vai tomar conta de seus irmãos”. E eu obedeci. Tinha oito irmãos, e obedeci. O que eu pude fazer, fiz. O que eles podem me agradecer, agradeço. O que não puder, a Deus pertence… Não é isso? E estou aqui até hoje… Me casei em mil novecentos e setenta e seis na Igreja Católica, com o padre Fernando. Padre Hélio ainda não era padre da cidade...
P/1- Mas antes de você se casar, você foi criança também, né?
R- Tive a infância, mas uma infância muito imprensada, né? Aquela infância, humilhada. Era um filho de operário… O que é que operário fumageiro tinha? Nada! A gente vivia naquela, viver por viver… Viver e não ter a vergonha de ser feliz (cantando). Era aquele estado ali…
P/1- Mas você fazia o que? Você acompanhava seu pai na roça?
R- Não… Eu fazia o seguinte: ia pra tenda, botava tenda de marceneiro, tenda de pedreiro... Aqueles lances pra você ver o que é que você jogava. Eu fiquei mais do lado de pedreiro, batendo no telhado pra ganhar um dinheiro. Aí depois fui ser porteiro de Armazém, pequeno. Quando completei os dezessete, dezoito anos é que eu fui pra Salvador, e lá me joguei pra correr a vida… E tô aqui até hoje!
P/1- Mas antes de Salvador?
R- Não...
P/1 - Você nasceu em Cachoeira?
R- Nasci em Cachoeira, me criei em Cachoeira, e com essa idade de dezessete para dezoito foi que eu fui para Salvador.
P/1- E como era Cachoeira nessa época?
R- Ah, era muito, muito evoluída a cidade. Tinha fábrica de… onde vocês têm hoje a faculdade, ali era a fábrica de cigarro Suerdieck dos alemão. Tinha três fábrica de charuto, charuteiras, em São Félix e aqui em Cachoeira. E a vida vivia… Tinha a fábrica do Tororó, fábrica do papel… A cidade vivia ali um movimento que corria um trocadinho, como dizia o outro. Não era aquele dinheiro, mas era um trocadinho que dava para cada um colher sua plantinha e fazer sua feira.
P/1- O que era mais diferente relacionado a hoje?
R- Ah, hoje, você veja o seguinte: hoje acabou tudo isso, você não conta com nada disso. A fábrica de papel funciona, mas funciona lentamente. Eu não sei nem o andamento dela, apesar de eu conhecer muitos funcionários… Mas em Cachoeira (inaudível) eu vejo o seguinte… Tem o mercado, Mercado Municipal. Do que Cachoeira vive? Do comércio, vive do entorno do comércio. Antigamente tinha isso tudo que trazia o dinheiro, a fábrica corria, o dinheiro circulava. Hoje não tem mais.
P/1- Do que você brincava quando você era criança?
R- Ah, de tudo! Bola de gude, bola, jogo… Joguei muitos times, joguei em time como (inaudível),,, Bicudeiro! Quem tiver assistindo vai dar risada, que eu era bicudeiro, eu era duro. Joguei em seleções, joguei em tudo, no exército… De cachoeira joguei no Ipiranga, joguei no Bangu, joguei no Flamenguinho, joguei no Santos, joguei no Nordeste: tudo time caseiro. Mas era chamado! Jogava de central, porradeiro, bicudeiro, ou seja, aquele que dava uma bicuda que poucos ficavam na frente… Hoje com a idade a gente não sabe nem dar um centro mais (risos). Parei de jogar bola em setenta e nove, mil novecentos e setenta e nove. Cabou eu…
P/1 - E eu ia te perguntar… Você estava falando que seu pai era quem te apresentou o violão, né?
R- Não, porque eu já nasci ouvindo meu pai tocar. Pai, tio… Todo mundo da família tem esse dom do violão, e eu tocava. Quando eu chegava da rua, digamos assim, do exército, chegava fim de semana, pegava ele, acordava ele pra tocar o chorinho que eu vinha fazendo, que hoje eu toco, que eu botei o nome Iôza no choro. Eu já venho desde setenta e pouco (inaudível) nesse chorinho, e tem partitura desse chorinho feito pelo músico Nilton Azevedo, com eu sentado com ele. Foi uma criança também que veio lapidada… Eu tocando e eu tocando violão junto com ele. Hoje ele toca em Salvador, num grande conjunto lá… Eu nem sei, mas ele toca. É um bom músico, um bom músico…
P/1- Você lembra a primeira vez que você pegou num violão?
R- A primeira vez que eu peguei violão foi na Assembleia de Deus tocando violão, meu pai tocando, a gente já tocava música, falando assim, “dó”. Porque o violão, veja bem, é o instrumento que ninguém sabe tocar. Na realidade, os melhores músicos que eu conheço, como o (inaudível), o outro do chapeuzinho toca muito violão… O argentino toca muito violão… E eu vou dizer que eu toco o que pra (inaudível) esse pessoal? Nada. Seguro o violão, né? Agora cada um tem aquela simpatia… Você toca pouco mas tem a simpatia do povo. E eu sempre tive a simpatia de tocar o violão. A turma que eu tocava naquele tempo, eu tinha um grupo que tocava no cinema, nesses lugar, chamava “Os Três da Bossa”. Cinema, (inaudível) matinal e tal… Eu, Julieu, Faustino e Silva. Era quatro, mas botavam Os Três da Bossa. E saía também fazendo festa de reza, nesses lugares que tinha aquelas rezinha… Caruru, a gente ia tocar, ia sempre os três. Seresta, ia os três ou os quatro. Então foi a vida que eu tive em termos de campo de música. Nisso me jogou em mil novecentos e setenta e dois - setenta e um pra setenta e dois - a encontrar essa jovem que eu me casei, que vivo até hoje. Namorei, namorei uns tempos, tal, tal…
P/1- Como vocês se conheceram?
R- Conheci ela, ela cantava no coral da igreja. O pessoal sempre me chamando pra tocar em grupo de jovem e eu corria, corria… E ela já cantava no coral antigo da igreja. Teve um dia que eu aceitei tocar no grupo de jovens com o Doutor Odilon e Marília Rocha, esposo, formaram um grupo de jovens. Primeiro eu fui em um (grupo) de jovens de Zé Rosa, depois passei pro dela e levei até o fim, que foi um grupo de jovens muito bonito, que eu tenho saudade. E outro dia o cara me perguntou, “Iôza, você nunca fez aniversário?”, “não!”. E eu vim comemorar o aniversário de trinta e sete anos junto com esse grupo de jovens. Fizeram um violão de um tamanho, ave Maria! E ela me jogou pra ir tomar o concílio de igreja em Salvador, não sabia onde eu estava. Eu disse, “eu não vou, não vou, não vou…”, aí o padre, ele virou para mim e disse assim, “Iôza, já viu você receber um presente e devolver? Você tem que aceitar o Presente!”. Foi quando eles me botaram pra tomar o concílio de igreja. Eu fui, tomei, quando eu voltei, eu estava fazendo aniversário. Aí desenharam o violão e me esperaram com uma festa na porta do (inaudível). Eu achei aquilo tão emocionante que até hoje ficou marcado que eu vivi essa vida com esses jovens, que hoje estão tudo formado: é engenheiro, é advogado, é doutor… Todos eles formados, e tem aquele respeito de me ver e falar comigo. E eu continuei na igreja, aí passei a tocar no coral dos velhos, que era a minha esposa que cantava. As duas regentes do coral era a dona Estela Lobo e dona Zezé Magalhães. Duas organistas… É bonito, bonito de você ouvir tocar. Morreram, aí eu fui assumir essa vaga de violonista, que fiquei de setenta e pouco para cá. Todas as festas… tenho orgulho de dizer isso e ninguém vai dizer que eu estou mentindo… todas as festas de São Félix e Cachoeira, o violonista era eu que tocava.
P/1- Você poderia me dar um exemplo de alguma festa?
R- A festa de Nossa Senhora do Rosário, a festa de Nossa Senhora D'ajuda, a festa de Nossa Senhora do Carmo, a festa da ordem terceira… Todas essas festas que teve aqui, de São Félix, “Senhor São Félix, Deus menino” (cantando). Aqui em Belém, aqui onde nós estamos, que estou perto, no fundo, quando terminava a festa do nascimento de Jesus Cristo, eu vinha tocar a festa. Vinha no carro, tinha um Fusca velho, ganhava as estrada (risos) e vinha tocar essa festa aqui em Cachoeira. Nego dava risada, que quando o carro passava, o Fusca, fumaçava (risos). Era o pagode! Depois comprei um Escort, esse Escort também, coitado, minha mão sofria, pra sair pra tocar. A inauguração da igreja, a Igreja Nossa Senhora Aparecida do Tororó… Nossa Senhora da Conceição dos Pobres, no Caquende, é uma igreja que Ave Maria, eu me sinto tão bem! Nossa senhora é uma só, mas eu me sinto - eu pensei até que eu estava com a camisa dela - eu me sinto tão bem! E a Nossa Senhora da Conceição dos Preto, que é o (inaudível), também foi eu que dei partida para aquela igreja. E ninguém vai me dizer que eu estou mentindo! Aparece aquelas pessoas com papo de se destacar, que eu respeito, mas minha presença, respeite, que Iôza sempre foi esse músico. E outra coisa principal que eu gosto, Iôza sempre se respeitou como músico! Eu gostei de uma entrevista que Padre Roque deu quando eu estava fazendo uma apresentação do grupo que eu tinha de chorinho - já outro grupo - na Radio Vox, de madrugada, convidado por Ciro, que é um amigo que Ave Maria… Saudade!
P/1- E aí que data que você foi para Salvador mesmo?
R- Em sessenta e nove.
P/1- Aí como foi?
R- Ah… Salvador foi duro! Fiquei no exército, levei sete anos, tal, saí... Fui trabalhar na geotécnica.,,
P/1- Conta um pouquinho da sua trajetória no exército.
R- A do exército foi muita coisa, né? Porque foi aquela coisa…
P/1- Então conta muita coisa
R- Jogava, era jogador, era um cara como eu te falei, estafeta. Estafeta tinha aquela boa vontade. Tem serviço na rua pra fazer? Pega o estafeta. Então não era muito da tropa, não fazia muito parte da tropa… Agora, às vezes sempre era escolhido porque era praticamente um empregado. O dever cívico eu já tinha cumprido, que era de um ano, mas como eu era conceituado, tinha aquele respaldo. O bom soldado tem direito a engajar, e eu ia engajando. Porque de pai e de mãe eu não tinha outro rumo… Não tinha outro rumo, aí fiquei naquilo ali. Quando eu saí com a república, onde morou quase vinte pessoas, de Cachoeira, onde tem o nosso amigo, que hoje é a família dele, do Coronel Praxede, todo mundo moramos nessa república. E era uma república bem unida, aquela república que todo mundo de Cachoeira, com aquela coisa assim, dormir e enfrentar a barra pra vencer, e todo mundo deu pra gente. O orgulho que eu tenho é que todo mundo que eu labutei eu tenho sempre boa referência. E, bom, estou aqui até hoje e agradeço a Deus por ter me dado essa oportunidade… O grupo do chorinho que eu fiz parte, hoje eu tenho só saudade, lembrança... Posso citar o pé da jaca?
P/1- Não, acho que é bom contar toda a história do chorinho. Como começou?
R- Ah, o chorinho, o chorinho… eu já fui… Quando eu saí do chorinho, eu tinha um grupo, como eu falei, Os Três da Bossa, com aquele pessoal. E seresteiro, tinha só um solista…
P/1- Mas era em Cachoeira?
R- Em Cachoeira… em Cachoeira. Nessa zona, nessa área de Cachoeira, Conceição, e esse lado todo aqui. Eu fazia farra com o pessoal e era convidado. Tinha um velho cachico no cavaquinho, uma enormidade. Tinha um velhozinho - já se foram, saudade! - que Ave Maria! Tinha o Peri que gravava para Agepê… ainda tem o Peri que gravava para Agepê, que era outra fera. E eu era incorporado a esse pessoal. “Vamos pegar Iôza, vamos buscar Iôza…”. Era eu chegar em casa e bater na porta, aí a mulher está dormindo: “você vai sair?”, eu digo, “não”. Aí tapeava, tapeava… Ganhava a rua e só voltava no outro dia. Isso deixa, ó, um buraco grande! Mas graças a Deus ela me compreendeu, me entendeu, e estamos até hoje aí. Cinquenta e poucos anos vai fazer de convivência, casado quarenta e seis e tal, mas cinquenta e pouco, cinquenta e dois em diante, aí.
P/1- Teve alguma coisa de diferente, algum acontecimento, alguma história que aconteceu nesse dia que você saía para tocar assim?
R- Tinha, que nenhuma mulher gosta, rapaz! Qual a mulher que gosta? Uma vez eu saio para pescar com uma turma aqui. Um pescador… você dá risada… era Bacharel (inaudível), chamava Roque Bispo Conceição Barbosa. Ele e mais dois caras também, que tocava e cantava. Saí e na mulher deu a dor, que ela sempre teve um problema de uma dor de cabeça, e eu no rio pescando lá em Nagé. Quando eu cheguei com a turma de pagode, tarde, com uma sacola cheia de siri, que o pessoal pegou e botou, ela pegou o siri e jogou tudo na rua. O siri eu pensei que estava morto… Vivo! Rapaz, ganhou a estrada pra dentro da pitanga. Eu morava ali em frente ao balneário… Nesse período eu morava em frente ao balneário, na casa de meus pais. Aí eu saí cantando assim, “não joga os meus siri fora!”, fui catando de novo para botar… As histórias é besta, de mulher revoltada com a sua atitude, com razão… Com razão! Qual a mulher que gosta, né? Tinha a fama de que todo farrista tem a fama de que é boêmio e conquistador. E não, não existia nada disso… Tinha as oportunidade e tinha também as furada. Quer dizer, isso é de qualquer candidato… Toquei em Salvador, na Visgueira do Bira… Não é canto da lua com Firmino ali? Eu tocava ali com a turma, mas não é canto da lua. Trabalhava por ali perto e tocava ali no pagode. Toquei na moenda, e na moenda foi o meu percurso quando eu estava no exército. Fugia pelo fundo do quartel e ia pra moenda tocar. O dono da moenda era um cara….
(Entra uma mulher)
Essa foi a primeira vizinha que eu tive aqui quando eu comprei há trinta e tantos anos, trinta e oito, essa daí. Até hoje me dou bem, as família toda. Como eu não tenho nada em experiência aos outros (inaudível). Mas era porque até hoje é esse espaço, é a casa que eu entro sem medir sempre, sem sentir diferença de nada, é aí. Tem os filhos que tudo foi criado aqui dentro comigo rodando… É uma alegria! Essa pessoa que cê viu passar aí.
P/1- A gente deu uma pausinha.
R- Tá bom.
P/1- Acho que a gente pode voltar daí
R- O meu pai, quando eu chegava, eu acordava ele, e eu tinha certeza que eu ia concluir esse choro. Olhe de quando é: setenta, setenta e um… Ele morreu em setenta e três. Eu terminei de concluir em setenta e três, mas ele não ouviu, porque ele morreu em doze de dezembro de setenta e três. E minha mãe morreu em doze de dezembro de setenta. De um para outro, três anos de diferença. Dose! Então quando eu chegava lá, eu tocava o chorinho. É esse aqui… Eu botei o nome do chorinho, e que tem gravado aí que muita gente já conhece, é Iôza no Choro. Vamos ver… Quer ouvir um pouquinho?
(Toca violão)
Esse é o meu choro! E agradecer por estar com meu violão que me acompanha há cinquenta anos!
P/1- Conte a história de como surgiu esse violão.
R- Como presente de um tio que eu tinha que tocava em São Paulo, na rádio Tupi. Chamava Armando. E quando eu vim tomar consciência, que eu tinha um violão paulista, pequeno, e ele mandou um violão para meu pai, Tonante, e meu pai tinha aquele Imperium, tocava na igreja, e o violão não podia tocar em festa. Quando eu fazia aquele pagode: “não leve meu violão, que meu violão é da igreja!”. E eu pegava, e aí o pau quebrava! Tinha que ser dormindo, no passeio, porque ele picava o pau (risos). Ele é daquele pai severo… Bom, aí eu falei, “meu tio, me mande um violão que eu vi você tocando”, ele tirou um retrato com esse violão, esse é o Del Vecchio 7 bocas, o dinâmico. Esse violão já foi para São Paulo pra fazer… ih, perdi até esse aqui… foi fazer um reparo, trocaram a escala desse violão, que ele não era esse violão. Ele é pescoço fino, bom, tranquilo para tocar, uma tonalidade boa. Aí eu mandei para trocar, serviços de instalação, eles fizeram ao contrário, mandaram, e ficou em uma das fábrica aqui também - que é a fábrica Gianinni, que esse violão e quase todos são da fábrica Giannini. Mandaram o violão, ele chegou em casa, e eu dei risada foi com o transporte dele de lá para cá… Veio em uma carreta que veio trazer mobília de uma pessoa aqui e parou em minha porta. E nego olhando, “pô, uma carreta desta está cheia de mobília pra Iôza”, e foi quando tiraram o violão e me deram (risos). Que beleza! Eu senti bem, porque ele já estava lá há uns seis meses, sete, fora de minha mão. Aí eu tocava violão dos outros, às vezes pegava um violão, não dava certo, porque eu só toco mais no violão elétrico. Mas já perdi a mecânica, hoje eu estou afim de bater dedo duro, que é como eu te falei. E que eu venho abrir aquela escolinha por causa disso, pra não perder a mecânica, porque o músico só presta tocando, e músico só presta tocando e aprendendo, tocando um com outro, um aprende com outro. Não tem esse ensinar, não! É um ensinando o outro, rapaz… A música é isso, é um ensinando o outro. Ninguém sabe tocar, eu sempre brigo, “ah, quem é melhor, fulano?”, ninguém é melhor. Agora cada um também tem seu estilo… Qual o estilo que você toca? Você vê a dificuldade que tem para mudar, né? Na verdade, a gente fala que o Rio de Janeiro é o que? A escola do violão, a escola do cavaquinho. Quando eles pegam no violão pra trocar, é um estilo diferente da gente, e a gente aqui tem… As vezes casa porque você conhecendo notas, você vai fazer o trabalho, só depende de tempo, ensaiou fazendo tempo, faz. Eu sou músico que eu não gosto de copiar… Olha o defeito que eu tenho! Eu tenho ouvido bom, bom, bom… Eu gosto de ouvir você cantar, e o que eu posso fazer, eu vou fazendo, porque você vai cantar várias vezes. Outra: eu não guardo tonalidade! “Ah, tocou em dó maior”... Não, você vai tocar em ré, vai tocar em mi, vai tocar em dó, em sol, fá… Você vai correr as sete notas até eu encontrar o percurso, que eu encontrei com facilidade em dó, eu vou encontrar em si, que é uma nota muito pesada, mas eu vou encontrar, porque eu vou ensaiar e vou fazer o trabalho. Não sei tocar. Conheço as sete notas do violão pouco, é essa que eu passo naquela escolinha de violão. Escolinha de violão, choros e saudade. É isso que eu fico… Não é você aprender tudo, é você aprender as sete notas do violão com os seus acordes. Com os acordes, com o seu transporte, com seus relativo. (Inaudível) É isso que eu ensino aqui. Aí o cara, “ah, ensina fraco!”... Não, eu não estou ensinando violão, também estou aprendendo com você, que tá chegando até ali.
P/1- Conte um pouquinho mais sobre essa escola. Como foi você que fundou ela?
R- Eu tenho essa escola, e não era ali. Aqui essa escolinha era na Criança Alegre, a professora me arranjou uma vaga lá. Como tinha a sacramentina, essa sacramentina me cedeu a vaga lá. As freiras, a madre, e outra, falou assim, “Iôza…”, mas não, eu não aceitei. O padre Hélio também tinha na igreja da matriz uma parte de baixo, e eu disse não. Eu fiquei sem ponto e botei lá em casa. Algumas pessoas, que são poucas, que eu escolho, e depois apareceu mil novecentos e oitenta e nove o Seu Professor Nelson Jabbour (?). Ele pensa que eu esqueci dele… Eu estou ali por causa dele, que ele me arranjou. Ele tinha uma boutique e quando teve a enchente, a enchente tomou aquilo tudo ali, derrubou. Como eu vivi ali naquela rua, eu te falei aqui. Bacia do Iguape - a bacia do Iguape, onde reunia todos os músicos. Eu era o mais novo, mas juntava com todo mundo, que o pessoal gostava de tocar comigo. Eu tinha versatilidade, eu era ágil nas notas. Ouvia! Não atrapalhava, ajudava. E pá todo quando foi canto… Conheci um dos melhores violonistas que teve em Cachoeira. Eu conheci, toquei. Não acertei em aprender nada com ele porque, sei lá, naquele tempo eu não dava muito a mínima. Perdi, perdi muito… Como Guilherme Magalhães, Ney Marruada (?), Enéias… Ah, rapaz, esse pessoal quando sentava para tocar, você chorava em ver esse pessoal tocando. Cachico Zé Pereira, aqui na barragem, eu passei com vocês nesse lugar, e te falei que ele morreu no meu carro. No carro, não… Eu vim no carro do hospital, que é (inaudível), o Doutor Francisco, daqui de perto, disse “Iôza, você leva ele, vai você no carro com ele”, disse “vamo-se embora”. Quando chegou na segunda ponte, ele morreu. Mas eu consegui botar ele em casa e ele reviveu. Disse “Zé, Zé…”. Ele foi um cara que me viu um menino. Ele tocava aquele violão, chamava pé de boi, aqueles bordões. Era bonito para quem ouvia. E hoje eu faço quase isso… Ah, alguém quer criticar, mas não pode, porque não vai fazer (risos). Porque pra fazer é complicado! A gente vê muito isso no violão de sete cordas, você vê aquele cara trabalhando… Por sinal, uma pessoa que faleceu, chamado Valdomiro, me deu esse violão de sete cordas. Disse a mulher dele, “quando eu morrer, dê esse violão a Iôza”. Ela veio trazer e nunca mais eu vi, mas meu abraço aí se tiver assistindo. Mandou esse violão, me deu esse violão. Eu achei dificuldade de pegar a última corda, que é em dó a afinação dele, mas eu fazia tudo com as seis cordas, como eu faço com esse. E a sétima que era a última corda, eu não acertava encaixar. Nilton Azevedo, esse músico que toca hoje em Salvador, eu dei esse violão a ele, e até hoje ele está com esse violão. Eu disse, “você tem tudo pra aprender, que você estuda música… Pega o sete cordas”. Aí quando ele chega em Cachoeira, ele não traz o violão… Vem com o sax… Eu acho que ficou água do banheiro em cima, que era de hoje, trava um pouquinho aí…
(Pausa)
R - Parou da onde? Da onde começa?
P/1- Você ia contar agora da festa, né?
R- De Belém e dessas outras da festa? Bom… Já falei?
P/1- Pode falar…
R- Veja bem, toquei com as melhores festas de Cachoeira, que você me perguntou no início qual foi as festa. Eu tocava todas elas, aqui nessa região, e aniversários de pessoas também. Bom, eu tive o orgulho de tocar aqui em Cachoeira num casamento de neto, pai e o avô, três. Essas três pessoas me convidou para cantar o casamento da filha, e cantar a bodas de vinte e cinco anos dele, fazia vinte e cinco anos de casado, e tocar cinquenta, do pai e da esposa dele. Casamento, bodas de prata e bodas de ouro, que eu tive o prazer de tocar. Eu tive o prazer de tocar várias festas aqui em Cachoeira, como do Coronel Prisco Paraíso, onde tem aquela rua do supermercado, chama-se a Rua Prisco Paraíso, do Coronel Prisco. Tive o prazer de tocar missas com Dom Avelar Brandão, irmão de Teotônio Vilela, foi ministro de João Figueiredo. Tive o prazer também de tocar várias missa com Dom Lucas, irmão, ou sobrinho, ou tio, se eu não me engano, de Tancredo Neves, né? Eu tive esse prazer de tocar essas festas, e era esse violão. Ó o orgulho de vocês me entrevistar, eu vim com ele. Ele, coitado, estava na UTI, saiu para vir atender vocês, viu? Ele está na UTI, que ele não toca mais como tocava. Eu também não toco como eu tocava… Que quando apareceu para dom Lucas… Dom Lucas, não… Dom Avelar, foi quando apareceu Coração de Estudante… “vou falar de uma coisa…” (cantando). Quem cantou foi a menina Rosário, veio cantar, aí eu fui acompanhar com esse violão. A festa também do Coronel Prisco, em Belém. Todas as festas foram aqui em Belém, nessa igreja aqui. E dona Nezinha - que hoje você se passar por lá vai conhecer, é uma pessoa de mais idade que temos aí em Belém, é Dona Nezinha, tá na faixa de seus noventa e tantos anos - que me convidava pra todas as festas, eu vim tocar em casamento de netos e tal… E é isso aqui que eu sou. Nunca gostei de muitos elogios na coisa, sempre gostei de fazer meu trabalho, mostrar que eu fazia puro amor. Quando me gratificavam, eu aceitava porque o instrumento tem manutenção.
P/1- E o músico também, né?
R- O músico também… Mas a gente já sabe que acontece…
P/1- E você já viveu causos? Qual o maior causo que você viveu com o violão? Sabe causo?
R- É, rapaz, não… Já, já vivi uma!
P/1- Conta aí!
R- Eu tava tocando, fazendo uma farra com um bocado de gente tocando instrumentos. Mas tinha muito instrumento: cavaquinho, pandeiro e tal. Era meia-noite e tinha o tal da rádio patrulha, no caso, né? A rádio patrulha passou, parou e levou os instrumentos todo preso! Aí eu cheguei e falei com delegado, me identifiquei com ele naquele tempo, setenta e pouco: “Seu Sargento, eu sou militar”, “então você está errado!”, “não estou errado, não, que os melhores tocadores, os melhores músicos, saem desse horário em diante”... Ali do lado da faculdade, o bar chama-se O Bar de Poporrô. Poporrô era um velho que todas as filmagens que tiveram em Cachoeira ele fez parte. Ele bebia muito, e o nome dele é Poporrô. Eu tenho um retrato dele até hoje como uma relíquia. Então veja bem… Prendeu. Eu jogava no time Ipiranga, Ipiranga ia disputar o título com um time chamado Santos, que tinha jogador só da seleção de Cachoeira. Então o pessoal esperando e eu fui o último a chegar, disseram “cadê ele?”, “o delegado prendeu ele fazendo farra no Bar de Poporrô tarde, e levou os instrumentos todos”. Mas eu acordei de manhã e fui buscar os instrumentos na delegacia. Quando cheguei lá me identifiquei, o sargento estava, encontrei ele limpando o sapato, engraxando… “Sargento, eu vim pegar os instrumentos que eu tenho farra pra fazer de novo!”, ele, “tá, tá lá…”, e eu, “o senhor levou e eu vim buscar”, aí ele, “vai na mão do soldado João” - se não me engano, é falecido, mora aqui desse lado também. Aí chegou lá, faltou o pandeiro: “você vai dar conta do pandeiro?”. Aí ele deu conta do pandeiro, eu voltei, dei a cada um os instrumentos, e fui jogar bola. Quer dizer, esse foi um dos problemas que eu enfrentei. Brigas não, que briga sempre a gente encontra, a gente tem que se dar hoje por covarde, porque se você for enfrentar a briga hoje, você vai perder sua liberdade. E cada um com sua natureza, né? Cada um tem sua natureza, então aí eu evito tudo. É por isso que eu sou muito isolado…
P/1- E conta pra gente um pouquinho como foi essa história do violão no exército.
R- No exército… Porque eu já entrei no exército tocando violão, e eu pegava muita amizade com os comandantes porque gostava de violão, tocar, cantar. E eu era farrista, eu chegava tarde da noite, cantava e tal… E aí eu consegui aquelas canções do exército, por exemplo…
(tocando violão e cantando)
Se a pátria querida
For envolvida pelo inimigo
Na paz ou na guerra
Defendo a terra contra o perigo
Com o ânimo forte
Se for preciso enfrento a morte
Afronta se lava com fibra de herói
De gente brava
Bandeira do Brasil
Ninguém te manchará
Teu povo varonil
Isso não consentirá
Bandeira idolatrada
Altiva singular
Onde a liberdade
É mais uma estrela a brilhar
Se a pátria querida…
Eu cantava isso, eu gostava de cantar, e quando nego via eu cantando e tocando… Eu me lembro da letra já tem quantos anos? Muitos anos, esqueci… Mas aí os comandante às vezes se aproximava. Foi aí que eu vim conhecer Manuel Quadros, que era um preso, Manoel Quadros, ele tocava Sax. Então no xadrez, às vezes quando eu tirava a guarda, eu pegava o violão… “Cadê o violão?”, e eu tocava música para ele. A música de Moacyr Franco, “cadê você? Cadê?...” (cantando), eu tocava com esses pessoal tudo. E quando saía também tocava nos bares, (inaudível), aquele lá, tudo ali, eu toquei, conheci todo mundo ali, uma boa parte. Depois fui trabalhar na COELBA, trabalhando com aquele povo também…
P/1- E ele acompanhava também?
R- Quem?
P/1- O saxofone.
R- Não, ele só tocava as músicas dele, era limitada. Manuel Quadros era limitado, porque ele não tinha execução no dedo, o indicador dele era duro, porque ele balava os outros (risos). Então, veja bem… Ele, que pessoa… A gente ficava sempre parado olhando o que é o povo, né? O que é, né? Com aquela calma, aquela pessoa que era… Ninguém nunca dizia que tinha uma história, mas ele sabe do motivo dele, que eu espero que Quadros já esteja morto, pelos anos. Tem hora que eu falo assim, porque os filhos dele era marinheiro. Às vezes chegava lá no quartel e eu conheci uns dois filhos dele, o Carlos e o Manoel Quadros, conheci. Aí eu digo assim, “poxa, rapaz, eu parei…”. Minha vida teve esse percurso todo. Alguém olha para você, acha que você tem cara de besta! Você sabe, no fundo, no fundo, você vai ficando… Ah, é um otário, um besta… Não, a gente tem as nossas reservas, cada um tem uma história para contar, e essa é minha história que eu estou contando a vocês. Se eu fui longe demais, perdão, desculpe a vocês dois que vieram só para me acabar aqui com suas entrevistas.
P/1- Que isso… Conte mais!
R- Eu gostei de você como um aluno, uma pessoa que está lá comigo no violão, porque você é uma pessoa alegre, alegre, muito alegre! Trouxe outra figura formidável, e deu certo aqui o casamento! Deu certo o casamento…
P/1- Antes de vocês casarem, que eu vou ser só o padre…
R- (Risos) Seja o padre!
P/1- Vou falar para você contar a história da Jaqueira.
R- Sim, a Jaqueira! Aquela Jaqueira ali era o chorinho, o velho chorinho, onde vinha Ari Vicente, Zeca Preto, Poporrô, Roque do amor Divino, Enéas, Zé (inaudível)... Era um encontro, ali naquela Jaqueira, bonito! Cada um vinha com seus instrumentos e a gente ali ficava, bebia, cantava, tocava, fazia tudo com alegria. Foram morrendo de um a um, tal, e eu acompanhando essa morte desse pessoal com uma despedida. No sepultamento eu ia tocar…E quando eu lhe mostrei aqui, não sei se vocês gravaram a história de Heraldo Cachoeira, um historiador de Cachoeira, fino. Um cara formidável… Eu falei com ele, ele disse assim, “eu vou fazer um comentário na morte de Ari Vicente”, aí começou cantando o Irapuã… Arapuã, Uirapuru… o pássaro que canta mais bonito…
P/1- Arapu.
R- Ele contou essa história toda, eu tenho num DVD, ele e eu tocando. Tem a despedida de Ari Vicente, que foi um dos maiores boêmios que viveu em Cachoeira, bom, e que fazia parte, de como eu lhe falei. da política; era Ari Vicente, morreu com oitenta e poucos anos. E eu colado com ele gravando a música, pra ele deixar uma coisa pra gente de lembrança. Ele gravou, deixou comigo e Jairinho. Eu e o Jairinho ficava… Ele entrava no estúdio para gravar, fumava… Um vício de fumar! “Oh Ari, não fume, não, que cê tá morrendo por causa disso”, dizia, “eu vou fumar!”... E gravou oito músicas, se não me engano. Está lá em casa esse DVD, eu tenho CD, aliás. São coisas assim do passado… O Cachico Cavaquinho! Que foi um dos melhores cavaquinho que eu vi em Cachoeira, morreu também. Eu fui tocar… Os filhos dele chegaram de São Paulo, do Rio, e o chorinho já estava defasado. Aí chamei Danton, Danton sou fã dele de Cachoeira… “Então vamos prestar essa homenagem a Cachico”, e tal, tal, ele não pôde ir. Aí peguei esse Nilton, esse Nilton que é músico, pra tocar chorando baixinho, é um choro bonito, e brasileirinho, que Cachico era um fã de brasileirinho. Aí quando o pessoal estava pensando, “nem Iôza vem pro enterro”, eu procurando ver nos colégios, que era prova, para os professores liberar os alunos, esses dois, Nilton Azevedo, e outro era menino… esqueci o nome dele… pois é, da base naval, essa gente lá. Eles vieram, Nelson (inaudível) liberou, Adilson, Adilson peixinho, que era diretor do colégio… Eu disse, “professor…”, porque eu também servia muito ao estadual, aos colégio, quando precisava fazer uma festa, me chamava e eu ia e tocava. Então meu violão foi um vilão de grande versatilidade em Cachoeira, pra tudo nego me chamava, eu tocava, fazia. Mas você vai chegando pra idade, aí você vai sofrendo as consequências, não é? De tudo, tudo… Mas eu estou com a cabeça em pé! O que eu toco eu admiro, eu gosto, eu amo o que eu faço. E abri a escolinha para poder me dar esse conforto de estar aqui com vocês.
P/1- Qual foi desse grupo de choro, de todos esses dias no pé de jaca, de viajar, o momento mais marcante?
R- Ah, foi tanto, rapaz… Tanto, tanto…
P/1- Então dois. Dois momentos para contar pra gente.
R- Dois… Um foi quando, sei lá, eu falei com Ari. Chegou aqui, eu me desentendi um pouco com outro violonista, que era o Enéas, tocando a música, mas foi importante que marca um desentendimento que não deve existir. E que é comum na música, você discutir com outro, é uma coisa normal, normal, normal… Só não pode brigar! O outro com Pitanga, Pitanga era o comandante da… Ó onde vai a história, viu você? Pitanga era comandante da banda de música da Polícia Militar, em Salvador. Mas tocava feito um bicho! Os filhos dele deve tá tudo militar, se ouvir vai dar risada… Briguei com ele porque eu afinava esse violão, quando chegou, e quebrava a corda. Nunca chegava na afinação do sax, que ele trouxe um sax eletrônico. Então sempre que eu tocava, eu apertava (inaudível). Eu disse, “você quer que eu toque sem corda no violão?”, ele diz, “não, você conhece o instrumento, eu conheço o meu”, ele, um maestro, e eu, um plebeu (risos). (Inaudível), aí eu meio chateado com ele, fui embora. Ficamos de lá, o pessoal, “ah, vai ficar de mal?”, tal, tal. Passando a ponte de Cachoeira pra São Félix, eu venho entrando de São Félix, pra vim pra Cachoeira, e ele vai sair (inaudível), olhou pra mim e disse, “bom dia”, eu disse, “bom dia”, “quem fala o primeiro? Quem vai falar primeiro com outro?”, eu disse, “nenhum dos dois!”, “cê tá indo pra onde?”, “eu estou indo pra Cachoeira”, “não, cê vai voltar comigo pra São Félix” (inaudível). Aí voltei, bebi com ele lá em São Félix, depois vim pra escolinha de violão, e tocando com ele… Momento também marcante, Doutor Claudomir, em Cachoeira, hoje ele tá hospitalado. Aproveito para poder falar com a família dele aí, se for o caso, que eu sinto muito pela pela ausência dele junto comigo, porque tivemos muita campanha tocando juntos, eu e o Doutor Claudomir. Ele fazia aquelas coisas de campanha pra dia das gari, ia pra palanque, e eu subia com ele pra trocar… Pessoa boa, boa, boa… Hoje tá acamado, e às vezes, eu já fui lá umas duas vezes ou três fazer visita… Mas eu também já vou ficando velho, já vou ficando também tomando topada nas minhas pisadas, mas guento! Mas o sentimento tá, que Deus ajude, que ele fique bom…
P/1- E ia falar para se contar também um pouquinho a sua trajetória de eletricista.
R- Ah, não… Nunca tive problema com ninguém na rua, contando luz, cortando luz… Sabe por que? Eu olhava meu lado, não olhava o lado da empresa praticamente, não. Porque eu ia cortar uma luz, e o cara com seis recibos devendo, eu ia brigar com o cara na porta dele… Se ele me desse uma dura eu caísse, quem que ia me socorrer? Quem era que ia me socorrer? Bom (risos), eu mandava ele pagar a droga dele e pronto! Quando saia naqueles carros da empresa, que o cara pegava um fio, um bolo de fio, “ah, vou levar…”. Eu ia correr atrás dele sem arma, sem nada, pra bater nele? Eu ia apanhar. Quem ia desapartar a briga? Não é verdade? Chegava numa roça também, (inaudível), às vezes tinha essas queixas… Nego chegava na roça, tirava coco, matava a galinha dos outros… Eu nunca gostei dessas coisas. Eu sempre gostei de estar sempre com razão. E sempre por você gostar da razão, você não é compreendido. Ninguém compreende. Chefe que gostava de - vou ferir muito chefe aí agora - chefe que gostava de fuxico comigo encontrava o diabo na cerca, porque eu brigava, dizia a ele a verdade, me jogava para a diretora, como foi várias vezes, mas a verdade tinha que ser dita! E então eu fiquei um cara assim manjado… Quando surgiu a vaga pra me aposentar, eu sai do buraco da janela, “manda embora logo…”, fui, fiz meu documento e saí. Sai perdendo tempo, saí perdendo… Me aposentei com setenta por cento, que não é dinheiro de empresa, viu? Pelo SUS que teve aquele salário todo ele limitado, só vai até X, que a gente fica comendo na mão até hoje. Torcendo pra ver que venha uma melhora, mas eu espero que não. Vou pedir a Deus que venha, mas eu não tenho muita esperança, não, porque a gente vai chegando para a idade e vai chegando junto, que quem vai ter são outros.
P/1- E falando nisso, qual foi o momento de maior necessidade na sua vida? De maior dificuldade?
R- Ah, rapaz… Todas elas, de quando eu comecei até agora é cheia de dificuldade. Pra vencer tem que ter luta, se não tiver, não tem. Todas, todas se enfrentam… De tudo quanto é canto que você vai, você enfrenta dificuldade, enfrenta barreiras, enfrenta inveja, que é a coisa que pega hoje. E como pega a inveja e o ciúmes… Isso tudo complica, rapaz! Nego tem ciúme, tem inveja de tudo o que você tem. E isso é… Olho grosso pega, rapaz! Se a gente não tiver uma fé pura em Deus. Sua fé. Não vai atrás de igreja, de padre… Nada! A sua fé. Peça a Deus por você, peça provando mesmo pela fé, que você consegue, porque você encontra. Isso aí…
P/1- Tem mais alguma história que você gostaria de deixar registrado?
R- Não… Eu queria deixar registrado somente isso, e pedir a Deus que dê mais… Fale!
P/1- A do filme, ia falar pra você contar dos filmes que você gravou.
R- O Gil Beabá… Essa do Gil Beabá você vai dar risada! Veja bem, quando veio essa equipe procurando ver os músicos de Cachoeira para tocar, encontrou o Cachico, mas Cachico era um músico sem maldade. Cachico era um bom músico, mas sem maldade… Você botava um, aí ele pegava a bebida, daqui a pouco você levava Cachico pro fim do mundo. Ele não incomodava… Aquela idade, assim, de cara vivido… Aí eu tava na Pitanga, morava ali em frente ao balneário, quando chegou o diretor, Nelson, com aquele que fazia o papel de Saci Pererê, aqueles pessoal, e essa mulher da novela aí que aqui hoje ela trabalha, com o Cachico. Eu estava no bar de boto bebendo, e Chocolate, Chocolate de Salvador, o cantor. Aí, o Cachico, “olha ele aqui”, eu, “tudo bem, tudo bem?”, me apresentei e tal, “não, eu toco um violão, violão simples”. Eu não tenho muita história de violão, e toco um violão simples. Agora vou em cima, se ensaiar, a gente vai conseguir. Quando nada de cem por cento, cinquenta por cento, mão é? Veja só… (inaudível), e era em dissonância, eu disse, “eu não pego”. Aí ele chegou contando que ele sempre era o cantor da Bahia, cantor bom, ele disse assim, “músico só se encontra de botequim”.
E aí, como é que eu vou fazer? “ Tava vindo lhe pegar porque Cachico lhe informou para ir tocar o filme de Beabá”, e tudo bem. Aí, “quanto é seu trabalho?”, eu disse assim, “meu trabalho é X”, “ah, você está cobrando muito caro”, disse assim, “não, mas é trabalho que eu posso fazer”, porque vai perder noite, é aquele “corta!” (risos), “para! Volta!”, e não sei o que… E eu disse assim, “espera aí ainda, rapaz”, e aí somente aquilo, “quando chegar tua hora, eu precisava de um sax”. Eu cobrei umas duas vezes ou três mais do que Cachico, aí Cachecol pegou Pedro Amorim, timbal, o cara pagou a cota… Mas todo mundo era… Pedro Amorim era um bom empregado, da Petrobras, o Cachico era aposentado, e o mais quebrado ainda seria eu. Ai, vamo lá… “Precisa de um sax”, a gente tinha um sax aqui que chamava Marrom, bom! Mas bruto com a maneira dele, a família dele é grande, deve estar ouvindo, mas sabe o que eu estou falando a verdade do pagode… Marrom vai e acerta com cara o mesmo preço de Cachico! Aí você vê que diacho… Aí estamos lá em São Félix: “eita, volta, volta, vai”, “acorda Maria Bonita, levanta vem fazer o café…” (cantando). E Marrom pegava o sax e picava “Ê Cachico!”... Aí, daqui a pouco o Marrom disse, “eu já tô me zangando com essa droga, toda hora corta, corta, corta nas filmagens, e tá errado, e precisa ir mais não sei o quê”, aí Marrom disse, “eu já vou, ainda mais pelo dinheiro”... Eu disse assim (risos), “Marrom, quanto foi que você cobrou?”, “cobrei x”, eu disse, “ah, você cobrou pouco, eu cobrei x!”. Aí Marrom disse “Corta mais nada! Eu já vou embora, que o dinheiro que vocês tão me pagando não vale a pena eu estar aqui!” (risos). Aí levantou, rapaz, e os caras tiveram que acertar outro preço com o Marrom. Aí ele olhava pra Cachico, que não tinha nada com isso, os dois estão lá no céu… Aí eu olhava, “esse miserável, me trazer para eu ganhar miçanga aqui para eles ficarem rico!” (risos), aí eu não me aguentava de dar risada! Quando eu tava tocando, que eu olhava pra Marrom e Cachico, aí eu dava risada pela história deles dois. Cachico não disse quanto ganhou a Marrom, e eu abri o bico e falei! Aí foi a briga de madrugada, aí teve que parar o filme, a filmagem, pra poder acertar o preço (risos). É história que tem desse lado esses caras…
P/1- Vou falar então, pra a gente fechar, você escolher mais uma composição sua.
R- Não, de choro eu não tenho nada…
P/1- E baião?
R- Eu e você vamos fazer “auê”
(tocando violão e cantando)
Auê, auê, auê, auê, auê
Auê, auê, auê, auê, auê
Minha vida é andar por esse país
Pra ver se algum dia me sinto feliz
Guardando a recordação
Da terra onde andei
Andando pelo Sertão
E dos amigos que lá deixei
E lá meu irmão!
Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Com muita saudade no coração
Auê, auê, auê, auê, auê
Auê, auê, auê, auê, auê
Muito obrigado. Só faço agradecer a vocês também.
P/1 - Como foi pra você contar sua história hoje?
R- Rapaz, fui pego de surpresa, que eu não esperava que ia ser tão assim pra mim uma alegria. Vinha o passado, vinha tudo assim… Eu contar a vocês assim é uma coisa que vai ficar um documento meu marcado para todas (inaudível), e eu não tinha. Eu tenho um filme, “Cinquenta anos de caçada”, esse negócio de boda de prata que eu toquei, estava registrado, mas essa daí, comigo só, foi aí com vocês. E é duro, porque vocês ficam de cara, a gente aí fica levando, tem que fazer isso com amor. Porque a gente (inaudível) a barca aqui, não foi? Uma zoada… Você disse, “não vai dar pra fazer a filmagem, não vai dar pra fazer a entrevista”, e a gente aguentou um pouquinho, passado tomar uns dois vinho, e a coisa chegou, e chegou bonita. Tô alegre, tô satisfeito, dentro do coração… O que? O licor? O licor, ave Maria (risos). O Hélder chegou aqui, gostou de um licor, que aí diz, esse é o que eu tava pensando (risos). Vem o Jonas e disse assim, “o médico proibiu de eu beber… Ah, mas esse eu posso beber”, então vamos beber e vamos lá pra casa de Val. Val que é um irmão, dono do depósito, é um irmão, cara bom, meu amigo. A esposa dele também, que eles me dão esse vinho, quando é São João, eles me dão, o que eu te falei. Então vamos passar lá para poder ver eles dois, tá bom?
P/1- Obrigado, mestre!
R- Nada disso. Obrigado também por vocês!
P/1- Agora eu vou querer ver esse negócio, que eu quero ver como é que eu fiquei de cara a cara.
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FIM
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