Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Lucindo Ferreira Lima
Entrevistado por Aparecida Silva e Estefani Fernandes
Serra Pelada, 11 de agosto de 2024
Código da entrevista: MSP_HV006
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Para o início a gente vai começar com o seu nome, local que o senhor nasceu e data de nascimento.
R - Nasci no estado do Maranhão, em um lugar chamado Cajueiro, a data é 13/03/1946.
P/1 - Durante a entrevista, o senhor quer ser chamado de Lucindo? Ou como o senhor se sente à vontade, pra gente chamar o senhor?
R - Zé Branquinho, nome artístico.
P/1 - Tá bom. Seu Zé Branquinho, como foi que escolheram o seu nome?
R - O Zé Branquinho?
P/1 - Seu nome mesmo.
R - O meu nome mesmo?
P/1 - Sim.
R - Eu não sei, porque Lucindo Ferreira de Lima. Naquela época dava na cabeça. Eu não sei se tinha alguém da família com esse nome, mas certamente, Lucindo, e assim ficou. Mas passou a Zé Branquinho foi um apelido que me puseram.
P/1 - Esse é o nome que o senhor gosta de ser chamado, né?
R - Não é que eu goste, é que os outros acharam bom e mais fácil, e eu me acostumei. E assim vai em frente.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - Raimundo Ferreira Lima.
P/1 - E do seu pai?
R - Manoel Santana Mota. Não foi possível por o sobrenome do meu pai, porque naquela época tinha um negócio que hoje não tem, eles não sendo casados no civil, só saía o nome da mãe. Então, tô com uma mãe solteira.
P/1 - O senhor tem irmãos?
R - Tenho.
R - Quantos?
R - Nós éramos 13, mas hoje só tem 3.
P/1 - O senhor tem contato com eles?
R - Tenho. Uma mora em São Paulo e o outro no Maranhão, só. Aquela mortandade infantil, naquela época, levou muita criança.
P/1 - O senhor lembra onde passou a sua infância?
R - Foi em vários lugares, porque o meu pai mudava. Passei em Campos de Pombinha, no Maranhão, onde eu nasci. E depois mudei para a região de Velosiana. E morei em Juçaral dos Cosmes. E...
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Entrevista de Lucindo Ferreira Lima
Entrevistado por Aparecida Silva e Estefani Fernandes
Serra Pelada, 11 de agosto de 2024
Código da entrevista: MSP_HV006
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Para o início a gente vai começar com o seu nome, local que o senhor nasceu e data de nascimento.
R - Nasci no estado do Maranhão, em um lugar chamado Cajueiro, a data é 13/03/1946.
P/1 - Durante a entrevista, o senhor quer ser chamado de Lucindo? Ou como o senhor se sente à vontade, pra gente chamar o senhor?
R - Zé Branquinho, nome artístico.
P/1 - Tá bom. Seu Zé Branquinho, como foi que escolheram o seu nome?
R - O Zé Branquinho?
P/1 - Seu nome mesmo.
R - O meu nome mesmo?
P/1 - Sim.
R - Eu não sei, porque Lucindo Ferreira de Lima. Naquela época dava na cabeça. Eu não sei se tinha alguém da família com esse nome, mas certamente, Lucindo, e assim ficou. Mas passou a Zé Branquinho foi um apelido que me puseram.
P/1 - Esse é o nome que o senhor gosta de ser chamado, né?
R - Não é que eu goste, é que os outros acharam bom e mais fácil, e eu me acostumei. E assim vai em frente.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - Raimundo Ferreira Lima.
P/1 - E do seu pai?
R - Manoel Santana Mota. Não foi possível por o sobrenome do meu pai, porque naquela época tinha um negócio que hoje não tem, eles não sendo casados no civil, só saía o nome da mãe. Então, tô com uma mãe solteira.
P/1 - O senhor tem irmãos?
R - Tenho.
R - Quantos?
R - Nós éramos 13, mas hoje só tem 3.
P/1 - O senhor tem contato com eles?
R - Tenho. Uma mora em São Paulo e o outro no Maranhão, só. Aquela mortandade infantil, naquela época, levou muita criança.
P/1 - O senhor lembra onde passou a sua infância?
R - Foi em vários lugares, porque o meu pai mudava. Passei em Campos de Pombinha, no Maranhão, onde eu nasci. E depois mudei para a região de Velosiana. E morei em Juçaral dos Cosmes. E assim tive uma infância em variados lugares, né? Em vários lugares. E terminei em São Paulo. Quando fui para lá, de menor, tanto que a minha idade, foi obrigado, para eu ir para lá, dar um aumento. Mas a gente conta o que está no documento. Eu sou mais novo do que o que está aí no documento.
P/1 - Dos seus irmãos, o senhor é o mais novo?
R - Não. O meu irmão mais novo está no Maranhão. Eu sou o quarto irmão.
P/1 - O senhor tem alguma lembrança que marcou muito na sua infância?
R - Tenho. A minha infância foi uma infância sofrida, muita pobreza, mas eu morei em um lugar que eu tinha alegria e muitos amigos. Eu brincava em um areal lá, que eu nunca esqueci aquele tempo feliz de criança e adolescente.
P/1 - Como eram as brincadeiras lá no areal?
R - Essas brincadeiras na areia, montava uns nas costas dos outros, era o cavalo do outro, brincávamos de esconde-esconde, ia para uma lagoa e mergulhava e o outro ia procurar, ia aprender a nadar por cima do pé de banana seco. E as brincadeiras eram brincadeiras de roda também, juntava as meninas também. Então foi uma infância, naquela época, eu gostei muito da Velosiana, o nome era João Veloso, por isso que era Velosiana. Então essa passagem aí, eu tenho muita saudades. Quando eu vou lá, eu quero ver aquele lugar, não existe mais, mas estava lá.
P/1 - Então o senhor tem vontade de retornar ao lugar que o senhor foi criado?
R - Para morar não, agora retornar para passear, sempre eu vou, que é lá que a minha mãe está enterrada. E lá na Velosiana não existe mais, depois que a estrada passou o lugar acabou, mas é pertinho o areal onde nós brincávamos. Então eu acho que todo mundo tem saudade, de uma brincadeira, de uma diversão quando era criança, muito feliz, eu tive.
P/1 - Como foi que o senhor ficou sabendo sobre Serra Pelada?
R - Quando eu mudei para São Paulo, eu cheguei lá sem documento, foi muita dificuldade. Mas eu tirei o documento lá de São Paulo. Eu posso contar lá de São Paulo?
P/1 - Sim.
R - Lá de São Paulo, o primeiro trabalho foi de ajudante de pedreiro, trabalhando o dia para poder tirar o documento. Aí tirei o documento, trabalhei de cobrador de ônibus 2 anos. Depois trabalhei nas Lojas Americanas, comecei de faxineiro, aí a empresa deu a escola para nós, eu tive muita matemática, eu passei a estoquista conferente, depois conferente, estoquista conferente, na empresa Lojas Americanas, sete anos. Depois trabalhei em uma loja de modelos, a Seleção e Modas, que a roupa não servia, eles queriam que eu comprasse roupa adequada. Trabalhei na Sabino Moda. A última empresa que eu trabalhei em São Paulo, foi na Niazi Chohfi, na 25 de março, trabalhei três meses para eu voltar, que eu fui me tratar. Então quando eu voltei… aí em 79, a minha empresa ia mudar para São Bernardo do Campo e eu era operador de máquina, ganhava mais de cinco salários mínimos, aí o dono da empresa disse: “Você não pode ficar parado, porque os operadores de máquina ganham muito e você me dá três meses, você se afasta três meses da empresa, enquanto nós montamos ela em outro lugar. Ou quer ganhar um salário mínimo para ficar?” Eu digo: “Então eu vou sair e faço um acordo”. Eu fiz acordo e saí para o Maranhão. Comprei um carro zerado, vim trabalhar no Maranhão, de motorista, carregando passageiro 2 anos. Aí depois eu não voltei mais para lá. Mas mesmo assim eles me queriam. Mas um primo meu, disse: “Branquinho, não volta mais para São Paulo, não. Trabalhar de empregado, empregado não enrica não e sindicato custa demais”. Eu digo: “O que é que eu vou fazer agora na vida?”. Ele disse: “Nós vamos para Serra Pelada. Lá Branquinho, eu te dou um barranco e lá tu pode dormir à noite e acordar e anoitecer rico, ou então amanhecer o dia pobre e anoitecer rico”. Aí então, eu influído por esse convite dele, que me dava um barranco aqui e eu juntei com seis pessoas lá, arrumamos uma caminhonete para furar, porque tinha a barreira da Federal que não deixava nós entrarmos. E se pegasse e voltasse para casa era pior, porque o dinheiro não dava mais para vir. Aí nós saltamos para lá do rio Lombroso, aqui no 100. Eu saltava antes, mas depois colocaram uma barreira lá no rio Lombroso. Aí nós saltamos lá de tardezinha, cinco pessoas. Aí quando nós saltamos, andamos assim, um pouco, uma onça preta saltou pelo meio da estrada e encarou nós, mas aí nós gritamos, todo mundo, ela saiu. Aí na saída de lá, eu fiz uma fritada de galinha e botei no saco, mas lá anoiteceu e nós precisávamos passar aquele trecho de mata do rio Lombroso, para cortar, para não passar na Federal e já sair aqui na estrada 16. E aí eu rasguei as alpargatas nos espinhos, fiquei de pé no chão e os amigos desapareceram, levaram até o meu frito na boroca deles. Aí eu fiquei sozinho, à meia noite, no escuro, na mata, mas mesmo assim eu não desisti. Aí eu saí no rio Vermelho, aí de lá, eu saí no dois. Ali não tinha casa, só tinha uma queimada e umas oficinas de empresa. Aí eu andei à noite todinha, quando vi um carro, eu corri e me escondi no mato, porque eles eram da Federal. Aí eu amanheci o dia, não, de madrugada eu saí ali para cá do 16 e dormi em cima de uma casca de castanha. De dia eu levantei e peguei a estrada novamente. E aí eu com fome, já fazia um dia e meio, um dia e uma noite sem comer nada. Aí eu encontrei três caras e disse: “Rapaz, me dê uma farofa aí para eu comer, que eu estou morrendo de fome”. Aí eles olharam para mim, assim e disseram: “Quem anda assim furando, tem que trazer frito”. Digo: “Mas o meu frio ficou na boroca do cara, lá, e ele desapareceu”. Aí eles disseram: “Olha, pois nós não damos, não!”. E viajaram. Parece que foi um castigo, quando eu andei mais ou menos 1 Km, eu vi de longe, eles agarrados com um, o cara caiu, desmaiou, eles agarrados e o cara vomitando. Aí eu passei lá por longe e eles me chamaram, eles disseram: “Olha, moço, vem cá. Esse homem caiu aqui e ele tá vomitando, ele está morrendo aqui e com uma febre monstra aqui. O que a gente faz?”. Aí eu encostei e dei remédio para ele. Sempre eu gostei de andar… dei logo umas 60 gotas daquele remédio que era para passar febre, dipirona, eu dei três pílulas, ele tomou. E eu sentei ali para cuidar dele. Aí ele suou, quando o remédio bateu dentro, ele melhorou. Aí eu disse: “Agora eu vou embora”. Aí quando eu saí assim, ouvi um dizendo: “Esse aí não é aquele cara que pediu a farinha e nós não demos, o frito?”. Ele disse: “Foi”. Aí também não me chamaram, não. A fome era tanta, que eu vi uma palmeira de babaçu, cheguei embaixo dela e peguei uns cocos, aquela massa de coco e comi, engolindo à força, lá adiante eu enchi o pote e bebi água. Aí eu saí. Tinha que passar por uma vareda, para sair aqui, na vareda da mandioca, não sei onde que era. Aí quando eu passei, tinha uma zuada no mato e eu fui para lá, eram seis caras, que vinham furando também. Eu disse: “Rapaz, você não tem nada para eu comer?”. Ele disse: “Rapaz, só tem um resto de farinha, é um frito, mas sem carne”. Eu disse: “Eu quero!”. Aí eles me deram, até me engasguei, eles me deram água. Eu disse: “Vocês passaram à noite aqui?”. Eles disseram: “Nós passamos a noite aqui, mas quase a onça comeu um”. Nós deitamos, todos, fizemos um fogo. O fogo apagou e quando nós ouvimos uma pisada de noite, ela saltou em um cara, não pegou a cabeça dele, mas pegou o travesseiro e puxou o travesseiro, ele quase morre. Aí nós nos levantamos e gritamos, a onça foi embora. Ele quase morre, ela ainda arranhou a cabeça dele com a unha. Porque tinha onça naquele tempo, lá. Aí eu saí a pé. Ele disse: “Arruma as coisas pra ir com a gente”. Eu disse: “Eu vou andando, porque eu ando bem devagarzinho, estou com os pés inchados”. Aí ele me alcançou. Quando eu cheguei na roça de um, peguei uns pés de milho secos e mastiguei uns caroços também. Aí eu acompanhei eles. Quando nós chegamos na estrada, passou um madeireiro e eles pararam, o madeireiro não queria levar, porque naquele tempo se levasse os furões, os caras não entravam mais lá. Aí ele aceitou levar eles, mas como eu ia lá atrás com os pés inchados, o carro não esperou por mim. Eu cheguei onze horas da noite aqui no bairro João do Azibo, pedi comida, eles deram uma panela com o resto do caldo de feijão, eu comi e armei a rede ali pra Rua do Arcado, para onde estava o meu primo, lá tinha uma panelada pronta, já, e comi. Aí eu fiquei trabalhando, me deram um barranco e foi o meu trabalho na Serra. Fui carregar saco, carreguei saco dois meses, aí um mineiro disse assim: “Branquinho, você não vai mais carregar saco, você vai cuidar do nosso barranco. Tem nove barrancos para você administrar”. Aí eu fui administrar os barrancos.
P/1 - Seu Zé Branquinho, eu quero que o senhor me fale um pouco mais da sua família. O senhor sabe como os seus pais se conheceram?
R - Sei. Eu sou neto de italianos. O meu avô se chamava Cerof, nascido na Guerra Mundial, ele, que foi para a Itália, depois da guerra ele se refugiou no Maranhão, em um lugar chamado Rosário, aí teve o meu pai, muitos filhos, teve até um que sumiu. Aí meu pai, não ligava para casamento, já com uns 30 e tantos anos. Minha mãe, ela casou com 13 anos, com um rapaz, ele foi para a roça e lá, ela foi deixar a comida e ele tinha morrido debaixo de uma palmeira, porque derrubaram uma palmeira, e ele morreu debaixo, quando ela chegou com a comida, ele já tinha morrido e a minha mãe ficou viúva nova. Aí o meu pai, o pai dele disse: “Case com ela, que ela é viúva, tem futuro”. E o meu pai casou com ela, ela era viúva, minha mãe, Raimunda Ferreira de Lima. Aí tiveram família e eu nasci. Ela faleceu no Maranhão. E o meu pai faleceu em Alto Alegre, do Maranhão também, que era o filho do Italiano, ele se chamava Cerof, era a família de Motta, da Itália.
P/1 - Os seus pais costumavam contar histórias para o senhor?
R - O meu pai contava histórias da família, do pai dele, quando chegou, como ele era. Ele astrólogo, ele era um homem muito sabido, mas naquele tempo quem participava da guerra, depois pedia refúgio, como ele pediu refúgio no Maranhão, né? Ele tinha um estudo, muito. Mas o meu pai se criou analfabeto, porque não sei nem se tinha escola naquela época, e o meu pai era analfabeto, ele não conhecia nada, não. Ele se chamava Manoel, Cajueiro, apelido. E assim foi, ele faleceu. Na ida minha para São Paulo, eu passei um tempo lá, lutando para viver lá, e quando eu vim visitar, ele tinha falecido, aí no Alto Alegre do Maranhão.
P/2 - Seu Zé Branquinho, quantos anos o senhor tinha quando o seu pai faleceu?
R - Sabe, eu não lembro. Mas eu acredito que eu tinha uns 26 anos, por aí.
P/2 - E o seu irmão que sumiu? Ele sumiu, o senhor ainda era…
R - Não era meu irmão, era irmão do meu pai, que sumiu. O meu pai ficou com uma renca de meninos, quando o italiano morreu. Ele ficou segurando esses meninos todos, criando e saiu um irmão dele, os trabalhos eram poucos, aí esse irmão dele saiu para trabalhar, para trazer mais recursos para ajudar os meninos e nunca mais apareceu, nunca tiveram uma notícia dele. Aí o meu pai ficou criando os meninos, eram mais homens. Aí ficou criando os meninos, que morreram também, foram morrendo também. E foram se espalhando, em Bacabal no Maranhão, ele pediu para criar um. Ele foi criado lá e certamente tiveram filhos, e dessa família tem dois sobrinhos no Rio de Janeiro, que são médicos, os dois, e eu nunca mais tive contato. E os irmãos do meu pai, quando ele morreu, não tinha mais nenhum. A última morreu aqui em São Mateus do Maranhão, ela se chamava Mariquinha, ela se parecia mais com o meu avô, ela tinha os olhos azuis e o cabelo branquinho, aquela coisa mesmo, do jeito do italiano, minha avó. E esse que desapareceu, Jackson, o nome dele era Jackson, ele desapareceu e ninguém sabe para onde ele foi, se morreu. E o meu pai ficou criando ele, já estava criado, meu pai ficou sozinho. O último morreu um tempo desse lá no São Mateus, do Maranhão, lá no município onde eu nasci, em Campos de Pombinha. Eu gosto de andar lá, sempre eu ando lá, eu vou lá no lugar onde eu nasci, que nem existe mais casa, nada, só existe o poço do meu pai, que trocou um boi para fazer poço, porque lá era um lugar seco e todo dia era preciso eu buscar água à distância de 6 Km, no jumento, em dois jumentos. O meu trabalho quando era criança, era buscar água no Olho D’Água, para beber e dar de beber aos animais, galinha, porco e para nós bebermos, todo dia, todo dia eu ia buscar nesse Olho D’Água, lá, que tinha, em dois jumentos. O meu pai ia para a roça e o meu trabalho era botar água, só uma viagem dava oito latas, porque era um sertão seco, hoje lá tem muita água. Eu visito lá e tenho saudades, de vez em quando choro. Chego lá também.
P/2 - O senhor tem boas lembranças. O senhor lembra onde estudou?
R - Vixi, o tanto que o meu pai mudava, não dava nem tempo de tirar nada de certificado de escola. Eu comecei a estudar no Olho D’Água, em Velosiana, depois em Juçaral, estudei em Roça Grande, estudei em vários lugares aí. Quando cheguei em São Paulo, que procuravam o histórico, não tinha. Mas eu fiz, naquele tempo, como era o nome? Oitavo. Hoje é o ensino fundamental, né? Mas completei lá. Quando eles viram que eu estava naquele trabalho de faxineiro, nas Lojas Americanas eu fiz amizade em um ponto, a minha encarregada era tão minha amiga, e ela disse: “Olha, tu que é um cara de ouro, eu tenho que dar um jeito pra tu terminar algum estudo. Inclusive com a letra, tu é muito bom, tu aprendeu bem!”. Porque eu aprendi no caroço de milho, a professora quando eu não sabia, me colocava no caroço de milho, eu dizia: “Vou fugir!”. Porque eu não aguentava mais. E aí era um estudo, assim, decorado, matemática, ela perguntava para um e se não dissesse, era bolo de nas mãos. E sabe que a gente aprendia bem aprendido. Adriana aprendeu matemática comigo, eles diziam uma coisa, ela não sabia como que era, eu ia colocava ela no caroço do milho e na palmatória. E aí lá eu aprendi matemática para me mudar de emprego, para entrar em outro. E eu fui indo até, né?
P/2 - O senhor mudava muito de escolas, de lugares, né? Morava em vários lugares diferentes.
R - Era. É aí não era possível eu ter o histórico. Ah, sim. E aí quando eu fui para operar a máquina, aí eles exigiram o histórico, aí eu disse: “Mas o que é que eu vou fazer para arrumar esse histórico?”. Ele disse: “Olha, tem um lugar aqui que tira”. Aqui tem um lugar que se chama, era ali em São Bernardo do Campo, tinha uma professora da federal, aposentada, tinha o nome de uma instituição, né, que avaliava todo estudo que você passou. Você chegava lá eu já ia botando, desde a primeira, tem um nome, um nome até bonito, o nome da instituição, não sei se hoje ainda tem mais. Para fazer avaliação nos estudos de quem não tinha, para ver, porque eles sabiam, conforme a gente ia fazendo o teste lá, eles iam dizendo: “Olha, faça o teste da primeira série”. Aí, eu fazia. “Faça matemática”. E eu fazendo. “Agora faça da…”. Então foi assim. Eu passei, parece que, quase um mês andando para lá. Ensino de Aperfeiçoamento de Avaliação, era assim, umas pessoas abusadas demais, demais, meu Deus do céu!
P/2 - Seu Zé Branquinho, por que o senhor se mudava tanto assim de cidade? O senhor mudou tanto assim para estudar em outras escolas? Por quê?
R - Não era de cidade, era só interior, povoadozinho. Não, é que o meu pai, aquele povo naquele tempo, chegava em um lugar e morava por uns tempos, e aquele recurso de terra, as matas iam se afastando. Conforme as matas iam… naquele tempo o povo não sabia trabalhar, a intenção do povo era trabalhar só em mata virgem, mata bruta e quando faltava mata aqui, acontece que eles mudavam, né. “Não, não tem mais mata para trabalhar”. Não ficava trabalhando naquela terra, cultivando aquela terra, mudavam. Aí o meu pai mudou de lá de Campos de Pombinha, ele mudou para o Maranhão, chegou lá ele comprou uma terra, uma mata. Aí depois de lá, quando ficou, ele mudou de novo, para Juçaral dos Cosmes. De lá nós mudamos para um lugar chamado Velosiana e lá de Velosiana, nós mudamos para um lugar chamado Centro dos Telêmacos, e de lá nós mudamos para Bacabal.
P/2 - O senhor chegou a terminar o ensino médio ou o fundamental? Chegou a concluir alguma faculdade?
R - Não, eu fiz a avaliação. Eu passei na avaliação, porque eu estava estudando nessa avaliação, pelas Lojas Americanas. Aí nós fizemos e eles chegaram a conclusão, deram o certificado, que eu nem tenho ele mais hoje, com a mudança a gente vai perdendo. Aí foi quando a empresa recebeu e começou a me subir de cargo porque de faxineiro, eu passei para estoquista, de estoquista eu passei para conferente. Aí eu já botava o paletó e a gravata, já, porque ia evoluindo. E também aquele negócio de não desistir, apanha e não desiste. Eu pegava bronca e não desistia: “Eu quero fazer isso! Eu não quero ficar nisso aqui”. E ia estudando. Inclusive o que eles exigiram mais para empresa, foi matemática, decorei quase uma tabuada daquelas, toda, fui obrigado a decorar quase tudo, por isso que eu até ensinei a Adriana. Porque precisa muito mais no comércios, muito mais as empresas comerciais, e hoje em dia, é matemática, é cálculo que a gente precisa muito. Aí eu, quando saí de lá, lá das Lojas Americanas, eu saí, porque um amigo meu disse: “Rapaz, você está perdendo tempo em empresa comercial, empresa comercial nunca paga um ordenado pra gente, quem não é um subgerente e quem não é gerente, nunca ganha bem em uma empresa comercial. A empresa comercial paga sempre um salário. Muda para indústria!”. Aí eu digo: “Sabe, que é mesmo!”. Aí mudei para a Volkswagen, passei em um teste da Volkswagen, lá, muito difícil aquilo. Aí eu passei. Mas aí eles disseram: “Olha, tem 15 dias, tu fez um teste para o setor de montagem na Volkswagen”. Eu já tinha um primo lá, trabalhando. Aí ele disse: “Mas você tem 15 dias para a gente montar o setor de montagem nova, vai procurar outro emprego, não fica parado não. Deixa estar que você está empregado, nós vamos te buscar”. Aí um dia eu passei no Cambuci, em uma empresa: “Precisa-se de um aprendiz de operador de máquina”. E era tudo o que eu queria! Aí eu olhei, tinha 22 pessoas na fila. Aí nós entramos para fazer o teste, eles exigiram mais matemática mesmo, seis passaram no teste. Aí o cara disse assim: “Seis passaram no teste. Agora tem uma coisa aqui, o que é que está escrito na placa lá fora?”. Aí nós falamos: “Precisa-se de um aprendiz de operador de máquina”. Ele disse: “Quantos?”. “Um, tá escrito lá fora”. Ele disse: “Pois é só um que eu preciso. Agora eu vou pegar aquele que trabalhou mais na firma anterior. Você entende, colega? Na firma anterior”. Aí foram pegando as carteiras, e a minha tinha sete anos. Aí ele disse: “Olha, o pequeno da fila”. Até que um cara fez pouco de mim quando eu estava na fila, ele olhou assim pra traz e falou: “Você vai ficar nessa fila? Tem tanta gente que é maior do que tu!”. Acho que ele imaginou que até mais sabido. E perderam tudinho! Eu ganhei a vaga. Com oito meses eu estava ganhando cinco salários mínimos, com oito meses eu aprendi a operar 50 tipos de máquinas, era aprendendo em uma e botando outra, porque aquilo ali, conforme… porque se faltasse uma, você pegava outra máquina. E eu passei, com um ano e meio eles me passaram, classificou como quem já estava com 20 anos lá, porque era assim, fazia a mesma coisa. Aí nessa máquina que eu fui trabalhar, a máquina tinha matado um e tinha comido a banda do braço de outro. Aí eles disseram: “Cuidado e atenção! Muito bem, respeite a máquina!”. E aquele negócio todo do tema, aquela doutrina, aquele ensinamento. E lá foi onde eu ganhei dinheiro, comprei até gado no Maranhão, foi onde eu ganhei dinheiro. Vou falar a verdade, um ordenado bom e era sentado, eu trabalhava sentado, eu levantava de duas em duas horas para trocar a produção, aí trocava aquela produção e sentava. Eu aprendi até a fazer um produto lá, que outro não fazia, o que fazia morreu, era aquele emplastro sabiá. Aí depois tinham as máquinas, grandes máquinas gráficas, porque eu também trabalhei muito nelas, era uma empresa de… a Líder Papéis Ernesto Ltda, uma indústria de transformação. Nós trabalhávamos para Souza Cruz, para a Bosch, para o Banco do Brasil, Caixa Econômica, nós trabalhávamos para essas empresas tudinho, e ela faliu, antes de ir embora. Aí quando ela faliu, eu aprendi muita coisa na minha vida, de administração de empresa. Entrou um cara lá, pra tirar ela da falência, um dos caras mais sabidos de São Paulo. Aí eu gostei, porque ele explicava tudo para nós, como é que se tira uma empresa da falência, ainda dizia assim: “Como é que você tem sua casa e tira você da falência”. Aí eu fiz curso de gestoria financeira também, como eu fiz aqui também. Aprendi tanto, preparou até os funcionários, e ele disse para os donos: “De hoje em diante vocês não são mais donos, vocês são todos funcionários, vocês vão todos para o serviço. Empresa falida, o que é que os donos são? Quem tá falindo o que é que ele faz?”. Aí o dono disse: “Ah, mas…”. Ele disse: “Quem tá falido, tá pobre! E o que é que o pobre faz?” Aí os donos ficaram assim, e entraram no serviço como todo mundo como funcionário. Mandaram embora meio mundo, só não mandaram nós, que éramos operadores e tínhamos que operar as máquinas. Aí esse homem foi…
P/2 - Antes de ir para São Paulo, qual era a sua profissão?
R - Lavrador. Eu trabalhava com o meu pai nas lavouras. O meu pai era lavrador, não sabia nada, era analfabeto, conhecia mal o dinheiro.
P/1 - O senhor queria ser o que quando crescesse? Na sua vida adulta o senhor queria ser o quê?
R - A criança de hoje, o adolescente de hoje, ele tem muito mais ideia do que o de antes, vocês sabem disso. Quando perguntam ao menino de hoje, ele diz: “Eu quero ser um médico, eu quero…”. Naquela época os meninos eram mais tolos, não sabiam nem o que era um médico, não tinha nem um carro, não tinha nada. Então nós éramos uns meninos que não tinham alternativas, não tinham uma ideia. Eu, quando fui crescendo, eu admirava muito filmagem e eu peguei aquela vontade de trabalhar com filmagem, sem ter um curso, sem nada. E eu tinha tanta vontade de filmar, que quando eu via um passar com uma máquina, um repórter mesmo lá em São Paulo, ele chegava, encostava, eu digo: “Moço, você pode por essa máquina no meu ombro um pouquinho?”. Aí ele disse: “É mesmo?”. Eu disse: ‘É!”. Aí ele botava no meu ombro, dava ela pra mim e eu estava satisfeito, estava feliz! Agora eu tinha uma ideia, de quando eu estava em mata, que era obcecado pela mata, aí eu já conhecia o que era médico, medicina, tinha vontade de botar aquele negócio no pescoço e examinar, mas não foi possível. Mas a máquina, quando eu cheguei aqui em Serra Pelada, aí eu vim para Serra Pelada, quando eu cheguei furando, comecei a trabalhar, aí, posso continuar?
P/2 - Qual foi o ano que o senhor veio para Serra Pelada?
R - Eu cheguei aqui em 80, no mês 04 de 80. Cheguei aqui, a Grota Rica ainda estava trabalhando, já estava fraca, a Grota Rica, e já não tinha mais trecho. O cara disse: “Não, mas nós estamos aqui, até pegamos de terceiro, já”. Mas aquele ouro, aquele ourão, ele estava saindo lá para os grandões. O finado Genésio, ele marcava o barranco, porque ele tinha aqueles amigos de Marabá, conhecidos mais ricos, como o doutor Renzo, como o Capota, como outros por lá. Ele deu aqueles barrancos e os filhos pegaram também, mas depois eles subiram para o rumo da Currutela, ali, e foi enfraquecendo mais, mas mesmo assim ainda dava ouro, ainda dava três gramas, cinco, dez todos os dias. E chega estava assim, não cabia os barrancos, era pra ter diminuído, assim, aqueles daminha. Aí nós começamos a subir a montanha da Serrinha, sem saber que tinha ouro, mas sabe que o ouro chegou ali, e a Grota subiu na Serrinha. E nós subimos para lá, e o primeiro barranco nós derrubamos e tiramos aquele capim junco, quando eu tirei o barranco, que tinha um menorzinho, tinha 360 gramas de ouro ali, logo. Mas depois pronto, deu naquela laje, e nós ficamos só conversando na lajona. Ninguém sabia, porque o nosso mapa é o mapa biológico, né? Então a gente desceu a Serrinha sem saber que tinha ouro. Depois foi que, quando nós já estávamos no ourinho, foi que veio o estrondo em 81. Fizeram três furos na Serrinha e levaram para o laboratório, e conheceram que não era apenas um ouro de Grota, em Serra Pelada, e sim uma gigantesca jazida de ouro, a maior do Brasil e do mundo.
P/1 - Quando o senhor veio para Serra Pelada, o senhor já tinha família? Já tinha mulher, filhos?
R - Todos eles nasceram em São Paulo.
P/2 - Mas quando o senhor veio para Serra, o senhor já tinha?
R - Não. Eu curti a vida de solteiro em São Paulo muito! Arrumei até namorada lá, mas tinha alguma coisa nela que não me agradava muito bem, mas eu namorei ela bem uns dois anos. Mas eu olhei assim, quase Carlinhos, mas ele me olhava de um jeito, porque eu morava em uma pensão, sete anos,era uma baiana, e ela tinha uma filha, sobrinha que ela criava, e a menina endoidou por mim, endoidou por mim, mas tinha algo que eu não… mas ali, aquela pensão era barata, porque eu pagava uma cara que eu estava trabalhando só para mulher lá. Aí quando eu cheguei nessa pensão barata, no apartamento lá, essa menina ligou para mim, e eu tinha vergonha de dizer que não namorava com ela, aí fiquei mordendo, aí: “Não!”. E o tio dela disse: “Não, pega a menina, leva, vamos embora passear”. Aí eu estive muito com ela. Eu vim ao Maranhão e encontrei essa daí e ela foi comigo para São Paulo. Lá ela foi trabalhar com o irmão dela, ficou lá em casa uns dias e as coisas não deram muito certo para nós em casa. Minha mãe estava lá, foi junto e foi assim. Mas eu tinha uma família lá em São Paulo, esses meninos são todos de lá. Chegaram aqui, a Adriana, eu acho, com sete anos de idade, o outro com tantos anos, sei não, acabaram de se criar aqui. Mas eu morei em São Luís também. Adriana estudou lá, estudou em Bacabal, Adriana conheceu um bocado de lugar.
P/2 - Como foi que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Foi no Maranhão, quando eu cheguei.
P/2 - Mas ela era uma amiga?
R - Ela é minha prima.
P/2 - Ah, ela é sua prima. Aí vocês foram embora para São Paulo?
R - Não, nós não namorávamos. Foi assim, a mãe dela disse assim: “Leva ela”. Porque lá, ela tinha um irmão que trabalhava na Volkswagen, aí eu levei. Aí o irmão, a casa era muito pequenininha, onde ele morava, e eu tinha alugado uma casinha de quatro cômodos, para eu viver com a minha mãe, e ela foi para lá. Aí dentro de casa, sabe, né? Deu certo. Aí ela saiu grávida, aí eu não quis mais largar e ficamos.
P/1 - Quantos filhos o senhor tem, seu Zé Branquinho?
R - Três, só. Todos os três foram cesariana, porque ela não tinha parto normal.
P/1 - Todos moram aqui em Serra Pelada?
R - É, todos estão aqui. O Celino, o Luciano. O Celino mudou agora para Igarapeba, porque trabalha em Igarapeba e o Luciano está para lá, só tem a Adriana aqui. Foram só três, porque o médico lá em São Paulo disse: “Olha, você não pode ter mais filhos”. Então ele já ligou e pronto, não teve condição de ter mais.
P/1 - Quando o senhor chegou aqui em Serra Pelada, qual foi o seu primeiro emprego? O que o senhor fazia aqui em Serra Pelada?
R - Aqui eu fui carregar saco, fui carregar saco. O primeiro emprego foi…
P/1 - Como era seu dia a dia aqui em Serra Pelada quando o senhor chegou? Sua rotina?
R - O meu dia a dia, eu fui para dentro de um barraco com 86 pessoas, um barracão muito grande no meio do garimpo, isso aqui ainda era mata, isso aqui era tudo mata ainda, essas grotas aqui. Aí nós fizemos um barracão muito grande de palha, que nem as redes cabiam, ele precisou fazer outros ao redor, porque era muita gente. Eu administrava 10 barrancos, nove para um mineiro. Ele ainda esteve aqui, morreu um tempo desse, Clemente, meu amigo, que era analfabeto. E os meia praça, esses 86 homens, eles não sabiam mais nada sobre o barranco, nada, eles diziam para eles uma coisa, era outra. Aí eu disse: “Clemente, nós vamos administrar esse barranco como uma empresa”. E eu fiz um fichário para eles todos. Gostaram demais! E o termo e o serviço que eles iam assumir. Todos assinaram essas fichas. E aí eu administrei esses barrancos. Foi onde eu peguei umas 600 gramas de ouro, foi nesse barranco, foi o ouro que eu peguei na Serra Pelada. E o meu barranco, foi uma sobra de medição, que eles me deram em 80, quatro metros, assim, ele era assim, quatro metros aqui e morria aqui e essa pontinha salvou a minha vida uma vez. Eu posso dizer o nome do barranco? O barranco se chama “Bucetinha”. Ele era assim, olha, compridão e assim. E aí, o Milton Gatti chamava… todo o povo do lugar chamava, ele era até um ponto de referência do garimpo. Explodiu o buraco de uma sonda e jogou terra dentro, para fora é que tinha ouro, mas eu não andei no ouro, não deu pra chegar no ouro nele. Aí no outro barranco deu, acho que uns 16 kg, peguei até uma pepita com 2,85 kg. E eu peguei só 600 gramas. Tinha uma merrecazinha por aí que eles davam, mas para eu gastar com brincadeiras no Curionópolis, porque nós passamos dois anos por aqui sem mulher. Mas o pessoal chamava a gente para brincar lá e lá o pau quebrava, naquela época.
P/2 - Como é que o senhor ficou sabendo do garimpo?
R - Ué, eu contei! O meu cunhado que falou, me convidou, com aquela conversa dele de empregado não enricar, de estar sempre com as custas e eu me dei o plano de vir com ele para o garimpo, porque essa é a palavra, podia a gente enricar rapidamente, uma riqueza fácil.
P/2 - O senhor chegou a mudar de vida através do garimpo?
R - Essa mudança de vida, um pouco, a passagem veio do garimpo mesmo. Porque quando o garimpo parou… Porque eu acompanhei todo os açudes que se formavam aqui… Teve um tempo que eu tive pneumonia e passei um mês sem carregar saco, e eu acompanhava o pessoal que vinha filmar, todos, da França, da Inglaterra, dos Estados Unidos. O cara mais famoso que filmou Serra Pelada foi o Jacques Cousteau, o cientista Jacques Cousteau, eu acompanhei ele três dias aqui. E assim foi, o garimpo de Serra Pelada quando estourou aqui, a Globo filmou, eu tenho aquela…. É por isso que eu estou fazendo a música: “O garimpo de Serra Pelada foi o mais hospitaleiro, foi nele que trabalharam mais de 100 mil garimpeiros. Foi quando a Globo filmou e a notícia se espalhou pelo mundo inteiro”. Então eu fiz essa música baseada. E foi o garimpo, quando estourou, que foi uma explosão de notícias, também no mundo inteiro, passou por aqui as televisões mais famosas do mundo, as reportagens mais famosas do mundo vieram para cá, as revistas mais famosas do mundo, que eu não sei nem chamar o nome, que é inglês, né? E franceses. Mas aqui, a Globo, com todas as televisões que filmaram aqui, nós não tivemos oportunidade de pegar essa história, elas levaram tudo. Elas levaram essas histórias todas. A Globo, todo dia, ela passava quando queria, aqueles pedacinhos na televisão. Agora eu gostava de história já, eu gostava de ver um cidadão idoso sentar e contar histórias. E aí eu comecei a pensar nessa demanda de comunicação que teve aqui, e que não deixou essa história para o garimpeiro, o garimpeiro só sabe a história que ele trabalhou, trabalhou numa bateia e tal, mas a história global, de todos, uma história filmada… é que tem muitas histórias daqui que teve segredo, a coordenação não dizia, mas dizia para outros. Na BBC de Londres, revelaram muitos segredos para eles, como eu peguei depois, que não tinha. Então quando o garimpo parou, teve gente do meu barraco que chorou como uma criança, porque aqui só pegou ouro, na base de 15% pegaram ouro. Agora teve requeiro, teve comprador de porcentagem que enricaram também, os meia praça também. Serra Pelada deu condições para milhares de pessoas, mas pela demanda que passou, mais de 100 mil aqui, tudo isso, foi aproximadamente uns 15% que teve sorte. Então quando o garimpo parou, aí eu fiquei imaginando, eu disse: “Cadê essa história que filmaram em Serra Pelada?” Fui eu quem fiz o primeiro dvd do garimpo de Serra Pelada, para ceder para os garimpeiros . A BBC mesmo, fez em inglês, quando eu peguei ele, foi em inglês, aí a gente se juntou e foi em um professor de português e traduzimos. Eu fui com um outro espanhol que… aí eu disse: “Onde é que está essa história?”. Aí eu peguei e corri atrás dessa história. Cada um contava uma história, mas eu queria a história, o filme que tivesse sido feito aqui. Aí me ensinaram, eu andei no Marabá, e o capitão Roberto, do oito, disse: “Branquinho, eu já vi passar um pouco dessa história aqui, mas foi um estúdio que tem aqui em Marabá, o 07 de Abril”. E eu corri lá no 07 de Abril. Aí ele disse: “Rapaz, aqui esteve a universidade de Goiás, junto com um filmador estrangeiro, que fizeram um filme de Serra Pelada e foi produzido, organizado aqui, e nós temos aqui nos arquivos, aquela fitona ainda”. Aí eu disse: “Oh, rapaz . Eu quero trabalhar com essa história, e eu moro lá no garimpo”. Aí ele disse: “É muito difícil a gente tirar uma história para lhe ceder, o dono não deixa. Mas veja de vir aqui lá para outra semana”. Eu fui. Aí eles cobraram, naquele tempo, 400 cruzeiros, 400, foi real? Não sei. 400 cruzeiros. “É muito caro!”. Eu ainda vim trabalhar, eu ainda vim lutar para arrumar esse dinheiro, para comprar um dvd que eles produziram para mim. O primeiro filme que eu adquiri de Serra Pelada, foi “A Montanha de Ouro”. Eu ainda tenho ela aí. Eu nem vendi mais ela, assim, individual. Aí eu fiz ela, quando cheguei no 30, que eu fui produzir, produzi 30. Quando eu cheguei quase que dava um briga ali na currutela: “Não, tu tem isso aí? Ninguém tem isso aí!”. Eu disse: “Mas, eu tenho”. Foi rapidamente, eu vendi. Aí eu disse: “Ah, menino!”. Mas o cara fez por nove reais cada um, e para eu vender ficava caro. Aí depois eu fiquei fazendo, mas era muito caro e eu fui para Marabá. O cara com um monte de dvd vendendo, eu disse: “Rapaz, como é que eu faço para produzir muitos dvds de Serra Pelada?”. Ele disse; “Você tem um dvd diferente de Serra Pelada?”. Eu disse: “Tenho”. Ele disse: “Eu produzo, eu produzo. Quantos tu quer?”. Eu disse: “Eu quero 350 dvds”. Ele disse: “Isso tudo?” Disse: “Quero. Agora eu pago metade para você e a outra metade eu pago no outro mês”. Ele disse: “É, nós ficamos com uma ficha sua aqui, coisa e tal”. E eu mandei fazer. Quando eu cheguei aqui fizeram uma reunião, não deu para nada, foi embora tudinho. Eu disse: “Agora danou”. Aí ia ter uma assembleia, eu corri lá, fiz mais quase 400. Cheguei aqui e vendi. Aí eu recebi um telefonema de lá, um cara desconhecido telefonou para mim: “O senhor que é o Zé Branquinho?”. Eu disse: “É”. “O senhor que mandou um cara fazer dvd? Eu é quem faço, ele está lhe revendendo o dvd e não está me pagando aqui bem”. Eu disse: “Vixi, moço. Desculpa aí!”. Aí, acontece que quando eu cheguei aqui com 460 dvds, aqui não deu para nada, era um: “Me dá um, me dois. Eu vou levar até fulano de tal lá fora”. E começaram a comprar. E eu vendia a R$ 15,00. Agora o cara… Sim, aí eu paguei esses 400 dvs, vendi tudinho, 460, aí foi que eu recebi o telefonema de lá: “Ei, você que é o Zé Branquinho?”. Eu digo: “Sou”. “Quem tá vendendo dvd para você não é o fabricante dos dvds, é o meu vendedor, e ele não está correndo certo comigo aqui. Não dê o dinheiro para ele, não”. Eu disse: “Me encrencou agora, o que eu vou fazer, meu Deus?”. Aí eu disse: “Tá bom, então eu não dou o dinheiro. Quem é você?”. Ele disse: “Meu nome eu só dou quando chegar. Eu vou lhe esperar aqui perto do telefone, do orelhão aqui da rodoviária do Seis”. Eu disse: “Ok!”. E eu com o dinheiro todinho junto para dar. Aí quando eu cheguei lá, eu peguei o telefone, aquele do orelhão e fui telefonar para ele: “Alô”. Ele disse: “Tô aqui”. Ele estava com uma criança encostada em mim, ele disse: “Tô aqui”. Aí riu. Ele disse: “Eu sou o Paulo, meu carro está ali. Bora lá. Agora é o seguinte, o meu endereço é restrito, porque quem trabalha com isso, a maior parte é ilegalmente. Eu faço dvd nessa região todinha, Parauapeba, nessa região todinha, eu sou o Paulo”. Aí eu disse: “Tudo bem”. Ele disse: “Você vai na minha casa, mas não é para dar o endereço dela, nós vamos ficar trabalhando assim, no sigilo. E deixa estar que o resto eu resolvo”. Chegou lá na casa dele, ele tinha máquina para fazer 60 dvds de cinco em cinco minutos. Aí ele disse: “Você vai ficar aqui três dias. Quantos dvds?”. Eu disse: “Eu quero 800”. Aí ele disse: “É mesmo, rapaz! Está com essa venda toda?”. Eu disse: “É porque vai ter uma assembleia muito grande!”. Ele disse: “Rapaz, você tem uma venda que eu nunca nem vi!”. Eu disse: “Tá bom”. Aí ele trabalhou três dias, ele não fazia comida na casa dele, “Nós temos que ir para o Hotel”. Mas também ele cumpria. E ele me deu condição, porque ele me dava 30 dvds gratuitamente, era onde eu pagava a despesa de ir e vir. Aí ele fez esses 800 dvds. Eu cheguei em uma assembleia muito grande, tinha quase seis mil pessoas, rapaz, pois quando deu três horas da tarde, eu já tinha vendido 750 dvds, e no outro dia eu vendi o resto para quem ainda estava ali. Isso era uma dica, que os primeiros dvds, é uma dica que não existia dvd, eu que fiz o primeiro dvd, que foi o Montanha de Ouro. Não existia dvd, o garimpeiro não tinha a filmagem na mão dele. É tanto que compravam disputando. Eu tenho mais de 40 mil, e olha se eu não tiver quase 50 mil dvds vendidos. É porque o povo daqui comprou, tinha assembleia lá, tinha aqui, eu sei que tinha umas quatro assembleias aqui e eu vendi muito dvd. E fora os que a cooperativa era muito frequentada, e eu ficava lá na porta e eu vendia muito dvd mesmo. E depois eu passei a vender para revendedor também, aí é que era muito, por isso que eu não sei o tanto bem. Porque teve um cara de Parauapeba que recebeu milhares de dvds de mim, para ele revender lá. Então agora eu vou seguir nas filmagens, né?
P/1 - Seu Zé, conta pra gente o que era o meia praça?
R - Meia praça era um sistema de participação nos lucros, no ouroporque veja bem, o dono dos barrancos, os barrancos eram no sorteio, todos eles, para ninguém se queixar se tinha barranco melhor ou barranco ruim, era no sorteio. Porque muitas vezes tira área preferencial, diziam: “Não, eu quero naquela área”. “Não, é sorteado”. Aí podia o mais pobrezinho, que não tivesse nada, ganhava um barranco. Agora, quando nós ganhávamos os barrancos, aquele que tinha condição ia custear o barranco, ele ia tocar por conta dele. E quem não tinha, como eu, quem não tinha e pegava os barrancos no sorteio e procurava patrão para custear aquele barranco. Mas eu como era dono do barranco, eu tinha que colocar 10 homens como meia praça, os meia praça tinha 50%, porque era 5% para cada um ganhar, isso na produção de ouro. Se não desse nada, já era! Se não desse nada, até o fornecedor e dono do barranco, já era. Mas eles ganhavam na produção do ouro, o meia praça era um participante na porcentagem, no lucro, era como se fosse um acionista. Pegava o barranco aqui: “Olha, você vai ganhar 5%”. O meia praça era quem descia o barranco. O dono do barranco era pra correr atrás do fornecedor para levar as despesas, carne para o barranco, para fornecer os barrancos, tinha que correr atrás. O meu trabalho era correr atrás, depois que eu larguei de trabalhar de carregar saco. Aí o patrão ganhava 30%, o que fornecia tudo, calçado, tudo, e o dono do barranco ficava com 20%. Então 50% era para dono de barranco e fornecedor e 50% era para os meia praça. Tirava um para cozinheiro. Então era assim que funcionava a distribuição de recursos, também. O dinheiro ia todo para o barranco e lá o meia praça tinha 5%, “5% no ouro aqui, dá tanto para você. Toma”.
P/1 - E o que era a assembleia? Como funcionava?
R - Assembléia extraordinária da cooperativa? A assembleia era para reunir os garimpeiros e ver o que eles tinham de novo, para explicar para os garimpeiros e a administração do garimpo como era. Porque aí eu estou contando uma história do início do garimpo, quando não tinha cooperativa. Mesmo na cooperativa tinha o meia praça, mas já era menos. A cooperativa, eu estou contando a história do início, mas mesmo na cooperativa tinha o meia praça. Nós criamos a cooperativa em 82.
P/2 - Essas assembleias serviam para que?
R - Essas assembleias era para reunir todos os associados que vinham de fora, para o presidente falar sobre as novas programações e projetos que tinham para a cooperativa. Era pra gente saber de tudo sobre a cooperativa, o que estava rolando, o que estava ocorrendo, o que era pra gente aprovar. Era para aprovar os projetos. Para aprovar os projetos, aprovar as vendas de ouro, porque a cooperativa, teve um tempo, que lá tinha venda de ouro. Aprovar tudo que vinha para o garimpo. Eles diziam: “Olha, vocês aprovam? Querem isso? Então está bom”. Era aprovação, né? Como que iam gastar também, aprovação de recursos, a gestão financeira, como é que ia, quanto eles estavam faturando e o que eles iam fazer, o que tinham feito, prestação de contas, tudo caía na assembleia da cooperativa, saber de tudo sobre a nossa cooperativa e a gestoria como ia e se não estavam satisfeitos com algum diretor, quando era para algum diretor sair fora, quando era para fazer alguma assembleia, também, de votação de presidente, de diretoria, de conselho fiscal. A assembleia era uma reunião necessária para nós sabermos de tudo que estava ocorrendo no garimpo, nos trabalhos, na cooperativa e na parte administrativa.
P/1 - Seu Zé, o senhor comentou que o senhor estava fazendo uma música sobre Serra Pelada, o senhor poderia cantar um pouquinho dessa música?
R - Canto. Eu já até mandei gravar ela, paguei 400 reais para gravar ela, ela está aí no celular.
P/1 - O senhor pode cantar pra gente só um trechinho?
R - Cantar sem o celular, né?
P/1 - Isso, só a sua voz.
R - É assim: “Eu moro em Serra Pelada e me orgulho demais. Serra Pelada é a rainha dos metais. Ela é cercada de montanha, é uma obra da natureza, é debaixo dessas montanhas que estão escondidas todas as nossas riquezas. Serra Pelada é famosa no mundo inteiro, mas a origem de toda essa história foi o Genésio Ferreira da Silva e os garimpeiros. O ouro entrou debaixo das montanhas, mas os garimpeiros ignoraram ela. Os seus sonhos eram mais fortes, com um trabalho brutal pusemos as serras no saco e carregamos ela. E tiramos o ouro, e pegamos o ouro que tinha debaixo dela. Os garimpeiros de Serra Pelada foram exemplar para o mundo inteiro saber que um homem comum, com a sua força e o sonho é capaz de fazer. O garimpo em Serra Pelada, no mundo, não teve outro igual, produziu muitas toneladas de ouro que enriqueceu os cofres do Banco Central. Todo o ouro que Serra Pelada produziu, serviu para pagar uma boa quantia das contas que o Brasil devia. O presidente Figueiredo pegou a pepita maior que o João de Deus Filho encontrou, e botou o nome de Canaã e mostrou para o mundo inteiro admirou. O Zé Branquinho é a lenda viva dessa história rica e cultural, é o mais famoso cinegrafista de Serra Pelada e vive fazendo história para ir aumentando mais o nosso arsenal. O Zé Branquinho é a lenda viva dessa história rica e cultural, é o mais famoso cinegrafista de Serra Pelada e vive fazendo história para ir aumentando mais o nosso arsenal”.
P/1 - Muito linda a sua canção, seu Zé. O senhor poderia contar para a gente quem é o Genésio Ferreira que o senhor fala na sua música?
R - Genésio Ferreira da Silva é o dono da Serra Pelada, era o dono da Serra Pelada, da fazenda Três Barras. Não tinha nada com fazenda, mas ele botou o nome de Fazenda Três Barras.
P/1 - Seu Zé Branquinho, o que motivou o senhor a gravar esses documentários? Compor música? O senhor como o primeiro cinegrafista de Serra Pelada.
R - Posso contar da primeira máquina, que eu possuí?
P/1 - Pode, fique à vontade.
R - Quando eu gravei esse tanto de dvds, que eu vendi milhares de dvds, um cara me deu um conselho: “Mas tu poderia ter uma máquina, Zé Branquinho”. E eu já tinha, como eu contei para vocês, já tinha uma conduta de querer, de olhar e admirar muito a máquina de filmagem. Eu disse: “Dessa vez eu vou trabalhar”. Aí eu trabalhei, porque a máquina não dava conta de produzir isso tudo. Aí eu mandei comprar essa máquina, o Raimundo do relógio, lá da rodoviária, foi quem foi comprar essa máquina para mim, ele foi comprar no Paraguai, ele foi para o Paraguai e comprou essa 320. Eu tenho ela bem aqui guardada ainda, para o museu. Aí ele comprou essa máquina por R$ 1.600,00. Vendi até arroz de comer para inteirar, e aquele negócio todo para comprar. De lá para cá um assaltante tomou a máquina. Aí eu fui lá, quase choro, e a mulher dele disse: “Não, vamos lhe dar outra máquina”. Aí ele me deu a maquininha. Aí entrou as sondagens e eu comecei. E não é que eu não pensava que essa máquina ia me dar tanto lucro, a vontade era possuir a máquina, mais do que produzir e vender. E deu certo, porque os garimpeiros naquele tempo compravam muitas imagens de Serra Pelada, mas eu vendia a filmagem dos outros. Aí eu passei a vender a minha. Eu fiz uma filmagem aí, um tempo, numa sonda, que eu vendi 5.800 dvds, eu contei ainda. Vendendo só dos meus, porque a filmagem era só minha. Eu comprei um R850 para fazer as matrizes, porque para fazer a produção de algumas coisas, é preciso uma série de equipamentos. Aí eu tive que comprar um R850, eu mandei pedir em São Paulo, da Pliant. Porque a máquina quando eu chegava, ligava nele, aí ligava na televisão e ele passava para o dvd, para o R850 e já deixava o dvd pronto. Mas isso era para fazer as matrizes. Aí foi preciso eu comprar a gravadora para reproduzir, porque esse aparelho não era de reproduzir muito, assim, que era custoso, ele era para fazer a matriz, eu ligava a filmadora nele quando chegava e fazia a matriz, e a matriz eu botava na multiplicadora, ainda hoje eu tenho aí, de 10 bocas. Eu comecei a produzir em alta escala para mim mesmo, quando eu comprei a gravadora. Esse cara me deu a primeira, mas já estava surrada, aí eu comprei outra com ela. Então eu comecei a gravar. Aí eu botei na cabeça que a máquina ia ficando ruim, aí eu mandei concertar ela, aí eu digo: “Tenho que comprar uma máquina grande”. Aí entrou as sondagens mesmo, eu vendi muito. Aí eu fiz 22 mil e corri para São Paulo, cheguei lá e fui comprar a máquina, essa grande aqui. Cheguei lá na Santa Efigênia, entrei em uma loja que vende máquina e disse: “Mas eu quero uma do ano, de agora, lançamento!”. Exigi, eu estava com dinheiro para comprar. Ele disse: “Olha, lançamento na loja ainda não tem, mas eu tenho um filho que tem uma loja ali na rua Vitória e lá ele tem uma que está na vitrine, ela chegou semana passada, está novinha”. Aí eu cheguei e comprei a máquina por 16 mil, essa aqui, que hoje ela está custando quase 40 mil, porque eu entrei em contato outro dia e era 37 mil uma dessa daqui. Aí eu comprei ela, é uma máquina que produz mais, a bateria dela é de 09 horas, armazenamento, HD e tudo. Aí pronto, o dvd saiu de mais qualidade e eu comecei a trabalhar. E os garimpeiros comprando, porque eles não tinham a filmagem. E aí passou, a repórter vinha aqui me encontrar na minha mãe e começaram a fazer, tem muitos filmes que aparece aí, que foi eu que vendi para eles, sempre que passa eu vejo. Eles fizeram montagem, tem até um dvd que eu tenho aí, que eu comprei depois e tem a mesma filmagem, como aquele Tropa de Elite, compraram 40 na minha mão e fizeram aquele filme do Wagner Moura, eles estiveram bem aqui em casa, bem aqui nesse sofá, sentaram todos. Aí depois veio o Alexandre Torres, esse é mais famoso do que o Moura, o Alexandre Torres faz filme no estrangeiro todo, teve bem aqui comigo sentando. Agora, Carlinha, eu tinha aquele negócio de não perguntar, você vinha aqui, falava comigo, aqueles bichões famosos para caramba e eu falava com eles e iam embora sem eu perguntar, eu digo: “Mas quem era?” Aí eu dei em perguntar. Aí os dois vieram aqui e eu digo: “Quem é o senhor?”. Ele disse: “Eu sou o Alexandre Torres, da Tropa de Elite. Mas a minha gravadora em São Paulo é no alto de Pinheiros _______”. Ele disse, eu te ofereço uma visita lá, eu já tinha até a música, ele pegou. E eles me ensinaram mais nessas máquinas, esses grandes repórteres que vinham aqui fazer filmes, eles me ensinavam mais os recursos da máquina, porque eu aprendi apanhando aquilo ali. No começo da maquininha, eu ia filmar, de vez em quando, iam passar as imagens, eles diziam: “Branquinho, ficou ruim! Você filmou mais, foi as paredes”. Aí eu digo: "Como é que eu faço agora?”. Aí a outra vez, Carlinhos, eu filmava a igreja e diziam: “Branquinho, você filmou o chão, muito!”. Porque eu esquecia e deixava a máquina pendurada, quando eu acabava de filmar, eu saía da cena e a máquina ficava pendurada, eu esquecia e ela ficava filmando o chão. Aí eu digo: “É preciso eu aprender com esse script que deram para mim”. Aí eu comecei. Aí veio um repórter da Redetv, bem aqui nessa mesa, aí me ensinou como eu tirava foto nela. Foi o primeiro repórter que me filmou, o da Redetv, até hoje tem ele aí, ele me ensinou muito. Aí vem um outro repórter da Globo, o Fantástico veio aqui, e eu levei ele no garimpo. Depois o Tônico Ferreira, da Globo, também encontrou comigo.
P/1- Seu Zé Branquinho, quando o senhor começou a fazer essas gravações aqui em Serra Pelada?
R - Para falar a verdade, eu não sei dizer a data, mas quando foi criada a cooperativa, eu já tinha a maquinazinha, eu ainda estava pelejando com ela, ainda não estava filmando mesmo para venda, estava só filmando essas festinhas de igreja, porque eu não tinha aquele aparelho que eu falei. Aquele aparelho eu já peguei depois de uns tempos, quando a cooperativa já estava arrumando a empresa, quer dizer, antes de arrumar a empresa, quando a Vale estava sondando, só a Vale aqui, é que a Vale não aceitou. As sondagens da Vale, que era tudo de pessoas desconhecidas, até teve um da Vale, a Vale me cedeu as filmagens das sondagens também. Eu ainda filmei muitas sondagens ali onde era o refeitório da Colossus. Mas aí, entrou outra aí de fora e disse: “É, tem que diminuir, porque, coisa e tal, sondagem tem sigilo”. E aí, eu parei. Aí quando entrou as sondagens da Colossus, aí eu pedi e tive acesso. Inclusive quem me deu muita força foi o Uelson, dono da Minas Trend, né? Porque aí teve muitas empresas de sondagens, e eu cedi tudinho. A que disse, assim, perguntou para o patrão se podia sondar, a Phoenix, lembra dela, né? É uma empresa de sondagem automática, a única que chegou aqui, que tirava tudo, fazia tudo automaticamente. O início das minhas filmagens foi igreja, festa de igreja, dia 07 de setembro, eu comecei a filmar tudinho. Aí quando eu filmava isso aí, foi que entrou o projeto. Aí quando o projeto foi aprovado, eu já tinha a máquina para filmar os projetos, a produção da assembleia que foi aprovada, o contrato, tudo, eu filmei tudinho. Aí eu já tinha aquele aparelho, porque todo aparelho meu nasceu naquele R850, se eu não tivesse, como é que eu ia fazer as matrizes. Aí eu ia procurar computador por aí para tirar da filmadora, e assim mesmo, as filmagem de computador, ela não tem uma boa qualidade que tem no R850. Filmei muito em computador, aí eles fizeram o dvd para mim, mas não tinha a qualidade como tem aquele aparelho que eu tenho ali. Agora ele está com um problema, ele grava tudinho, mas não passa na televisão, e eu não sei o que está acontecendo. Mas aí eu comecei a filmar as sondagens e comecei a vender, porque o que faz a gente ir para frente, Carlinhos, é aquela vontade de vencer, é não desistência, você erra e muitas vezes você quer desanimar, “Não, eu não sou disso aí!”. É aquela insistência. E também os aparelhos que a gente vai adquirindo, a gente vai cada vez mais crescendo aquela vontade de trabalhar mais, porque você vê que os aparelhos, eles vão desenvolvendo mais o volume de vendas, aperfeiçoando mais. Aí entrou o projeto e eu fui filmado. Vendi muito dvds nas sondagens. Aí entrou o projeto da Colossus eu fui lá e eles, como eu já filmava as sondagens… e todos esses filmes que eu estou dizendo para vocês, eu estou dizendo, mas eu tenho eles aí, a história que eu conto, eu tenho o conteúdo vivo ainda para mostrar para todos que querem ver, são muitos! Eu tenho mais de 70 filmes na área de mineração, de projetos e das sondagens. Só de três anos, né? E de 15 em 15 dias, às vezes um mês, eu fechava uma filmagem, porque eu filmava às vezes um pouco e ia juntando na máquina, filmava outro pouco, depois eu passava e pronto. E aí eu aprendi, Carlinhos, porque eu de primeiro não cortava, quando era no computador eu não tinha como cortar, saía ruim os filmes e os caras me criticavam. Mas eu aprendi, no R850, como era que cortava as partes que eu… uma vez eu filmei um homem ali, e ele chegou na cooperativa e disse: “Oh, rapaz. Não me filma não, eu sou procurado da justiça! Tu vai me filmar? Tu filmou, tira aí!”. E eu disse: “Tem como eu cortar”. Aí eu peguei na máquina, eu tinha o recurso e tirei. Tudo isso é possível você aprender! E recurso de máquina, olha, eu nunca nem aprendi todos os recursos dessa máquina aí, aprendi o básico. Então quando eu comprei essa máquina, foi a grande escala de dvd que eu fiz, porque ela tem um armazenamento grande, e a bateria de 09 horas, já resistia. E assembléia lá por Curionópolis, aprovação da Vale também. Aí eu entrei nos projetos da Vale, que foram aprovados. Tudo eu tenho aí guardado, tudinho. Todas essas memórias eu tenho guardadas. Você pensa, se você era menina aqui, você participou do 07 de Setembro, eu tenho suas imagens bem aqui, estão aqui todinhas, nunca botei nenhuma fora, eu preservo. Agora é um preço, viu Carlinhos, porque de dois em dois anos eu tenho que comprar caixas e caixas de DVD para fazer tudinho de novo, para poder conservar esse arquivo. Esse memorial para mim custa um preço, principalmente quando eu não estou ganhando, como agora. Porque tinha um tempo, naquele tempo eu faturava demais, dava para comprar tudo enquanto fita, bateria. Só uma bateria dessa máquina que eu comprei, foi 600 reais, agora eu não sei quanto é que tá, vou pedir até uma agora. Então tem um custo. Se você não está ganhando nada e sustentar um arquivo desses aí, limpando ele, você tem que renovar ele. Eu já acabei com filmadora de 10 bocas, se acabou, tem bem umas duas. Então você tem um custo. E imagina agora, meus aparelhos? Porque eu não estou tendo renda. Eu estou fazendo tudo isso aí nessa cultura. Mas outro dia que eu fui aprovado e vieram 10 mil para mim, eu nem mexi com ele ainda no banco, mas já estou vendo de comprar um computador, porque o meu computador, faz é tempo que eu não tenho um computador, tá ali. Eu agora estou escrevendo só à mão, porque eu escrevia no computador. Porque as minhas histórias, Carlinhos, elas não são só mostrando imagens, eu mostro, imagem é muito importante, toda história antiga tem imagem. Se eu disser: “Eu carreguei saco”. Eu tenho uma imagem carregando saco ali. Eu não conto uma história, assim, até eu vou dizer: “A história está morta, eu tenho ela viva!”. Então tem muitos que contam, mas se eu contar uma história, eu não aumento ela, eu só conto até onde eu saiba. Porque esse negócio de falar sobre a vida do Genésio, como foi, tem muitos deles que querem contar, mas não está muito certo. [intervenção] Então no começo eu gastei dinheiro até de comer, de saco de arroz que eu vendia para poder botar as minhas coisas em dia, mas depois entrou essa demanda, Mas ela foi, assim, de uns três, quatros anos, que a cooperativa se movimentou e fez aquilo. Quando o garimpeiro vinha de fora, eu já estava sabendo, já tinha até muita encomenda: “Branquinho, filma aqui o projeto”. Conforme o projeto, chegou máquina nova para eu filmar. E eu vendia grandes quantidades. Eu não dava conta de vender dvd e produzir, porque eu tinha que fazer a filmagem e produzir e ainda produzia as cópias para poder vender para eles. Eu tive um bom resultado, muito mais! E eu quero dizer para vocês uma conversa que poucos analisam e não sabem: a história de Serra Pelada, ela já deu mais dinheiro do que todo o ouro que foi vendido aí. Sabe por quanto a BBC de Londres vendeu aquele filme do Jacques Cousteau, daqui da Serra? Sabe quanto o Didi vendeu? Sabe quanto que ele vende? Sabe quanto eu vendi? E muitos que eu vendia em Marabá, que eu passava para eles. A Serra Pelada já deu dinheiro! E ainda hoje eu vendo. Outro dia veio, parece que umas 18 pessoas dos Carajás, e queriam 32 dvds. Eu não vendi, porque eu tinha umas gavetas ali que não estavam boas, precisava comprar. Ainda vendi seis para eles. Eu digo: “Olha, pode reproduzir por lá”. Então eu tenho três dvds aí que eu nunca lancei, é o dvd das pepitas mais famosas, pepitas mais caras do Brasil, tanto ouro, como diamante. Eu tenho um dvd de 2 horas e meia que eu nunca lancei. Eu mostrei para a Lilica, a Lilica disse: “Vixi, Branquinho, que tu tem essa riqueza todinha para mostrar?”. Eu disse: “Tenho!”. Eu passo ele assim, rápido, tudinho. E depois passo detalhado, eu editando ele. Então foi pra mim, o tempo das vacas gordas! Era o tempo em que a cooperativa tinha o que apresentar. Hoje, se eu filmar a cooperativa, ninguém quer comprar um dvd, porque não tem movimentação, acabou tudo! Não tem projeto, não tem nada. Mas eu ganhei dinheiro. E os trabalhos da cooperativa, eu fazia tudo gratuíto. Quando era para a cooperativa, eu ainda fazia tudo gratuíto, porque eu filmava o projeto assinado por ela e tudo. E hoje tem outro dvd que eu ainda não lancei, dos mapas geológicos e o sistema de mineração, e o segredo da mina de Serra Pelada, que eu peguei com os guias de Mina.
P/1 - O senhor falou que o senhor ganhava muito com as vendas de dvds, né? E hoje, o senhor não ganha mais por quê?
R - Deixa só eu voltar no passado um pouquinho. A Colossus, quando deu um tempo, o Lins veio aí, o secretário de segurança e me encheu o saco! Sabe quem trabalha nisso aí, Carlinhos? Tem hora que enche o saco da gente. Eu também brigo às vezes com ele. Aí ele disse: “Você não é quem filmava o projeto?”. Eu disse: “Era!”. Ele disse: “Então você filmava e levava os dvds todos para você? Eu cheguei e não achei nenhuma matéria aqui na Colossus! Como é que você filma e leva tudinho e deixa a empresa sem?”. Mas o homem era abusado demais! Eu disse: “Não, calma aí! Seu Lins, toda filmagem minha, se eu filmo aqui dentro, é porque eu tenho um compromisso com a empresa. Todos os diretores, todos os secretários, todos os engenheiros de minas, todos os geólogos, quando eu fazia as filmagens, eu entregava um para cada um! Agora se eles não botaram no sistema de computador da empresa, porque tem um sistema que a pessoa bota o histórico todinho, não tem?”. Então ele disse: “Eles não botaram”. Eu disse: “Eu dei para todo mundo”. Ele disse: “Pois eu quero que você faça tudinho!”. Eu disse: “Olha, para eu reconstituir tudinho esses dvds, desde o tempo que eu comecei? Mais de quatro anos, seu Lins? Quase cinco anos de pesquisa, de filmagem para eu dar conta de tudo?!”. Ele disse: “Se vira! Eu pago!”. Aí eu acertei com ele, foram 42 mil. Graças a Deus eu tenho essa casa, porque eu comprei os materiais. Aí entrou esse dinheiro para mim, eu comprei. Eu fiz logo um projeto, eu fiz mais do que o valor do dinheiro, fiz logo um projeto de três casas de tábua, aquela ali e essa casa construída e aquela dali. Aí eu fiz, mas o dinheiro acabou e eu tive que ficar ganhando de pouquinho e fazendo aos poucos. Aí eu adoeci, deu uma pontada no coração. E a Colossus, ah sim, ele queria me pagar de parcelas, eu disse: “Não, eu preciso de 10 mil”. Aí ele deu 10 mil de uma vez e o resto ficou parcelado. Tanto que a Colossus ficou me devendo quase 20 mil, porque eu fui para São Paulo me tratar e eles não botaram mais na conta. E aí, eu hoje, não ganho mais, devido às movimentações de projetos, de trabalhos da cooperativa, tudinho, de toda essa movimentação, parou. As igrejas eu filquei filmando, mas para as igrejas eu não cobro. Aí eu fui chamado para trabalhar no Gogó da Onça. Uma empresária e uma fazendeira viram os meus vídeos e mandaram um recado para mim. E eu fui, ganhei quase cinco mil lá, filmando as festas da igreja. E eu tive uma surpresa, filmei uma festa da igreja que eles venderam 1.400 dvds. A igreja ainda fez foi lucrar dinheiro com o meu. Eu disse: “Me dá só 800 reais”. E ganhei 15 dias de hotel, aquele Hotel Camargo, hotel mais famoso, que tem lá no Gogó da Onça. Ainda hoje é mesmo como se fossem os meus parentes, me chamam sempre para ir lá. E aí eu ganhei. Depois fui lá e ganhei mais três mil, porque lá dava dinheiro demais. Porque aqui eu não estava ganhando mais nada. Aí pronto, entrou esse tempo das vacas magras, como é hoje, não teve mais uma cooperativa, parou tudo, parou projeto, parou tudo. E aí eu comecei a tirar dinheiro da própria aposentadoria quando eu quero comprar uma caixa de dvd. Um tempo desses eu comprei uma caixa de dvd, 600 reais, e veio e eu paguei com dinheiro da aposentadoria, tirando e encolhendo para pagar. Aí Mariana entrou, aí ela me deu mais uma condição. Aí hoje eu tenho condição de tocar o meu negócio. Mas eu tive uma crise aí que me deu vontade de abandonar. Ai gente que às vezes diziam: “Larga isso aí tudo!”. Aí veio um cara com um carro aqui uma vez e disse: “Quanto tu quer pelo teu arquivo todinho que tu tem de Serra Pelada?”. Passaram três dias, o cara me adulando e eu não vendi, mesmo precisando, necessitado. E ele perguntou, e não importava o preço, ele queria comprar os arquivos todos, um cara de um carro, até hoje eu não sei qual é a dele, com uma caminhonetona. Me parou ali no padre Miltinho e disse: “Eu quero comprar seu arquivo todinho, se você não usar mais, e eu disse: “Rapaz, não está à venda. Mas eu vou pensar”. No outro dia ele passou, com uns três dias ele me parou bem ali no rumo do táxi e disse: “Quero comprar o arquivo todo” Quero que tu diga quantos mil tu quer. Quanto tu quer?”. Você sabe que eu tenho amor a vocês, a todo mundo e que esse arquivo, eu sou só um e vocês são muitos e esse arquivo é de vocês, essa história é do povo, essa História eu fiquei com ela, investindo sem dinheiro mesmo para passar às futuras gerações. É tanto que, eu fui chamado para dar aula, pouca gente sabe que eu fui dar aula no Tancredo Neves. Uma professora viu essas histórias e disse: “O Tancredo Neves está te chamando para tu dar aula lá”. Eu não lembro o nome dela, uma professora daqui. Eu passei lá até meia noite, eu cheguei lá e dei aula em três turnos. Essa história eles acharam muito… Levei, eles passaram no telão lá, as minhas histórias também, e eu deixei de graça para eles lá, porque para aluno eu não vendo. E aqui eu já recebi a USP de São Paulo. Eu digo: “O que tem de universidade que eu recebi aqui, de curso superior”. De São Paulo, A USP, a Universidade Católica pública. Outro dia eu recebi o chefe de comunicação da Vale, com o diretor geral das universidades de Fortaleza no Ceará, eu recebo tanta gente importante aqui! Então essa história já está nas salas de aula desde o primeiro grau, até os cursos superiores. Nas universidades do Pará, ensino médio, tudo já vieram aqui, o que eu tenho recebido de gente aqui! Agora está parando mais, porque eles já tem produzido lá, essa história já tem muito. Mas a história de Serra Pelada, eu digo para vocês, é arriscado ela ter dado mais dinheiro do que todo o ouro que foi tirado daqui. Um cara me disse, um repórter dos Estados Unidos levou três dvds de mim, ele disse: “Essa história de Serra Pelada, seu Zé, ela é uma história bilionária”. Porque ele está sabendo, porque quantos milhões o Jacques Cousteau não pegou naquela reportagem? Ele trabalhava para a BBC de Londres. E a BBC de Londres? O que mais faturou em Serra Pelada foi aquele filme da BBC de Londres que eu tenho aí. Porque a BBC de Londres é mundial, ela é de Polo a Polo. Então, e o Didi dos Trapalhões, quanto vendeu? E quanto eu vendi? Quantos vendedores já venderam? E agora contando as revistas, as mais famosas revistas, os mais famosos jornais, tudinho isso aqui, tudo, e televisão estrangeira, quanto não vendeu essas imagens? Então Serra Pelada eu já falei, são duas minas, uma de ouro, outra de história.
P/2 - Seu Zé, o que o senhor faz hoje?
R - O que eu faço hoje?
P/2 - Isso.
R - Filmagem ainda, gratuitamente. Quer dizer, no carro da prefeitura eu faço as filmagens das movimentações sociais que tem aqui, eu filmo tudo e mando no whatsapp para eles lá, eu que estou filmando. E quando eu encontro uma filmagem, porque de uns tempos para cá, o que eu quero dizer é que muitas vezes vocês não sabem o que está acontecendo aqui no meu estúdio, chega uma velhinha aqui e diz: “Branquinho, faz a minha história antes de eu morrer”. E eu vou lá na casa deles, sento como eu estou aqui na frente de vocês, eu nem boto fio, nem nada, eu ponho a máquina em uma distância, mando ele falar mais alto um pouquinho e filmo. O paulista, lá da rua do Aracati, disse: “Branquinho, eu quero que você faça a minha história, desde que eu andei por aqui”. Como vocês estão fazendo comigo aqui. “Desde que eu cheguei, o que eu fazia, o que eu peguei de ouro, como eu vivo hoje, na geladeira, o que eu estou fazendo hoje”. Eu fiz a história daquele homem contada mesmo, até os cachos de banana ele contou para mim. Quando foi na semana de entregar, o homem morreu. Aquele Mineiro lá da beira do garimpo, eu também fiz a dele, agora esse levou, tirou muitas cópias, tirei muitas cópias para ele e ele levou. A história dele ali naquele sítio escuro. Ele já foi embora. Até eu andei lá com um sobrinho meu aqui, que é tenente, é da corregedoria da polícia do estado de São Paulo, ele passou uns 15 dias comigo, e eu levei ele. Sabe o que ele pediu? Sabe o que essa gente pede aqui? “Me leva nas casas que tem história, muitas, velhas, desses idosos”. E eu levei ele. Quando ele chegou no Mineiro, ele disse: “Conte sua história”. Ele era tenente da corregedoria da polícia militar, um cara muito sabido. E ele perguntou ao Mineiro, e o Mineiro disse: “Eu estou doente, eu quase não me levanto mais”. Ele veio bem devagarzinho. Ele disse: “Olha, você sabe o que é essa doença? É mais? Vai embora daqui! Você está em um isolamento, e o isolamento adoece mais. Vai lá para fora, vai para uma praça, converse, arrume amigos. Converse, veja uma praça, veja o mundo lá fora!”. Ele deu um conselho ao Mineiro, ali. Ele até já morreu.
P/1 - Seu Zé Branquinho, qual é a coisa mais importante para o senhor hoje?
R - Mais importante?
P/1 - Sim.
R - É que Deus está me dando cada dia, um dia a mais de vida para mim. E o importante é que eu tenho alegria dentro de mim, eu não penso em velhice, não venha me falar em velho, me perguntar a minha idade, que a minha atenção é tocar o barco para frente, sem me preocupar se eu tenho 10 anos ou se eu tenho 60. Porque eu acho que minha energia é suficiente para fazer as minhas funções, e conversar com vocês e saber aquilo que é certo ou errado. Até quando eu erro, eu acho bom as pessoas dizerem que eu errei. É por isso que eu aprendi, viu Carlinhos. “Branquinho, você filmou só as paredes da igreja, não prestou a tua filmagem!”. Eu digo: “É, se for assim, se não prestou, me ensina aí como é!”. Então é isso aí que é bom. E eu sou alegre com o que eu faço, naquilo que eu estou, naquilo que eu sou, naquilo que eu tenho e pronto. E não tenho assim, uma questão de ganância, não. Se você vier aqui em casa: “Eu tenho um aniversário lá, mas eu não tenho com o que pagar”. Nós vamos fazer lá, eu deixo lá no seu computador e pronto.
P/1 - E qual é o seu maior sonho hoje?
R - Rapaz, eu tenho mais sonhos do que quando era jovem. Meu sonho? Tem um que talvez daqui uns 10 dias vocês vão saber, vai acontecer. Eu não vou contar ele. E o meu sonho é cada vez mais aperfeiçoar meus trabalhos, agradar vocês, agradar os turistas, esse é o meu sonho. Se o Carlinhos ficar satisfeito comigo, satisfeito com isso, meu sonho é aquele ali, que você esteja satisfeito comigo. E o meu sonho também é vocês fazerem essa filmagem e com ela me ajudar, que essa filmagem, ela pode ser de divulgação, como já aconteceu. Então o meu sonho é fazer mais, melhor, para mim e para o povo que recebe as minhas filmagens, o meu trabalho.
P/1 - O senhor gostaria de contar alguma coisa a mais, que o senhor não contou durante a entrevista? Algo que queira acrescentar?
R - Não. Tem muito passado que passa assim, sem… como o passado no garimpo, eu sou um sobrevivente do garimpo. Essa passagem do garimpo eu não contei, eu sou… ainda está filmando, tá? Eu sou um sobrevivente do garimpo, eu não contei essa passagem para vocês. Eu desci para fiscalizar o barranco, o meia praça não estava lá, só estava o apoiador e eu desci. Quando eu penso que não, a barreira desabou e veio uma pedra pesando uma tonelada para o meu rumo e eu tratei de subir no barranco e não pude. E aí o canto da “Bucetinha” me salvou, esse cantinho aqui. Eu fui, fiquei em pé bem no cantinho, que não cabia a pedra para ir para lá, mas eu contando eu ela ia me levar. Fiquei ali contando que ela ia me levar no peito, ela ia me levar e eu ia ficar só o bagaço. Essa pedra veio de lá de cima, de uma tonelada, e a poeira cobriu, quando ela veio a poeirona cobriu, fez aquele redemoinho e eu não vi mais nada. Ela bateu no barranco de cima e virou para o barranco de baixo e ainda deu mais uma virada, bateu na minha canela e feriu, quase quebra a minha canela aqui. Porque eu fiquei nesse cantinho, ela não coube para me matar. Então eu fui um sobrevivente. Eu tenho até uma gravação que eu falei sobre isso. “Eu fui um sobrevivente, eu vi uma pedra pesada, descendo de serra abaixo, pesando uma tonelada. Eu não podia correr, eu só não morri… eu vi um estrondo forte, eu não podia correr, eu só não morri porque, a morte perdeu para sorte”.
P/2 - Seu Zé Branquinho, como foi para o senhor contar a sua história para a gente?
R - Olha, eu acho que muitas pessoas aqui, como um repórter que andou aqui e o homem escarrou ele: “Não quero saber do passado! Meu passado não interessa, não quero saber!” Porque tem gente assim, que não deixa não. Mas é muito importante cada um contar a sua história, porque se eu não contar, vocês não me conhecem, nem o meu estúdio ninguém conhece tudo que tem ali, porque são poucos que frequentam. O meu estúdio, o que eu tenho aí, o povo de fora, turistas tudinhos, sabem mais do que quem mora aqui dentro. Sabe porque eles sabem da história? Alguns deles vem pegar dvd aqui. Mas eu gostei demais! Fiquei feliz e com muita honra de receber vocês aqui para eu contar a minha história, porque eu não tenho um passado que eu não possa contar. Então a minha história, para mim, foi uma reportagem que vocês fizeram aqui, muito boa para mim. E assim são muitos que tem, até que eu digo, quem tem vontade também de contar, mas não tem essa oportunidade que eu estou tendo aqui agora, que eu tive agora.
P/1 - A gente quer agradecer ao senhor pela oportunidade e satisfação de ter deixado a gente gravar o senhor. Foi um prazer enorme! Muito obrigada por tudo!
R - Eu que agradeço vocês, porque vocês são dessa reportagem e me honraram com isso daí. Parabéns para vocês!
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