Maria Benedicta do Nascimento

Projeto Memória Petrobras

Realização Museu da Pessoa

Entrevista de Maria Benedicta do Nascimento

Entrevistado por Márcia de Paiva e Elodia Lebourg

Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2004

Código HV_2004/06

Transcrito por Flávia Penna

Revisado por João Marciano Nt

P/1 – Bom dia, Bené.

R – Bom dia!

P/1 – Vamos começar com você dizendo para a gente o seu nome completo, local e data de nascimento.

R - O meu nome é Maria Benedicta do Nascimento. Eu nasci em São Mateus, no Espírito Santo, no dia 27 de dezembro de 1945.

P/1 – Bené, conta para gente o nome dos seus pais e dos seus avós, até onde você se lembrar.

R – Eu não tenho, assim, muita coisa dos avós não. Meu pai é Waldemar; ele já faleceu há muito tempo, faleceu antes de eu completar dois anos. O nome completo que você quer que eu diga?

P/1 – O nome deles, pode ser completo, como você quiser.

R – A minha mãe é Lúcia Viana do Nascimento. É Lúcia, e ela era conhecida como Nenzinha. Ela está viva, graças a Deus! É uma mulher forte! Dos meus avós eu não tenho nomes nem lembranças, a não ser da minha avó paterna, que era a Porcina. A pouco, eu até falei com você que, se você ver a foto dela, é uma índia. Mas eu não tenho...

P/1 – Mas você chegou a conviver com ela?

R – Eu era muito pequena, e logo depois ela faleceu. A minha avó, mãe de minha mãe era uma mãe de criação, Almerinda, que a gente chamava de Vó Tiô.

P/1 – Vó Tiô?

R – É.

P/1 – Tiô, da onde? É bonitinho!

R – Pois é. Não sei. Mas o marido dela, já tinha morrido, o meu avô. Eles eram pais de criação da minha mãe. Então ele já tinha morrido e eu convivi com ela, a Vó Tiô – a minha avó Almerinda, mãe da minha mãe – e a avó, mãe do meu pai, eu não cheguei a conviver muito com ela não. Ela não morava na mesma cidade e faleceu logo.

P/1 – Bené, conta um pouco para a gente da sua infância em São Mateus. Como é que era a cidade, como era a rua da sua casa?

R – Era uma cidade pequena, né? Cidade do interior. Mas uma cidade que foi importante, um município grande. Importante na época do comércio. Mas também importante numa situação desagradável, porque havia um mercado de escravos na chamada cidade baixa, que chama de Porto – hoje é um bairro. É o Porto. Ali havia um comércio de escravos, então a cidade também tinha isso. Mas também tinha o comércio de café, porque a região era muito famosa pelo comércio de café e açúcar também. Eu nasci no dia 27 de dezembro, num dia bonito, festivo.

P/1 – Dia de...?

R – De São Benedito. Por isso que eu me chamo Benedicta. Na hora que nasci... eu vou me emocionar muito aqui.

P/1 – Não tem o menor problema.

R – Vai ser muito difícil! Na hora que eu nasci, meu pai tocava na banda chamada Lira Mateense. Eu nasci em casa, na Rua Doutor Moscoso, que era o endereço nosso. Minha mãe estava nos trabalhos de parto e meu pai esperando que eu nascesse. Mas ele tocava na banda, era um dia de festa e ele teve que sair antes que eu nascesse porque a banda ia tocar na pracinha. Eu nasci numa hora de festa, porque tinha jongo e tinha as manifestações dos negros na porta da Igreja. Naquela época tinha...

P/1 – De São Benedito.

R – De São Benedito. E tinha banda tocando na hora que eu nasci, sete e meia da manhã.

P/1 – De um dia festivo.

R – De um dia festivo.

P/2 – Ele tocava o quê?

R – Ele tocava pistão. E saiu antes de eu chegar. Depois, lamentavelmente, também saiu, porque antes de eu fazer dois anos ele morreu.

P/1 – Conta um pouquinho mais. Você tem irmãos?

R – Tenho dois irmãos. Eu tinha três irmãos, mas a menina, a mais velha, nasceu e faleceu logo. Mas tenho os meus dois irmãos e eu sou a mais nova – eu tenho essa idade toda, mas eu sou a mais nova da família[risos]. Os meus irmãos também nasceram na mesma casa. Nascemos em casa, com parteira, né, e vivemos nessa mesma casa em que nascemos, na Rua Doutor Moscoso, número 80.

P/1 – E vocês brincavam juntos? Como foi a sua infância?

R – A minha infância, no começo, foi uma infância triste, porque meu pai faleceu quando eu tinha menos de dois anos e cresci vendo a minha mãe triste. Ela fez luto durante muitos anos. Mas a criança é triste temporariamente, criança não é triste. Então eu brincava na rua, muitos amigos, os vizinhos, as crianças e eu viviam ali, brincando na rua mesmo.

P/1 – Qual era a brincadeira que você gostava? De quê vocês brincavam, qual era o tipo de brincadeira?

R – Não sei o que a gente brincava. Eu brincava de roda, brincava de pique. Eu brincava muito com o meu irmão também. A minha irmã, até por conta dessa situação, começou a se preocupar com as coisas de trabalho com uma idade muito cedo. Eu brincava muito com o meu irmão, para não ir para rua também. Não que tivesse perigo, como hoje a gente tem, mas mais por questão disciplina mesmo. Eu tinha uma coisa que eu gosto muito de lembrar. Eu sempre gostei das pessoas mais velhas, então eu ia muito ouvir histórias. Por isso que eu falo muito, eu acho [riso]. Eu ia muito ouvir histórias na casa das pessoas mais velhas. Então, nós tínhamos uma vizinha - eles moravam muito próximos da gente – eu chamava de madrinha, era a Berenice – chamava de Bê. Na verdade, no dia do meu batizado, ela me levou no colo, por isso que eu chamava ela de madrinha. E na casa dela eu ia muito porque os pais dela faziam doces, cozinhavam. Eu gostava muito de ir lá e ouvir as histórias dela. Porque, na verdade, a avó dela, que eu conheci, tinha sido escrava, contava histórias maravilhosas!

P/1 – Tem alguma que você se lembre, que você gostava mais?

R – Não, eu não me lembro assim, das histórias, mas eu me lembro dela contando do dia da Abolição. Ela contava que ela era muito criança, mas ela lembra das pessoas correndo pela rua. E tinha uma outra mulher que morava na minha rua e que contava muitas histórias assim, coisas de Minas. Ela falava muito das grutas. Então, a memória que eu tenho disso é de coisas assim, fantásticas, maravilhosas, mas que provavelmente não são verdadeiras. Elas são coisas da minha imaginação. Então, acho que contar essas coisas vai parecer mentira. Porque era uma coisa assim, ela dizia como eram as grutas, como eram as cavernas, e eu ficava criando enquanto ela contava. Então, se eu contar, alguém vai pensar que é mentira [riso].

P/1 – Nossa, que delícia. Isso é tão bom...

R – É, era uma coisa boa. Eu gostava muito de conversar com as pessoas, ouvir as histórias. A minha mãe me colocou – acho que é coisa de mãe do interior – para aprender a bordar. Eu não gosto muito de bordar hoje, não. Eu acho que eu comecei muito cedo.

P/1 – Quantos anos você tinha quando ela te botou para bordar?

R – Eu devia ter oito, nove, dez anos assim, essa idade. Aí eu aprendi a bordar, mas eu bordava direitinho. Fazia crochê, bordava, tudo isso.

P/1 – É difícil, né?

R – É, é difícil, mas eu bordava, fazia direitinho. Acho que é por isso que eu não gosto muito, faço pouca coisa e só faço coisas pequenas.

P/1 – Conta um pouquinho mais. Como era a sua mãe sozinha, com vocês.

R – Sim. Aí meu pai morreu, eu era muito pequena e – claro – nós tínhamos que sobreviver. Ela costurava, então ela passou a costurar para fora, né, era costureira. Costurava bem, costurava muito bem. Costurava para todas as pessoas da cidade. Ela costurava bem, fazia até vestido de noiva [risos].

P/1 – Que beleza!

R – É. Ela costurava direitinho. E aí ela achava importante a gente ir para a escola. Ela considerava que o que ela podia deixar para a gente era o que podia ser ensinado à gente. Porque ela não tinha recursos, não achava que teria, que poderia ter sendo costureira. Então, o que ela poderia deixar pra gente seria a formação que ela daria, a formação moral, o que ela pudesse ensinar, passar de ensinamento para a gente.

P/1 – Vocês tiveram alguma educação religiosa? Ela passava um pouco disso?

R – Na cidade do interior, a gente sempre tem a pracinha, a Igreja, né? E eu morava pertinho da Igreja de São Benedito. Eu ia, inclusive, estudar de manhã cedo. Eu estudava de manhã e, antes de ir para prova, ia fazer as últimas leituras no banco da praça.

P/1 – De frente para a Igreja?

R – É, mas era só porque tinha o banco da praça, não tinha a ver com a Igreja, não. Eu ia fazer as últimas leituras lá. De repente até tinha, né, buscar a última inspiração [risos]. E para ver se registrava o que caia na prova. Porque eu tenho uma irmã, que eu acho ela muito inteligente. A minha irmã é uma pessoa assim que, fazia a leitura e aprendia. Então, eu acho que eu queria seguir os passos dela e fazia as últimas leituras antes da prova lá. Perdi...

P/1 – Você estava contando da educação religiosa, da inspiração.

R – Ah, sim. Então, nós somos católicos, sempre fomos católicos porque minha mãe frequentava muito. Até porque numa cidade pequena, viúva, ela tinha que se segurar na Igreja, né? Nos santos, se pendurar na aba dos santos para poder criar a gente. Ela, realmente, tinha muita devoção. Tem ainda, até hoje. Ela é uma pessoa de muita fé, de muita força. Eu acho que eu sou uma pessoa de muita fé, de muita força por causa da minha mãe.

P/1 – E sua irmã mais velha, qual é a diferença de idade? Essa que você queira ser igual a ela.

R – Eu não sei se eu queria ser igual a ela, mas eu achava a minha irmã uma pessoa muito importante.

P/1 – Era meio um modelo? Você falou que queria ser igual a ela, mas como: de estudiosa?

R – Eu não sei admirava muito a minha irmã. A minha irmã não era estudiosa. Minha irmã era inteligente. Você me fez essa pergunta agora, eu não sei se eu queria ser igual a ela. Admirava, sim. Sempre admirei a minha irmã. Admiro ainda hoje. Meu irmão também, mas muito mais a minha irmã.

P/1 – Qual é a diferença de idade?

R – A minha irmã nasceu em 1940.

P/1 – Cinco anos?

R – É. A minha irmã nasceu em 1940. Engraçado, eu sempre pensei que fosse mais. Olha que coisa interessante [risos]!

P/1 – Quando a gente é menor, sempre parece mais também.

R – Nunca pensei isso, nunca pensei na diferença de idade.

P/2 – Qual o nome dela?

R – Maria Zuléia.

P/2 – E do seu irmão?

R – Adilson.

P/1 – Conta um pouco da escola. Você estava falando da parte da sua mãe que fez questão que vocês estudassem.... Conta um pouco da escola lá de São Mateus.

R – Acho que todo lugar do interior tem um grupo escolar, né? Nós estudamos lá, nesse grupo escolar. Naquela época, estudava até a quinta série para depois passar para o ginásio. Fazia o exame de admissão e passava para o ginásio. Grupo Escolar Amâncio Pereira que chamava.

P/1 – Você gostava? Você era uma aluna irrequieta?

R – Eu gostava. Eu sempre fui quieta. Eu não era inquieta, não. Eu sempre fui serena. Estudava direitinho, tirava boas notas até. Tirava boas notas! Eu estou me lembrando agora, eu fui boa aluna! Eu até ganhei umas medalhas lá. Na época tinha umas medalhas lá e eu ganhei. Eu me lembro que eu fiz o primário, passei para o ginásio e depois a formação de professora e fiz o curso de contabilidade. Aí, eu tirei até uma nota boa lá, passei nas classificadas, até ganhei uma medalha. Já estava até morando aqui e minha mãe, orgulhosamente, viu receber as medalhas - olha que coisa bonita! – E depois mandou para cá.

P/1 – E ela toda contente, né?

R - Com certeza.

P/1 – Qual outra lembrança que você tem dessa época da escola?

R – Da época de escola, dessa época do primário?

P/1 – É.

P/2 – Professora, algum colega, alguma vivência na escola, algum coisa ruim...

R – Ruim era a diretora [risos].... Se ela souber que eu estou falando dela agora, nossa mãe! Edith era o nome dela. Mas ela era difícil...

P/1 – Era durona?

R – Bastante! Mas todo mundo tem uma lembrança dela. No fundo a gente achava ela ruim, mas todo mundo tem uma lembrança boa. Eu me lembro quando a gente cantava o Hino; formava todo mundo para cantar o Hino. E toda escola tem sempre aquele degrau, aquela coisa da entrada da escola. E a Dona Edith ficava lá em cima. Uma “figuraça” muito séria! E todo aluno temia essa figura. Ficava a Dona Edith olhando lá os uniformes para ver se estavam corretos, a costura, se estava passadinho e vendo se todo mundo estava cantando o Hino, porque a gente tinha que cantar. Eu nunca fui para a secretaria, não. E, com a Dona Edith, todo mundo fazia um esforço danado para não ir [risos].

P/1 – Se comportava de medo...

R – Para não ir com a Dona Edith. Mas era uma boa pessoa. Não faz muito tempo, eu fui lá e ela estava, e me perguntou como eu estava. É uma boa pessoa.

P/1 – Então, você estudou muito tempo nesse grupo! Fez primário e ginásio.

R – É porque na escola, na verdade, acabava sendo única. Agora não é mais, é só o primário, o ginásio em frente.... Agora está diferente, tem faculdade, tem tudo lá. Faz muito tempo que eu não vou lá, nem sei onde é a faculdade. Há muito tempo que eu não vou lá. Mas me lembro sim. Você me perguntou sobre os colegas, não é? Me lembro porque eu tinha uma colega que chamava Rita de Cássia. A gente fez o Jardim de Infância juntas, depois estudamos e depois ela foi estudar na capital e eu fiquei lá. Mas ela é uma lembrança. Tinha uma outra também chamada Maria Antônia. Também estudamos juntas na mesma escola; não era da mesma sala porque ela tinha um ano a menos que eu. Na época a gente seguia, né? Entrava na escola com sete anos, depois ia seguindo direitinho e a gente passava porque, naquela época, as professoras eram boas e a gente passava mesmo, e todo mundo aprendia realmente. É uma lembrança boa a Maria Antônia. Depois que eu já estava morando aqui no Rio, soube notícias dela, ela tinha tido trigêmeos – olha que coisa! Aí, muito tempo depois, eu fui lá conhecer os trigêmeos. Também tinha uma amiga chamada Divanilda. Ela foi para um lado, eu fui para outro. Depois eu não a vi mais. Ela casou, teve filhos e nunca mais a vi. Perdi o contato com ela, embora ela morasse em Vitória, mas eu não tinha endereço e tal. Depois de muito tempo, eu morando aqui no Rio já, eu acho que eu já estava aposentada – olha que coisa interessante, eu fui a Vitória fazer um trabalho pela Petrobras e até tinha localizado o endereço dela. Ela encontrou a minha mãe casualmente e pediu o telefone. E eu fui visitá-la. Nesse dia, só tinha uma filha dela em casa – o marido dela eu o conhecia de antes, da época que a gente era menina, era pessoa de lá da mesma cidade – que tinha ficado em casa para me conhecer, porque eles nunca me viram - aliás, eu nem vi essa amiga grávida nem nada – e a mãe dela sempre disse para ela que a melhor amiga dela era eu.

P/1 – Bonitinha.

R - Ela conhecia tanta gente, e a melhor amiga era eu. Ela queria saber como é que uma pessoa, que ela nunca conheceu, nunca visitou a família, jamais telefonou para lá, nunca falou com ela e a mãe dizia que era a melhor amiga que ela teve. Isso é uma coisa legal, né?

P/1 – É.

R – Não vi muito essa amiga depois disso. Mas eu acho que eu sou uma pessoa privilegiada pela vida. A vida é muito generosa comigo. Eu tenho amigos assim. Eu não vejo esses amigos, eu não telefono para eles. Mas quando falo com alguém, eles dizem que eu sou amiga deles.

P/1 – Amigo que não faz cobranças, né?

R – Agora mesmo, tivemos um aniversário de um amigo. Ele fez 60 anos. Eles fizeram questão de algumas presenças. Muitas pessoas estavam lá. Uma dessas presenças eles queriam que fosse eu. E, por alguma razão, eu não fui. Dois ou três dias depois, eu precisei falar com ele. Liguei e falei com o primo dele, que também é uma pessoa muito querida. E esse primo falou isso: “mas como você não foi? Só faltou você”! Eu acho que é bom isso, ouvir isso dos amigos, embora eu não esteja correspondendo tanto.

P/1 – Bené, conta um pouco da sua juventude, como era o tipo de diversão de vocês, a paquera.... Como era?

R – Eu não tenho uma história muito criativa não, viu [risos]?

P/1 – Não precisa ser criativa, só histórias!

R – Eu nasci nessa cidade e cresci lá. Então, essas pessoas que eu falei, a Maria Antonia, a Divanilda eram as pessoas mais próximas. Tinha uma outra também, chamada Sila, que também era próxima. Nós éramos amigas e andávamos sempre juntas. E não tinha muita.... Em cidade do interior a gente não tem muita diversão. Tinha, às vezes, alguns bailes. Eu não ia muito porque a minha mãe segurava muito a gente, era o receio.... Eu nem sei do que ela tinha tanto medo. Porque em cidade do interior todo mundo conhece todo mundo. Ela queria que a gente ficasse muito perto dela. Minha mãe também foi, de certa forma, uma pessoa muito castradora porque ela queria a gente muito perto dela com receio não sei de que. Mas sempre tem o estigma também; lugar de interior e naquela época, a gente não tinha pai. Então, talvez ela tivesse receio de que as pessoas desrespeitassem a gente por isso. Não tinha razão de ser, porque ela era uma pessoa bastante respeitada, uma pessoa forte, como eu disse. Acho que era uma coisa de querer nos criar bem. Então, a gente ficava muito presa. Quer dizer, não que ficasse presa, porque a gente saía; eu, minha irmã e meu irmão também. A minha irmã saiu cedo, foi trabalhar em outra cidade; o meu irmão veio para o Rio aos 18 anos e eu também saí de lá aos 18 anos. Então, essa coisa de prender é relativa. Os namoros foram poucos.

P/1 – Quando você saiu, seus irmãos já tinham saído também?

R – Já tinham saído. Minha irmã morava numa outra cidade porque ela foi ser professora e diretora no interior, porque no interior é assim que acontece, as pessoas vão até para fazer a sua atividade profissional em outra cidade, porque ganham pontos, acabam se promovendo como professora e minha irmã foi ser diretora em outra escola. Meu irmão veio para o Rio de Janeiro por conta de oportunidade de trabalho. Eu fiquei lá e, com 18 anos, também fui para Vitória por oportunidade de trabalho, mas não consegui. Fui fazer o vestibular e não passei em seguida, porque é difícil passar. Sai de lá e fui fazer o vestibular, não passei, mas aí, eu precisava de emprego e fui trabalhar como professora primária em Colatina, numa excelente escola por sinal. Era uma escola de aplicação e chamava Centro Educacional de Educação de Base. Era uma escola de aplicação, então os professores faziam o curso e eram aplicados. Eram métodos novos, métodos do Paulo Freire. Imagina, lá na escola, eu aplicava o método do Paulo Freire! Naquela época era meio complicado. Já tinha passado o 1964, naturalmente, e a escola fechou logo em seguida. Era 1965, e o método era do Paulo Freire. Fui ser professora primária lá. Eu tinha 18 anos, não conhecia o método. Fui aprender lá. As professoras faziam o curso e eu era a professora da escolinha. Eu alfabetizava crianças de seis, sete anos. Era uma escola rural e tinha outra professora que fazia a outra escola. Lá eu arranjei um namorado e quase casei, mas depois vim me embora para o Rio. Eu estava falando de trabalho, né?

P/1 – Você estava falando da escola. Você estava dando aula lá em Colatina até vir para o Rio.

R – É, depois vim para o Rio de lá.

P/1 – Por que você quis vir para o Rio, por que você quis sair lá de Colatina?

R – Eu até estava pensando em ficar em Colatina, mas é que, no final, eu não gostei muito de uma diretora que estava lá. Era uma pessoa que era muito ríspida e não me agradou muito. Aí, entre ela e tentar outra coisa, eu preferi tentar outra coisa.

P/1 – E por que o Rio?

R – Porque meu irmão já estava aqui. Então, houve uma situação muito interessante, muito marcante na minha vida pelo menos. Minha mãe morava em São Mateus, eu morava em Colatina, minha irmã morava em Vitória – fazia faculdade em Vitória, nessa época – e meu irmão morava no Rio de Janeiro. Essa família que minha mãe quis tanto segurar ao redor dela! Nós nos encontramos um dia, em Vitória, para pensar da vida, né?

P/1 – A família toda?

R – Nós quatro. Nós sempre achamos que a nossa família éramos nós quatro. Viemos cada um de seu lugar e nos encontramos em Vitória. Eu me lembro perfeitamente disso. Nos encontramos – claro, estávamos na casa de minha tia – mas paramos num ponto exato para falar disso, que morávamos em lugares separados e tínhamos que nos juntar de novo. Então eu vim para o Rio, porque meu irmão estava aqui. Por ser no Rio de Janeiro, provavelmente as oportunidades de vida seriam melhores. Hoje eu até nem sei se seriam, se eu penso assim, mas, naquela época, foi o que pensamos. Aí eu vim para cá, em 1966. Eu cheguei no Rio de Janeiro no dia seis de janeiro de 1966. É dia de Reis, que na minha cidade é muito festejado também. Decidimos que viríamos para cá. Eu vim, a minha irmã ficou em Vitória, a minha mãe veio depois, não me lembro a data, acho que em abril, no dia de São Jorge.

P/1 – Você e os dias de santos!

R – É. E a minha irmã veio depois. Ela estava fazendo a faculdade e ela veio para cá. Eu não me lembro o dia, mas deve ser um dia importante também [risos]. A minha irmã, quando ela era muito menina, muito jovem, vendo uma revista, lá em São Mateus ainda, viu uma propaganda ou sei lá o que sobre a PUC [Pontifícia Universidade Católica]. Falava sobre assistente social. Ela disse lá, ainda sem ter terminado os estudos, que ela queria fazer Serviço Social na PUC. E a minha mãe, imagina: “nem pensar”! Então foi para Vitória, foi para cidade do interior e depois ela veio para o Rio de Janeiro. Estava fazendo a faculdade em Vitória e veio para cá.

P/1 – Mas ela veio depois de você?

R – Depois de mim. Quando chegou aqui no Rio, ela foi fazer Serviço Social na PUC com uma bolsa de estudos que ela ganhou de uma pessoa amiga do meu tio, irmão da minha mãe, uma bolsa de estudos da Bélgica. Então ela foi fazer Serviço Social na PUC.

P/1 – Bacana! Decidida, ela!

R – É, e as coisas são boas, né? Eu acho que a gente tem essas coisas boas. Com muita dificuldade que a minha mãe teve na vida, porque é difícil criar crianças numa cidade do interior costurando e depois fazer essas crianças crescerem acreditando na vida.

P/1 – Bené, e você? Chegou aqui no Rio, para onde você foi? O que você foi fazer?

R – Meu irmão trabalhava na Cooperativa do Banco do Brasil. Então, quando eu decidi vir, foi porque ele poderia me colocar para trabalhar lá, porque eu não podia ficar sem trabalhar. Então eu trabalhei lá na cooperativa.

P/1 – Como é que funcionava essa cooperativa? Era ligada a quê?

R – Ao Banco do Brasil

P/1 – Não, mas assim... o trabalho mesmo.

R – Ah, sim. Na cooperativa tinha tudo. Eu fui trabalhar no Departamento pessoal de lá. Na cooperativa tinha tudo, tinha comércio, tinha loja de roupas, tecidos, tinha comércio de varejo, mercado, supermercado, tinha o escritório de contabilidade. Era ali na Praça da Bandeira. e tinha o departamento pessoal, que foi para onde eu fui trabalhar. Trabalhei um ano lá.

P/1 – Seu irmão já trabalhava lá.

R – Meu irmão trabalhava lá, depois eu saí para trabalhar na Petrobras. Foi uma experiência muito boa. Eu conheci pessoas maravilhosas lá. Saí porque fui trabalhar na Petrobras, que seria melhor do que lá.

P/1 - Como apareceu a Petrobras? Você estava lá trabalhando... como foi o seu ingresso?

R – Na época, tinha um concurso para auxiliar de escritório na Petrobras. Eu fiz o concurso, passei e continuei trabalhando lá e saí. Em abril, eu fui trabalhar na Petrobras. Eu comecei a trabalhar lá em janeiro e sai só por causa a Petrobras mesmo, porque eu gostava de lá. Eu ganharia mais na Petrobras e seria melhor. Lá eu trabalhava no departamento pessoal; fiquei um ano lá e não melhoraria mais do que aquilo, eu não ganharia mais e nem ficaria num cargo melhor do que o que estava porque não tinha o que fazer. Era uma coisa pequena em termos de projeções. Aí eu fiz o concurso da Petrobras.

P/1 – Foi em que ano a sua entrada?

R – Eu vim para a Petrobras em 1968. Eu trabalhei, na verdade, um ano e pouco na cooperativa. Eu falei um ano, mas foi um pouco mais.

P/1 – Entrando na Petrobras, você foi para que setor?

R – Eu fui trabalhar na Fronape [Frota Nacional Petroleiros]. Aí, eu tive uma enorme decepção com a Petrobras. Coisa interessante, né?

P/1 – Por quê?

R - Por que eu fui trabalhar na Fronape e eu fui ser datilógrafa. Eu achei que era pouco ser datilógrafa. Aí, falei: “que coisa impressionante! Eu saí de um lugar em que eu era encarregada de um setor, ganhava bem menos que na Petrobras, mas era uma outra coisa, falava com as pessoas... e aí eu ia ser datilógrafa”! Aí eu não gostei.

P/1 – E você ganhava bem? Proporcionalmente era melhor do que a cooperativa, mas era melhor?

R – Era melhor. Era bem melhor, muito melhor.

P/1 – E já dava essa ideia de Petrobras, como segurança; essa ideia que se tem hoje, de ser um local seguro de trabalho? Tinha essa ideia?

R – Eu não sei bem se eu pensava isso, não. Eu me lembro muito bem que, na época que eu estava na cooperativa, tinha uma pessoa que me dizia muito que eu deveria fazer um concurso para o Banco Central [risos]. Ela me dizia que segurança era no Banco Central. Eu não me lembro, assim.... Eu iria ganhar mais e isso era muito bom, porque a gente ganhava muito pouco.

P/1 – O que você pensava da Petrobras?

R – Como segurança?

P/1 – Não, em qualquer sentido. O que você pensava da Petrobras?

R – Eu fui fazer esse concurso, pensando em ganhar mais mesmo. Não foi pensando: “a Petrobras é linda, maravilhosa”, não. Eu acho isso da Petrobras hoje.

P/1 – Mas você tinha alguma noção do que era a Petrobras?

R – Tinha, tinha. O que é a Petrobras, o que ela fazia?

P/1 – Não, para você, o que era a Petrobras naquela hora: era um emprego para ganhar mais?

R – Não, era um emprego seguro, por ter feito concurso você sabe que é seguro, o que a Petrobras fazia eu sabia. Nesse aspecto, sim. Não era uma ingenuidade, só para ganhar mais. Mas, sem dúvida, foi para ganhar mais mesmo. E a menina disse do Banco Central e eu optei pela Petrobras.

P/1 – Então, vamos para frente. Você estava ganhando mais, mas com trabalho de datilógrafa. O quê você fez?

R – É, eu fiquei decepcionada com isso. E aí – eu me lembro perfeitamente – uma dessas pessoas que eu falei que fez aniversário, trabalhava lá nesse setor também. Aí, acho que eu fiquei parando para pensar na vida. Então, levava livros para ler, porque o meu trabalho era absolutamente ser datilógrafa. Tinha tarefa, você tinha lá o que datilografar, pegava, datilografava. Eu falei: “não tem o que fazer aqui”, então eu lia muito. Eu lia o dia inteiro. Porque tinha tarefa, eu fazia, acabava minha tarefa e eu lia. Ficava lá na máquina mesmo, lia e tal. Mas era muito engraçado isso! Um dia, eu fui fazer o curso de vestibular, o pré-vestibular. Aí, também foi uma coisa muito interessante na minha vida. Eu conhecia pouco as coisas aqui do Rio de Janeiro e queria fazer um cursinho. Eu não tinha dinheiro para pagar e eu fui procurar uma bolsa. Aí, eu não sabia que tinha que chegar tão cedo para conseguir a bolsa, eu cheguei no horário. Na época, os melhores cursos de pré-vestibular que tinham aqui eram o AS e um outro que - eu esqueci agora o nome – que formava o pessoal que queria fazer engenharia.

P/1 – Miguel Couto?

R – Não. Esqueci agora. Ele fazia a formação do pessoal que queria fazer engenharia e o AS era o pessoal que queria fazer economia. Eu queria fazer no AS. Cheguei lá, as vagas do AS já tinham sido preenchidas. Tinha vagas de vários outros cursinhos, mas cursinhos que eu nem sabia o nome, cursinhos pequenos não me interessavam – eu faço sempre isso – não me interessavam e não peguei nenhuma outra bolsa. Era o Ministério que oferecia. Eram as bolsas que o Ministério oferecia. Diferente de hoje isso, né? E cheguei lá não tinha bolsa, cheguei tarde. Aí eu fui para o AS, porque eu queria falar com alguém do AS. Uma pessoa veio me atender e eu falei para ela isso: “olha, eu não posso pagar, mas eu queria estudar aqui, fazer o pré-vestibular aqui. E eu vim aqui pedir uma bolsa”. Então ela me disse: “mas as bolsas já foram concedidas, lá onde você disse que foi”. Eles davam cinco bolsas, era uma coisa assim. “Nós não damos bolsa aqui. As bolsas são oferecidas lá”. Eu falei: “pois é, mas eu vim aqui para ver se vocês me arrumam uma bolsa mesmo assim, porque eu não posso pagar, mas eu queria fazer o curso aqui”. Ela falou: “mas por que aqui”? Eu falei: “porque eu ouvi dizer que aqui é o melhor”. Ela falou: “quanto você pode pagar”? Eu falei para ela o máximo que eu podia pagar que era, realmente, quase nada. Quase nada mesmo. Ela olhou para mim e falou: “você só pode pagar isso”? Falei: “só”. Ela falou assim: “então, você vai estudar pagando isso”. Eles eram extraordinários! Eu encontro muita coisa boa na vida! Eu estudava pagando aquele mínimo e eles assim, numa generosidade impressionante. Eles me davam todo o material, apostilas e tudo. Me davam assim, de uma maneira bastante generosa. Porque a gente ia comprar as apostilas lá onde tinha a xerox. Tinha um balcão, e todo mundo pagava as apostilas e depois recebia. Eles me entregavam a minha apostila como se eu já estivesse pago, não me constrangiam, não me faziam nada. Ia lá e pegava as minhas apostilas.

P/1 – Bacana.

R – Aí, eu estudei lá. Fiz a faculdade, mas só não honrei muito não ...

P/1 – Mas você passou para que? Você não contou para onde você entrou.

R – Eu entrei para a Candido Mendes.

P/1 – Para faculdade de quê?

R – De Economia. Não honrei muito, tinha que ter passado para faculdade não paga. Aí, eu pagava a faculdade, que foi muito difícil e tal. Mas aí eu pagava porque já trabalhava. Trabalha mesmo antes, mas eu já trabalhava na Petrobras.

P/2 – Porque você optou por fazer a faculdade de economia?

R – Eu gostava muito de matemática. Olha que coisa! E hoje eu lido com as coisas do social, né? Eu gostava muito de matemática. Até mesmo no cursinho, eu tinha uma facilidade grande com as coisas da matemática. Eu lia muito e achei que economia era uma coisa boa. Eu gostava das coisas da economia, das coisas do país. Muito antes, eu pensava em sociologia. Depois, achei que sociologia não ia me dar futuro, não. Aí eu pensei que economia desse também. Mas foi porque eu gostava mesmo. E, depois, eu nunca atuei como economista. Eu sempre trabalhei com coisas voltadas para o social.

P/1 – Mas a sua formação, de alguma forma, você chegou a pensar: isso me serviu?

R – Tudo o que a gente faz serve, né? Sem dúvida, pelas pessoas que eu conheci, pelos cursos que fiz, pelas matérias que estudei, pelo entendimento que eu tive, eu fazia economia, eu conheci as coisas do país e as pessoas mesmo, sem dúvida nenhuma.

P/1 – Até para esse trabalho ligado ao social.

R – Para a minha formação mesmo. E ligado ao social mesmo, porque depois a gente analisava os projetos. A Petrobras trabalha com muito patrocínio, então, você analisa projetos. Eu trabalhava no setor onde se recebia os projetos – naquela época, agora é diferente – olhava os projetos, analisava os projetos de patrocínio, acompanhava os projetos. Então, a minha formação me serviu para isso. Senão, talvez eu não tivesse condições de ver o que era melhor para a Petrobras. Nessa época de trabalhar na Petrobras com essa questão dos projetos, a gente não só analisava os projetos como ia nos locais e conversava com as pessoas, com os prefeitos, com as áreas que desenvolviam os projetos. Você tem que ter uma boa formação, senão você não consegue avaliar o que é bom para a empresa. A gente está ali, na verdade, não é o fato de você não estar exercendo aquela profissão dentro da Petrobras, mas, na verdade, você exerce ela. Foi muito útil.

P/1 – Bené, voltando para a Petrobras. Você entrou na Fronape, continuou lá? Como foi a sua trajetória?

R – Talvez, até por conta dessa formação, é que também na Petrobras eu exerci algumas funções; depois na Fronape, que nunca eram aquelas funções que estavam denominadas lá, que era da área administrativa, assistente administrativa. Sempre tinha alguma coisa a mais do trabalho que eu fazia.

P/1 – Conta um pouco mais dessa trajetória.

R – Eu fui fazer esse cursinho – eu comecei falando do cursinho e parei para contar outra história – e lá eu conheci uma amiga, grande amiga até hoje, que fazia o mesmo curso de pré-vestibular. Uma hora lá, eu escrevendo com uma canetinha da Petrobras, ela perguntou: “ué, você trabalha na Petrobras? Eu também trabalho”. Ela perguntou onde eu trabalhava e eu disse onde eu trabalhava e que eu não gostava. Ela trabalhava na comunicação, que chamava Serviço de Comunicação. Passado algum tempo, ela disse: “aquilo que você falou, que você não gostava de onde você trabalha e que você queria sair de lá, é verdade”? Eu falei: “é, eu quero”. Ela: “tem uma vaga lá. Você quer ir”? Eu falei “quero.” Aí, eu fui. Mas foi difícil a minha saída da Fronape. A Fronape, naquela época, não liberava as pessoas. E essa menina tinha uma amiga – Telma, o nome dela – que trabalhava no gabinete do presidente da Petrobras e ela pediu ao chefe de gabinete, porque não me liberaram na Fronape. Olha que coisa! Eu não gostava, queria sair e não me liberavam. Então, ela pediu ao chefe de gabinete que fizesse um bilhete para o superintendente da Fronape para me liberar. Eu era uma datilógrafa, não era com esse cargo de datilógrafa, mas era uma datilógrafa!

P/1 – Movimentando...

R – E o chefe do gabinete do presidente da Petrobras fez um bilhete para o superintendente pedindo para me liberar. Um dia, eu estava lá sentada e chegou o superintendente. Eles eram militares. Naquela época tinha uns militares dentro da Petrobras. Aí, ele chega, pergunta o meu nome. Entra na sala – comandante Bruno, que chamava – e todo mundo ficava calado, “sou eu”. Eu nem sabia que ela teria conseguido assim, a minha transferência, ela não me disse. “Pode deixar que eu resolvo a sua transferência”. Eu não conhecia ninguém, né? Conhecia só aquele quadradinho meu ali. E, de repente, o meu chefe, do setor que eu trabalhava na Fronape, me chama e pergunta: “você trabalha aqui há quanto tempo e tal. Eu tomei conhecimento que você quer sair”. Eu fiquei assim: “como é que ele sabe, né”? Ele falou: “por que é que você quer sair”? Eu olhei para ele: “porque eu não gosto daqui”. Ele olhou: “você não gosta? Mas você nunca falou”! “Mas eu não gosto”; Chamava Hugo ele. Aí eles me liberaram. Fizeram uma reformulação e me liberaram. Eu fui trabalhar no setor administrativo da comunicação. Passou muito tempo e tal. Lá também o chefe era um general, era o general Barros Nunes. Mas isso a muito tempo, da época dos generais.

P/1 – Só para interromper um pouquinho. Como é que foi essa época dos generais? Você sentiu alguma coisa? O que você lembra também desse período de ditadura, dos generais? Tinha alguma coisa marcante?

R – Coisa marcante que eu acho é que os generais mandavam [risos]. Os generais mandavam. Mas a gente tinha lá dois generais que eles eram, em relação aos empregados.... O general D`Ávila - que eu gostava muito, muito, muito, acho que todos gostavam do general D´Ávila - e o general Barros Nunes, que era o gerente – hoje chama gerente, mas na época era superintendente - era mais fechado, algumas pessoas privavam da intimidade dele ali, não era o meu caso; mas do general D´Ávila eu gostava muito. Era uma coisa mais dura como os generais mesmo, né? Mais fechada mesmo. Mas ali era um bom lugar para trabalhar. As pessoas que trabalhavam nessa época, da comunicação, eram pessoas muito criativas, sabe? Era um lugar extremamente agradável de trabalhar. Tanto que eu gostava e fiquei lá o tempo todo. Depois, nessa época, eu fui chefe do setor administrativo. Eu fui substituta da chefe do setor administrativo, depois eu fui chefe do setor administrativo, ainda na época dos generais. Depois o general D´Ávila faleceu, que foi muito triste para todos nós. Era uma pessoa que todos gostavam. E, na época que mudou, saiu o general, entrou o Shigeaki Ueki. Foi uma coisa interessante. Eu vi algumas situações ali que aí a gente vê como os generais mandavam mesmo [risos]. Pude presenciar algumas coisas na entrada do Shigeaki.

P/1 – Por exemplo? Você fez uma cara! Conta alguma coisa.

R – Lembro de uma situação assim, de não ter sido agradável, para alguns dos generais, a entrada do Shigeaki - que coisa interessante, eu falando isso aqui, hein? Imagina, eu colocando isso! – E ele mostrando desagrado dele num telefonema. Claro que eu não estava dentro da sala, mas ele falava numa altura suficiente para eu, que estava entrando na ante-sala, ter ouvido algumas palavras.

P/1 – Mas esse telefonema era para o próprio...

R – General...era o Golbery.

P/1 –É mesmo?

R – Para a gente ver como é que era, como os generais mandavam. Isso eu acho que ninguém sabe, né?

P/1 – Ele reclamou da entrada do Shigeaki?

R – Não, eu não ouvi o telefonema, mas a gente ouviu como aquilo era um desagrado. Era um desagrado e só podia ser pela entrada, né? Então, a gente via como eles eram.

P/1 – Direto para o Golbery, né?

R – Exatamente. Como mandavam! Mas a gente sabia, os generais mandavam mesmo. Mas foi uma época também interessante depois. As pessoas saíram, entraram outras. Entrou uma pessoa muito interessante, na época, dessa área de comunicação, que foi o Rabaça. As pessoas todas tinham saído e eu fiquei. É interessante, porque as pessoas eram assistentes e secretárias dos generais. E eles saíram e todos saíram. Aí o Rabaça chegou e não tinha ninguém ali na ante-sala. Eu fiquei ali. Nessa época eu era chefe do Setor Administrativo. Eu fui me sentar ali. As pessoas já tinham saído, eu fiquei ali. Ele nem sabia, nem me conhecia. Foi uma época também muito desagradável, quando ele chegou. Muita gente saiu dali. Não foram demitidos, mas parece que a ordem era enxugar um pouco o setor e algumas pessoas saíram dali. Foi uma coisa bastante desagradável. E eu fiquei ali, atendendo os telefones e o setor lá, eu fazendo os trabalhos. Eu falei: “meu Deus do céu, alguém tem que vir para cá, para ser secretária dele, alguma coisa”. Um dia – foi uma situação bastante chata – eles me pediram para datilografar uma relação de pessoas que íam sair. Não sair demitidas, mas sair daquela área de trabalho.

P/1 – Transferidas.

R – Mas a gente estava muito acostumada ali. As pessoas trabalhavam ali anos e anos, a vida inteira. Saía porque queria, porque era um lugar muito bom de trabalhar, nessa época que a gente trabalhava lá. As pessoas saíram e eu fiquei ali, vi os nomes e falei: “meu Deus do céu, como é que esses nomes vão ser transferidos”? Eu fui lá perguntar: “desculpe eu vir aqui, mas por que essas pessoas estão na lista”? Aí, eles deram uma explicação lá e tal. Eu fiquei ali, ele me botou como assistente dele. Mas era um assistente administrativo, mais para as coisas administrativas lá, dos documentos e aquela coisa toda. Eu fiquei lá como assistente dele um ano, depois ele fez o pessoal dele e eu voltei para um dos setores. A partir daí é que eu comecei a estar mais atenta a essas coisas voltadas para as questões sociais.

[Fim do CD 1/3 HV 2004/06]

P/1 – Vamos retomar, Benedicta. Você estava falando da parte dos projetos sociais. Como é que vocês começaram a ser dar conta dessa necessidade de ter um trabalho mais social? Como você foi encaminhando?

R – Na verdade, não eu diretamente, né? A gerência, os chefes. A Petrobras sempre patrocinou alguma coisa. A Petrobras sempre foi muito preocupada com essa questão social.

P/1 – Patrocinava o que nessa época? O que tinha de patrocínio ligado à área social?

R - A Petrobras patrocinava um projeto, que eu não me lembro agora quando ele começou, mas ele é muito antigo, que ainda faz hoje ainda, de hortas, de hortas nas escolas. Tinha um projeto de hortas nas escolas. O que acontecia era o seguinte: a Petrobras patrocinava projetos de fora. Então, tinha um grupo de professores que desenvolveram o projeto de hortas nas escolas, tinha um projeto, como é que a chama quando você vai escolher a sua profissão?

P/1 – Profissionalizante?

R – Não profissionalizante. Quando você vai fazer a escolha da sua profissão. Então, eles iam nas escolas dar algumas informações sobre grande parte das profissões existentes no país. Tinha um folheto da Petrobras, um livro mesmo falando de todas as profissões. Isso é um projeto antigo. Isso é voltado para o social. Ia para as escolas onde as crianças estavam na fase de querer saber o que iam fazer da vida, né?

P/1 – E isso por todo o Brasil?

R – Por todo o Brasil. Eu não estava envolvida diretamente nesse trabalho, mas isso já existia na Petrobras, o Projeto de Hortas. Havia também um projeto de palestras nas escolas; no Brasil inteiro, se fazia palestras nas escolas falando sobre a Petrobras, primeiramente. Mas, quando alguém ia lá para falar sobre a Petrobras, havia sempre uma observação sobre o que existia lá. Daí esse projeto das hortas também era levado para algumas áreas. O chefe desse setor era o Antonio César, que também até saiu em algumas entrevistas. Ele era o chefe desse setor – Antonio César Mangueira Cabral, meu amigo querido. Na verdade, eu trabalhava lá, conheci esses projetos, teve uma época em que eu saí também para fazer palestras, acompanhava esse grupo que fazia o projeto das hortas, porque era patrocínio da Petrobras. A implantação era com esse grupo de fora, mas a gente internamente acompanhava, até para ver como é que a Petrobras estava gastando o dinheiro dela. Um pouco mais adiante – evoluindo um pouco no período de tempo – a minha participação direta nesse projeto é o seguinte: havia alguns projetos sociais que eu conhecia as cidades, fazia o acompanhamento pela comunicação e, quando eu chegava lá, encontrava os assessores de comunicação social – que ainda existe hoje na Petrobras, de forma diferente, são os Ascom, como chamam.

P/1 – Ascom é assistente de comunicação?

R – É, Assessor de Comunicação. Hoje eu acho que eles chamam diferente. E eles sempre mostravam um certo desagrado. Eu estou falando mais do meu envolvimento pessoal com esses projetos. Um desagrado porque quem estava desenvolvendo o projeto era o patrocinado, era como se ele trouxesse um projeto pronto, já montadinho e colocasse lá na comunidade. É claro que essas pessoas eram experientes e o projeto devia ter flexibilidade para atender a comunidades diferentemente, porque a gente fazia no Norte, no Sul. Mas não agradava muito aos Ascom’s daquela época, porque eles não podiam interagir muito no projeto.

P/1 – E quais eram as comunidades que vocês elegiam?

R – As comunidades onde tinha unidade operacional da Petrobras, os lugares junto às refinarias. Todas as unidades operacionais da Petrobras tinham projetos sociais naquela comunidade. E aí, o que aconteceu? Eu conhecia esses Ascom’s e eu via que eles não podiam muito interagir. Às vezes, ele tinha um olhar diferente daquele profissional de fora e não podia conduzir um pouco o projeto. Então o que aconteceu? Isso aí, eu contando a minha trajetória pessoal. Eu vi isso e comecei a dar algumas sugestões para alguns projetos. Mas eu não sei, as pessoas não aceitavam as sugestões que a gente dava. Então eu comecei a escrever. Eu tinha que fazer um relatório, quando eu voltava dessas viagens, eu fazia um relatório.

P/1 – Nesses projetos trazidos de fora.

R – Trazidos de fora, que a Petrobras patrocinava.

P/1 – Eram sempre ligados à escola ou tinha alguma outra coisa?

R – É, sempre ligados às escolas. Porque a Petrobras sempre teve uma ligação muito grande com essa parte educacional. Aí, eu comecei a dizer o que estava bom, o que não estava e dizia que eu tinha uma alternativa, mas eu nunca dizia o que era. Eu terminava o relatório dizendo assim: “eu tenho uma alternativa”. Um dia o superintendente – hoje é gerente – quis saber que alternativa era essa. Quer dizer, não está bom e tem uma alternativa? Ele quis saber. Foi quando eu apresentei a idéia do projeto que eu idealizei dentro da Petrobras, que é esse Programa de Criança. Eu mostrei o programa para ele e ele pediu para escrever. Eu escrevi e ele quis saber. Na época, tinha o chefe imediato, o chefe de divisão e depois o superintendente. Escrevi para o chefe imediato, que mostrou para o chefe de divisão. Ele leu e falou: “vai lá você mesma defender com o superintendente”. Eu falei: “mas eu”? Naquela época, o chefe era muito assim, meio rígido, sabe? “Mas eu mesma”? Ele falou: “vai lá, porque aí você mesma defende”. Aí, eu fui. Expliquei para ele o que era, ele não ficou muito simpático e falou assim: “eu não gosto do nome”. Programa de Criança, que chama e ainda chama hoje. “Não gosto do nome”. Ele falou: “olha, tem uma coisa pejorativa que chama ‘programa de índio’. Isso parece uma coisa parecida com programa de índio. Programa de Criança”? Aí, eu falei: “mas é isso mesmo, é Programa de Criança, porque o programa de criança é estudar, programa de criança é brincar, programa de criança é aprender coisas. Programa de criança não é trabalhar, e é isso que as crianças fazem. Então, o nome dele é Programa de Criança, porque ele vai levar para as crianças o programa delas”. Aí ele falou: “tá bom, gostei”. E ficou, deixou o nome. Depois ele falou para mim: “faz uma circular para os superintendentes para ver quem aceita o programa”. Eu falei: “ninguém vai aceitar. Porque é difícil você falar isso numa circular, uma coisa que é nova na Petrobras. Os programas são sempre de fora. Alguém vem, traz os programas, você gosta, acha bonito e patrocina. Esse está saindo de dentro. As pessoas vão ficar preocupadas: como é que eu conduzo um programa desses? Aqui, as pessoas vêm para tratar das coisas da Petrobras”. Ele falou: “se não vai fazer circular, então como é que vai”? Eu falei: “eu queria ir lá, falar com os superintendentes”. Ele: “você quer ir a todos esses lugares”? Eu falei: “é, eu gostaria de ir”. Mas eu estava falando baixinho, né [risos]? Ele falou: “tá bom, vamos ver”. Aí, eu fui. Ele permitiu que eu fosse. Então a gente implantou o projeto – porque tinha que ser em regiões bem diferentes para ver se dava certo – em Manaus, no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, naturalmente, Espírito Santo, em São Mateus, no Rio de Janeiro, aqui na área da Reduc e em Minas, em Betim. A gente pegou assim, áreas diferentes. Eu fui conversar com as pessoas, falar com os superintendentes e tal. E eles aceitaram. Porque, na verdade, é tudo o que as pessoas querem, né? O brasileiro, de modo geral, ele é muito generoso. A gente está pronta para ajudar, todo mundo quer ajudar! Mas todo mundo quer ajudar e todo mundo fica no seu lugar. Se você tem uma pessoa que diz assim: “você quer ajudar? Vem cá”! Eu acho que eu só fiz isso. Eu disse: “bom, todo mundo quer fazer? Então, vamos fazer”. O projeto tinha uma coisa básica e ele era adaptado a cada local. Foi um trabalho extremamente cansativo e eu fiquei muito preocupada, porque, imagina, era uma coisa nova na Petrobras fazer um projeto de dentro dela. E as coisas que acontecem, as dificuldades que você tem, os problemas que você tem, e eu não podia estar lá toda hora. Aí, o chefe deixou que fosse e a gente começou o projeto.... É engraçado, porque eu estou fazendo uma coisa parecida agora; depois de tantos anos, eu estou fazendo uma coisa muito parecida hoje. Então, eu fui lá, conversei com as unidades, conversei com as pessoas de fora, com as prefeituras, dizendo que a gente tinha um projeto social, onde a gente ia levar esporte, educação, cidadania – eu não me lembro agora as palavras que eu falei – e que isso ia ser tocado pela própria unidade operacional, ia fazer as parcerias e a sede ia dar a orientação, e as adaptações locais seriam feitas lá. A gente fez um básico, uma coisa básica.

P/1 – Então, o básico, a estrutura básica do projeto...

R – Saiu daqui.

P/1 – Fala um pouquinho mais dessa estrutura inicial. Ela partia de que pontos, quais seriam os pontos comuns a todos?

R – Nós sugerimos que eles fizessem alguma coisa de esporte. Nós compramos uniformes, aqui no Rio – uniformes para todos esses lugares. As crianças deveriam ter idade entre 9 nove e 14 anos – porque a gente precisava ver como funcionava para levar crianças muito pequenas. Então era de nove a 14 anos, tinha que ter esporte e a gente comprou uniforme. O uniforme, naquela época, era blusa, a camiseta, uma bermuda e um tênis. Olha só! A gente ainda comprava o tênis. Você imagina comprar tênis para criança que você nem sabe como é [risos]! Mas foi muito bom, muito bom mesmo. O local para essas atividades deveria ser o Clube dos Empregados da Petrobras, porque era dentro da Petrobras e tinha uma estrutura toda preparada lá. Então, tinha que haver uma integração com o clube. Eu também fui conversar com os clubes. As crianças poderiam interagir com as outras atividades do clube, mas a gente precisava ter uma observação para fazer uma avaliação daí uns três meses para ver se ia funcionar. Não precisava ser as atividades do clube, por exemplo, piscina e tal, porque a gente ia pegar crianças de áreas carentes, tinha que ser pessoas que não pudessem pagar por uma atividade. Vínculo empregatício com os professores a gente não teria direto com a Petrobras. Nós tivemos essa preocupação, embora tivéssemos tido problemas depois. Mas os vínculos seriam com o clube porque aí a Petrobras pagaria direto ao clube. Se houvesse algum vínculo, seria com o clube e não com a Petrobras. E também interagir com a Prefeitura, porque a gente queria que o Poder Público estivesse interagindo nisso também. Então, a gente fazia uma parceria com a Prefeitura. Algumas prefeituras, inclusive, contrataram profissionais para trabalhar junto com o projeto. E o engraçado é que a gente não tinha nenhum documento com a Prefeitura. Eu me lembro do meu chefe falar assim: “como é que você conseguiu que as Prefeituras contratassem pessoas para trabalhar no projeto, numa coisa que não tem absolutamente nada escrito”. Não tinha nada escrito. Eu até brincava: “eu tenho cara de séria, né [risos]?” E eles fizeram. A gente teve problemas? Tivemos vários. Tive muitos. Claro, era uma coisa diferente. Nós tivemos umas coisas assim, muito tocantes. Eu me lembro de uma coisa assim, que me comoveu profundamente. A menina em Manaus pegava uma área extremamente carente. E um dia ela me ligou, dizendo o seguinte.

P/1 – A menina que tomava conta lá do projeto.

R – A Ascom. Sempre, o responsável era o Ascom. Ela ligou dizendo que a menina que era coordenadora externa, que ficava realmente atuando no projeto, tinha um problema e queria falar comigo. Ela me disse que as crianças tinham uniforme e que as crianças, quando ia para o projeto, tinham que passar por uma área carente; e que as crianças eram assaltadas por uma gang de crianças que roubavam as coisas delas, a camisa. E, sabe, o nome da gangue era “cachorro doido”. Olha que coisa horrível! Então, eu fiquei: “meu Deus do céu, uma gang de crianças chamada cachorro doido”! Depois eu li no jornal sobre essa gangue, ela mandou algumas notícias dessas crianças. Eram crianças de sete a 21 anos. Era uma gangue enorme e eles roubavam as crianças menores ou do tamanho deles. Batiam e roubavam, e pegavam camiseta e as coisas deles. E ela dizia: “o que é que eu vou fazer”? Agora você imagina, eu aqui no Rio, que tinha inventado essa história, o que que eu vou dizer para ela? O que que ela vai fazer lá em Manaus, numa coisa dessas? Eu falei: “meu Deus do céu”! E falei para ela: “você tem alguma sugestão”? Ela falou: “eu tenho”. “E qual é”? Ela falou assim: “colocar essas crianças dentro do projeto. Mas eu preciso da sua autorização”. Aí, quando eu digo a você que eu sou uma pessoa de muita fé e determinação, eu sou mesmo. Então, eu falei: “você acha que você segura isso”? Ela falou: “eu acho”. Era ela e um rapaz. Eu disse: “então, bota”. E ela botou umas crianças dentro do projeto. Não todas, até porque a gangue era muito grande. As crianças que eram dali, daquela periferia. Ela botou essas crianças dentro do projeto. Eu falei: “pelo amor de Deus, você me liga toda hora para eu saber o que está acontecendo”. Então, primeiro teve rejeição das outras crianças, teve rejeição de pais. Porque eles faziam um trabalho muito interessante: as crianças visitavam outras crianças, assim os grupinhos. Elas faziam uns trabalhos em grupo, brincadeira, e as crianças visitavam, iam na casa uns dos outros. E as mães não queriam que aquelas crianças entrassem na casa delas. E ela teve várias rejeições, mas ela conduziu muito bem. E deu super certo. As crianças depois foram aceitas, foi uma coisa assim, maravilhosa. E as crianças largaram essa gangue, porque elas eram pequenas. A gente teve coisa assim, muito, muito, muito, muito de emocionar mesmo. Me lembro de uma vez que eu fui visitar o programa em Minas, em Betim. Estavam até fazendo uma filmagem e agente pediu para organizarem, prepararem mesmo, porque era para a filmagem. E eles levaram as crianças para almoçar no restaurante da unidade – ou era do clube, agora eu não me lembro bem – mas eles foram todos no restaurante. E tinha uma visita importante lá. As crianças foram na bandeja, aquela coisa de ir à bandejão lá. Eu fiquei, antes de almoçar, andando assim pelo restaurante olhando as crianças e observei que algumas bandejas tinham carne e outras não. Achei aquilo estranho e perguntei ao rapaz, ao colega que estava lá: “ porque carne umas e outras não”? Ele falou assim: “vamos lá que você vai ver porque”. Eu fui andando e tal, e ele foi perguntando às crianças, de modo que eu ouvisse: “a carne? Você já comeu”? Conduzia uma conversa. As crianças pegavam a carne – os talheres vêm sempre num saquinho plástico – então, elas botavam a carne dentro daquele saquinho plástico para levar para casa, para os outros irmãos. E comiam sem a carne. Isso acontecia sempre que eles faziam alguma atividade e as crianças iam comer na unidade. Eles ganhavam lanche e tal e levavam para casa. Porque nem todas as crianças podiam participar do projeto. Então eles levavam o que ganhavam para os irmãos, para a família, para comer em casa. Me lembro também de ter ido uma vez e as crianças estavam dentro de uma sala, porque eles tinham várias atividades, tinha reforço escolar também, cada cidade fazia ao seu modo. Então, tinha uma criança lá que eles disseram que fazia poesia. Um menino, de oito anos, nove anos talvez. Eles pediram que ele mostrasse o caderno para mim e ele não quis mostrar. Eu falei: “tudo bem”. Eu conversei um pouquinho com as crianças. Elas estavam sentadinhas como numa sala de aula. A pessoa estava dando uma matéria qualquer, um reforço escolar. A gente ia e via vários tipos de atividades, porque era uma visita e a gente precisa ver como o programa acontecia. Eu falei: “não, não tem problema. Se você não quiser que eu veja o caderno, você não precisa mostrar”. Ele ficou olhando para mim. Eu fiquei lá na frente e ele ficou olhando para a minha cara assim. E, de repente, ele começou a escrever e me deu. Ele fez uma poesia para mim ali na hora e me deu o caderno para eu levar. Olha, eu ia nessas visitas todas e chorava.

P/1 – E você ainda tem?

R – Eu devo ter, não sei se eu consigo localizar, O caderno não, mas a cópia da poesia. Ele fez ali. Era uma coisa ligada à felicidade, uma coisa assim. Eu vi coisas assim...Porque a gente viajava pelo Brasil todo. Por conta daqueles projetos que mencionei antes, eu fui muito no Brasil inteiro. E fazer esse projeto, foi exatamente pelo que eu vi. A Petrobras está sempre instalada em lugares muito carentes, porque, quando ela se instala, não tem nada ali. As pessoas se instalam ali para trabalhar. Começam a fazer as casas ali porque fica perto para morar, principalmente naquela época, né? Que as refinarias são todas antigas. Depois, aquilo se transforma numa área que não tem saneamento básico, tem nada. Na verdade, a Petrobras está instalada numa área sempre carente. Não porque ela escolheu, mas é que as pessoas se aproximaram e, como não é uma área urbanizada, ficou uma coisa assim.

P/1 – Bené, deixa só eu te perguntar uma coisa. Você falou que tiveram as adaptações locais. Você consegue se lembrar de alguma diferenciação de uma região para outra, para a gente ter uma idéia? Por exemplo, falou Manaus, falou Rio Grande do Sul. O que diferia, que vocês localizavam...?

R – Deixa eu ver se eu me lembro. Eu me lembro bem, eu estava falando agora de Minas, as crianças lá jogavam peteca, porque em Minas tem isso. Os colegas lá da Petrobras jogavam peteca lá na hora do almoço.

P/1 – Até hoje, eles jogam. A gente já entrevistou um petequeiro lá da Petrobras.

R – É? Então, eles jogavam peteca lá, as crianças. Tinha crianças - não me lembro agora onde - que o clube aceitou que as crianças participassem da piscina. A gente tem que considerar que hoje parece simples, mas na época, a gente estava começando uma coisa nova de trazer crianças de fora, de uma área carente, crianças muito pobres, que vêm cheias de piolho inclusive. Me lembro de uma vez das crianças terem andado no ônibus a Petrobras – que era o mesmo ônibus – e elas tinham muito piolho. Até que isso fosse sanado, elas iam no ônibus da Petrobras. Eu dizia: “meu Deus, as crianças têm piolho! Os empregados da Petrobras vão pegar piolho [risos]”! Foi muito engraçado isso.

P/1 – Vocês tinham uma ação para esse tipo de coisa, de ensinar ou cuidar de médico?

R – Tinha. Isso foi uma coisa impressionante. No fundo, nós estávamos atendendo um anseio da unidade, que era ter um trabalho dela, que era da Petrobras. Todos queriam isso. A gente quer um trabalho da Petrobras, porque aí eu brigo por ele, luto por ele, faço por ele. A gente tinha iniciativas de empregados da Petrobras em áreas carentes.

P/1 – Iniciativas isoladas.

R – Isoladas. A maioria das pessoas faz isso; a maioria faz, sempre participa de algum projeto social. Mas a Petrobras não tinha, porque as unidades seguiam muito a sede – e fazem isso ainda hoje, eu acredito. Então, como a unidade vai desenvolver um projeto social, não tinha isso naquela época. Hoje,fazem isso, mas naquela época não tinha. Os profissionais faziam isso isoladamente. Ou ele fazia depois do horário, ou até a unidade dispensava – agora eu não me lembro em que cidade – um pouco antes do horário para ir lá e fazer alguma coisa, prestar algum atendimento até na área médica. E a gente, de repente, presenteou essas pessoas com um projeto interno onde ela podia realmente atuar. Podia fazer até um movimento interno dos empregados. E fizeram. Por isso que o projeto dura até hoje. Em algumas áreas, as crianças todas passavam por avaliação médica pelo médico da Petrobras. Reservou um determinado tempo da assistência médica, não dá assistência, mas daquele médico que fica de plantão lá. Aí, levou o exame das crianças para mandar fazer fora. A unidade pagou. Nem todas as unidades fizeram isso. Mas algumas unidades fizeram. As crianças passaram por avaliação médica, avaliação dentária, e fizeram também exames fora. Eu me lembro de uma criança que quebrou o braço. Aí: “a criança quebrou o braço”! A gente passou por situações muito difíceis. Ela liga para mim: “Bené, uma criança quebrou o braço. O que a gente faz”? E eu aqui: “o que que a gente faz? Mamãe, me ajuda”! Bom, qual a solução que a gente dá na hora? O braço está lá, quebrado. “O que é que eu faço agora”? Qual seria a melhor solução? A assistência médica atende, né? Não é a melhor solução? Onde tem um médico, correndo? Aí eu fui lá, correndo para avisar o chefe: “olha, uma criança quebrou o braço. A gente pode mandar para a assistência médica”? “Bom, a solução é essa. Manda, pode mandar”. Aí, eu: “oh, pode mandar para a assistência médica”. “Mas você tem que mandar uma autorização”. Aí, manda um telegrama ––na época não era um correio, era um telegrama aquela comunicação interna. “Manda a autorização dizendo que paga a assistência médica”. Nós fomos encontrando as soluções, porque nós estávamos em período de adaptação. A gente viu assim: “isso tem que ser tocado pela Petrobras, mas ele não pode ser assim, ele tem que ter uma unidade fora”, que era o que a gente queria no início, que era o clube. Alguém fora tem que estar fazendo, só que a diretriz toda tem que ser dada pela Petrobras, porque é isso que a Petrobras quer. Quando eu digo que é isso que a Petrobras quer, é isso que cada unidade queria. A gente foi fazendo as adaptações. Depois eu saí do projeto, deu seqüência, eu mudei e tal.

P/1 – E porque você quis sair? Você quis fazer outro?

R – Não, eu não saí. Foram as circunstâncias internas da empresa, mudanças de gerente. As coisas já estavam bem conduzidas e outras pessoas passaram a tocar o projeto. Eu fiquei extremamente triste, naturalmente, mas eu tive a oportunidade de trabalhar com outras coisas, outros projetos e ver outros lugares.

P/1 – Só um pouquinho, antes de virar o Programa de Criança. Qual era a maior dificuldade na implantação, que vocês sentiam?

R – A maior dificuldade? Eu não sei citar assim, a maior dificuldade.

P/1 – Se era com as crianças, se era com os Ascom’s.... Porque você tinha vários braços para estar controlando.

R – Não, nesse tipo eu não via dificuldades. Na verdade, dificuldades a gente teve nenhuma. A gente teve a coisa de estar fazendo uma coisa nova, a apreensão, o receio de não dar certo, a preocupação e aquilo de, se tiver problema, eles vão trazer o problema para você. E como é que você aqui resolve, uma vez que você disse para o gerente que isso era fácil de fazer? Porque a gente disse: “porque é bom de fazer”. Porque era fácil. E porque eu acho que é fácil? Eu acho que é fácil, porque a gente precisa fazer. É isso que acontece hoje. É isso que acontece hoje, que eu acho, no Brasil. O que a gente vê de carência no país inteiro, que a televisão mostra, naquela época eu vi essa carência grudada na Petrobras. Hoje, a gente vê a televisão mostrando muito lugar que a gente não conhece, né? E, por que eu acho que é fácil? Porque a gente tem tudo para fazer. Porque a gente tem tudo para fazer. A gente tem a nossa boa vontade, a gente tem um coração enorme - isso é do brasileiro, esse coração enorme – a gente tem as pessoas que precisam, a gente tem as pessoas que não tem como fazer, mas têm a boa vontade de trabalhar, que vão até como voluntários sem ganhar nada. E a gente tem um país rico, a gente em dinheiro para fazer. Eu acho que a gente tem dinheiro para fazer. Acho que a gente trabalha numa empresa rica, a gente tem um país rico e a gente tem um governo rico. Eu acho isso. Eu acredito nisso. Por isso que eu acho que é fácil fazer. Agora, eu acho que a gente tem as dificuldades, imagina, acontece uma coisa, uma criança quebra uma perna, uma criança se machuca, mas dificuldades nós não tivemos.

P/1 – Eram mais esses acidentes de percurso.

R – Acidentes de percurso - boa palavra que você falou. Porque, sabe, eu tinha que comprar o material todo aqui porque o dinheiro era daqui da sede. Eles só tinham a coisa de fazer lá. Nós mandávamos tudo daqui. Comprava bola, comprava tênis, comprava o short, comprava camiseta, comprava todo o material, caderno, se a gente tivesse caderno e alguém falava: “ah, eu queria fazer isso assim, assim...”, a gente comprava aqui. Tudo mandava para que eles tivessem toda a facilidade e pudessem procurar as soluções para os problemas que eles tinham junto às comunidades. Aos poucos, isso foi passando para lá. Aos poucos, a sede depois transferiu as verbas para lá. Aos poucos, eles ficaram totalmente donos do projeto.

P/1 – E aí, daquelas iniciais que você falou, Rio Grande do Sul, Manaus, Betim, São Mateus, vocês ampliaram esse projeto?

R – Foi, o projeto foi ampliado. Houve uma época que tinha lugares que atendia 700 crianças.

P/1 – Isso é o que eu queria ter uma ideia.

R – Só um lugar. Eu me lembro que eu recebi um cartão de Natal da Bahia, da Relam. A menina fez um cartão de Natal onde a frente do cartão era as carinhas de todas as crianças. Parecido até com um caderno que a Petrobras fez, com as carinhas de todas as crianças, e onde ela dizia que tínhamos 700 motivos para comemorar o Natal. E lá eles fizeram diferente. Tinha uma faixa etária de 7 a 14 – eu disse nove, mas era de sete – e eles fizeram abaixo de sete, porque eles acharam melhor. Lá eles tinham uma casa dentro da própria unidade que estava desativada por alguma razão. Eles criaram ali, dentro da casa, um ambiente próprio para criança abaixo de sete anos. Então as pessoas adotaram o projeto. Eu me lembro ainda da Bahia, que um dia nós fomos lá para fazer uma filmagem, na Refinaria. A gente ia sair de lá e ia ao escritório da Petrobras, que era em Salvador. Lá, eles foram almoçar no escritório. Fizemos um horário especial para que não atrapalhasse as pessoas no horário de trabalho. Viemos de ônibus. As crianças almoçaram e o que elas gostaram mais do almoço... sabe essa máquina que a gente coloca e tem o refrigerante? E eles que se serviram, porque eles deixaram que fosse assim. A comida era na bandeja e o refrigerante eles é que se serviam. Então eles iam e voltavam dentro do restaurante porque acharam extraordinário aquilo de botar o copo e o refrigerante cair dali de dentro. Na volta, nós íamos voltar para a unidade, fomos voltar de ônibus. Veio a professora pedir se podíamos ir pela praia. “Ah, claro, podemos ir pela praia”. E sabe porque eles queriam ir pela praia? Eles nunca tinham ido à praia, morando a 50 minutos de Salvador. Nunca tinham ido à praia, a maioria das crianças. Foram pela praia para ver o mar.

P/1 – Imagine!

R – A gente desceu, as crianças pisaram na areia, e a gente fez fotos das crianças na areia da praia.

P/1 – E isso é uma coisa que é tão simples, né?

R – Parece muito simples. Por isso que eu digo: “a gente pode fazer esses trabalhos dessa natureza”? Pode, é muito simples, muito simples.

P/1 – Bené, vocês tinham uma estimativa para as crianças, vocês limitavam, existia um número para cada unidade ou eles iam vendo até onde eles podiam?

R – Eu não me lembro agora, mas nós estabelecemos um número porque nós tínhamos que comprar os uniformes e as coisas. Depois, cada unidade ficou gerenciando o próprio projeto. Aí, ela fez da forma como ela quis. A idéia saía da sede, mas ela foi vendo.... Porque todo mundo se apaixonou por ele.

P/2 – Quais eram os critérios para as crianças entrarem no programa?

R – Era a idade, era de ser de uma área carente e eles tinham que estar na escola. E a escola era pública, né? Porque criança que estuda em escola particular, geralmente, tem condição de estar num trabalho dessa natureza. E eles tinham que conhecer a família para saber essa questão de renda e tal. Não me lembro agora se a gente tinha um valor de renda, mas tinha alguma coisa dessa natureza, ligada a baixa renda mesmo. Mas não era uma coisa assim, como hoje os programas são, até com muito critério, dois salários mínimos ou não sei o que. A gente não começou com uma coisa tão rigorosa não. Porque os Ascom já conheciam, na verdade, aquelas escolas lá. Eles tinham que estar matriculados. A gente fazia o recrutamento através da escola porque as professoras e a própria escola já conheciam também quem eram os pais, a carência, e faziam o acompanhamento pela escola para saber a melhora que as crianças tinham. E tinham. Tinham, os relatórios mostravam isso. Hoje, eu acho essa coisa muito interessante de fazer o projeto social e de dizer que é importante que a criança esteja matriculada na escola. Eu digo isso por hoje. A gente está fazendo um trabalho aqui na Ilha do Governador, a dois passos, né? E a idéia era essa: crianças matriculadas na escola, preferencialmente, na escola pública. Mas a gente tem crianças de onze anos que não estão na escola, na Ilha do Governador, onde mora. A mesma família tem três garotos que não estão na escola. Eles foram lá e quando eu perguntei, “nós não estamos na escola porque viemos morar aqui há pouco tempo e não tinha vaga”. Não sei se é verdade e o projeto começou agora, há pouco tempo.

P/1 – Então, explica esse projeto. Só para terminar o Programa de Criança. Ele começou em que ano?

R – Em 1986, 1985. Por aí.

P/1 - Ele continua até hoje?

R – Ele continua até hoje, muito modificado, muito melhorado, são coisas lindas, maravilhosas. Os da Reduc, se vocês tiverem oportunidade de fazer o da Reduc, é extraordinário. Outros lá fizeram as suas modificações. Eu mesma deixei o projeto já há muito tempo e as pessoas adotaram o projeto até hoje. Eu fico com uma alegria muito grande porque ele conserva o nome. Não sei nem o que as pessoas acham do projeto hoje, na Petrobras.

P/2 – Mas você tinha essa noção? Porque o projeto começou como um sonho seu, você escreveu o projeto. Você tinha noção que ele ia crescer tanto assim, que ia ser um projeto que a Petrobras patrocina até hoje?

R – Não, não tinha.

P/2 – E como é isso para você?

R – É muito emocionante. E estou me emocionando agora, inclusive. Muito emocionante mesmo. Eu me lembro de uma vez, falando com uma pessoa de fora, uma pessoa ligada a coisas espirituais. Eu não tenho filhos. E um dia eu fui numa cerimônia e a pessoa chamou algumas pessoas – era Dia das Mães ou perto do Dia das Mães – para fazer uma homenagem, entregar uma coisa muito simbólica. E me chamou. A pessoa me conhecia, e me chamou. Eu achei assim: “ela se enganou, mas eu não posso dizer isso alto”. Aí, eu pensei: “bom, vou ficar esperando a oportunidade de dizer”. E ela me falou uma coisa que me tocou muito, extremamente maravilhosa para mim, porque aí eu falei assim: “bom, mas eu não sou mãe. Eu estou aqui, mas eu não sou mãe”. E ela falou: “você é mãe de mil filhos”.

P/1 – Que bonito!

R - Isso me tocou profundamente porque eu sou muito voltada para as questões espirituais e ela era uma pessoa ligada às coisas espirituais. Então, quando ela disse que eu sou mãe de mil filhos, eu vi em outra coisa, não as crianças só. Me tocou muito. Eu nunca pensei nisso. Eu procuro o sonho, realizar o sonho. Porque a minha vida foi isso. A minha vida, a vida da minha casa, a vida da minha família é realizar o sonho. A minha mãe realizou um sonho. Ela precisava que a gente estudasse e nós estudamos. Estudamos no ponto que ela podia nos deixar, que foi aquilo que a gente fez lá em São Mateus. Isso foi um sonho para ela. Então, a minha vida é realizar um sonho. E é isso que eu faço. Eu tenho fé, eu tenho força, eu sou guerreira. Sou mesmo. Eu estou fazendo um trabalho parecido. Depois de tantos anos, dentro da Petrobras, eu estou fazendo um trabalho parecido. Lutando com as mesmas dificuldades. Olha, parece incrível!

P/1 – Explica, então, para a gente esse projeto.

R – Agora eu tenho uma coisa boa de dizer: foram os chefes que eu tive. E é um chefe parecido com aqueles lá naquela época, dos chefes que me acompanharam na vida, é o chefe que eu tenho agora. A gente está fazendo um trabalho na Ilha do Governador. Outro tipo de dificuldade. A Ilha do Governador tem há algum tempo aqui – vocês devem ter acompanhado nos jornais – a questão da segurança, bandidos, traficantes. Mas a Engenharia trabalha lá, tem obras de dutos numa área dessas. E a nossa obra parou em alguns pontos, em alguns momentos, ficou vários dias parada por conta dos traficantes. Eles brigam entre eles - eles não têm nada contra a Petrobras, nem contra empresa nenhuma – e afeta o nosso trabalho. E como aquela área estava abandonada – difícil dizer isso – mas estava abandonada, não tem nenhum projeto da Petrobras lá. Tantos projetos da Petrobras e não tem nenhum lá. É assim na Baía da Guanabara. Então eu fui trabalhar lá, esse gerente me chamou para trabalhar lá. Eu voltei à Petrobras na época do acidente na Baía, eu estava saindo e ele me chamou para trabalhar lá. E como era a Baía, perto da Baía, eu falei: “opa! Vai ser bom. O que a gente não pode fazer num ponto faz noutro, né”? E lá não tinha nenhum projeto. Eu falei: “temos que fazer alguma coisa”. Eu falei para o gerente e teve uma porção de dificuldades que eu acho não cabe estar falando aqui. Eu falei com ele se podia fazer um trabalho. Ele falou: “pode”. E aí a gente está fazendo um trabalho lá, eu falei com cada gerente, se você me pergunta, eu vou me entregar aqui, né? Mas eu vou falar. De repente é bom, pode ser ruim, mas pode ser bom. Eu estou fazendo um trabalho lá que não tem nada escrito. Eu digo escrito assim: alguém mandou um projeto para o gerente, o gerente assinou em baixo dizendo “aprovo”. Não tem isso. Mas tem a aprovação de todos os gerentes da Petrobras – quer dizer, Petrobras eu digo da minha área de trabalho – tem os gerentes da Transpetro que aprovaram. Porque eu fui a cada um deles falar: “escuta, ninguém está fazendo nada lá, posso fazer”? “Pode”. “Quem é que vai fazer”? “Não, sou eu mesma”. Eles me conhecem desse Programa de Criança, me conhecem por isso. E aí: “podemos fazer”? “Pode. Vamos lá”. “Olha, cuidado com isso, cuidado com isso, cuidado com o nome da Petrobras”! “Não, mas tudo isso eu conheço. Os cuidados da Petrobras, todos eu conheço”. “Então, vamos fazer”. E a gente está fazendo. Fomos nas empresas e o trabalho está lá. E aí é onde a gente fez uma inscrição e o menino tem onze anos e não está na escola. Então, o que acontece? A gente vai colocar como condição ter que estar na escola. É muito maior o risco para essa criança de 11 anos estar morando numa área dessa de risco. A gente tem o depoimento de um pai, num vídeo que a gente fez, que ele fala isso, que ele tem medo das crianças na rua porque elas moram em área de confronto de traficantes com a polícia. Essa é a área que eles moram. Eles moram assim. E a gente está aqui, na Ilha do Governador, né? A gente deixa um menino de 11 anos, o outro de 12 e outro de 10 anos na rua que não entra nesse projeto porque ele não está na escola. Não pode fazer isso, né? Nós não podemos fazer isso.

P/1 – E como é que vocês vão contornar isso?

R – Isso aí? Ele está no projeto.

P/1 – Mesmo sem estar na escola?

R – Mesmo sem estar na escola! A gente não pode fazer isso. A gente tem que assumir essas coisas. Mas a vida não é isso? Não se realiza sonhos se não se assumir riscos, eu acho. O sonho, ele não cai do céu, a gente trabalha por ele. Na verdade, a gente trabalha a vida inteira para realizar um sonho. Na minha forma de pensar, a gente começa a trabalhar antes de nascer para realizar o sonho. E o sonho, ele não é um sonho. Eu acho que o sonho, realizar um sonho é uma vida. Você constrói a sua vida, você realiza a sua vida. A gente tem muitas dificuldades na vida? Tem, é assim que a gente cresce. Então, o sonho é a realização da vida. Eu não realizo um sonho, eu realizo a minha vida. Aparentemente, eu estou realizando um sonho meu, mas não é só isso.

P/1 – E esse programa, ele se chama como?

R – Descobrindo a Vida. Descobrindo a vida por isso. Por quê? Porque a gente está numa área difícil.... Ah! A gente está levando os colegas da Petrobras do setor para ir lá falar das profissões deles.

P/1 – Só para a gente também situar. Tem um ponto...

R – Tem, o ponto é a Associação dos Pescadores. Eles nos cederam uma sala na Associação de Pescadores. É um prédio que foi construído pela Petrobras; a Petrobras fez uma obra, eles estavam numa situação de risco – em relação à Unidade da Petrobras, eles estavam em cima do duto – e a Petrobras construiu uma sede e eles mudaram para lá. Eu fui lá e pedi para eles. Falei que era importante para eles, importante para a Petrobras, importante para a comunidade se eles cedessem uma sala. E eles cederam uma sala para a gente fazer atividade. Aí tem um outro comerciante local que tem um quiosque lá, com uma varanda enorme. As crianças fazem capoeira na varanda desse quiosque, porque é uma varanda grande e Associação de Pescadores é mais escondida. A gente quer mostrar para a comunidade o que a gente está fazendo. E as crianças fazem a capoeira lá. Fazem capoeira, né? Capoeira é uma coisa extraordinária. E capoeira também, porque todas as crianças podem estar ao mesmo tempo. Como a gente tem dificuldade de verba, é um esporte e as crianças podem fazer, independente da idade, todas ao mesmo tempo. Se fosse futebol ou vôlei, você acaba dividindo em grupos. Por isso que a gente tem capoeira e a gente faz lá, na Ilha do Governador. Eu estava falando uma outra coisa e esqueci agora.

P/1 – Você estava falando do nome.

R – Ah, sim. O nome é Descobrindo a Vida porque a gente também está levando os colegas da Petrobras para falar das profissões. A gente está falando pessoas da Petrobras, mas pessoas de fora também. E se vocês quiserem, vocês também podem ir, todos vocês aqui. O que é? A gente leva um colega da Petrobras, um engenheiro. Ele é engenheiro na Petrobras e a gente quer que ele fale lá o que ele faz na hora de lazer; tem um que pinta, tem outro que gosta de tocar. Então a gente quer que ele fale da outra coisa que ele faz. O que a gente quer mostrar para as crianças – a gente tem crianças até de 16 anos lá, o que eu fiquei maravilhada porque eles foram se chegando depois de terem visto; não começou com crianças de 16 anos – a gente quer mostrar para eles porque são crianças e as famílias são carentes, as mães também têm muita preocupação, eles não vão para outro lugar, o universo deles é muito limitado. Eles não veem muitas coisas; eles veem muitos bandidos. Numa reunião de mães, disseram que as crianças ficam presas em casa, uma disse que o dela fica preso em casa porque o que ele vê muito é bandido com a arma na mão. Mas a gente não está dentro da favela, não, entendeu? Mas ele é da favela. Então ela gostou muito do programa por isso; o filho fica preso em casa, então tem alguma coisa para fazer quando não está na escola. O que a gente quer é que eles vejam outra coisa. O universo dele é limitado e é limitado a coisas ruins, porque eles veem muito bandido, aprendem muitas coisas. Então a gente quer que o empregado da Petrobras e outras pessoas cheguem até lá e falem do que vão fazer. O que que é a música na sua vida? Se tem uma pessoa que é um engenheiro, no outro horário ele está falando de música, o que é a música na vida de uma pessoa? A música não é só aquilo que você vê lá. Quando você vê um cd tocando, quando você vê alguém tocando na televisão, o que significa a música? Por que alguém se volta para a música? Por que alguém vai... eu sou engenheiro, alguém é engenheiro e também toca? E a música, além de ser um prazer para algumas pessoas, é prazer para ouvir, é prazer para tocar, mas ela é profissão. Ela é profissão para alguns. Isso é a vida, não é? Algumas pessoas vão falar de música, algumas pessoas vão falar de pintura, umas pessoas vão falar de mergulho – que é uma profissão da Petrobras, e mergulho é prazer para alguns. Por isso chama Descobrindo a Vida, porque tem que ver aquilo que é profissão e aquilo que é prazer para que eles possam descobrir. E a ideia é que as pessoas levem lá informação sobre a profissão, onde eles possam fazer algum curso de graça, tipo Senai, essas coisas de graça ou curso de baixo custo. Eles vão visitar empresa.... Nós estamos começando agora, mas com as mesmas dificuldades que no começo. Não tem verba. As empresas é que ajudam. Cada uma ajuda como pode.

P/1 – Há outras empresas ali por perto?

R – As empresas de engenharia, as empresas que trabalham para a Petrobras.... Agora elas estão mais empolgadas porque elas já viram alguma coisa. Mas é complicado, é difícil, sabe? Eu fico correndo atrás das coisas. Mas isso é um sonho. É um sonho também. É realizar um sonho. Eu fiquei pensando assim: por que, tão pertinho da Petrobras? Por que ali, naquela área tão perto, na Ilha do Governador? A Petrobras com projetos belíssimos, por que tem nenhum lá?

P/1 – É perto do Cenpes?

R – É um pouquinho longe do Cenpes. É mais perto da Transpetro. Por que não tem nenhum trabalho lá? E, por que eu, depois de aposentada, estava na sede, e esse gerente que não me conhecia – uma pessoa indicou meu nome e ele me chamou – por que eu fui lá para esse lugar? Assim que eu conduzo a minha vida. Por que eu fui para lá? Cheguei lá, algumas coisas não me agradaram, eu pensei em sair e acabei ficando. Por que eu fiquei ali, num lugar desse? Eu já podia estar em casa, né? Por que eu fiquei lá? Por isso eu digo que a vida é generosa comigo, porque me oferece isso. Ela me oferece uma oportunidade e mais oportunidade. Eu acho que há oportunidade para todo mundo. Mas ela é uma oportunidade para mim, principalmente. Eu tenho mais uma chance de fazer alguma coisa. É assim que eu conduzo a minha vida. Eu faço isso e eu acho que é ótimo. Por isso que, quando eu fui chamada aqui hoje – fico tão emocionada... eu acho que é um ciclo da minha vida que eu estou completando. Novamente, depois de tanto tempo de ter feito esse projeto das crianças, de ter trabalhado na Petrobras com vários outros projetos, ter conhecido essas pessoas, ter conhecido essas necessidades. Eu fiquei maravilhada com esse novo governo. Eu acho que essa área da Petrobras que eu trabalho vai ser extremamente valorizada por esse Governo, que é voltado para o social. Essa área vai ser extremamente valorizada dentro da empresa. Justamente quando o Governo entrou, eu saí da sede. Eu falei: “caramba! Agora eu estou saindo”. Aí, eu fui lá para um lugar, e falei: “meu Deus do céu! Eu vim para um lugar tão difícil, né”? Depois de toda essa coisa, eu vejo assim, fui convidada para dar essa entrevista aqui, aí eu digo assim: “estou fechando um ciclo”. Porque lá, nesse trabalho também, tem muita gente que vai começar a fazer agora e daí eu posso sair, eu não preciso ficar.

P/1 – Você está fazendo a montagem então, é isso?

R – É.

P/1 – Para depois o projeto caminhar.

R – Não, eu vou continuar porque algumas coisas têm que ser amarradas. Mas a verdade é essa, depois eu saio e alguém faz. E depois ele não acaba mais.

P/1 – Aí, você vai fazer outro.

R – É possível que eu faça outro, talvez não dentro da Petrobras, talvez fora. Mas é possível. A vida é que me reserva [risos]. Mas eu acho que a minha evolução espiritual estava voltada para fazer coisas com as crianças. E eu fico feliz lá porque tem garotos de 16 anos, sabe, e eles não chegaram lá. Nós fizemos o trabalho de nove a 14, era a nossa proposta. Nós temos crianças de cinco a 16. Nós começamos agora, em agosto. Nós temos crianças de cinco a 16. A gente não ia ter criança com menos de nove, porque a área é muito difícil de trabalhar. A gente ficou com receio; crianças muito pequenas, como é que essas crianças vêm? Tinha um menino chamado Gabriel. Gabriel, o nome do meu sobrinho-neto. E ele ficava lá. Cinco anos, ele não tinha cinco anos quando estava lá. Então o professor estava dando aula de capoeira, ele ficava do lado, fazendo os mesmos movimentos. E ele fazia com tanta atenção e com tanta perfeição – dentro, naturalmente, da idade dele – que eu fiquei observando. E o professor falando: “a gente não pode, a idade é nove. A gente não pode ter criança tão pequena”. E ele continuou fazendo. Ele ia nos dias do programa e continuava fazendo, do lado. E um dia a gente não resistiu. Eu mandei chamar a mãe dele, a mãe dele veio. Eu falei para ela que não podíamos botar o filho dela. Ele continuou fazendo. Eu mandei chamar a mãe dele de novo. A mãe dele veio.

P/1 – E ele ia por conta própria?

R – Por conta própria, porque ele mora muito perto. Aí, um dia, a gente não resistiu e a gente colocou o menino lá dentro. E, lá dentro do programa, ele fez cinco anos. Um dia a gente estava distribuindo uma revistinha – comove a gente – e a menina dando uma explicação sobre a historinha da revistinha, e aí ele olha – a gente tem até uma foto dele olhando a revistinha com muita atenção – e ele diz que aquele era o presente de aniversário. Aquele dia ele estava fazendo aniversário e aquele era o presente de aniversário dele. E aí comove a gente, porque uma criança de cinco anos que tem tanta coisa que deve querer na vida de presente, ela recebe uma revistinha que tem uma historinha e ela diz que aquela revistinha era o presente de aniversário dela. Provavelmente ele não tem muitas possibilidades de presentes. Aí a gente botou esse menino lá de cinco anos. Agora tem um monte de criança de cinco, seis, sete, oito anos. E os meninos maiores ficaram vendo a capoeira e foram se aproximando. A gente tem um menino – ele é quase cego – que olha os papéis assim. Ele quase não vê mesmo. O pai dele foi lá pedir. A mãe dele foi lá. Ele ficava ali e o pai foi lá pedir porque ele queria ficar lá. Ele tem 16 anos. Eu falei: “claro que pode”! Ele sabia que era até 14 e falou assim: “ele fica vendo as crianças aqui e ele quer. Eu não sei o que ele vê, porque ele olha as coisas tão perto. Ele queria participar, mas será que ele pode”? Eu falei: “claro que pode”! E ele foi. Eu avisei os professores, por causa das coisas da capoeira, né? E ele está lá praticando. É interessante ver como ele era desajeitado e agora como está, e como ele gosta. E tem outro menino de 16 anos que entrou depois. E eles se dão entre eles. São crianças que estão extremamente vulneráveis. Os lugares ali são meio obscuros. Essas crianças são muito vulneráveis com essa área do tráfico. A gente vai dizer que não pode? Não podemos dizer que não. O que a gente vai fazer com isso?

P/1 – Mas tem algum trabalho de orientação?

R – Sobre droga?

P/1 – É.

R – Não. A gente não vai falar sobre isso.

P/1 – É muito complicado, né?

R – É, porque a gente está muito dentro. Muito próximo.

P/1 – É muito delicado.

R – É, pelo que a gente ouve falar, aquela é uma área muito difícil em relação a isso. Então a gente percebe que tem parentes deles envolvidos, a gente não vai falar. Por pior que a gente ache que um traficante seja, que uma pessoa envolvida com a droga é, essa pessoa pode ser um irmão, pode ser um pai, pode ser um tio de uma criança dessas. A gente não vai falar que o tio dele faz coisa ruim, que o tio dele não é bom, que o pai dele não é. Nós não vamos falar sobre isso. Porque ele já tem tão pouco, a vida dele é tão desagregada.... Pode ser que ele seja um bom pai, pode ser que seja um bom tio independente do que ele faz, a gente ainda vai desagregar a família? Não podemos fazer isso. Talvez outras pessoas, em outro momento, possam fazer isso. A gente está chegando, nós estamos abrindo espaço, ocupando o espaço, porque só tinha coisas ruins. Nós não vamos acrescentar coisa ruim, né? Não posso dizer que o pai é ruim. Ele só vê isso. Eu não posso dizer que o tio dele faz coisa ruim. Em outro momento, talvez outra pessoa diga. Talvez ele tenha oportunidade de ir a uma palestra em outro lugar. E terá, porque nós vamos levar. A gente quer levar essas crianças nesses projetos do Centro Cultural do Banco do Brasil, quer levar essas crianças nas empresas. A gente ainda não tem condição de levar, porque tem que ter uma outra questão, que tem a ver com a própria disciplina deles. A gente não pode levar um grupo de crianças para fora sem que a gente tenha uma certa disciplina. Tudo isso a gente está trabalhando.

P/1 – É questão de tempo também, né?

R – É. A gente quer levá-los para ver outras coisas. A gente quer levar o teatro lá, mas quer levá-los no teatro para assistir uma peça. A gente quer levá-los no cinema. Nós temos pessoas que vão lá falar de computação gráfica para eles, vão falar de vídeo, uma porção de coisas. Tem um professor de ioga que eu conheço, eu o conheci em outro projeto, pela Petrobras mesmo, ele foi convidado para fazer um trabalho lá. Ele é professor de ioga e eu encontrei assim, por acaso, na rua. Ele está extremamente ocupado. Quando eu contei para ele, sabe o que ele vai lá fazer? Dançar para as crianças. Ele vai com uma pessoa para tocar o teclado e vai dançar. Ele vai levar o filho dele. De repente eu encontro com a pessoa, conto, pergunto se ele não quer dar alguma contribuição, ele fala: “mas o que eu posso fazer? Eu estou tão ocupado! Mas eu posso dançar para as crianças”. A gente tem uma dentista que vai falar, tem um engenheiro que vai falar de mergulho, a gente tem muita gente maravilhosa. Por isso que eu digo: “a gente pode fazer? Pode”. Não é difícil, né? Não é difícil, porque, no fundo, a vida não é difícil. A vida é... tem uma coisa extraordinária, eu acho que é no livro do Castaneda que fala, Don Juan falando para ele: “a gente vai para a vida e para a luta como um guerreiro, com medo, mas com muita coragem”. É assim que a gente vai para a vida, né? Eu tenho medo, em todos os sentidos porque lá é uma área perigosa. Mas a gente vai com coragem. E isso é que a Petrobras é. A Petrobras é isso, quando vai procurar petróleo em áreas profundas, quando vai procurar petróleo lá no meio do mato, lá em Urucu. Eu já fui nessas áreas todas, lá em Urucu.

P/1 – É um outro desafio também.

R – Pois é. A vida é um desafio. E a gente tem sempre que vencer, porque a gente só pode vencer. Não é? A única opção é vencer [risos].

P/1 – Benedicta, deixa eu recuperar um pouquinho da sua própria trajetória. Você trabalhou nos quadros fixos da empresa até que ano?

R – Eu trabalhei até 1995. Ainda estava trabalhando quando a Petrobras estava desenvolvendo um trabalho, começando essa questão do relacionamento, que é uma coisa que a Petrobras faz de muitos e muitos anos atrás, muito antes de eu estar lá. Ela estava começando esse trabalho de relacionamento por conta do Gasoduto Brasil-Bolívia.

P/1 – Esse trabalho de relacionamento com as comunidades?

R – É. Porque o gasoduto é extremamente importante, passando lá pelo Pantanal, aquelas prefeituras todas. Isso é um trabalho que a Petrobras faz em todas as obras dela, tem relação com as prefeituras, com as pessoas, porque as refinarias são fixas, mas os oleodutos vão passando por várias áreas. Passa nos municípios, passa em propriedades particulares. A Petrobras faz esse trabalho há muito tempo. Eu acompanhei um grupo de pessoas da engenharia, na área lá de Mato Grosso, em Campo Grande, falando naqueles municípios todos, onde o gasoduto ia passar. Isso foi antes ainda da audiência pública.

P/1 – Conta para gente só como é. Você vai, você conversa com a Prefeitura...

R – Com a Prefeitura, porque, na verdade, isso foi antes da audiência pública. Depois, outras pessoas da engenharia foram e eu nem estava mais lá. Você tem que fazer o contato. A Petrobras não pode correr o risco de que, não só poder com o público, eu não digo a Prefeitura e o Prefeito, mas a Câmara dos Deputados, dos Vereadores, sejam contra uma obra dessas. Essa obra tem um custo extraordinário, não só em termos financeiros, mas também do desenvolvimento do país. Então não pode correr o risco de que, de repente, isso seja dificultado por um grupo da população. Hoje a Petrobras faz isso de forma extraordinária, porque já faz isso com muita antecedência. Já naquela época fazia também, mas um pouco menos. Então a gente foi, antes da obra, para falar com a Prefeitura; eu e mais monte de pessoas, mas eu tive o privilégio de fazer parte desse grupo. Algumas pessoas falaram com prefeituras, outras falaram com proprietários, outras falaram com a Secretaria de Meio Ambiente, até porque o gasoduto ia passar no Pantanal. Eu fiz parte de um grupo que foi para conversar com prefeituras e em algumas rádios do Município, convidar a população, avisar que ia ter a Audiência Pública, para que essas pessoas pudessem participar e dar a sua opinião, porque isso é uma coisa aberta. Eu fui bem no comecinho. Depois outras pessoas foram, fizeram isso com mais intensidade, teve Audiência Pública e tal. Logo que eu saí, eu estava nesse trabalho. Aí permaneci trabalhando na Petrobras, fazendo esse trabalho - prestando serviço, no caso - e depois saí. A Petrobras tinha um trabalho muito bom, muito interessante. Não era um projeto da Petrobras, era um projeto do Ministério das Minas e Energia., que era levar iluminação a algumas áreas. O Governo até está fazendo alguma coisa parecida agora. Era levar iluminação a algumas áreas que não tinham iluminação convencional. Eles não gostavam que chamassem de alternativa, era chamado de “não convencional”. Era iluminação solar, eólica. Era um projeto no Brasil inteiro e quem patrocinava, quem comprava os equipamentos eram as Empresas Públicas: Petrobras, Furnas e outras.

P/1 – Isso para as prefeituras, para as comunidades, como é que era?

R – É, junto com a Concessionária de Energia Elétrica, as prefeituras. Era uma parceria que era feita com as concessionárias. A Petrobras pagava, comprava, fazia a compra dos equipamentos.

P/1 – Do material?

R – É. E o que a gente achou na época, lá no setor – nessa época, o setor chamava de Relacionamentos com a Comunidade – foi que, ao invés da Petrobras dar só dinheiro, a verba, era bom que a gente fosse ao local, conhecesse essa comunidade, fizesse alguma coisa. Então conheci também lugares extraordinários. Aliás, recentemente – esqueci o nome – uma ilha que acho que estava pegando fogo, alguma coisa assim lá em Santa Catarina, Paraná – alguma coisa assim, agora eu não me lembro; desculpa mas não lembro. Irigüi ou Inarugüi.... Lá era uma ilha em que os pescadores pescavam para comer. Quando estavam perto de uma embarcação do Continente e chegava na ilha, eles pescavam para o pescado ir para o Continente. Fora isso, eles não pescavam porque não tinha como o peixe ir para o Continente. A chegada desses equipamentos proporcionou uma fábrica de gelo; eles podiam armazenar o peixe e, quando o barco chegava, eles mandavam para o Continente. Nós fomos num outro lugar chamado Boa Sorte, lá em Mato Grosso, e tinha nada, absolutamente nada, nada. O equipamento foi instalado na escola e eles puderam ter uma geladeira para acondicionar vacinas para que, quando o pessoal da campanha de vacinação chegasse, tivesse vacinas estocadas e deixassem algumas estocadas lá para outras _______, porque não tinha condição. Botavam nos centros comunitários.... As pessoas vendo televisão pela primeira vez: vi uma foto de uma pessoa vendo pela primeira vez a imagem da televisão. Extraordinário!

P/1 – Deve ser extraordinário...

R – É. Então, esse projeto existiu. Eu fiquei trabalhando no início e depois esse projeto foi para a Eletrobrás, acho. Por que eu fiquei lá? Porque eu tinha feito os contatos com várias prefeituras e interrompeu o projeto. Aí, eu me aposentei. Depois era para retomar os contatos; e como pode uma outra pessoa fazer? A gerente me chamou para que eu retomasse os contatos para a gente fechar a parte da Petrobras e transferir o projeto para a Eletrobrás. Eu voltei só para fechar e transferir. Depois fui chamada quando houve o acidente na Baía da Guanabara, em 2000. E estou até hoje, de 2000 até hoje. Olha quanto tempo!

P/1 – Mas foi por alguma razão específica, ligada ao acidente da Baía ou não, é só um marco?

R – Não, ligada ao acidente porque aquele acidente foi horrível, foi feio, foi difícil, foi triste e muitas comunidades foram afetadas.

P/1- E como é que foi o trabalho?

R - A minha chefe - esse setor chamava Relação com a Comunidade – era (Lia Passos?) e era chefe do setor. Eu tinha trabalhado muito tempo com ela com essa questão de relacionamento com a comunidade. A Petrobras recebeu muitos voluntários, muitas pessoas para trabalhar e ela me chamou para ajudar. Chamou todo mundo. Ele me localizou e me chamou para trabalhar também e eu fui. E fiquei, fiz contatos com pessoas, trabalhando com todo mundo do grupo. Só que depois as coisas foram acabando. Aqueles contatos iniciais, todas as pessoas da Petrobras foram lá para fora, para as comunidades falar, os gerentes e tal. E aquilo acabou. Só que sobrou muita coisa. Aliás desse acidente tem coisa até hoje. E esse relacionamento, como fica essa comunidade que foi contatada e agora todo mundo foi embora? Então, ela me pediu que permanecesse fazendo esse contato com as pessoas. Muitas pessoas da comunidade me conheciam por isso, porque eu continuei indo lá. Alguém falava uma coisa ou falava mal da Petrobras.... Passei muitos constrangimentos, pessoas assim, brigando com a Petrobras e eu ouvindo aquilo como se estivessem brigando comigo. Elas falavam e depois pediam desculpas: “Não é com você, é com a Petrobras”. E eu fiquei, fiquei, fiquei. Depois eu fui para a engenharia, em 2002, já estava quase terminando. A Petrobras firmou muitos convênios, muitos contratos, fez muitos projetos, educação ambiental tentando minimizar o problema das pessoas. Eu atuei nesses projetos; ajudei a selecionar os projetos, fiz parte de uma comissão representando minha gerente, porque a representante da comissão era ela, até porque eu era de fora. Atuei muito nas comunidades. Tem uma coisa que é muito importante, e a Lia prestou muita atenção nisso, é que esse caos que foi o acidente e depois não poder largar as pessoas para lá. As pessoas precisam falar, mesmo que elas queiram só falar mal, tem que ter alguém para ouvir. E eu fiz esse papel.

P/1 – Não é só enquanto está nos jornais, né?

R – É, eu fiz esse papel. Eu ia lá, as pessoas ligavam, todas tinham o telefone – o telefone celular que a Petrobras cedeu para que eu ficasse lá – e as pessoas ligavam: “ah, eu queria falar não sei o quê... A senhora pode vir aqui hoje”? “Posso”. E eu ia lá. Às vezes, era só para falar mal e ou para uma coisa de fácil solução, às vezes pediam alguma coisa. “Tem solução”? “Tem”. Não tem, a gente dizia que não tinha. A orientação que a Petrobras me deu foi essa. Não pode, não pode. Mas a gente precisa, porque a pessoa não pode se sentir desamparada. Vocês imaginem Paquetá. Quase todo mundo conhece a Ilha de Paquetá. O que era Paquetá na época do acidente? Era uma Ilha cercada de óleo por todo os lados. Imaginem as pessoas. Eu vi coisas impressionantes! Na época, tinha uma antropóloga fazendo o trabalho dela lá. Impressionante! Impressionante! E, para mim, foi um aprendizado, uma ciosa extraordinária ter ido a Paquetá. Eles formaram uma comissão com pessoas assim, incríveis. A comissão era formada por engenheiros, pela antropóloga, por uma pessoa que estava fazendo doutorado, outra não sei o quê, um camelô, um ambulante. E eles não diziam quem eles eram. Difícil também de lidar. A gente queria saber, isso desde os gerentes que foram lá inicialmente, as primeiras conversas foram com os gerentes, depois as pessoas foram indo; saindo, porque o gerente não pode estar todo dia, né? A grande preocupação acabou. E se queria saber: “quem é você na Comissão, quem é você aqui em Paquetá”? Eles não diziam. Ele era morador de Paquetá, representante da comunidade na Comissão. Você não sabia quem eram as pessoas. Depois, com a convivência que eu tive lá, aí, você sabia que um era engenheiro que fez mestrado no exterior, o outro era não sei o quê, o outro era camelô. Você sabia a diferença pela conversa, mas você não sabia quem as pessoas eram. Difícil de lidar. Difícil, também porque muitas coisas aconteceram, para muitas coisas a Petrobras disse não e a gente teve que dizer lá às pessoas. Foi uma coisa muito interessante esse acidente, em termos do trabalho que eu fiz, me deu muita experiência em lidar com as pessoas e com a comunidade. Quando eu fui para a engenharia, fui para lá imaginando que, de repente, obras, né? A gente pode fazer alguma coisa a mais, mas a gente não pode fazer, não. Agora é que eu estou fazendo, depois de tanto tempo.

P/1 – Esse da Ilha do Governador?

R – É, que estou fazendo agora, porque tinha uma outra empresa fazendo e, aí, a gente não pode fazer porque era outra empresa, coisas internas. Não pude fazer e fiz agora.

P/1 – Bené, está se encaminhando para o fim de nossa entrevista e queria perguntar um pouquinho de você. O que você faz no seu horário de lazer?

[fim do CD3/3 HV 2004/06]

P/1 – Bom, Bené a gente interrompeu, mas eu queria saber um pouquinho da sua vida. As suas atividades atualmente, tem alguma outra coisa que você gosta de fazer?

R – É, tem sim. Você falou também um pouco de lazer, né?

P/1 – É, do lazer também.

R - O lazer está um pouco prejudicado [risos].

P/1 – Por que?

R – Porque, na verdade, o fato até de eu estar trabalhando e os amigos da mesma época têm viajado e tudo; às vezes, eles me chamam para ir junto e eu não tenho ido porque eu estou trabalhando. Mas eu também sou muito assim, de ficar em casa mesmo. E, hoje, tem uma coisa extraordinária acontecendo [risos]. Hoje é o dia da festa de Natal, do almoço de Natal do grupo de colegas com quem eu trabalhei – que eu vou daqui a pouco, eu achei ótimo do horário terminar – na Comunicação. Todas as pessoas que trabalharam na Comunicação da Petrobras, nós nos reunimos, uma vez por mês, para almoçar juntos. Nem sempre eu vou, alguns falam à beça e tal. E é assim, no mesmo lugar sempre. A gente recebe, no início do ano, uma carta dizendo todos os dias, inclusive o dia da festa.

P/1 – Tudo marcado do início do ano já, do ano todo?

R – No início do ano, em janeiro, a gente recebe o dia de todo o ano e o local.

P/1 – Que organização!

R – É, para ser no mesmo local e...

P/1 – Não tem erro.

R – É, não tem erro. De repente troca...

P/1 – E onde é que é hoje?

R – Hoje é diferente, porque hoje é a festa de Natal. É lá na Tijuca. Então, o almoço de Natal é hoje, do grupo, vai todo mundo.

P/1 – Você e as datas. Você tem sempre uma ligação com as datas.

R – Pois é, é hoje. Eu tenho sempre isso. Você já viu? Hoje é dia oito de dezembro e hoje é dia de Nossa Senhora da Conceição. É o dia do almoço e eu marquei e não me lembrei, já tinha marcado.... Fiquei assim, não posso desmarcar, né? Outras coisas que eu faço é o seguinte – por isso é que eu estou falando que talvez hoje seja um dia de eu virar uma página –, eu sou muito voltada para as coisas espirituais, as coisas da pessoa, do ser humano. Eu acho que a gente precisa cuidar da gente por inteiro. Eu aprendi isso num momento de dificuldade. Eu sempre achei, mas eu nunca tive muita convicção, nunca parei para pensar. Mas num momento de dificuldade, eu vi que eu precisava conhecer alguns cantos escuros que a gente sempre tem. Eu comecei a fazer arteterapia, fiz o curso de arteterapia, fiz outros cursos ligados a florais, e passei a lidar com isso. Inclusive, trabalhava com outras pessoas num atendimento, com um grupo de pessoas. Depois foi quando a Petrobras me chamou de novo, depois do acidente. Aí eu interrompi. Fazia as duas coisas ao mesmo tempo, mas depois não deu mais. Como eu achei que tinha alguma coisa interessante na Petrobras para que eu pudesse fazer, eu interrompi lá. Talvez agora seja o momento de eu estar retornando para lá. Eu lido com essas coisas de arte terapia, de florais.

P/1 – Arteterapia com pintura?

R – É, com pintura. Inclusive, estou fazendo um trabalho com as crianças lá, agora. Eu mesma estou atuando com as crianças nessa coisa. A coisa de você, através da expressão artística, conseguir botar para fora – vamos chamar assim – trazer à tona algumas questões suas e de forma suave, porque, às vezes, você faz um desenho e nem imagina o que aquilo quer dizer. Você tem oportunidade de se expressar, não pela palavra, não de outra forma, mas através de um desenho; tirar do subconsciente algumas coisas que, às vezes, atrapalham a vida, né? Eu gosto disso. Eu gosto disso também e acho que tinha que gostar mesmo, eu estou sempre lidando com gente [risos]. Tinha que gostar dessa coisa, né? E eu acho que a gente precisa aprender a lidar com os medos; não só eu acho, as pessoas acham, os profissionais da área acham isso. Aprender a lidar com os medos, aprender a lidar com as dificuldades. E a gente só faz isso quando a gente se conhece. E uma maneira boa da gente se conhecer é essa, lidando com pessoas. As pessoas são sempre espelho, né? Se a gente olha uma pessoa e vê dificuldades nela, talvez a gente esteja vendo as nossas próprias dificuldades, a gente sempre aprende. Essas coisas, que são chamadas de alternativas e que eu lido com elas agora, tratam disso, da gente tentar melhorar, tentar evoluir e tentar ser uma pessoa melhor. Melhor para a gente mesmo, porque é sempre melhor para nós. Às vezes, a gente fica em casa com tantos rancores, se preocupando com uma pessoa que fez isso, fez aquilo; se eu tentar melhorar, vai ser melhor para mim. E o lazer está um pouco prejudicado porque eu estou trabalhando muito.

P/1 – Nem pintar, assim, no fim de semana para a sua cabeça?

R – Não, eu faço umas coisinhas. Eu faço um trabalho com as mãos também. Eu tenho umas coisinhas, umas máscaras que eu faço, pequenininhas, tudo em miniatura. Elas são bonitinhas [risos]. Eu faço umas máscaras, às vezes eu desenho também, mas nada na tela nem nada, desenho.

P/1 – Bené, me diga os seus sonhos, ou um sonho seu.

R – Um sonho?

P/1 – Você já falou de vários aqui que já conseguiu realizar. Fala alguma cosa que você gostaria...

R – Um sonho que eu gostaria de realizar.... Eu nem sei. Eu fico pensando, assim, eu acho que o caminho todo que eu tenho na vida, toda a minha trajetória – eu não pensava nisso antes, são coisas que a gente vai descobrindo ao longo da vida – a gente está sempre buscando alguma coisa, né? Você faz um trabalho agora, você melhora, você estuda, você lê, você conhece alguém que tem alguma coisa para dizer, você procura e você está sempre procurando melhorar. Eu acho que o meu sonho é encontrar o verdadeiro caminho. Isso, realmente, é muito forte na minha vida. E o que é o verdadeiro caminho, eu também não sei. Eu acho que é sempre buscando mesmo. Eu estava falando aqui, com uma pessoa aqui dentro, que eu nasci no interior e sempre pensei em morar no Rio de Janeiro, mas eu não estava na minha casa, não estava no meu lugar. Eu achei que eu ia voltar para casa. Isso me emociona muito, profundamente, porque eu vejo que eu não estou falando da minha casa que eu moro, de alvenaria. Isso é extraordinário para mim, mesmo. Isso é um sonho mesmo. Talvez seja o grande sonho da vida. Porque eu pensava sempre em voltar para casa: “eu vou voltar para São Mateus”. A minha família veio toda para cá e eu pensava em voltar para cá. Um dia eu me dei conta, até por conta de começar a lidar com essas coisas espirituais, o que é o voltar para casa. É muito maior do que a minha cidade. E talvez o meu sonho seja esse, é voltar para casa.

P/1 – Bené, eu gostaria de saber se você gostou de ter participado dessa entrevista, o que você acha?

R – Eu gostei muito porque vocês são assim, generosas [risos] porque permitem até que a gente fale isso tudo. Eu fiquei muito... mexeu comigo. Eu fiquei muito comovida de lembrar de coisas e até por ter oportunidade de dizer as coisas que disse. E fico agradecida, muito agradecida a vocês, por serem generosos assim, e a Petrobras, por ter me dado a oportunidade de ter falado a minha trajetória.... Porque eu acho que a minha mãe e o meu tio, que viveram uma vida muito difícil na minha cidade – meu tio veio para Vitória a pé, garoto. Ele tinha histórias fantásticas, maravilhosas da vida dele junto com a minha mãe e contava para nós, para mim, para o meu irmão, para a minha irmã, para os meus primos. Tenho um primo, o filho dele mais velho, que sempre quis gravar as histórias e nunca teve coragem porque a gente só se deu conta das maravilhas das histórias dele quando a gente estava mais velho. Daí, quando a gente estava mais velho, meu tio estava mais velho que nós e meu primo mais velho – chama Winston – tinha receio que o dia que começasse a gravar essas histórias o meu tio morresse, e nunca gravou. Ele gostava de contar as coisas para nós – minha mãe também gosta de contar e eu também – e, de certa forma, eu resgato uma coisa que nós nunca conseguimos fazer, a minha família nunca conseguiu fazer. Embora eu não tenho contado as histórias deles, mas, de certa forma, eu resgato no momento em que a minha história vai ficar gravada. Eu resgato a minha família. Então, eu agradeço isso a uma empresa que eu sempre digo e sempre disse – embora eu tenha dito algumas coisas da Petrobras – eu sempre disse: “eu sou apaixonada pela Petrobras”, então que eu tenha tido a oportunidade também disso, dentro da Petrobras. Mesmo que não tenha um andamento ou outro, mas o fato de eu ter tido a oportunidade eu, simbolicamente – a vida é um simbolismo – eu estou resgatando muita coisa. Por isso acho que eu digo isso: o meu sonho é voltar para casa.

P/1 – Bené, a gente é que tem que te agradecer a sua participação e o seu trabalho. Acho que a Petrobras também pode até estar te agradecendo muito esse trabalho bonito que você está fazendo.

R – Obrigada.

P/1 – Obrigada pela sua participação.

R – Obrigada a vocês.

P/2 – Obrigada.

--- FIM DA ENTREVISTA ---

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