Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Juventino Kaxuyana
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Santarém), 17/01/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV026
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Primeiramente boa tarde parente Juventino, é um prazer tê-lo aqui conosco nesse projeto Indígenas Pela Terra e Pela Vida, projeto do Museu da Pessoa, de São Paulo, um museu virtual, que está juntando trinta histórias de indígenas de todo o Brasil e o senhor foi selecionado para dar essa entrevista e contar a sua história de vida. Quero te agradecer já por ter vindo e sua disponibilidade.
Então, já quero ir perguntando sobre as origens do senhor, se o senhor puder falar o nome do senhor completo em portugês e também se o senhor tem um nome indígena, um nome Kaxuyana?
R - Certo! Então, vou me apresentar. Eu me chamo Juventino Pesirima Kaxuyana, sou do Povo Kaxuyana, sou Cacique de uma das aldeias chamada Warahatxa. Sou da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana.
P/1 - Muito bem, parente! Bom, eu gostaria também de perguntar, ainda nessa linha. Em que ano o senhor nasceu, o local onde o senhor nasceu? E se o senhor pudesse contar um pouco da história de como foi o nascimento do senhor, se os pais do senhor contaram como foi o dia do nascimento do senhor?
R - Bom, para começar, eu… provavelmente, naquela época não tinha escola, não tinha ninguém para registrar. Eu nasci calculadamente 24 de agosto de 1962, na Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, que na época não era Terra Indígena reconhecida. Hoje ele é reconhecida. Então, para contar um pouco da minha história, meu pai morreu quando eu era criança, eu nem conheci o meu pai. Então, um pouco da história dos meus pais. Eu cresci com apoio dos meus irmãos, toda família… A gente não abandona os nossos filhos, nossos parentes, então fui criado pelos meus irmãos, pelos meus cunhados, enfim. Então, eu nasci na aldeia _________ no Rio Cachorro, hoje ela...
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Entrevista de Juventino Kaxuyana
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Santarém), 17/01/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV026
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Primeiramente boa tarde parente Juventino, é um prazer tê-lo aqui conosco nesse projeto Indígenas Pela Terra e Pela Vida, projeto do Museu da Pessoa, de São Paulo, um museu virtual, que está juntando trinta histórias de indígenas de todo o Brasil e o senhor foi selecionado para dar essa entrevista e contar a sua história de vida. Quero te agradecer já por ter vindo e sua disponibilidade.
Então, já quero ir perguntando sobre as origens do senhor, se o senhor puder falar o nome do senhor completo em portugês e também se o senhor tem um nome indígena, um nome Kaxuyana?
R - Certo! Então, vou me apresentar. Eu me chamo Juventino Pesirima Kaxuyana, sou do Povo Kaxuyana, sou Cacique de uma das aldeias chamada Warahatxa. Sou da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana.
P/1 - Muito bem, parente! Bom, eu gostaria também de perguntar, ainda nessa linha. Em que ano o senhor nasceu, o local onde o senhor nasceu? E se o senhor pudesse contar um pouco da história de como foi o nascimento do senhor, se os pais do senhor contaram como foi o dia do nascimento do senhor?
R - Bom, para começar, eu… provavelmente, naquela época não tinha escola, não tinha ninguém para registrar. Eu nasci calculadamente 24 de agosto de 1962, na Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, que na época não era Terra Indígena reconhecida. Hoje ele é reconhecida. Então, para contar um pouco da minha história, meu pai morreu quando eu era criança, eu nem conheci o meu pai. Então, um pouco da história dos meus pais. Eu cresci com apoio dos meus irmãos, toda família… A gente não abandona os nossos filhos, nossos parentes, então fui criado pelos meus irmãos, pelos meus cunhados, enfim. Então, eu nasci na aldeia _________ no Rio Cachorro, hoje ela é conhecida como Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana. Então, um pouco da minha história, quando talvez eu tinha uns três ou quatro anos de idade, o meu povo Kaxuyana e Kahyana também, foram levados pelos missionários com apoio da FAB [Força Aérea Brasileira], no tempo da ditadura militar, para se juntar… saímos do Rio Cachorro para se juntar na fronteira do Brasil com o Suriname com o povo Tiriyó. Isso foi em 1968, fomos levados para lá. Lá já tinha a FAB lá, os missionários lá, então ficamos todos esse tempo lá durante 46 anos, mas o nosso território nunca ficou abandonado, sempre o meu povo vinha para cá para visitar, para ver como é que estava. E nesse meio tempo, em 1976, eu saí, eu Juventino saí para estudar fora, no Alto Rio Negro do Amazonas, fiquei quatro anos lá e voltei em oitenta para Aldeia chamada Missão Tiriyó, que fica na fronteira Brasil com Suriname. Então a partir daí começa a minha história de liderança. A minha começou no Alto Rio Negro quando eu voltei e comecei a trabalhar como professor, primeiro professor indígena na região, naquela época.
P/1 - Muito bem! O senhor falou a respeito, citou o pai do senhor aí. Eu gostaria que o senhor falasse um pouco também da mãe do senhor, da origem dela, dessa parte da família, quem era ela?
R - Então, o meu pai se chamava Juventino Kaxuyana também. A mãe se chamava Maria Kaxuyana. Nosso nome, nosso nome hoje, leva, por exemplo, o meu nome é Juventino, nome português... nome indígena e Kaxuyana o nome do povo, no final leva o nome da etnia. Então, o meu pai era um Cacique, era um Pajé respeitado na região. Ele foi, meu pai, um dos líderes reconhecidos no município de Oriximiná. A minha mãe também era uma liderança. Éramos poucos, aldeias espalhadas, mas o meu pai sempre foi uma liderança, sempre respeitou e sempre foi respeitado. Então, como eu falei, eu não conheci o meu pai, só conheço um pouco da história dele, que ele era rígido nas decisões dele. Por exemplo, ele era um homem de coração bom, mas quando… na hora da decisão dele, sim ou não, aí era pesado. Eu tenho uma história dele, do meu pai, que chegou uns madeireiros, parece que para pedir para trabalhar, ele pediu. “Beleza, só que com umas condições, você vai trazer - na época - tantas espingardas para esses meus filhos aqui”. “Beleza!” Aí o cara foi, voltou, aí o meu pai disse: “Cadê a minha encomenda?” “Tá chegando!” Ele voltou para a cidade: “Tá chegando!” Aí meu pai disse: “Ó, leva esse cidadão, deixa lá naquela ilha em tal lugar”. Meu pai pediu para deixar ele por uma semana sem rede, sem panela, sem fogo, sem nada, para ele aprender a respeitar nós, povo indígena. Essa é um pouco a história do meu pai como liderança e Cacique do nosso povo. Em relação a minha mãe, ela era assim, o nosso povo sempre funcionou dessa forma, era mulher trabalhando com as próprias mulheres, trabalho de mulher, ela era responsável, trabalho dos homens, ele era responsável. Isso é um pouco da história do meu pai.
P/1 - Parente Juventino, o senhor contou a respeito do pai do senhor, da mãe também. Eu gostaria que o senhor falasse dos irmãos, irmãs, se o senhor tem, quem são eles, onde eles estão?
R - Tá bom! Então, parente, éramos oito irmãos, cinco homens e três mulheres. Hoje nós somos, já se foram quatro, e hoje ainda somos quatro, três homens e uma mulher, só, da nossa família. Hoje, assim, nós, em 1968, quando nós fomos levados da nossa terra para outro território, fomos todos juntos até uma aldeia chamada Missão Tiriyó, em 1968. E ficamos lá até a década de noventa, ficamos lá junto com aquele povo. Então, hoje somos quatro, os demais já faleceram. Hoje estamos espalhados em três lugares, na verdade dois lugares, não sei se eu vou contar agora ou depois, um pouco do nosso retorno. Eu acho que vou começar por aí, contando um pouco da história para chegar até o ponto onde você quer chegar. Então, posso contar? Tá certo! Então, em 1976,19 77, eu saí como jovem para estudar fora e fui estudar no Alto Rio Negro, chamado, você deve saber, chamado São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, fui estudar para lá. Fiquei quatro anos lá, com vários jovens estudantes, e nos anos oitenta eu voltei, casei. E a gente não teve mais apoio para voltar, para estudar, casei e comecei a trabalhar na Missão Tiriyó. Então, a partir daí eu fui um dos primeiros professores indígenas do meu povo e do povo do Tiriyó. Eu sou Kaxuyana casado com uma Tiriyó, filha de um Pajé, hoje já é falecido também. Então, a partir daí é que nós começamos a lutar pelos nossos direitos do nossos territórios. E o nosso território nunca ficou esquecido, sempre vinham pessoas, parentes, para visitar, para ver como é que estava. E em 99, nós de fato começamos a discutir mesmo, de que forma nós íamos voltar para o nosso território, já que o nosso povo foi levado de avião, se fosse pela estrada seria mais fácil, mas o meu povo foi levado de avião, para um lugar bem isolado, onde o acesso é só via aéreo. Então, em 1990 começou-se a discussão sobre o território, começamos a discutir sobre a demarcação da Terra Indígena Parque Indígena Tumucumaque, no norte do Pará, e no mesmo momento a gente estava discutindo o nosso retorno para o nosso território de origem. A partir daí começamos a discutir como é que nós vamos voltar, quem é que vai nos dar apoio para gente voltar, mas como, na época, a gente não tinha apoio, a FAB nos abandonou, os missionários nos abandonaram, e tivemos que voltar da forma por conta própria, muitos voltaram por conta própria. E em 2001, eu com o finado meu irmão, também já falecido, Honório, viemos ao município de Oriximiná para conversar com o prefeito, para ver como é que estava o nosso território. E ele falou que estava intacto, da forma que nós deixamos, enfim. E nesse mesmo ano começaram a vir as primeiras famílias voltando de retorno, hoje eu chamo de retomada do território, já que voltamos por conta própria. Então, hoje eu chamo isso de retomada do território. Em 2003 demos entrada no processo de reconhecimento de território, então eu fiz, eu estou na frente dessa luta até então, eu comecei, tô indo, e vou continuar até o final. Hoje, em 2015, a FUNAI até que enfim reconheceu como Terra Indígena, e ao final dos últimos 45 minutos do Michel Temer, o ministro reconheceu o território como Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana. A partir daí o meu povo está espalhado, tem uma parte que já retornou para Terra Kaxuyana-Tunayana, e a outra parte, ainda tá, maior parte, ainda tá no Tumucumaque, Parque Indígena do Tumucumaque. Então nós estamos nessa retomada, já avançamos bastante e queremos finalizar com essa demarcação do nosso território, ainda, provavelmente esse ano com os novos gestores indígenas que estão estão aí na frente do ministério, nosso ministério e também na FUNAI.
P/1 - Com certeza, parente! Eu torço muito para esse momento que a gente sempre sonhou. E para não perder o raciocínio do que o senhor estava dizendo, a respeito dessa retomada, agora vocês retornaram para o território de origem. Eu gostaria de fazer uma pergunta a respeito do significado do território para o povo Kaxuyana. O que significa o território de origem para vocês?
R - O território de origem significa para nós de onde o povo nasceu, de onde o povo nasceu, isso a gente chama de origem, foi dali que o meu povo nasceu, e foi ali que o nosso povo surgiu. Então, para nós é uma retomada histórica, temos muita história ali nessa região, e como o povo Kaxuyana surgiu, de onde surgiu. Então, para nós é um orgulho termos retomado esse território.
P/1 - Muito bem! Eu gostaria de voltar um pouquinho atrás. O senhor contou que o senhor saiu do território de origem muito cedo, depois foi estudar. Mas eu fiquei, muito assim, interessado em saber também, como foi o tempo de criança do senhor? O que o senhor aprendeu nessa época? Ouviu muita história? Quem contou a história para o senhor? Dos aprendizados, da cultura, se pescou, se caçou? Então, gostaria que o senhor contasse um pouco dessa lembrança.
R - Tá bom! Então eu tenho muitas lembranças do passado, tenho muitas lembranças do passado, e como eu falei anteriormente, que eu cresci sem o meu pai, mas fui criado pelos meus irmãos, meus cunhados, principalmente meus cunhados.
Então, eu estava contando exatamente isso, como eu tava falando, eu cresci sem meu pai, não conheci meu pai, mas graças a Deus eu fui criado pelos meus irmãos, meus cunhados. Então, agora, tenho muitas lembranças sim, quando eu era, nós éramos crianças, vários jovens, a gente brincava muito como jovens, fazer coleta, caçar e pescar, formas de aprender a sobrevivência. E nas histórias, meu cunhado, Albino Kaxuyana, eu andava muito com ele, então ele contava muita história, ele que me ensinou a caçar, pescar, essas coisas aí. Também as histórias do passado, como é que cada povo se encontrava, então tenho essa lembrança do passado sim, dos mais velhos, que nos ensinaram a sobreviver como indígena.
P/1 - Eu quero voltar a um outro assunto, que é do tempo da escola, que o senhor foi estudar fora do território, lá junto, onde estava com os Tiriyó. Como foi esse período na escola, que lembranças o senhor tem, assim, das primeiras palavras que o senhor aprendeu a ler, escrever. A professora, se o senhor lembra os amigos, se o senhor pudesse contar um pouco.
R - Um pouco eu me lembro, um pouco, porque a gente não vai repetindo mais, muita coisa a gente vai esquecendo. Então, quando criança a gente foi para a Missão Tiriyó, e lá na época tinham as freiras, as irmãs, que tomavam conta da escola. Então a gente ia para escola aprender. Na verdade eu aprendi, eu tinha muita cabeça dura, eu era ruim de gravar. Então, a professora levava a gente, ensinava a ler os alfabetos, as vogais, “então para formar palavras”. Eu fui aprendendo aos poucos, palavra por palavra, soletrando, assim que eu aprendi a ler e escrever. A partir daí também a gente levava tudo na brincadeira, a gente pegava os amigos lá, a gente ia… depois da escola a gente ia caçar, comer, na verdade tipo, hoje diz piquenique, a gente pegava a farinha, pegava biju e ia comer fora, nos Igarapés.
P/1 - Nessa época, ainda não era a educação escolar indígena que nós temos hoje. Qual a diferença daquele tempo para as escolas - o senhor disse que foi professor, é professora ainda -. Qual a diferença daquela escola para a escola de hoje nas aldeias?
R - Olha, infelizmente a verdade é que não há, não há diferença hoje, eu não sei em outros lugares, na nossa região não há diferença do passado com escola diferenciada. O que o município... o calendário do município é levado para as aldeias, então segue o calendário do município. Lá na minha época a gente era mais à vontade, eu fazia meu próprio… Na verdade, eu não fui preparado para assumir escola, só porque eu estudei fora, aí voltei para aldeia, então eu era o único, na época, que estava assim, com um pouco de preparo. Mas nenhuma formação, nenhum preparo para assumir uma sala de aula, mas eu assumi na cara e na coragem, então eu fui aprendendo. Da maneira que eu estava ensinando eu também ia aprendendo formas próprias, formas próprias nossas, até mesmo a sobrevivência, enfim. Eu falava na língua e falava português, eu fazia essas duas cruzadas aí de línguas. Então, quer dizer, aprendi a ler na própria língua e aprendi a ler e escrever também em português. Então eu tinha esse papel de fazer essas duas ligações. Nunca fiz assim, só português, português, eu sempre cruzava as duas línguas, ou as três línguas. Foi muito bom, para mim foi um aprendizado.
P/1 - Eu sei como é, eu também sou professor indígena, entrei assim, como o senhor, ensinando e também aprendendo. E aí o senhor falou que foi professor, é Cacique, liderança, o senhor teve um outro trabalho antes de ser professor? Em outros trabalhos, fez alguma outra coisa também, sem essas funções?
R - Então, parente, antes de ser professor, não! Mas a partir daí que eu fui professor, eu fui tradutor das línguas, você sabe que na nossa região muitos não falam em português, não entendem, até hoje tem essa forma da gente fazer as nossas reuniões, sempre com tradução para que a comunidade, o povo, entenda melhor o significado da reunião. Então, primeiro eu fui professor, depois dentro dessa linha fui tradutor, fui tradutor de línguas, da nossa para o português e do português para a nossa língua. E depois fui… eu saí, é assim, eu fui indicado para assumir um recurso do Governo Federal, na época chamava Caixa Escolar, onde o Governo Federal e o Estado repassavam para as instituições recursos, diretos para serem geridos nas escolas. Então, como talvez as lideranças, Cacique na época, só tinha eu, assim, um pouco, não vou dizer preparado, mas assim, mais ou menos. Então me indicaram para assumir o Caixa Escolar, que é um recurso do Governo Federal. Eu também assumi sem nenhum preparo, jogaram, o governo jogou: “Ó, tá aqui esse recurso, vai ser feito assim, assim, assado”. Pronto! Nunca chegou: “Ó, as coisas funcionam assim, assim”. O problema do governo é assim, joga a responsabilidade dela para outras instituições, então aconteceu isso comigo. Então, eu fui gestor, depois disso, eu fui gestor do Caixa Escolar, aí depois voltei para a aldeia, aí eu… tinha uma associação chamada APITU, Associação dos Povos Indígenas do Tumucumaque, onde nós, o meu povo entrou, assim, fazendo serviços voluntários para aprender como funcionava uma associação, como funcionava uma associação, qual é o caminho. Aí nós entramos para fazer trabalho voluntário, também para aprender. Aí depois nós fomos inseridos como parte da diretoria e aprendendo mais. Aí eu já tinha aprendido um pouco mais e começamos a discutir a nossa própria associação, independente da APITU, que é Tumucumaque Oeste, chamado… Nós criamos em 2003. Eu fui gestor dessa associação por seis anos, aí nessa época eu já estava fazendo essa articulação de retorno para o meu território. Mas já tinham famílias lá, já tinham retornado. Então, quando fiz seis anos de gestão dá… a sede fica em Macapá. Aí voltei para o meu território e fundamos outra associação aqui, já com o pessoal que já retornou, já tinha retornado. Nós criamos chamado… Então, a partir daí nós criamos e eu também fui gestor por dez anos. E agora eu estou nessa luta aí, tem outros jovens que assumiram, eu estou só acompanhando e dando suporte para esses jovens atuais, que estão aí na frente.
P/1 - O senhor ainda é Cacique, né?
R - Sou!
P/1 - Eu fui Cacique também, durante cinco meses. Eu gostaria de saber como o senhor foi escolhido para ser Cacique? Como é ser Cacique também?
R - Então, assim, como o meu pai era conhecido, tanto nos não indígenas, como indígenas, meu pai era conhecido. Então, nossa forma de ser Cacique e passando de um pai para o outro, então quando o meu pai faleceu, assumiu meu irmão, aí depois fomos para a Missão Tiriyó. E sempre, assim… o pessoal me considerou como Cacique. E voltando, hoje, assim, eu não fui indicado, aí geralmente, quem é cacique, é o fundador de uma aldeia. Então, como o meu pai fundou a aldeia… na época, então consideram isso, hoje eu sou Cacique nesse sentido, em homenagem ao meu pai. E também já tem outra aldeia independente de onde eu nasci.
P/1 - Falando da aldeia agora, vocês estão aguardando aí essa demarcação, agora por esse governo. E como vocês estão organizados aí na comunidade? O senhor falou da escola, tem atendimento na saúde? Quantas famílias vocês são hoje? Como está essa organização da comunidade hoje?
R - Então, depois que o território foi reconhecido, hoje dentro da TI Kaxuyana, estamos com dezessete aldeias ao longo dos rios, ao longo dos rios dezessete aldeias. A primeira a ser reaberta foi a Aldeia Santidade, aldeia onde eu nasci, foi reaberta, e a partir dali, daquela aldeia, foi reabrindo novas aldeias ao longo dos rios, onde eram as aldeias antigas, porto antigo. Então, foram retomando esses lugares. Em relação a saúde, a saúde também, com muita luta, nós conseguimos levar a saúde para lá, porque, assim, eles falavam que a saúde, se a FUNAI não reconhece as aldeias, os territórios, a saúde não pode chegar lá, aí com muita luta nós conseguimos que a saúde também viesse para a nossa região. E hoje, apesar de ter dificuldade da equipe chegar na nossa região, não temos profissionais fixos, nós estamos nessa luta, deixar um equipe fixa para que atenda as demais aldeias próximas. Mas pelo menos o profissional passa vinte dias na nossa região, depois vai embora. Aí fica assim, é aberto. Isso também é um problema para nós. Em relação à educação, educação tá difícil, tá difícil. Nós não temos escolas construídas pelo estado, ou pelo município, aqui na nossa região é município que é responsável. Não temos escolas construídas pelos municípios, só temos professores contratados pelo município. Mas a dificuldade são as escolas, local físico. A mesma coisa também a saúde, não temos, hoje, na nossa região, nenhuma estrutura para a saúde indígena. A estrutura que temos hoje são os próprios indígenas que estão se esforçando para que os profissionais também venham atuar. Espero que a partir do parente que está lá no Ministério da Saúde, venha conversar mais com a gente para melhorar a nossa saúde em todos os sentidos.
P/1 - Com certeza, parente! A gente está botando fé nisso. E falando sobre saúde, eu gostaria de perguntar, como foi enfrentar o Coronavírus, desde que ele começou, alguém chegou a falecer de Covid na família do senhor ou na comunidade, na aldeia? Como vocês fizeram para enfrentar esse vírus aí?
R - Parente, não foi fácil, não foi fácil! A gente teve que fazer barreiras para que o povo não descesse e nem subisse. Quando soubemos que o Coronavírus estava chegando, ainda estava em suspeita, nós nos reunimos, as associações, com a SESAI, com o Ministério Público, Secretária de Saúde, nos nós reunimos, e a FUNAI também, nós nos reunimos para ver o que a gente ia fazer, como é que a gente ia, a partir desse momento, fazer com os nossos povos. Aí então, vários encontros, várias reuniões virtuais e decidimos que já que estava ainda em suspeita: “Vamos mandar o nosso povo que está aqui na cidade, que está em tratamento, que estão por aqui, vamos mandar todo mundo para a aldeia”. Nós fizemos isso, parente, nós fizemos isso. E pegamos apoio da COIAB, dos parceiros, para levar todo mundo para a aldeia, foram mais de trezentas pessoas que estavam na cidade que devolvemos para as aldeias. Também, para segurar esse povo não foi fácil, nós seguramos esse povo juntos, todos nós, durante um ano, durante um ano nós conseguimos segurar esse povo nas aldeias. E assim, praticamente, suspeito que meu irmão Honório faleceu de Covid, porque foi no auge da pandemia, ele veio para a cidade, se internou e acabou falecendo. Para mim, ele foi morto pela Covid. Então, foi dessa forma. E nós, eu estava na gestão da associação, eu fiquei com cinco pessoas na cidade, para dar suporte aos parentes que estavam na aldeia, outra associação também ficou como suporte para levar cesta básica, fazer suporte para o pessoal não descer. Durante um ano nós conseguimos segurar, quando o Ministério Público afrouxou, baixou todo mundo, quando voltaram, levaram Coronavírus. Graças a Deus, parente, na aldeia ninguém morreu de Covid, porque todos se trataram com medicina tradicional, medicina tradicional. Todos estavam preparados, graças a Deus ninguém da nossa região foi levado pela Covid. Mas não foi fácil.
P/1 - Gostaria de voltar um pouquinho nas perguntas, hoje quem auxiliou o senhor aí, os filhos, a filha. O senhor constituiu família, casou, tem filhos? Se o senhor puder contar um pouquinho da família do senhor. Como o senhor conheceu a esposa do senhor? E contar um pouco dos filhos do senhor também?
R - Tá bom! Então, eu conheci, eu cresci na Missão Tiriyó, eu cresci, fui criança e cresci lá. E a minha mulher, hoje, ela é filha de um Pajé, esse Pajé nos acolheu, quando nós chegamos junto ao povo dele, esse homem nos acolheu. E da minha família, meu irmão… ele deu a cunhada dele para o meu irmão, filho dele para minha irmã, e por fim, eu caçula da família, fiquei com a filha desse cidadão. Aí a partir daí, assim, o nosso costume, do povo dela é nosso, é que quando casa fica alguns anos junto com o sogro, com a família dela, isso aconteceu, aí fiquei vários anos juntos com o meu sogro, com a minha sogra, mas junto com ela. E a partir daí, alguns anos depois, a gente se mudou, construímos a nossa própria casa, e onde nós conseguimos construir uma família, né? Tivemos sete filhos, cinco mulheres e dois homens. E a maioria estudou para dar suporte, a nossa ideia é essa: sair para fora, estudar, e voltar para ajudar o seu povo. Então, hoje eu tenho o meu filho que fez, é Técnico de Enfermagem, voltou para a aldeia. Tem outros que estão fazendo outros cursos. E o último passou em Medicina, espero que ele vá até o final. Assim é a nossa vida. Então, meu povo está espalhado no Tumucumaque e na Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana.
P/1 - Muito bem! Parente, hoje, depois pensando, olhando para trás, todas essas lutas que vocês tiveram enquanto povo, a luta do senhor pela defesa do território, pela família do senhor também. Quais são as coisas mais importantes para o senhor hoje? E os sonhos que o senhor tem? E o que o senhor gostaria de deixar para os mais jovens, para o seu povo?
R - Parente, eu tenho vários sonhos. Primeiro sonho, primeiro sonho é deixar o território demarcado e homologado, esse é um dos primeiros sonhos. Segundo sonho é deixar as aldeias equipadas, com saúde, fazer projetos para ter energia solar, água potável, isso eu quero deixar para o meu povo, esse sonho que ainda não realizei, mas com certeza, se Deus quiser a gente vai realizar, esse aparato que eu quero deixar para o meu povo, para os meus jovens, meus familiares, enfim. Eu luto só não pelo povo, pelo meu povo, eu luto pelo bem estar do povo em geral. Hoje, na nossa região, só para você ter uma ideia, nós temos três territórios, um colado no outro, que nem casco de jabuti, a gente denominou ela de jabuti… na nossa língua jabuti é… então são três territórios ligados um ao outro, que a gente está lutando para que essa floresta permaneça em pé. Não sei se eu respondi.
P/1 - Respondeu sim! Bom, eu fiz algumas perguntas aqui da minha lista de perguntas, mas como esse documentário, esse vídeo vai ser muito importante para muita gente ver e entender como que está a luta de vocês aí com território, esses sonhos que o senhor pretende ver ainda realizados, que é a demarcação do território e equipar a aldeia com energia solar, água potável. Então, assim, eu gostaria de perguntar para o senhor se ficou alguma história que eu não perguntei, eu não fiz alguma pergunta, assim, que o senhor gostaria de ter respondido hoje? Alguma coisa que eu não perguntei que o senhor gostaria de falar.
R - Eu acho que as perguntas que você fez, é assim, um pouco da nossa história, que você falou, a nossa história, a nossa origem, que chama de origem, né? A nossa origem vem de um arco de dois seres chamados Purá e Mungá, qual dali transformou pessoas para ocupar seu território. Então, a partir dali é a nossa origem. Eu acho que a maior parte o senhor já respondeu, você já respondeu. Então, a luta vai continuar, eu estou na frente dessa luta como bucha de canhão, estou na frente do Movimento Indígena, faço parte do Movimento Indígena, da nossa federação, da nossa região, onde tem movimento, eu estou ali, estou ajudando, estou apoiando.
P/1 - O senhor me despertou aqui uma pergunta, nós estamos no tempo ainda. Acho que para o senhor e para a consulta do senhor. O senhor falou de movimento, que o senhor participa de movimento, assim, eu gostaria de saber um pouco dessa participação do senhor em movimento? O senhor vai para Brasília, vai para o Acampamento Terra Livre, qual movimento o senhor costuma participar?
R - Eu participo de vários movimentos, quando tem encontros em Belém, eu vou; quando tem Acampamento Terra livre a gente tá lá. Outros movimentos, por exemplo, Marco Temporal, onde tem encontros nacionais, a gente está lá; se tiver encontro de saúde, a gente vai estar lá. Então, assim, eu faço parte desse movimento, nacionais, regionais e locais. Recebendo aqueles sprays de pimenta lá em Brasília, eu estava lá.
P/1 - Eu devo ter encontrado o senhor, a gente deve ter passado por perto lá e a gente não se conheceu. No ano passado, 2021, eu fui em junho, que teve aquela briga com a polícia, na FUNAI, lá na Câmara, eu também estava lá, e depois fui nos outros encontros também. Acho que a gente acabou passando um perto do outro e não se conhecia.
Pra gente fechar, parente, eu gostaria de perguntar, como foi contar a sua história de vida hoje aqui pro Museu?
R - Pra mim, contar a minha história de vida pessoal, pra mim é muito importante, porque não fica só comigo, o povo, os parentes, quem for acessar, vai saber um pouco da nossa luta, é esse objetivo nosso, abranger maior número de pessoas, porque hoje nós estamos praticamente escondidos atrás de um outro povo, e nós queremos ser visibilizados. É essa a nossa intenção.
[Fim da Entrevista]
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