Entrevista de Mauricio Ruiz
Entrevistado por Rosana Miziara
Miguel Pereira, 17 de fevereiro de 2025
PCSH_HV1444
P/1 Bom dia Maurício, tudo bom? Primeiro eu quero agradecer aí a aceitar prontamente o nosso convite. Então, como eu te disse, nós vamos fazer uma entrevista de história de vida. Com essa metodologia do museu que eu expliquei. Maurício, vamos começar do jeito clássico. Qual é seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Tá, meu nome completo é Maurício Ruiz Castelo Branco. Nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 1982. E hoje moro em Miguel Pereira, interior do Rio de Janeiro.
P/1 Como que é o nome dos seus pais?
R - Meu pai chama Carlos Frederico Castelo Branco e minha mãe, Cecília Landa Ruiz.
P/1 Vamos falar um pouco dos seus descendentes. Você pode falar um pouco da história do seu avô, pai do seu pai? Você conhece essa história?
R - Sim, sim. Os meus pais… Parte da minha mãe veio da Bolívia, tá? Minha mãe veio da Bolívia muito cedo. Ela tinha cerca de 5 anos de idade quando veio para cá com minha avó, né? E trouxe todos os filhos. Solteira. Trouxe todos os filhos da Bolívia para tentar achar um lugar melhor para trabalhar e tudo mais. Então, a minha descendência é dos altiplanos, né?
P/1 E você sabe o que os seus avós faziam lá?
R - Então, a minha avó, ela casou muito cedo, casou com 15 anos de idade. Quando ela se separou, ela decidiu vir ao Brasil, vir pro Brasil, e ela também era nova ainda, tinha 20 anos, mais ou menos, mas já carregava 3 filhos. Os meus bisavós eram… eu não sei direito, acho que meu bisavô era tenente coronel do exército boliviano, né? E minha bisavó era dona de casa, mas descendente de indígenas dali, daquela região dos altiplanos, né? E de parte de pai, meu pai era do Rio de Janeiro, meu avô também era do Rio de Janeiro, minha avó também, né? Meu avô era contador. O pouco que eu sei que ele também morreu muito cedo, meu avô. Mas eu sei que esse sobrenome,...
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Entrevistado por Rosana Miziara
Miguel Pereira, 17 de fevereiro de 2025
PCSH_HV1444
P/1 Bom dia Maurício, tudo bom? Primeiro eu quero agradecer aí a aceitar prontamente o nosso convite. Então, como eu te disse, nós vamos fazer uma entrevista de história de vida. Com essa metodologia do museu que eu expliquei. Maurício, vamos começar do jeito clássico. Qual é seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Tá, meu nome completo é Maurício Ruiz Castelo Branco. Nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 1982. E hoje moro em Miguel Pereira, interior do Rio de Janeiro.
P/1 Como que é o nome dos seus pais?
R - Meu pai chama Carlos Frederico Castelo Branco e minha mãe, Cecília Landa Ruiz.
P/1 Vamos falar um pouco dos seus descendentes. Você pode falar um pouco da história do seu avô, pai do seu pai? Você conhece essa história?
R - Sim, sim. Os meus pais… Parte da minha mãe veio da Bolívia, tá? Minha mãe veio da Bolívia muito cedo. Ela tinha cerca de 5 anos de idade quando veio para cá com minha avó, né? E trouxe todos os filhos. Solteira. Trouxe todos os filhos da Bolívia para tentar achar um lugar melhor para trabalhar e tudo mais. Então, a minha descendência é dos altiplanos, né?
P/1 E você sabe o que os seus avós faziam lá?
R - Então, a minha avó, ela casou muito cedo, casou com 15 anos de idade. Quando ela se separou, ela decidiu vir ao Brasil, vir pro Brasil, e ela também era nova ainda, tinha 20 anos, mais ou menos, mas já carregava 3 filhos. Os meus bisavós eram… eu não sei direito, acho que meu bisavô era tenente coronel do exército boliviano, né? E minha bisavó era dona de casa, mas descendente de indígenas dali, daquela região dos altiplanos, né? E de parte de pai, meu pai era do Rio de Janeiro, meu avô também era do Rio de Janeiro, minha avó também, né? Meu avô era contador. O pouco que eu sei que ele também morreu muito cedo, meu avô. Mas eu sei que esse sobrenome, Castelo Branco, é de pessoas que vieram do nordeste brasileiro. Mas eu não conheço muito profundamente essa trajetória, não.
P/1 Você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R - Ah, certamente, né? Essa parte, eu sei bem! Meu pai sempre foi uma pessoa muito ligada a parte de comunicação, tá? Ele era fotógrafo, era diretor também de vídeo, tinha uma produtora no Rio de Janeiro. Mas, óbvio, antes dele ter isso tudo, né? Ele era um profissional da área de fotografia que foi pros Estados Unidos durante um tempo, estudou fotografia lá e também gostava muito de fazer teatro. E os meus pais se conheceram no teatro. Ele estava fazendo Mágico de Oz e a minha mãe foi ver, foi participar de um ensaio e eles se conheceram lá, já muito cedo, eles tinham por volta de 18, 19 anos. Se apaixonaram e se casaram.
P/1 Mas a sua mãe fazia o que? Ela veio pra cá, sua avó?
R - Minha mãe era muito nova, né? Assim, ela estudava, era estudante ainda, né? Tinha 18 anos. Logo que minha mãe, minha avó… Porque minha avó teve muitos filhos, só que ela era solteira. Então, ela veio ao Brasil e trabalhava demais, sempre foi muito trabalhadora, trabalhou no consulado da Bolívia, trabalhou na OEA, trabalhou… Era tradutora, secretária. E muito competente, sempre teve muitos empregos. Por conta disso, ela teve que colocar os filhos dela numa escola em tempo integral. Na verdade não seria esse nome, seria um internato. Então a minha mãe ficou muitos anos num internato no interior do Rio de Janeiro, aqui em Valença. E ficava, só via meus avós praticamente uma ou duas vezes ao ano. E aí, depois de uma certa idade, ficou mais adolescente, voltou pro Rio de Janeiro e era estudante quando conheceu meu pai.
P/1 Você chegou a conhecer sua avó?
R - Minha avó, sim. Minha avó tá viva até hoje, tá! Ela mora aqui pertinho. Hoje moramos todos em Miguel Pereira. Nós saímos do Rio de Janeiro. Meus pais foram os primeiros a vir pro interior e acabou que o resto da família também veio para o interior. Então, hoje ela está morando aqui pertinho de mim. É uma pessoa sensacional, assim, tem muita história, muito viajada, e que tem uma história linda de superação. Uma mulher que saiu do seu país praticamente sozinha, com um monte de filhos, sempre se virou, criou todo mundo, né? E tem muitas histórias desde a época da Bolívia. Essas histórias mais indígenas e tal. E eu acho que ela que talvez tenha criado essa relação minha com a com as plantas muito forte. Acho que as minhas duas avós, mas ela principalmente porque se hoje você visitar a casa dela, tem planta para tudo que é lado.
P/1 E ela te contava algumas dessas histórias dela.
R - Sempre contou muito. Sempre. Como bom falador, sempre fui um bom escutador.
Conta uma história aí que ela te contava?
Ah! Olha só, tanto ela quanto minha bisavó, porque minha bisavó morou com a gente durante muito tempo. E minha bisavó faleceu com 102 anos. Então, assim, no final da vida dela que ela passou conosco. Ela sempre gostava muito de falar das origens e ela falava em aimará. Que é uma língua indígena daqueles povos que vivem ali na Bolívia, no Peru e tudo mais. Então, ela sempre me contou muitas histórias, falou muitas, me ensinou também a cantar muitas músicas aimarás. Mas a minha avó, que é essa pessoa super lutadora, ela por muitas vezes me levou para dentro da floresta, sabe? Muitas. Mesmo morando no Rio de Janeiro, tem um momento que foi muito importante, que eu lembro muito bem, na Tijuca, que enfim, é um bairro do Rio de Janeiro, tem uma das árvores mais antigas do Rio de Janeiro, praticamente ninguém vê. Quando passa pela principal, ali, pela Marise Barros, quase não vê essa árvore, que é uma árvore que é meio escondida, uma figueira roxa. E quando eu comecei a criar uma relação muito forte com a mata, com a floresta, ela um dia veio pra mim e falou assim: Maurício, vou te levar pra conhecer uma árvore que você vai amar. E aí, eu era pequenininho, ela foi comigo… E nem imaginava, a gente entrou num lugar e quando abriu, descortinou, uma árvore monstruosa que tem lá, uma árvore que tem… deve ter pelo menos uns 200 anos. Hoje é tombada pelo patrimônio histórico natural do Rio de Janeiro. Isso me marcou muito fortemente, sabe? Quando ela me mostrou aquela árvore. Porque eu não imaginava, no meio da cidade, uma árvore tão grande, tão antiga, tão bonita que a gente passa sempre e que acaba não reparando nessas belezas, ser tão extraordinário e tal. Isso é uma coisa que eu carrego já há muitos anos comigo. E foi ela que me carregou pra conhecer.
P/1 E ela passava esses costumes, essas histórias indígenas?
R - Sim, sim. Sempre falou muito sobre isso. Apesar de os indígenas, os altiplanos, o ambiente que tem lá e aqui são muito diferentes, obviamente. Mas essa coisa da resistência, da mulher forte, sabe? De não esperar os outros, de não ficar pedindo muitas coisas, sabe? Foi uma coisa que eles sempre me passaram muito, sempre se viraram muito, sabe? A vida nunca foi tão fácil. E particularmente, na minha família, a presença feminina é muito forte porque as mães sempre foram as grandes cuidadoras. Isso é muito forte nos povos que vem dos altiplanos. As mulheres são o ponto central da família mesmo. Então, isso sempre foi passado muito pra mim, muita força. Mas, enfim.
P/1 Você lembra de algum canto que ela te ensinou?
R - Sim, claro!
Você pode cantar um trechinho?
R - É um que eu nunca mais vou esquecer. Chama saririuaia sarikaniwa, biritá que parireua cascaniua. Significa que é o que se dá, se dá. E o que se busca é aquilo que se quer, entende? Lógico que tem mais. Mas ela sempre cantava isso pra mim.
P/1 E a sua mãe, ela tinha essa relação com plantas também?
R - Não, minha mãe, não, minha mãe teve uma relação com a espiritualidade muito forte. Num determinado momento, no Rio de Janeiro, naquela vida da cidade. Eu morava, era garoto de apartamento, morava na Tijuca, um prédio de 18 andares, cada andar com 4 apartamentos. Enfim, era aquele caos do Rio de Janeiro. Eu sempre me senti meio deslocado e muito por conta dessa dessa forma dos meus pais lidarem com a espiritualidade. Eu acho que isso eu carreguei muito forte. E eles liam naquela época já, muito ramatis. Não sei se vocês, que estão escutando aí conhece? Mas é um espírito que psicografa muitos anos. Psicografado há muitos anos e que já há quase 100 anos atrás ele falava da mudança do clima. Ele falava muito fortemente que o mar ia subir, que as geleiras iam derreter, que o clima ia mudar, ia ficar tudo mais quente. E os meus pais, não no discurso técnico das mudanças climáticas hoje, que é o que a gente assiste, muito fortemente, porque isso veio só pós Rio 92. Através de um discurso mais espiritual, eles decidiram sair do Rio de Janeiro, sabe? A decisão de sair da cidade do Rio de Janeiro e vim pro interior tá muito relacionado a esses depoimentos psicografados do ramatis. Que já dizia naquela época que o clima ia mudar demais, que era bom sair de áreas que eram muito costeiras. Os meus pais tomaram essa decisão. Meu pai tinha uma produtora muito grande no Rio de Janeiro, ali na torre do Rio sul, um lugar super privilegiado, e eles decidem abandonar tudo e vim pro interior. E eu saio então dessa cidade, de um lugar, de um prédio, pra vim, ter um contato mais com a floresta. E aí, minha mãe criou mais essa relação com a natureza e os meus pais a partir desse movimento. Mas foi um movimento que veio a partir dessa espiritualização.
P/1 E você veio para cá com quantos anos?
R - Eu vim para cá com 9 anos, 9 anos de idade.
P/1 Você tem irmãos?
R - Tenho uma irmã.
P/1 Quantos anos?
R - Ela é 3 anos mais velha do que eu.
P/1 Como é o nome dela?
R - Ana Terra.
P/1 Como é que era vocês nesse apartamento da Tijuca? Como é que era a distribuição da casa?
R - Era uma vida de classe média. Não, classe média alta. A gente morava na Tijuca, que é subúrbio, é considerado um subúrbio do Rio de Janeiro. Eu, particularmente, sempre me senti muito… Não me sentia muito bem na cidade. Hoje eu sei, naquela época eu não sabia. Mas eu consigo… Depois que a gente fez esse movimento pro interior, e eu acho que Ana Terra também sentiu isso muito fortemente. Aí, a gente começou a ver quanto a nossa vida não era tão boa na cidade, sabe? Não tinha tanta liberdade. Década de 80, muito bullying, muita… Aquela Juventude, enfim, muito marcado por essa violência. Então, depois que eu vim pra cá, me transformei completamente. E eu acho que isso aconteceu com a Ana Terra também, sabe? Porque a gente veio bem pro interior, não veio só pra morar, veio numa cidade do interior, mas veio pra morar no interior do interior, sabe? E os meus pais sempre fizeram questão disso, que a gente pudesse ter a oportunidade de morar bem perto da floresta.
P/1 Você com quantos anos entrou na escola?
R - Eu fui alfabetizado praticamente em casa. Porque eu estudava em colégio público, ali no instituto de educação no Rio de Janeiro, que vivia em greve. Então, minha mãe, num determinado momento, quando eu fiquei muito tempo sem ir pra escola, ela então contrata uma normalista, que me alfabetizou praticamente em casa. Disso eu me lembro bem, sabe?
Eu aprendi a escrever, a ler bem, foi em casa, quase um ano, um ano e meio, eu estudei em casa.
P/1 E qual que era sua relação? Você tinha amigos? Você brincava onde?
R - Era garoto de playground, soltava saco pela janela do 15º andar. Então, era essa vida bem urbana, de descer todo mundo, de brincar de pique, um monte de crianças. Imagina, num condomínio que eram 3 prédios de 18 andares, era muita gente ali junta. E aí, era bom porque enfim, tinha muita gente pra brincar. Mas ao mesmo tempo era meio, essa cultura da cidade grande, principalmente daquela década de 80. Era bem violenta. Então, você entrava na brincadeira, você não podia sair. Se a gente fosse sair, era corredor polonês. Não que isso não tenha sido importante, porque também hoje eu vejo uma criação muito, às vezes, dos filhos muito fora da realidade, muito light, sabe? E que eu acho que isso também não é bom para ninguém. É bom a gente encarar determinadas dificuldades para poder, enfim, se tornar uma pessoa mais forte.
P/1 Porque que seus pais escolheram vir para Miguel Pereira.
R - Porque eles procuraram várias cidades do interior, próximas ao Rio de Janeiro. Porque obviamente meu pai precisava continuar a trabalhar. Ele não sabia naquele momento que ele ia conseguir se desgarrar totalmente do trabalho dele. Então, precisava ser alguma cidade próxima do Rio. E Miguel Pereira acabou sendo uma cidade que cumpria esses requisitos. Porque tava ali a duas horas de distância no máximo, dava pra ir e voltar, cidade pequena, sem violência, dava pra deixar a família, a família ficava aqui na boa, ficávamos todos nós na boa. Até hoje não é uma cidade que tenha violência, que tenha muito trânsito, que tenha ocupações irregulares, não é nada disso. É um Paraíso, pertinho do Rio de Janeiro.
P/1 E como é que foi pra você, sua mãe e seu pai chegarem… Como foi essa chegada? Qual a sua primeira impressão?
R - Pra mim foi ótimo, foi marcante, porque eu sempre fui uma pessoa muito ligada à minha mãe, muito colado com ela, muito mesmo, assim, não dormia fora de casa, sabe? E quando a gente veio pra cá, a gente veio visitar uma pessoa que foi recomendada e que foi indicada por uns amigos do Rio de Janeiro, Ana Cristina. E ela mora, assim, próximo da minha casa hoje, bem para dentro da mata, sabe? E o que que acontece? Quando eu vim, eu não voltei mais para o Rio. Não voltei mais. A gente veio para visitar a cidade, para conhecer, para ver se a cidade era bacana. Eu fiquei e não quis voltar. Eu fiquei dormindo na casa da Ana por 15 dias a mais, enquanto meus pais voltaram, fizeram a mudança e retornaram. Então, eu nunca mais retornei para minha casa no Rio de Janeiro. Eu falei: É aqui que eu quero ficar! E eu acho que isso foi importante pros meus pais, sentirem que pra mim, que era tão colado ali, que tinha muitos amigos no Rio de Janeiro, que essa transição não seria tão difícil.
P/1 E pra sua irmã?
R - Pra minha irmã eu tenho certeza que foi da mesma maneira, sabe? Porque é o que eu digo, assim, a juventude da década de 80, ela é muito agressiva, tinha muito bullying na escola, muito essas coisas. E quando você vem pro interior é totalmente diferente, sabe? O trato com as pessoas, é uma relação muito mais harmônica, muito mais verdadeira, sabe? Você vê as pessoas na rua, você conhece todo mundo, você conhece os familiares e tudo mais. Isso cria mais vínculos. Então, acho que pra Terra isso aí deve ter sido… Ela não tinha namorado, arranjou um monte de namorado quando veio para Miguel Pereira, fez um sucesso danado, era a menina do Rio de Janeiro. Então, assim, porra, eu acredito que foi bom.
P/1 Você falou algumas vezes sobre bullying, você sofreu algum tipo de bullying na escola?
R - Não, mas eu via isso muito acontecer. Eu nunca sofri. Eu sempre fui aquele garoto que era o mediador, sabe? Eu sempre gostei de dar atenção pra galera que sofria bullying, mas também andava com o pessoal que era tipo… Que que fazia às vezes o bullying. Então, isso me marcou muito. Eu falo muito da década de 80, porque eu lembro, gente que sofria muito com isso. Isso me incomodava demais. E eu e eu senti uma coisa totalmente diferente aqui no interior.
P/1 Aí você chegou aqui com 9 anos, seu pai continuava trabalhando no Rio, ia e voltava.
R - É, ela ia e voltava praticamente todo dia, depois de uma vez por semana. Aí, ele alugou um apartamento lá próximo da produtora que ele tinha e tudo mais, e voltava. Mas isso estava mexendo, ele já não queria mais isso. Ele queria fazer uma transição de carreira, sabe? Hoje a gente chama disso, né? “Vou fazer uma transição de carreira.” Que é uma coisa mais normal, né? Mas na década de 90 isso era um pouco mais complicado. Então, as coisas fluíram de uma forma diferente, até eu acho que diferente do que ele tinha imaginado, que que fosse acontecer.
P/1 E ele veio fazer, quando ele se desligou, o que ele veio fazer aqui? O que ele começou a fazer?
R - Então, ele começou a trabalhar… Cada vez ter que ir menos para o Rio de Janeiro, a gente depois abria um restaurante, ele cozinhava muito bem. E aí, ele vinha, chegava sexta-feira à noite, ainda tinha que trabalhar sexta, sábado e domingo para tentar fazer essa transição. Mas não deu muito certo. E o que deu certo foi exatamente uma ideia que surgiu a partir de quando começa a minha militância. Que foi a partir da criação do ITPA, da organização. Então ele, em determinado momento, logo que eu crio a organização, ele sai da produtora, ele abandona tudo e a gente decide trabalhar nessa organização ambientalista que eu tinha criado.
P/1 Mas quando que você criou? Aí, você veio pra escola aqui?
R - É, não, vim com 9 anos, aí estudei na escola aqui, aí comecei a criar muito fortemente essa relação com a floresta. Muito fortemente. Aí, eu começava a entrar na mata e minha mãe ficava com medo. Eu sumia o dia inteiro, conheci os amigos que gostavam de andar na mata, conhecia a reserva do Tinguá, que é uma reserva ímpar, que tem aqui protegida pelas mais importantes leis, mais restritivas leis de conservação do país, que fica aqui na cidade. Comecei a criar uns grupos de caminhada nessas áreas. Ficava vários dias lá dentro. Isso foi ficando muito forte dentro de mim.
P/1 Quantos anos você tinha?
R - Isso a partir dos 11 anos de idade. E tem um momento que eu considero como marcante pra minha militância, que é o seguinte, eu comecei a entender um pouco mais como é que funciona essa coisa de crime ambiental. Já via o desmatamento, começava a ficar incomodado, via a queimada, começava a ficar incomodado com aquilo. E em determinado momento, teve uma obra da prefeitura na cidade e eles pegaram umas bromélias, umas árvores, cortaram aquilo. Aquilo me incomodou demais. E eu não me lembro com quem que eu tava conversando. Eu cheguei e falei: “Pô, isso é um absurdo, a prefeitura tá fazendo uma coisa totalmente errada, é um crime ambiental e tudo mais.” E eu não sei qual foi o anjo… Queria lembrar muito quem foi que falou isso pra mim, disse assim: “Maurício, olha só, não adianta você reclamar não, cara, você é um cidadão, então, como cidadão, você tem que fazer a sua parte. Você está incomodado? É um crime? Então, você vai ter que cumprir o procedimento correto. Qual é o procedimento? O procedimento é o seguinte: você vai na prefeitura, você vai no protocolo da prefeitura, é uma salinha lá, e você diz que quer abrir um processo. Diz que quer abrir um processo contra a prefeitura e diz lá, o que que você acha que tem que ser feito?” E eu fiz isso! Então, fui lá todo revoltado, cheguei na prefeitura, cheguei no protocolo, falei que aquilo era um absurdo, eu quero abrir um processo. A menina abriu um processo, que é obrigatório, em 15 dias a questão estava solucionada. Quando eu vi isso acontecer na minha vida, quando eu vi o poder que o cidadão tem, uma coisa simples, aquilo me mudou completamente. Então, de um garoto que gostava de andar na mata, de ver a floresta, de ficar com as árvores e tudo mais. Eu comecei a entender que eu podia fazer um pouco mais. E isso foi o primeiro movimento pra criação da organização que eu fundei aos 14 anos de idade. Então, dos 12 aos 14, eu comecei a me ligar nessa coisa de militância, de ativismo ambiental. Quando eu fiz 14 anos, meu pai já tinha me ensinado a fotografar. Ele diz: “Maurício, vamos pra Amazônia, que eu vou fazer um documentário sobre a vida de um poeta que chama Thiago de Mello. Vamos lá. E você fotografa o documentário. E vamos lá pra você conhecer.” E eu fiquei 45 dias com o poeta Thiago de Mello na Amazônia. Ele acabou me batizando na floresta amazônica, virou meu padrinho da floresta. Fico até arrepiado, ali na beira do Rio Andirá, perto do Sateré Mawé. E depois de uma conversa que eu tive com ele, que eu disse que ele estava fazendo um texto. Thiago de Melo estava fazendo um texto sobre a Amazônia. E eu falei pra ele: “Thiago, pô, tem uma floresta maravilhosa na minha cidade, reserva do Tinguá, eu quero lutar pela preservação dela.” Ele falou: “Maurício, duas coisas, o trabalho do homem, o trabalho não é a pena do homem por viver, mas a forma que ele tem de fazer o mundo um lugar melhor. Volta para casa porque a Amazônia é irmã da mata Atlântica. Eu estou representando a Amazônia, você vai representar a mata Atlântica, nós vamos trabalhar juntos.” E eu fiquei maravilhado com aquilo. Um garoto, super estimulado com aquilo tudo, estava na Amazônia, fomos a Cuba, pra falar dessa história extraordinária do Thiago de Mello, um grande militante da democracia brasileira, enfim, um poeta. E eu volto para casa.
P/1 Só um pouquinho, quando ele diz que te batizou, é batizado de que jeito?
R - Me batizou na floresta. Um banho de cheiro. Falou: “Não, Maurício, vem aqui, eu vou te batizar.” E a gente fez toda uma cerimônia, uma cerimônia indígena.
Como que foi essa cerimônia?
R - A gente foi na mata. Isso em Barreirinha, que é uma cidade a 20 horas de Manaus, que é onde ele vivia. A gente foi na mata, catou as ervas todas, um conjunto de… Se eu não me engano, eram quase 20 ervas diferentes e cipós. A gente foi pra casa dele, ele fez aquela mistura toda, convidou uma cabocla de Barreirinha, que fez uma série de cânticos. E ele me banhou com aquela banho de ervas, naquele momento, na casa dele, na beira do Paraná do Limão. E aquilo me mudou totalmente.
P/1 E aí, vocês vão para Cuba, vai como o seu pai divulgar o filme?
R - Não, não. Porque o poeta Thiago de Mello é uma pessoa que tem uma trajetória na América Latina extraordinária. Ele tava com o Allende no dia do golpe no Chile, ele tava lá, sabe? Foi amigo de Ernesto Che Guevara, de Fidel Castro. Lecionou na escola de cinema junto com Gabriel García Márquez, sabe? Então, parte da vida dele, ele passou em Cuba, na escola de cinema da América Latina, na casa das artes da América Latina. Então, a gente vai pra Cuba pra fazer parte do documentário dele. E parte na Amazônia. Teve parte no Chile também, mas no Chile eu não pude ir porque eu já estava estudando. Então, imerso naquela viagem eco socialista, que eu costumo dizer, isso me mudou radicalmente.
P/1 Aí, você volta para Miguel Pereira?
R - Eu volto para Miguel, junto os amigos, falo: Ó, cara, o poeta Thiago de Mello vai nos ajudar. A Amazônia com a mata Atlântica, vamos lutar pela preservação da reserva do Tinguá.” “Não, beleza, mas como é que a gente faz esse negócio? Como é que é isso?” Eu falei: “Sei lá, vamos lá, vamos atrás.” Aí descobrimos aí que tinha uma organização ambientalista numa cidadezinha aqui perto, aí a gente foi lá visitar pra saber como é que era. Pegamos o estatuto, 6 meses depois do meu retorno, o instituto estava criado, ITPA, estava criado, o Instituto Terra de Preservação Ambiental. E desde então, o que era um amor pela natureza, virou um ativismo. Existe uma diferença, né? Você pode ser um amante da natureza, mas ser um ecologista, ser um ambientalista, é diferente, porque você vai usar esse seu amor e vai converter isso em ação, em ação. Assim como você tem muitos profissionais da área ambiental e poucos ambientalistas. Tem muitos amantes da natureza, mas poucos ativistas. Então, eu decidi por esse caminho, mas eu não imaginava, foi um processo muito natural. Que surgiu dessa inspiração e principalmente dessa poesia que ele me cantou, que todo dia praticamente, eu lembro dela, que fala sobre o papel do trabalho. Isso foi muito forte anos depois, em que eu tive que tomar uma decisão super estratégica na minha vida, porque eu tive filho muito cedo. Quando eu tive 18 anos, o que que acontece? Eu criei o instituto aos 14 anos, quando foi aos 15, eu falei: Eu quero estudar isso, eu quero aprender mais sobre essa história. Eu fui para um colégio, um colégio de agronomia, eu decidi fazer uma prova, passei na prova, e fui em regime de internato lá. Falei: “Pô…”
P/1 Mas era segundo grau já?
R - Segundo grau, é!
P/1 Que estudava matérias comuns também?
R - De manhã, era segundo grau e a tarde era a parte técnica. Que o instituto já estava criado, eu olhava assim, as florestas, e achava que os produtores eram muito maus, porque eles cortavam as árvores e queimavam tudo. E eu precisava estudar sobre isso. Queria entender essa história. E aí, eu faço uma prova para um colégio federal e vou estudar nesse colégio federal e regime de internato. Voltava pra casa só de final de semana, ou de 15 em 15 dias. Fiquei lá estudando e tocando o ITPA como uma organização voluntária, de ativismo ambiental 100%. E lá na escola, eu conheço a minha atual esposa, que estou com ela há 27 anos. E a Marcela fica grávida. No terceiro ano, a Marcela fica grávida. Eu tinha lá os meus 18 anos de idade. A Mel nasceu, eu tinha 19 anos. Só para fazer vocês entenderem esse link. Porque aí eu tive que tomar uma decisão estratégica na minha vida, dizer o seguinte: Ou eu largo a instituição e o meu ativismo e vou para o mercado de trabalho trabalhar, porque eu preciso de grana para poder sustentar agora uma família. Ou eu transformo essa organização em algo que eu possa viver dignamente? E aí que eu lembro muito fortemente dessa poesia do Thiago, que diz que o trabalho não é a pena do homem por viver, mas a forma que ele tem de fazer o mundo um lugar melhor. Eu falo: Não. Eu quero então estruturar essa instituição que eu criei pra que eu possa fazer projetos, realizar coisas e também receber dignamente. Por que que eu tenho que vender minha força de trabalho numa empresa, numa indústria, fazer uma coisa que eu não gosto? Eu vou tentar fazer isso. E aí, na época, o meu pai dizia: “Não, Mau, não tem como, cara, isso é muito complicado, só funciona na Europa, nos Estados Unidos.” E aí, eu falei pra ele: “Não, então quais são essas organizações?” E aí, comecei a pesquisar muito sobre isso, descobri essas organizações muito estruturadas. E aí, decido então que eu quero trabalhar fortemente nisso. E meu pai então decide também fazer esse movimento. “Então, vamos juntos! Então, vamos juntos, vamos tentar. Vamos tentar encontrar uma forma.” E a gente começa a trabalhar, trabalhar, desenvolver projetos. E a coisa foi crescendo, se profissionalizando, sete anos depois eu tinha 250 funcionários trabalhando na área ambiental.
P/1 Aos 14 anos o que ITPA fazia? Quais eram os projetos? Em cima do que se criou?.
R - O que que a gente fazia? A gente fazia um ativismo ambiental da forma como a gente podia, nos nossos horários vagos e tudo mais. Então, a gente… A primeira coisa que nós fizemos foi mandar uma carta pra todas as organizações que a gente tinha acesso no Brasil, era carta mesmo, isso em 1998. Mandamos carta pra todo mundo perguntando: “O que vocês fazem?” Não tinha internet, internet era muito difícil de acessar. “Se vocês têm projetos, manda pra gente cópias dos projetos.” Mandamos mais de, sei lá, acho que umas 100 cartas pro Brasil inteiro. E muitas responderam, muitas organizações, falando: “Ó, a gente faz aqui, a gente faz isso, faz aquilo outro.” Mandaram cópias de projetos e tudo mais. Aí a gente se inspirou. Então, o primeiro projeto do instituto foi numa escola aqui do interior, que a gente fazia o viveiro de mudas. A gente montava um viveiro de mudas e as crianças iam lá cuidar daquela viveiro, aí a gente fazia visitas ao Jardim Botânico, trabalhava conscientização ambiental. E no final do ano a gente fazia um mutirão de reflorestamento. Uma escola bem pequenininha, plantava 100 árvores, 200 árvores. Fazíamos também um jornal na cidade, a gente tinha um jornal aqui que metia o pau, sabe? Dava prêmio motosserra para os desmatadores da cidade. Fomos ameaçados várias vezes, sabe? Então era esse tipo que permanece esse ativismo, mas hoje, de uma forma um pouco diferente. Mas era assim, dentro das brechas que a gente tinha.
P/1 E aí, seu pai decide nesse meio tempo entrar?
R - Isso! Ele falava: “Mau, vamos lá, vamos tentar.” Ele ficava meio lá, meio cá, trabalhando ainda na produtora, com comunicação e tudo mais. Mas pegou esse nohall também de administrador de empresa. E começou a me ensinar como fazer. Como é que era escrever um projeto, como era correr atrás de financiamento, bater na porta das pessoas, participar de reunião. Ele foi me ensinando isso. Porque, pô, administrava empresas há muito tempo. E ele, em determinado momento, começou a sentir, “Não, cara, mas eu acho que isso aí vai voar, cara, isso aí é interessante.” A gente aqui não quer… Ninguém quer ficar rico, a gente quer trabalhar e viver dignamente. E assim foi! A gente foi conseguindo estruturar, criando uma identidade, criando uma missão, criando princípios, criando projetos, conseguindo parceiros. Às vezes, era parceiro que só dava uma alimentação, que ajudava no transporte. Depois a gente conseguiu já acessar editais. E aí, eu aprendi essa história. Eu aprendi desde o início. Teve esse impulso também da necessidade da minha família, e esse momento muito importante da minha vida, em que eu precisava decidir o que eu ia fazer. Não tinha nível superior, tinha uma filha, já estava vindo era um ongueiro, ambientalista. Uma cidade pequena, mega conservadora. Falei: Cara, como é que eu vou fazer? E deu certo, cara! Deu certo! Mas deu certo porque a gente ralou muito, muito, muito pra isso acontecer.
P/1 E qual foi o primeiro projeto que te deu esse estalo, agora vai?
R - Então, teve um projeto que foi demais, assim, que pra mim a trajetória foi muito importante pra aprender a gerenciar, lidar institucionalmente com recursos maiores e tudo mais. Aqui na minha cidade, e a reserva do Tinguá, ela é cortada por várias faixas de oleoduto da Petrobrás. E essas faixas, elas são ocupadas por casas. Isso é um problema, um risco severo. E aí eu escrevi um projeto pra Petrobras, na época, dizendo o seguinte: Olha, aqui na minha cidade tem uma ocupação muito forte das faixas de oleoduto e eu queria fazer um trabalho de agroecologia sobre as faixas de duto, ocupar essas faixas, desocupando elas ao mesmo tempo e criando a biodiversidade, produzindo mudas e tudo mais. Eu escrevi esse projeto e mandei. Quando chegou na Petrobras, eles amaram o projeto e me convidaram pra pensar algo maior. E eu fiquei quase 2 anos dentro da empresa em parceria, desenvolvendo um projeto de hortas agroecológicas sobre faixas de dutos, que pudesse ser uma referência pra esses lugares muito conflito. Acabou que eu não consegui fazer pra Miguel Pereira, porque eles pediram pra que a gente fizesse em áreas de conflito mesmo. Eu já era formado em agronomia, e desenvolvi um projeto de faixas de oleoduto com hortas. O projeto foi um sucesso tão extraordinário que a gente implantou com 100 famílias em Nova Iguaçu, Duque de Caxias, no entorno da reserva do Tinguá, fornecendo toneladas de produtos agroecológicos. Ajudamos a formar uma cooperativa. E até hoje funciona, sem o ITPA mais. Eu gerenciei esse projeto por 5 anos. Esse foi o primeiro grande projeto que eu consegui fazer. E eu era um jovem, eu tinha 20 pra 21 anos. A ideia era muito boa e eles apostaram.
P/1 Quais eram esses produtos agroecológicos?
R - Hortas de hortaliças de todo tipo, eram mais de 20 tipos de hortaliças que a gente levava para as escolas da cidade todos os dias. Uma agroindústria a gente construiu, formamos a cooperativa, foi lindo, um projeto lindo, tá na internet aí, premiado pra caramba.
P/1 E essas sementes, vocês plantavam aqui, plantavam lá e eles que plantavam, como que era a metodologia?
R - Não, a gente ensinou eles a produzir. A produção de sementes de hortaliça hoje é muito complicada. Por quê? Porque a maioria é híbrido, então você não consegue produzir. Essa parte de sementes você tem que comprar, não tem jeito. Mas a produção da muda você consegue fazer. E tem todo um plano de mercado, um plano de negócios, pra fazer a grana girar e eles poderem continuar comprando, não só esse insumo, mas outros também.
P/1 Aí, você falou assim, que você e seu pai, não sei se tinha mais gente com vocês nesse momento, tiveram que criar a missão, os princípios. O que que era essa missão, se ela é até hoje?
R - Então, é esse exercício de reflexão sobre uma missão e princípios de uma instituição, é muito importante, né, cara? Porque você vai alinhando meio que os conceitos, os princípios e as metas. Então, no início era uma outra, era uma outra história. Era uma organização muito mais local, muito mais ligada a um ativismo institucional. Como é que eu posso explicar? Você no arcabouço das organizações ambientalistas brasileiras, e mundiais de uma forma geral, você vai encontrar basicamente dois tipos, as organizações que são mais de luta, de enfrentamento, tá? Você vai ter… Talvez o maior expoente seja o Greenpeace, tá? Mas tem muitas organizações desse tipo no Brasil. E tem as organizações que são de enfrentamento e cooperação, que entendem que existe momento de enfrentar e existe momento de propor. Porque na sociedade nem todo mundo faz errado porque quer, faz por ignorância, faz porque não sabe. Então, nesse momento, a organização pode atuar também desenvolvendo os projetos demonstrativos, piloto, pensando aquilo que o estado não tem condições de fazer, tá? Atuando nessas brecha. E o instituto era muito esse primeiro perfil, tinha o jornal, prêmio motosserra para o desmatador, militância, manifestação, processos judiciais. Isso permanece. Tem processos contra a prefeitura, um monte deles. Mas hoje já entendo que existe um papel que a gente pode e deve cumprir de proposição que é muito importante pra mudar a realidade. Agora você imagina, uma cidade pequena, a entrada da cidade, a gente reflorestou com mais de 1000000 de árvores. Eu tinha 600 funcionários com carteira assinada, entende? O poder transformador disso é enorme. Então existem momentos de você estar brigando, existem momentos de você tá construindo. E hoje o instituto consegue articular essas 2 coisas muito fortemente.
P/1 Como é que foi esse processo, tendo funcionários, fazendo plantação de árvores?
R - Isso foi uma transição dentro do instituto, porque os primeiros 5 anos eram uma missão um pouco diferente. E como eu sempre gostei dessa agenda florestal, sempre achei que esse era o caminho, porque foi isso que me tocou, foi entrar na floresta, conhecer a reserva do Tinguá e tudo mais. Eu falei: Cara, é por aí! Sabe? Porque o cuidado da floresta vai abrir um espaço dentro do coração e da mente das pessoas para que elas entendam a importância disso tudo. Então, quando o instituto fez mais ou menos uns 5, 6, 7 anos, mais ou menos, a gente decidiu fazer uma reestruturação. E foi aí, inclusive, que houve um distanciamento do meu pai e meu. Porque o meu pai, eu costumo dizer que ele, à medida em que o tempo foi se passando, ele foi se tornando muito mais jovem do que eu, e eu fui me tornando um pouco mais velho, entende? Porque eu acho que ele só queria fazer revolução. Meu pai só queria fazer revolução. Chegou num determinado momento que os filhos dele estavam criados, ele falou: “Mau, eu não quero mais nada, eu quero fazer revolução. Eu só acredito na revolução.” E ele foi muito mais pra uma militância política partidária e foi se distanciando da organização do terceiro setor. Essa reestruturação está muito ligada ao afastamento do meu pai. Em que ele diz: “Não, Mau, eu quero outro caminho, eu estou discutindo o eco socialismo, eu não estou discutindo a reforma do sistema e tudo mais.” E eu falo: “Não, pai, eu quero desenvolver projetos, eu quero fazer isso crescer, eu quero gerar emprego, eu quero gerar renda, eu quero gerar economia, eu quero fazer minha parte. Eu estou nessa idade.” E aí, eu penso, uma estratégia que a gente chama de corredor ecológico Tinguá Bocaina. Que esse território aqui é simplesmente o território mais complexo de fragmentação da mata Atlântica no país. Você tem um contínuo de floresta que vem do litoral do Paraná, passa por São Paulo, no sul do estado do Rio de Janeiro, há um rompimento desse contínuo de floresta. A mata Atlântica foi 80% dizimada, só tem 20% dela. Só que desses 20, menos de 5 é mata original mesmo, não é mata que nunca foi desmatada. É muito pouco. E aqui a gente tem isso. Então, esse território é um território que conecta duas grandes massas de floresta, que tem o poder de manter a biodiversidade em elevado nível. Eu olhei isso, entendi essa estratégia e comecei a articular esses atores. Eu juntei 9 municípios numa articulação, fizemos um workshop de 3 dias pensando um planejamento regional que pudesse conectar esses fragmentos de floresta. Através de conservação, criação de parques, reservas biológicas, reflorestamento, remuneração de proprietários para manter floresta em pé, tudo que fosse possível. E eu fiz esse workshop, juntamos mais de 120 pessoas, montamos esse planejamento e eu caí de cabeça nele. Foi a guinada da missão da instituição em que a gente entrou na estratégia do reflorestamento.
P/1 Esses 120 inscritos, quem que eram?
R - Gente o do poder público, da iniciativa privada, proprietários rurais, todo mundo. Sabe?
P/1 Mas do Brasil ou aqui dessa região?
R - Não, desse território, que envolve 9 municípios. E é o lugar onde sai a água que abastece o Rio de Janeiro. Então, você está no Rio de Janeiro, abriu a torneira, a água vem daqui, vem desse território. Então, eu comecei a observar isso. Eu falei: Essas pessoas não sabem disso. Vamos trazer todo mundo pra um seminário e montar a estratégia. E assim fizemos. Construímos um planejamento que até hoje, isso faz mais de 15 anos, eu toco esse planejamento que foi construído por 120 pessoas.
P/1 Esse planejamento da instituição foi através deste workshop?
R - Exatamente.
P/1 Mas antes essa ideia de reunir os municípios e ter um plano de negócio, quem tava com você nesse momento?
R - Não. Então, como eu disse, a instituição deu uma guinada quando isso aconteceu. Antes da gente ter esse planejamento regional, que a gente chama de um planejamento biorregional, tá? Quem estava comigo eram os fundadores da instituição, era o meu pai, eram os amigos, e tudo mais. Que permanecem, boa parte deles permanecem. Quando a gente muda, dá essa guinada, a gente profissionaliza isso um pouco mais. Eu tenho condições de trazer as pessoas para trabalhar comigo todo dia, entendeu? Agora, para isso acontecer, para tirar dessa inércia, aí cara, foi recurso próprio, foi Batalha mesmo, sem grana nenhuma, batendo de porta em porta. Uma coisa muito de intuição, sabe? Muito de intuição. “Esse é o momento de juntar todo mundo.” Eu nunca pensei que a gente pudesse ter um volume de recursos pra trabalhar como a gente tem hoje, pra garantir a vida de mais de 70 pessoas. Eu tenho 70 pessoas trabalhando na instituição. Eu cheguei a ter 250 pessoas com carteira assinada trabalhando aqui dentro. Nunca imaginei que isso pudesse acontecer. Mas isso só aconteceu porque os patrocinadores, os financiadores, os apoiadores sentiram que era uma instituição que tinha uma missão, que tinha um planejamento, que tinha alguém pra executar essa história, entende? Pra passar por todas as dificuldades. Então, mudou muito. Talvez as pessoas que estavam comigo lá no início não são as mesmas pessoas que estão comigo hoje. As pessoas que estavam comigo lá no início hoje formam um conselho da instituição. E vocês sabem que o conselho de uma instituição é um conselho totalmente voluntário. Ele mantém o espírito da instituição, né? Que são as pessoas que me ajudaram a fundar, essas continuam na forma do conselho. Mas é uma instituição muito mais profissional.
P/1 E essa agrofloresta, como é que funciona? Você planta aqui, leva lá? Essa muda vem da onde?
R - Não, a gente trabalha principalmente com floresta mesmo, não com sistemas que juntam agricultura com floresta, tá? Esse projeto de agricultura em faixas de duto é um projeto que acabou sendo desenvolvido em outro território, tá? Na baixada do Fluminense, do Rio de Janeiro, que eu coordenei, liderei e aprendi muito ali. Mas o planejamento da instituição hoje está pro interior, cuidando das águas e das florestas, da biodiversidade, tá? Como? Principalmente garantindo a proteção das florestas em pé através da criação de reservas naturais. A gente apoiou a criação de mais de 100000 hectares em reservas naturais. Parques municipais, parques estaduais, reservas biológicas, estações ecológicas, são tipos de reserva, tá? Que a gente apoiou a criação. Reflorestamento, que gera muito emprego, é a grande guinada, é a grande guinada. Todos os países do mundo que conseguiram investir fortemente na recuperação dos ecossistemas fizeram isso como uma perspectiva de desenvolvimento econômico. Vou dar o maior exemplo para vocês que é a China. A China plantou 50 bilhões de árvores nos últimos 5 anos, na maior iniciativa da história da humanidade, que está transformando áreas de deserto em floresta. Fez isso não numa perspectiva ecológica só, fez numa perspectiva de que isso é possível e capaz de gerar muito emprego e renda aonde o estado não chega. Essa guinada você começa a ver hoje na política brasileira, mas você já vê na Coreia do Sul, você já vê isso nos países da África Subsaariana, nos Estados Unidos, durante muito tempo, que os governos entenderam que o reflorestamento é uma forma de desenvolvimento econômico, tá? E é essa a perspectiva do ITPA aqui. São muitos empregos gerados. Gente coletando sementes, gente produzindo muda, gente plantando, gente mantendo, combatendo incêndio, fazendo cerca. É uma indústria, é uma indústria em que está crescendo extraordinariamente. E nós começamos isso do zero, quando ninguém estava plantando, a gente se atentou de que isso era importante, de que tinha capacidade de mudança na vida das pessoas e começamos a desenvolver projetos nessa área.
P/1 Quais foram os principais financiadores nessa época?
R - Eu criei uma estratégia muito pulverizada. Então, eu pensei o seguinte: “Ó, eu quero plantar árvores.” A minha missão de vida é plantar árvores. Como é que eu vou fazer para as pessoas financiarem árvores? Eu vou dizer, pensei o seguinte: A árvore é uma moeda. Por que que ela é uma moeda? Porque a árvore pode ser utilizada pra qualquer… Do ponto de vista da comunicação, do marketing, pode ser utilizada pra várias coisas. Vou dar exemplos pra vocês. Eu conversei com várias escolas, o seguinte: “Olha, a gente tem uma missão de plantar 1000000 de árvores.” Na época. Hoje a gente já vai pra 5000000. Aí, batia na porta da escola e falava o seguinte: “Olha só, no próximo ano, cada matrícula, você vai plantar uma árvore. Cada matrícula.” E assim eu consegui plantar milhares de árvores com escolas. Escolas faziam uma campanha de matrículas de escola. Cada matrícula de escola era uma árvore plantada com o ITPA, foi um caminho. A outra coisa foi. “Vou fazer a compensação das emissões de gases de efeito estufa do seu evento.” Eu fiz do réveillon de Copacabana, eu fiz do Carnaval carioca. Eu conversei com todo mundo. “Quero plantar árvores, vamos converter as emissões de gases de efeitos…” Antes dessa discussão de protocolo de kyoto, de… Vamos fazer o cálculo aqui de emissões, vamos converter isso em árvores. Comecei a descobrir também que tinha muitas empresas que eram obrigadas a plantar árvores e não estava plantando porque não sabia como, porque corta uma árvore, tem que plantar 10. Falei: “Não, vem aqui, nós vamos plantar aqui, cara, eu sei fazer isso, vamos plantar em lugares prioritários.” E assim, selecionei, sei lá, acho que tem mais de 150 financiadores, apoiadores, tudo que é tipo que você pode imaginar.
P/1 E esse plantio de árvores é sempre nessa região, ou você fez em outros lugares do Brasil?
R - Fiz em vários outros lugares do país. Mas numa perspectiva de reinvestimento. O que que eu quero dizer com isso? Porque o instituto, o ITPA, é uma organização do terceiro setor sem fins lucrativos. Tudo o que sobra de recursos, se existe sobra, no ponto de vista da contabilidade, é um superávit, não é lucro. Qual é a diferença? Você tem que reinvestir. Você teve um superávit de tantos mil reais, você não pode pegar isso e distribuir entre os sócios, porque isso não é uma empresa privada, você tem que reinvestir esse recurso, né? Então, em algumas ações… Porque eu estou falando isso. Em algumas ações, a gente vai fazer o trabalho na perspectiva de fazer, porque vai ter um superávit, e esse superávit vai financiar a nossa estratégia. Entendeu? Então, a sua pergunta é: Maurício, você fez reflorestamentos e projetos em outros lugares? Fiz vários, muitos, mas sempre numa perspectiva de desenvolver bons trabalhos, economizar e me investir, investir no instituto. Assim eu consegui montar a brigada de incêndio, montar os primeiros viveiros, fazer capacitação de funcionário, comprar equipamento, pra coisas que ninguém financiava. Eu me financiei muitas vezes.
P/1 Essas brigadas, você pode falar? De incêndio que você chamou atenção quando a gente tava conversando no início?
R - Brigada é meu xodó, cara, é meu xodó. Quem sobe uma vez a montanha pra combater o incêndio, volta de outra maneira, volta de outra maneira. Existe uma coisa que acontece ali, sabe, que é a luta na prática, sabe? Sabe aquela coisa de… Todo mundo se indigna em ver o fogo queimar a floresta, não é? Todo mundo fica indignado. Basta entrar na internet na época da seca que você vai ver. Só que pouca gente sobe e encara o fogo. Me importa. Ah, você tem capacitação? Legal, pode ter. Mas se não tiver, mano, vai fazer a sua parte. E esse esforço que você faz para combater diretamente o mal, te transforma radicalmente. Eu aprendi isso muito cedo, minha cidade queimava inteira, inteira, duas vezes ao ano. E eu comecei a… Aí, eu comecei a descobrir, conversei com bombeiro, bombeiro me ensinou a fazer abafador com resto de pneu, de câmera. Aí, eu fazia os meus abafadores. Minha mãe ficava desesperada, chegava em casa preto, subia sozinho para combater incêndio. Então, isso ficou dentro de mim muito forte. “Não, cara, vou montar uma brigada muito forte quando eu tiver recurso.” E eu fui, no início não tinha grana, porque era isso, era reinvestimento, então sobrava, tinha um superávit. Falei: “Não, vamos comprar aqui um equipamento, um abafador bom, uma roupa legal, um soprador, uma mochila costal para botar.” E em determinado momento eu comecei a conseguir financiamento pra isso. Hoje você tem uma brigada profissional que tem 2 carros, 2 motos, bomba de alta pressão, todos os equipamentos que você pode imaginar e 170 voluntários na cidade. Uma rede de WhatsApp que funciona 24 horas e que o bombeiro da cidade faz parte. A gente compartilha o combate. Então, só esse ano foram quase 80 focos de incêndio, combatidos. E aí, o que que tá acontecendo? Nos últimos 7 anos eu consegui financiamento de uma organização sensacional que chama a Ecosia, não sei se vocês já ouviram falar? A Ecosia é um buscador da internet, tipo um Google, fundado por um ambientalista na Alemanha, em Berlim. Esse cara queria fazer alguma coisa pra preservar a natureza, queria plantar árvores. Tem muito plantador no mundo. E ele era um cara de tecnologia, ele abriu um buscador. Só que cada 40 buscas que você faz, é uma árvore que ele planta em algum lugar do planeta. Resultado, o negócio na Europa viralizou, eles têm meta de plantar 100000000 de árvores no mundo. E aqui eu descobri isso. Fui atrás deles, consegui o financiamento para brigada de incêndio. Há 7 anos eles financiam a nossa brigada. Só que por quê? Porque eu consegui provar para eles que só combatendo incêndio a gente consegue regenerar floresta. E esse ano, vou falar isso pela primeira vez, vai ser publicada essa matéria. A gente fez o cálculo de quantas árvores nasceram, só nasceram porque a gente não deixou queimar. A gente está contabilizando entre oito e doze milhões de árvores, só nesse território, que germinaram e estão crescendo porque não estão queimando, porque a nossa brigada não deixa, entende? Então, a missão de fazer as árvores crescer, de fazer floresta, ela é uma ação combinada de diversas formas, é plantar, é gerar emprego, é você descobrir quem é o cara que tá queimando, ir lá atrás dele dizer: “Ó, vem cá trabalhar comigo, produz uma muda que eu vou comprar, coleta a semente que eu vou comprar, vem pro brigadista.” Então, a gente gira muito a economia em favor dessa estratégia. E muda muito a vida das pessoas mesmo.
P1 Você fez algum tipo de trabalho, esse trabalho na Amazônia, por exemplo?
R - Tive muitas oportunidades. Mas eu acredito muito no território, sabe? Eu Acredito muito que desenvolver projetos é sempre bom, sabe? Mas uma coisa é você ter um projeto que tem início meio fim. Um projeto tem um cronograma, início, meio e fim. Agora, uma vida, não, uma vida é um processo longo. Uma vida é uma vida com vários projetos, com vários programas, várias políticas, entende? E eu acredito muito nisso. Eu quero, quando ficar bem velhinho, poder entrar na minha cidade, visitar toda a região e dizer: Ó, plantei aqui, ali, acolá. As pessoas no Rio de Janeiro abrirem a torneira e beberem uma água de mais qualidade, porque a gente recuperou nascentes. A gente vê animais que a gente não via no passado, passarem a ocupar essa região novamente. E se você viver de projetos, você não vai ver isso acontecer, porque vai ser um conjunto de cronogramas. E a nossa missão não cabe num cronograma só. Entendeu?
P/1 Nossa, eu tô… O ITPA quantas árvores já plantou?
R - Então, plantar mesmo, a gente já plantou, vai fazer agora cinco milhões. E regenerar, ou seja, árvores que só cresceram porque a gente de certa forma cuidou, vai pra… A gente está fechando esse cálculo, entre oito e doze milhões. Então, a gente está falando aí de algo em torno de quinze a dezessete milhões de árvores, que estão nascendo, estão sendo cuidadas, pelo nosso trabalho.
P/1 Você tem um título aí, eu pesquisando, de maior plantador de árvores do Brasil.
R - Tem algumas pessoas que falam isso. Não tem um ranking oficial. Não tem um ranking oficial, mas eu acho que se tivesse, ia estar aí no meio, né? Que eu não conheço muita gente que tenha plantado tanto não, e não só plantado, mas cuidado, sabe Rosana. Porque não adianta, cara, você não consegue… Faz o seguinte: Pega uma árvore e planta no seu quintal e não cuida dela. Ela vai morrer, cara, ela vai morrer. Tem que ter cuidado, sabe? E a nossa especialidade é cuidar de árvores, tá? Até porque tem muitas que a gente não plantou, que estão regenerando por conta do nosso trabalho. Então, assim, minha meta de vida tem sido pelo menos chegar a vinte milhões de árvores. Mas eu acho que vai dar para superar isso aí.
Vai dar para superar, vamos ver.
P/1 Você e a sua mulher, ela faz parte dessa história. Como é que ela está inserida?
R - Obviamente ela faz parte, porque ela é minha companheira há antos anos. Ela viu isso tudo nascer. Mas graças a Deus ela não trabalha nessa área, porque senão minha vida é ser uma monotonia, né? A minha esposa, ela cuida, assim como eu ela cuida, mas cuida da saúde das pessoas. Ela é professora de yoga, fisioterapeuta. Ela ama cuidar, tirar a dor das pessoas. A especialidade dela é tirar a dor. Aí, a gente brinca, né, porque ela cuida das pessoas e eu cuido da natureza.
P/1 E vocês, têm filhos?
R - Temos 2 filhas, 2 filhas já estão grandes.
P/1 Quantos anos?
R - A mais velha tem 22 anos. A mais nova tem 16 anos. E a mais velha está indo pelo caminho da mãe, de cuidar da saúde. A mais nova está indo pelo meu caminho, vamos ver, eu não faço pressão, só torço.
P/1 E como é que você vê esse futuro aqui da organização?
R - Então, eu penso… Não pensava tanto nisso, mas à medida que o tempo vai passando, você vai falando, pô, mas quem vai cuidar disso, né? Até porque é um projeto de vida e que não cabe na vida de uma pessoa só, porque a destruição dura séculos, duram séculos pra gente chegar nesse ponto de destruição. O esforço Rosana, pra você desmatar uma área, é hercúleo, hoje já é, imagina no passado, quanta gente não derramou suor, lágrima, sangue, pra desmatar essas áreas todas. Foi um esforço monumental. Era no machado antigamente. Eu respeito o esforço dessas pessoas, pô, era o contexto da época, né? E é um esforço também tão grande quanto recuperar essas áreas de florestas. E não vai caber na vida do Maurício, não vai caber. Tem que ser gerações pra dar continuidade a isso. Então, hoje eu tenho pensado um pouco mais. Eu espero ter mais alguns anos pra poder pensar nessa transição, mas com certeza ela tem que acontecer, né?
P/1 E fala uma coisa, a gente tá com uma programação que chama vida, vozes e saberes no mundo em chamas. Como que você vê essa questão agora na crise climática? Sócio climática, justiça climática.
R - Eu acho que as mudanças do clima, elas vão dificultar um pouco mais o processo de recuperação. A gente aqui, só pra você ter uma ideia, antigamente, quando a gente começou a plantar árvores, mudou muito profundamente nos últimos 15 anos, muito profundamente. A gente costumava plantar no final de setembro, o primeiro dia da primavera é 21 de setembro, o Dia da Árvore, é quando começa a primavera. E ali já começava a chuva. Hoje não, hoje é novembro. De setembro passou para novembro. E quando você chega em fevereiro, agora a gente está em fevereiro, vivendo uma onda de calor. Essas ondas de seca, se você for ver nos gráficos, elas aconteciam em média de 100 em 100 anos, agora é de 10 em 10 anos. E as ondas de calor, a mesma coisa, demorava um tempão pra acontecer uma baita de uma onda de calor, né? Da gente pegar aqui na Serra, 43°, 42°, entendeu? Isso era uma coisa que era inconcebível. Então, isso tudo dificulta. Não inviabiliza, não inviabiliza, mas dificulta. Agora, essa mudança, ela vai aproximando também as pessoas da agenda ambiental. Porque todo mundo sabe, pode ser de direita, pode ser de esquerda, pode ser quem for. Que o clima tá maluco, ninguém mais diz: As mudanças climáticas não existem! Elas dizem, os mais conservadores. Elas dizem: “A agricultura não é culpada das mudanças climáticas”. É isso que se diz. Mas ninguém diz que isso não existe, que isso é uma invenção.
Lógico, tem uns malucos de plantão que falam isso. Mas a maioria já está numa defesa do seu segmento para não colocar o seu segmento no risco econômico. Que é o que a gente vê muito no Brasil, a mudança climática no Brasil ela é acentuada pela mudança do uso do solo. Ou seja, você tira a floresta e faz campo. Aí, a agricultura vai dizer: “Não, mas espera aí, não é por causa disso, é por causa da emissão do combustível. A culpa não é nossa, a culpa é da China, a culpa é dos Estados Unidos.” Aí, começa aquela briga. Mas dizer que o clima não mudou, ninguém diz mais. Tem até gente que diz que o problema é aquela antena, as antenas haarp, que ficam na China, que estão mudando o clima do mundo. Muita gente fala isso, muita mesmo. Mas ninguém diz que o clima não está mudando. Pra quem recupera a natureza isso dificulta, mas não inviabiliza. Porque a gente pode fazer mesmo conhecimento, mesmo investimento, pode ser feito pra destruição ou pra conservação. A China tá transformando o deserto que nunca foi… E aí, tem até uma discussão sobre isso. Lugares que nunca tiveram floresta, vão passar a ter floresta. Então, o poder do ser humano para transformar as coisas, é extraordinário, extraordinário. Reverter essa situação da mata Atlântica, só depende de um pouco de boa vontade das pessoas certas. É plenamente possível.
P/1 Incrível! Você gostaria de deixar algo mais registrado? Deve ter vários pontos que a gente não tocou aqui da sua história, da sua trajetória, que você acha importante registrar?
R - Ah, eu acho que….
P/1 Algumas experiências…
R - Gostaria sim! Que eu acho que o que é mais… Alguns momentos da minha vida foram importantes pra eu seguir por essa trajetória de que basicamente dentro de mim converte a indignação em ato. Não é uma coisa de agora, é uma coisa que vem desde sempre, mas as pessoas se indignam, mas não tem a capacidade de converter isso em prática. Não adianta você ver algo, você sabe que tá errado e você não tentar agir pra mudar. Agora com as redes sociais as pessoas se manifestam mais, né? E eu não sou do tipo pessimista. Eu tenho tudo pra ser um cara pessimista, tô no meio ambiental desde sempre, acompanho todos os processos, as discussões, mudança do clima, perda de biodiversidade, poluição das águas, o mundo caos. Tá? Mas eu não sou. E por que que eu não sou? Porque eu sei da força que o ser humano tem quando converte a indignação em ato. E eu sei a velocidade que isso pode ganhar quando isso é feito de forma coletiva. É de uma hora para outra. É de uma hora para outra. As pessoas despertarem, mudarem hábitos e se transformarem, sabe? Talvez na área ambiental eu tenho visto nos últimos 30 anos de militância, muita coisa ruim, mas eu vi também coisa muito boa, cara! Olha só, na Rio 92, que foi quando essa discussão toda pipocou pro mundo inteiro. Ali o primeiro termo de mudanças climáticas, aquecimento global, perda de diversidade, COP, conferência das partes, surgiu dali, correto? Isso faz 30 anos. Vamos botar assim. Não tinha Ministério do meio ambiente, só tinha um Ministério do meio ambiente no mundo. No mundo só tinha um Ministério do meio ambiente. Hoje, todos os países do mundo têm Ministério do meio ambiente. Não só os países, mas os estados, os municípios têm secretarias de estado de meio ambiente, secretarias municipais de meio ambiente. Quantas unidades de conservação, reservas, foram criadas nos últimos 30 anos no Brasil? Gigantescas! Quanto consciência permeou? Tanto essa consciência permeia na sociedade brasileira que hoje ela é foco da destruição. Eles querem destruir isso, porque isso virou cultura e tá virando cultura, e esse é o maior medo. Mas não tem como mudar. Tanto não tem como mudar, que no último governo, quando queriam destruir o código Florestal, não conseguiram, tinha tudo. O Congresso brasileiro é maioria de ruralistas, sempre foi. Por que que não conseguiram? Por que não conseguiram desafetar todas as unidades de conservação, as reservas brasileiras? Porque isso está na cultura do brasileiro, o brasileiro quer o meio ambiente preservado. Não sabe direito como, mas quer. Ninguém é a favor da destruição da Amazônia, por exemplo, entende? Então, as pessoas estão muito sensíveis. Então, o que eu quero deixar, o que eu costumo falar para as pessoas, é: Convertam a sua indignação em ato, vocês trabalhem mais voluntariamente, ajudem, se associem a organizações locais. Plantem árvores, pelo amor de Deus! Qualquer lugar que seja, entendeu? Coisa simples, planta, sabe. Isso vai fazer com que você se engaje mais pela sociedade e vai ter efeitos que são efeitos importantes pra própria pessoa. Porque essa coisa do cuidado, do cuidado, é uma coisa intrínseca do ser humano, né? Isso é intrínseco nosso. E a gente poder realizar coisas, é isso, isso transforma a gente de uma forma muito positiva.
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