Entrevista de Aldaiso Luiz Vinnya
Entrevistado por Jonas Samaúma, Xinã Yura, Erica Txivã, Rafa, Vinnya, Mayna, Naykana
Aldeia Amparo, 30/07/2025
Entrevista número: PCSH_HV1494
Projeto: Conte sua História
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Mestre, tu pode falar o seu nome completo e o local onde você nasceu?
R - Eu me chamo Vinnya. Na língua portuguesa, meus pais me deram o nome de Aldaiso, um nome que muitas vezes a gente pode até pensar que inventaram, mas eu nasci na antiga aldeia chamada Kaxinawá, naquela época, então era um grande seringal. E agora, recentemente, depois da retomada dos nossos territórios, passou a ser chamado de Aldeia Sagrada. Aldeia Sagrada porque lá estão os cemitérios dos nossos ancestrais, onde estão enterrados os nossos grandes pajés, por isso que nós denominamos aquele lugar de Aldeia Sagrada.
P/1 - Você poderia fazer um canto para abrir essa entrevista, para trazer energia, para contar essa história?
R - Eu vou fazer um canto aqui de um muká. Muká são os cantos sagrados do nosso povo, que são os cantos de cura. Cura de muitas doenças, na verdade. Então, as palavras são palavras que pedem para que aquela doença, o sintoma que você está sentindo, possa sair de você. Então, eu vou compartilhar esse canto para vocês. [Canto de um muká].
P/1 - Como foi a história do seu nascimento, você sabe quem que pegou, se teve alguma história de como você nasceu, a sua gravidez.
R - Na verdade, eu não conheço muito mesmo. Alguém contou pra mim a história do meu nascimento. Essa história eu não conheço, mas só sei que depois que eu nasci, a minha mãe biológica acabou entregando eu, ainda bem criança, pra minha avó. Então, eu fui criado pela minha avó. Fui criado pela minha avó, junto com meu tio, numa casa separada, que é o _______, conhecido como Panã. Então foi ele e minha avó, ____, que me criaram. E após eu ter completado os nove anos de idade, eu estudava aqui na aldeia, no...
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Entrevistado por Jonas Samaúma, Xinã Yura, Erica Txivã, Rafa, Vinnya, Mayna, Naykana
Aldeia Amparo, 30/07/2025
Entrevista número: PCSH_HV1494
Projeto: Conte sua História
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Mestre, tu pode falar o seu nome completo e o local onde você nasceu?
R - Eu me chamo Vinnya. Na língua portuguesa, meus pais me deram o nome de Aldaiso, um nome que muitas vezes a gente pode até pensar que inventaram, mas eu nasci na antiga aldeia chamada Kaxinawá, naquela época, então era um grande seringal. E agora, recentemente, depois da retomada dos nossos territórios, passou a ser chamado de Aldeia Sagrada. Aldeia Sagrada porque lá estão os cemitérios dos nossos ancestrais, onde estão enterrados os nossos grandes pajés, por isso que nós denominamos aquele lugar de Aldeia Sagrada.
P/1 - Você poderia fazer um canto para abrir essa entrevista, para trazer energia, para contar essa história?
R - Eu vou fazer um canto aqui de um muká. Muká são os cantos sagrados do nosso povo, que são os cantos de cura. Cura de muitas doenças, na verdade. Então, as palavras são palavras que pedem para que aquela doença, o sintoma que você está sentindo, possa sair de você. Então, eu vou compartilhar esse canto para vocês. [Canto de um muká].
P/1 - Como foi a história do seu nascimento, você sabe quem que pegou, se teve alguma história de como você nasceu, a sua gravidez.
R - Na verdade, eu não conheço muito mesmo. Alguém contou pra mim a história do meu nascimento. Essa história eu não conheço, mas só sei que depois que eu nasci, a minha mãe biológica acabou entregando eu, ainda bem criança, pra minha avó. Então, eu fui criado pela minha avó. Fui criado pela minha avó, junto com meu tio, numa casa separada, que é o _______, conhecido como Panã. Então foi ele e minha avó, ____, que me criaram. E após eu ter completado os nove anos de idade, eu estudava aqui na aldeia, no Seringal, Seringal Kaxinawá. A escola era do patrão, chamado João de Souza Carioca. A professora ainda me lembro, que era a dona Anaí, mulher do Antônio Bento, que era o patrão na época. E a minha avó me entregou para o meu irmão, que é um Lixuacá, o Biranci. Então, na época, ele trabalhava em Rio Branco, trabalhava como assessor da FUNAI. E, então, acabou que ele me levou, com nove anos de idade, para o Rio Branco. E eu fiquei durante... Desde os 9 anos de idade até aos 22 anos de idade. Nesse tempo eu comecei a estudar no Rio Branco, mas com o objetivo de retornar novamente ao terminal de estudo para a minha comunidade.
P/1 - Até os nove anos você ficou na comunidade?
R - Na aldeia. Depois de nove anos eu fui morar no Rio Branco.
P/1 - O que você lembra até esses nove anos? Como era, o que você fazia?
R - Na minha infância, simplesmente, eu gostava muito de pescar. Pescar no rio para pegar o peixe para a minha vó para que ela pudesse ter o alimento do dia a dia, como não tinha alguém para cuidar dela, eu pescava com anzol ou linha no rio, trazia peixe para ela ou fazia uma flecha pequena de uma palha chamada cocão, a gente pegava, tirava a tira e fazia um arcozinho, e a flecha também, e pegava uns modos pequenos, assim. Colocava a mão debaixo daquelas madeiras, daquelas árvores podres no rio, pegava e flechava. Pegava muita piabinha na beira do rio pra pescar. E... Mas é muito brincar, brincava muito, tomava muito banho com, naquela época, meus parentes da minha idade. É o que fazíamos, a gente não tinha trabalho e apenas participava do trabalho e atividade que a nossa mãe fazia, que levava a gente pro roçado pra pegar macaxeira, ajudava ela na época do roçado, fazia o plantio das manivas, da banana, da cana, daqueles legumes culturais mesmo, Yawanawá. Essa era a nossa contribuição nesse período. É o que a criança pode, no máximo, fazer.
P/1 - E o que você comia em casa? Como era a sua alimentação?
R - A minha alimentação era banana. Então, além da banana madura, banana cozida, que a nossa avó sempre tinha o hábito de comer mais coisas naturais. Naquela época, então, a gente não tinha tanta influência da comida do homem branco. A gente não tinha bolacha, a gente não tinha biscoito, a gente não tinha suco, a gente não tinha alimento enlatado, como sardinha, conserva, e outro que nós temos, recebemos. Hoje o nosso alimento, o que está na cidade, está na aldeia. Naquela época então, talvez em 1900 e... Nos anos 70 e 80 não tinha chegado em nossas comunidades ainda esses alimentos. Então o nosso alimento era um alimento muito natural. Era muito fubá, a gente fazia muito fubá. E a nossa avó torrava muito o milho pra nós, o milho _____, o milho Yawanawá, o ______, o milho que a gente não tem mais, não encontra no território mais. A gente gostava muito de plantar esse milho pra comer assado. A gente comia muita macaxeira assada no fogo, a banana verde assada com casca, junto com nossa avó. A comida que a gente comia, a gente comia muito assado também, gostava de comer muito assado, moquinhado, todo alimento de carne e peixe era tudo assado. Óleo a gente não tinha pra fritar. A gente não fritava carne nem peixe como hoje nós temos. Naquela época era no assado. Então, até por isso que dava muito mais resistência pra nós, ter muito mais saúde, ter mais tempo de vida. Então, hoje já é diferente. E isso a gente já sente a consequência das comidas que são muito fascinantes, as comidas ocidentais, do que as comidas naturais. Então a gente acaba se encantando. Nós, indígenas, as coisas que vêm da cidade encantam os indígenas. Então a gente acaba adaptando, querendo gostar, achando que é o melhor, mas pelo contrário, o que nós... A comida que muitas vezes dá consequência pra gente é o que gera muito tipo de doença pra nós, porque os alimentos que vêm da cidade, a gente percebe que vem muitos produtos químicos. E o produto químico... Hoje nós desconhecemos várias doenças que no passado não existiam, como pressão alta, diabetes, muitas outras doenças horríveis que aparecem em nossas famílias, porque os nossos velhos, naquela época, comiam os alimentos naturais. Eles, hoje, são muito velhinhos. Nós temos exemplos de vários velhos que morreram com mais de 100 anos. ___, Tatá, ___ até hoje. Anixi deve ter uns 110 anos. A velha tá viva ainda. A minha avó morreu velhinha também. A minha mãe já bem velhinha, muito velha daquela época. E eu tô com 53 anos de idade e eu sinto muita saúde ainda. Porque naquela época os alimentos, a minha avó não permitiu eu comer certos alimentos. Certo alimento a criança, o jovem, o homem, o rapazinho não pode comer, e se comer tem que pegar uma medicina da floresta pra você... pode ter feito um trabalho em você que você pode comer. Entendeu? Então muitos alimentos naturais também a gente era proibido de comer, a gente comia algumas espécies muito inútil, o que a gente considerava, né? E aqueles peixes mais bacanas pra se comer, a gente não podia comer, porque esses mais bonitos aqui traziam problemas de saúde pra gente. Então, essas consequências naquela época, a gente... Era restrito a certo tipo de alimento pela nossa avó. Essa infância de nove anos até o nosso nascimento, fomos tratados dessa forma. Nossos alimentos eram bem cuidados. A nossa avó tinha os alimentos e frutas que tem como cultura de você não comer, de nove anos após você nascer. Então esse é o processo que a gente tem, que eu vivi também junto com minha avó, porque eu fui criado com minha avó nessa idade.
P/1 - Qual é o nome da sua avó?
R - _____. Não, ____não, (Miú?). Eu disse (Miú?), (Miú?). O nome da minha avó é (Miú?). Ela é Katukina, minha vó é Katukina. Ela é Katukina, porém, ela se juntou com o meu avô, que não é Yawanawá, o avô Antônio Luiz, ele é Ushunawa. Então é uma guerra entre povos, então os Yawanawá mataram os pais dele e então trouxeram consigo a mãe e ele, o meu avô, Antônio Luiz. E então ele, a partir dos 12 anos, segundo os velhos, começou a entrar em contato com os brancos, os primeiros seringalistas, nessa antiga aldeia Kaxinawá. Hoje é a aldeia sagrada, foi o local do encontro pela primeira vez do meu avô. E a partir daí desse encontro, os Yawanawá começaram a ver que ele realmente era diferente por ter entrado em contato com um branco e podia liderar todos eles. A partir daí que ele tomou essa liderança. E então, a minha avó vindo na correria daquela época, então, dos brancos, os brancos escravizando eles para trabalhar, vieram atravessando os rios Juruá, Javari, que eles falavam então. Acabaram chegando aqui nos rios de Liberdade e após aí souberam que o Yawanawá morava aqui e tinha uma grande liderança. Por sua vez, os irmãos da minha avó entregaram em casamento a minha avó, o ________, com o meu avô.
P/1 - Nossa, que história interessante. Você disse que foi criado pela sua avó e pelo Bira?
R - Pela minha avó e pelo Tixicó, que é conhecido como Panã. Depois de nove anos de idade que eu fui morar na cidade com Ubiraci, que é ______.
P/1 - Até os seus novos, como era a sua criação? Assim, você falou, foi criado, como que era? Você pode contar como era essa educação indígena?
R - Dos nove anos?
P/1 - Até os nove.
R - Na verdade, a nossa avó, a minha avó que me criou, a minha criação foi com muita orientação. A educação que ela me deu, que eu via como forma de orientação durante o meu período de crescimento e o meu futuro, quando fosse crescer, ela contava vários mitos. E através do mito, ela tirava a comparação do mito como forma de vida da pessoa, porque no mito, dentro do mito tem algo de importante que fala como você deve se comportar, como você deve ser, como você deve tratar as pessoas, como você é tratado também pelas pessoas, como você é humilhado, mas como você pode superar, e como você deve superar os obstáculos. Então, o mito no mundo Yawanawá é muito importante, porque ele mostra, apresenta uma realidade da vida de cada um de nós. Então, a minha avó contava um mito pra mim numa tarde, quando a gente ia dormir, ela contava o mito. Após contar o mito, ela fazia uma comparação de vida do mito e da nossa realidade. Durante a madrugada, a minha vó sempre... Duas horas da madrugada, ela acordava, já fazia o foguinho dela, no fogão dela. Já tinha... Na época, tinha muita banana madura. Levantava, fazia... Chamamos de caiçuma, caiçuma de banana, que é o mingau de banana, e acordava a gente às três horas da madrugada, a gente acordava, às vezes acordava e deitava na caminha dela e começava a cantar os cantos, o Muká. A minha avó era muito inteligente, ela não sabe somente cantar Saiti, Saiti que são os cantos de festas, né? Então, diferente hoje, muitas mulheres de Yawanawá, não têm tanta habilidade ou não quiseram aprender os cantos sagrados, mas a minha avó além de ser Katukina, dominava a língua Katukina, ela passou a dominar a língua Yawanawá, aprendeu a língua Yawanawá perfeito. E então, ela começou também a aprender os cantos, o chamado Muká, com o meu avô. E então a minha avó aprendeu a cantar os Muká. E esses Muká, ela não dava tanta importância se eu queria aprender ou não, mas ela cantava pra mim. Então muitos cantos bonitos, né? Então, porque também nos mitos, existem vários muká, muitos cantos maravilhosos. E a minha avó tinha todo esse conhecimento. Hoje eu só lamento muito, depois de velho, eu tive a oportunidade de ter uma pessoa tão importante na minha vida, que é a minha avó. Eu sempre falo para as pessoas, se eu pudesse fazer ela voltar para trás de novo, reviver novamente para mim, eu acho que tornaria uma pessoa muito inteligente, porque ela tinha muita coisa a me ensinar. Eu vejo muitas velhas de hoje, não tem nada para ensinar ninguém, a não ser que o máximo as velhas de hoje Yawanawá cantam, são Saiti. Saiti é como se fossem cantos muito simples.
R - Então tio, depois disso tudo que o senhor viveu, como você aprendeu a falar a língua de Yawanawá?
R - Ah, é bem interessante. Na época que eu morava em Rio Branco, fui para Rio Branco, lá eu comecei a viajar para outros países, para Colômbia, Venezuela, para Equador, para os Estados Unidos. E nesse lugar, nos encontros, nas conferências, eu me encontrei com vários outros índios cineastas também. Eu era, na época, cineasta, eu apresentava documentário nos festivais de cinema, concorrendo também a prêmios. E aí eu me encontrei com vários outros índios. Esses outros índios me apresentaram vários índios autoridade. Conheci índio senador, índio deputado federal, índio prefeito. Porque nesses países os índios são mais... politicamente estão mais em cima do que a gente aqui no Brasil. E aí eu vi índios advogados, e eles se orgulhavam muito de falar a língua deles. Os Quechua, os... E vários outros que eu conheci e até esqueci o nome deles. Então, eu pensei assim, nós da Amazônia, recém-contatados, a gente já não fala mais a língua, principalmente nós Yawanawá, dentro da floresta amazônica, e isso me fez sentir muita vergonha. Índio, com a maior autoridade do seu país, prefeito, vereador, deputados, advogados, tinham orgulho de falar sua língua, e eu não falava nada em Yawanawá. Foi daí que eu fiquei revoltado comigo mesmo de voltar para a aldeia e fazer a retomada de volta daquilo que eu não aprendi dos nove anos aos 22 anos de idade, que era caçar, conhecer a floresta, se tornar um caçador. Como é a vida de um verdadeiro caçador Yawanawá? As habilidades e o conhecimento que ele tem da floresta, sem olhar para o relógio, mas olhar para o sol e saber a direção que vai para voltar durante a tarde, somente na cabeça. Conhecer os afluentes do Igarapé, a mata e os lugares onde tem mais caça, os tipos de caça. E como pegar uma caça dentro da floresta? Eu tinha perdido, porque eu não sabia. E também a língua, que era muito importante, porque a língua é a identidade de um povo. Se você não fala a língua, então que índio é você? O que você representa? Só a tua característica? Cabelo duro, olhos puxados, parente de ocidental? Que identidade é essa? Então eu fiquei revoltado comigo, com vontade de aprender a falar a língua. Então, em 97, retornei para a comunidade Yawanawá, morando lá na aldeia Nova Esperança. Eu vim para contribuir dentro do trabalho de educação, porque naquela época também a educação Yawanawá era muito carente, não tinha escola Yawanawá. Professores, não tinha professores formados, nem com ensino médio, mal sabiam ler e escrever. Então, o meu intuito era de colaborar na parte da educação. E foi exatamente, foi um desafio muito grande que quando eu cheguei, eu recorri às primeiras pessoas. A minha mãe, que sabia falar a língua, e os meus tios mais velhos, como o tio Tukuru, que é o tio Raimundo, também os velhos como Iauá, Tatá, falavam muito bem, a tia Daci, que é a velha Iuvá, a Inuihu, que é a Maria Helena, o velho Pereira, a tia Alzira, essas pessoas que falavam a língua. Então eu tentei aprender com minha mãe para que ela pudesse me ensinar a falar as palavras, as frases e o sentido. Quando eu comecei a falar em Yawanawá, eu comecei a falar tudo muito errado. Os meus parentes, então, que conheciam a língua, ficavam rindo de mim, mas isso não me intimidou. Pelo contrário, eu tentei estudar mais e falar. O desafio do Yawanawá, e na minha época então, era exatamente não saber falar, que hoje muito Yawanawá jovem tem vergonha de falar, ninguém quer falar. Pergunta para qualquer um jovem que está por aí, vendo diante de vocês, ninguém quer falar. Eles sempre têm vergonha de falar a língua deles. E eu não senti vergonha de falar, não. E se eu falasse errado, porque eu sabia que eles iam me corrigir, e na correlação iam aprender mais. Então, a partir daí, eu comecei a falar. Na verdade, você se torna dominante de língua a partir dos momentos no seu dia-a-dia, nos momentos que você encontra com as pessoas, que eles vão falando e você vai dialogando com eles na língua. Então, desde que você escuta mais aquela língua, que você mais aprende, que você aperfeiçoa. Então, entre o Yawanawá, eu tive que... fazer esse desafio para eu aprender a falar, ser fluente em Yawanawá, porque todo Yawanawá só fala português. Então meu encontro de aprender a falar a língua é somente no momento onde eu vejo que tem alguém que fala a língua. Porque se eu for falar a língua junto com os jovens de Yawanawá, eles não vão me entender, eles não vão me ensinar. Porque para você aprender a falar a língua, é você ouvir o som da voz, tentar acertar, e você falar. E não tem medo de falar. Foi assim que eu fiz e cada vez mais estou me aproveitando e aprendendo a falar a língua. Então, a partir dos 22 anos de idade, eu não tive medo de falar a língua Yawanawá conversando com os falantes. E quando eu chego, eu cumprimento eles e eles me cumprimentam. E aí a gente abre o diálogo, eles conversam comigo. E eu fico muito curioso a cada falante Yawanawá, a cada dominador de língua, porque eu estou aprendendo com ele. Então, cada palavra que sai nele, pra mim, é novidade, porque eu tô aprendendo mais. Então, é assim que eu faço.
P/1 - Só uma dúvida. Você falou que a sua avó cantava pra você na língua. E ela falava contigo em que língua?
R - Ela falava comigo na língua Yawanawá. Ela me ensinava, eu pedia pra ela me ensinar a língua Kamanawa, ela me ensinava um pouquinho, mas ela fugia porque ela falava assim que na época com o meu avô, o meu avô, o Antônio Luiz, que era junto com ela, ela falou assim: Todos os povos casados com Yawanawá, então denominado, embora não sendo Yawanawá, mas tinha que se dar apenas na única língua, educar e orientar em Yawanawá, todos vindos de qualquer etnia, casados com os filhos Yawanawá. Então a minha avó seguia muito essa regra, então ela não me ensinava, negava um pouco de ensinar a língua do povo dela, mas só falava comigo em Yawanawá. E muito perfeito, sem erro.
P/1 - E você não aprendia um pouquinho assim?
R - Kamanawa?
P/1 - Não, Yawanawá.
R - Eu aprendi com minha avó. Aprendi com minha avó em seguida... Não. Um pouco com minha avó, em seguida a professora e com minha mãe. Ouvi a minha avó, em seguida a professora e minha mãe.
P/1 - E aí o que fez você ir para a cidade com nove anos? Qual foi a razão?
R - A razão pra mim ter ido para a cidade é porque o estudo na aldeia não tinha escola a partir da alfabetização. Então no Seringal não tinha mais condições de dar continuidade aos alunos avançados. Então o que minha mãe pediu… A minha avó pediu que o meu irmão me levasse para o Rio Branco para eu estudar lá, continuar com os estudos. Então foi isso que me fez ir para o Rio Branco, para eu continuar com os meus estudos.
P/1 - Qual foi a sua primeira impressão saindo da floresta, chegando em Rio Branco?
R - Muito impactuoso. Qualquer índio que sai da floresta pra cidade grande ou qualquer outra cidade que não tem… a questão, a cultura, o hábito, os costumes da cidade e o costume, o hábito da aldeia. Na aldeia nós temos um hábito, nós temos um costume, nós temos uma cultura que é diferente. A primeira coisa foi a alimentação, a comida. A comida aqui era muito cheirosa. E esse cheiro, a gente não suporta. Nós indígenas que comemos comida natural, que somos índios de verdade, não índios de mentirinha, que só vive na cidade dizendo que é índio, mas aquele índio que vive na aldeia, que preserva a sua cultura, a sua identidade, quando prova da comida do branco, a gente não suporta, porque a comida é muito cheirosa, esse cheiro arripula muita gente, como a cebola, o tomate, as folhas, as outras raízes que a gente não conhece. Então isso é muito impactuoso pra gente. O vermelho que é o Urucum. Tudo a gente consegue sentir o cheiro. E é um cheiro muito impactuoso pra gente. E aí eu pegava... E a carne do boi também. Porque o índio de verdade não come carne do boi. Agora não, agora o índio é fazendeiro. Se não comer uma carne de boi, não é comida. Mas na época, a comida do boi era muito impactuosa. Até hoje, várias pessoas não comem comida de boi. Tem muita gente que não come, porque é o cheiro do capim. Porque o boi se alimenta do capim e o capim tem um cheiro. E entra na carne. Então assim, foi muito impactuoso para eu me acostumar. Eu errei muito tempo, jogava muito quando ia comer, jogava muita cebola, tomate, todas aquelas coisas que colocava na comida, eu jogava tudo. Comia somente a farinha e a carnezinha. E uma outra coisa também era a questão que me levou muito impacto. Eu ser diferente de uma sociedade branca. A gente sente muito preconceito, na época eu passei por muito preconceito, muita discriminação por ser índio. A sociedade branca nunca te aceita e nunca vai te aceitar, porque realmente a gente é diferente. Essa diferença do cabelo, olhos, da nossa fisionomia, impactua muito o povo branco. São muito curiosos, né? Então, a discriminação, o preconceito foi muito grande quando eu cheguei nessa idade, na escola. Isso foi muito forte pra mim. Então, pra mim superar esse preconceito, eu tinha que dar de mim. Eu trabalhava só pra me vestir. Desde o calçado e minha roupa e o meu boné. Eu só usava roupa caro, de boutique, de marca, roupa de marca, porque assim eu perdia, eu não escutava muito preconceito, mas ele já ficava admirado, porque Eu sendo índio, mas eu não era qualquer índio que me vestia como qualquer índio. Eu me vestia muito bem. Então, a minha vestimenta é que me fez superar também muitas amizades com as pessoas. Porque o homem de fora, ele olha a riqueza, não olha a simplicidade, não olha o ser humano como outro humano que tem o mesmo espírito, que sente dor, tristeza e que tem luta também.
P/1 - E aí, tu ficou em Rio Branco até quando?
R - Até 1997. Então, em 1997, quando eu completei 22 anos, retornei para a aldeia.
P/1 - E o que fez você falar assim: Agora vou sair de Rio Branco e voltar?
R - O que fez eu sair de Rio Branco e voltar? Bom, a primeira coisa é que muitas pessoas, eu contava com muitos indigenistas também, e eles me chamavam de índio urbano. “Esse aqui é um índio da cidade, é um índio urbano”. Esse aqui nunca mais vai voltar pra aldeia mais. Até então dava motivo, porque naquela época também eu era, além de ser cineasta, eu viajava, era um cara bem articulado e fazia programa de rádio, emissora de rádio AM, voltado para as questões da floresta, indígenas, do movimento indígenas. Então, não tinha nem porquê eu voltar para a aldeia. Então, essa palavra das pessoas me chamarem de índio urbano é que me fez, me encorajou muito de mostrar para as pessoas, embora estou acostumado a viver na cidade, mas tudo era possível você voltar novamente para a sua aldeia. Então foi isso que eu mostrei. A minha volta é um desafio muito grande para readaptar novamente aos costumes tradicionais do meu povo e reaprender de volta aquilo que eu não aprendi. Então foi isso que eu fiz. Minha volta é um desafio exatamente por isso.
R - E também da sua volta, o que fez o senhor aperfeiçoar na sua cultura?
R - O que fez a perfeição na cultura foi uma curiosidade muito grande. A primeira coisa, eu sabia que o povo Yawanawá é um povo de uma espiritualidade muito grande, muito forte, muito poderosa. Para me perguntar sobre a espiritualidade Yawanawá, para um pajé como Tatá Yawa, nenhum pajé te conta o segredo, os mistérios e a sabedoria da espiritualidade, nunca te contam. Nós contamos muita coisa hoje porque nós somos muito abertos, porque já passamos por processos de muita dificuldade. Então, eu tinha que... Era um desafio entrar nesse mundo, experimentar o que é o mundo da espiritualidade e descobrir o segredo e os mistérios espirituais. Então, o meu objetivo era entender como fazer as primeiras dietas e nessas dietas tentar descobrir que mundo obscuro era esse. Então foi quando na Aldeia Sagrada, acho que foi em 2006, foi numa época que estava entrando pra dieta o Nixiwaka, a ________, a Putani, o ______, aí o ______, aquela _____, e eu pedi pro Tatá, que eu queria também entrar, fazer a dieta do Muká. Aí o Tatá pediu pra mim falar com o _____. Fui, falei com o _____, o ______ disse que sim, tranquilo. Aí o ______ pediu pra mim conversar com o ______. Eu conversei com o _______, que é o tio Raimundo, pra ele foi uma coisa muito boa pra ele fazer. Aí eu pedi a permissão da liderança naquela época, que era a _____, a Mariazinha, da Aldeia Mutum, e o ____, irmão delas. Ninguém foi contra, foi quando eu fiz a primeira dieta do Muká, o juramento sagrado do Muká. E a partir daí, naquela época, os ensinamentos eram muito diferentes. Você não podia usar um caderno, uma caneta para você escrever os cantos, cantado pelo Tatá, pelo ____, que estava então ensinando a gente. Nós chamamos de rezas, que é no pote, trabalho no pote, e nem os cantos, a gente muda de escrever para a gente aprender. A gente só tinha que aprender ouvindo, e somente na cerimônia. Nós estávamos aprendendo ali as coisas, mas ele não passava o dia todo ensinando a gente. O conhecimento é o ____, você não tem um professor especificamente pra te ensinar o dia todo ali, grudado com você, te orientando: “Faça isso, faça aquilo”, não. Você entrou na dieta, tá lá no teu canto como aqui, eu tô aqui, tô sentado aqui. Se eu não participei da cerimônia durante a noite, então não vou aprender. Então você só aprende se tiver na cerimônia durante a noite. Então se você não estiver na cerimônia, então você não aprende. Diferente que hoje a gente… hoje tem alguém que está destruindo, que está cantando o dia todo para você aprender. Então foi quando eu comecei a me interessar e aprender. Porque naquela época também, a gente já trabalhava, eu trabalhava na escola tentando construir o currículo diferenciado da escola Yawanawá, com o currículo próprio, e dentro do currículo entrava a disciplina de arte e educação física. Então, essas duas disciplinas a gente juntava para dar uma aula. Nessa aula a gente fazia aula de cantos, rituais, danças e apresentação de alunos Yawanawá de cada classe, diante dos seus pais, diante dos professores e de toda a classe, sempre de algum canto. Então eu tinha que me aperfeiçoar nos cantos para ensinar para os meus alunos os cantos para que eles pudessem fazer apresentações neles, nesse trabalho de educação física e arte. E então foi quando eu me interessei em aprender a cantar os cantos. Mas, a certo ponto, eu parei de cantar os cantos, porque, por exemplo, em um momento, o meu irmão, o Nixiwaka, não gostou da minha voz. “Ah, tua voz é muito feia, é ridículo.” Nossa, isso foi um desânimo total para mim, parei por muito tempo. Eu voltei a cantar novamente porque encontrei com uma sobrinha e ela me perguntou, que é a ____. Ela falou: “Tio, e aí? Como tá o aprendizado dos cantos?” “Ah, ___, parei com tudo”. “Por que parou? “Eu parei porque o Nixiwaka, meu irmão, o pajezão, achou que minha voz era muito feia”. Aí ela falou assim: “Olha tio, que as pessoas possam achar tua voz feia, você não está cantando para eles, não. Você está cantando para você mesmo. Nós cantamos para nós mesmos. Nós cantamos quando estamos felizes. Nós cantamos quando estamos contentes. Nós cantamos para o nosso Criador. Nós não cantamos para exibir o que somos para ninguém. Alguém pode achar feio a tua voz, mas outras pessoas podem achar simpático a tua voz. Nós devemos continuar. Continua! Porque o senhor vai precisar. Ele já tem tudo aquilo que ele quer. É por isso que ele te ignora”. Parei, refleti, digo: “É verdade, vou continuar aprendendo a cantar”. Mas eu fiz um intervalo muito grande, muito tempo sem cantar, mas parei. Então esse intervalo me atrapalhou muito tempo, muito tempo mesmo, e quando comecei a fazer a dieta para voltar a cantar, não foi fácil. Depois do Muká, quando eu fiz a dieta, no Muká, não aprendi a cantar nenhum canto. Porque então, naquela época, eu pedi uma faculdade, porque naquela época, nenhum professor, não tinha nenhum professor, nenhum Yawanawá com nível superior. E tinha que ter um Yawanawá, então eu pedi um Muká que pudesse me dar um nível superior. E me deu. Então não aprendi a cantar canto… Só que ele me entregou conhecimento do mundo de fora. E então, depois fui à dieta do Nanã, não aprendi nada de canto. Fui à dieta do ____, da Pimenta, aprendi nada. Fui à dieta do Mamã, não aprendi nenhum canto, não saiu nada. Agora, fiz toda a dieta do ____. E eu continuar participando da cerimônia na Aldeia Sagrada, eu fazia toda a parte do trabalho, ajudava nas noitadas, assoprando os que estavam passando mal ali na medicina, dando os pajés, mas eu não cantava nada. Depois que eu vim aqui para a Aldeia Padre, eu decidi, ou eu continuo, com esse caminho de pajelança, ou paro de uma vez por toda a minha vida, que é mais nem saber esse mundo mais, que eu não sei cantar. Fiz o Muká, me chamam, no centro da roda, me apresentam, mas não sei cantar, fazer um canto. Aí, então, eu tive que fazer uma coisa. Foi quando eu fiz a primeira dieta da saliva da sucuri, que é da ___. Quando eu fiz a primeira dieta, aí com um mês eu comecei a fazer o primeiro canto. Um canto do... do... cantado por Tatá, do... dos nossos antigos, que foi chamado Muká. Chama _______. [Canto] Então esse foi o primeiro canto que eu cantei depois de um mês na dieta do... do... do _____. Então, a partir daí, depois que eu cantei esses cantos pela primeira vez na cerimônia, na Aldeia Amparo, e aí abriu pra mim o mundo. Aí veio começar a chegar os cantos pra mim. Aí me facilitou mais o meu aprendizado, e a partir daí não parei mais, né? Aprendendo outros cantos, outros muká. Então, aprender a cantar os muká não é fácil porque ele tem muitas palavras que são muito profundas. São palavras de cura espirituais, você tem que entender, tem que saber o que você está falando, o que você está pedindo, o que você está chamando, que força é essa. Porque se você estiver cantando errado, quem estudou aquele canto vai estar ouvindo. Então o nosso cuidado hoje é a gente fazer um canto mais do que perfeito para que essa pessoa possa se admirar e saber que você realmente tem a responsabilidade de aprender e que você está fazendo sério. Porque se você brigar, você fica como se fosse uma brincadeira na boca de todo mundo. As pessoas ficam falando muito mal de você e ficam rindo de você. Você está dizendo que sabe alguma coisa e, no fundo, não sabe de nada que estão ouvindo que você não sabe. Então, qualquer canto que a gente expressar, que a gente cantar, a gente tem que fazer o melhor. Porque tem gente mais estudada que você. E hoje, o Yawanawá, cada vez mais, cada um está estudando mais do que você. Se você não estudar, você passa vergonha. Então, o nosso cuidado hoje é cantar o mais perfeito possível. Eu, por exemplo, estou estudando direto, aprendemos a cantar, porque em certo momento eu tenho que cantar nas grandes aldeias. Até hoje eu não fui convidado a cantar em nenhuma grande aldeia, porque eles não acreditam que eu conheço nada de canto, mas pra mim eu sempre quero fazer surpresa pras grandes pessoas.
P/1 - Você ia falar pra... já que você entrou na dieta da sucuri, se contar um pouquinho mais sobre ela, como foi o seu processo dentro dela, além do canto, como foi que você entrou, qual foi a dificuldade, qual foi os aprendizados?
R - Eu fiz duas vezes a dieta da sucuri. A primeira dieta que eu fiz foi dada pelo meu tio, o João Teimar. Ele me deu a saliva. Para mim foi muito impactuoso, porque eu fui com muita vontade. A primeira coisa que você tem quando engole a saliva da ______ são sonhos. Sonhos são muito importantes, porque através dos sonhos é que você vai passar a aprender. Os espíritos vão se materializar em pessoas humanas no sonho e vão te ensinar os cantos, vão te ensinar as plantas medicinais que curam certo tipo de doença e o processo de como fazer a cura. E então, nos meus sonhos, nós chamamos de Vaná. Os Vaná ficavam todos assustados comigo, se assombraram comigo. Quando me viam passar, escondiam, ficavam olhando pela janela, ficavam só com um olhinho lá, um por cima do outro, assustados, me olhando. Então os Vaná se assustaram. Quem é esse cara, quem é esse malucão que tá atrás da gente aí e tal? Então eu dormia e sonhava assim, nos lugares, no caminho, tentando chegar a um certo ponto. E que tinha vários caminhos, eu tinha que seguir o caminho, o caminho largo, o caminho estreito. Então eu tinha que escolher o caminho para chegar a um certo ponto que eu queria. Então o meu primeiro impacto foi isso, eu estava tentando me encontrar. Eu estava querendo reconhecer eu mesmo dentro do mundo espiritual, o que eu queria. Então a dieta da Runūã é fazer você reconhecer quem é você, o que você quer, o que você deseja desse mundo da espiritualidade. Você está pronto? Por que você está pedindo isso? Os espíritos vêm perguntando isso para você. Por que você desafia esse mundo que você não conhece? Então, eu passei por isso. Ficaram todos assustados, mas depois, quando voei na segunda, quando abriu pra mim esse primeiro canto na dieta, que ela abriu pra mim. Quando foi na segunda, no _____, aí já foi, já abriu mesmo a porta pra mim aprender. Então, facilitou muito pra mim. Hoje, não somente... É... Um desafio maior é a questão da dieta, que é a alimentação, né? A primeira coisa, a alimentação da Runūã, ela é diferente do Muká, diferente do __, do __, do _, do ___, porque a comida é a comida, é diferenciado. A comida que você tem que comer nessa outra dieta, você come nessa dieta da Runūã. Você pode comer a paca, pode comer a cutia, a cutiara, pode comer as espécies de perereca, de rãs, de, por exemplo, de lagartos. Então, a bebida também. Então é a comida que faz a diferença, é um desafio muito grande. Maior que você, por exemplo, a comida que você precisa se alimentar no dia da Runūã, é a comida que a Runūã come. O que a sucuri engole para comer? Qual é a presa dela? É a cutia. É a paca. É a... As pererecas. São os tipos de sapos. Então, são comidas muito exóticas, mas é essa comida que alimenta o teu espírito. Essa comida é que os espíritos se aproximam de você e você se encontra com os espíritos. São essas comidas que fazem de você mais simples e nessa simplicidade é que vem a sabedoria. É nessa tua simplicidade e nessa tua humildade que os espíritos vão passar a gostar de você. Porque os espíritos, eles nos cercam. Eles estão vendo o nosso comportamento, o nosso dia a dia, a nossa ação, a nossa atitude. Nós não estamos só, nós estamos vigiados por vários espíritos aqui. Ele sabe e entende se você é merecedor ou não do prêmio que é a sabedoria. Então a sabedoria que nós buscamos através das dietas é um sacrifício, sacrificar o nosso corpo, os nossos desejos carnais. Tudo que é ruim, tudo que é desejo é a vontade da carne. Então a gente precisa sacrificar o desejo carnal, martelar o desejo carnal, abandonar o desejo carnal e vivemos no mundo da espiritualidade. Porque o mundo da espiritualidade é um mundo puro de santidade, de pureza. É muito fino. Então, o espírito passa a gostar de você a partir do momento que você sacrifica esses desejos, que é a gulosice, que é a prostituição, que são todos os desejos maus que nós temos contra o seu irmão, o perdão, o amor, a simplicidade, a humildade. E essas características, é difícil alguém adquirir. Nem todo mundo tem essa qualidade. E para você conseguir ter essa qualidade em você, é sacrificoso. Adianta isso. É um processo de limpeza e pureza espiritual. Então, a partir daí, esses desafios são lançados para você e você tem que vencer. E outro processo maior é a dedicação, que é na concentração para você aprender aquilo que você quer. Esquecer todos os seus problemas, que você tem, familiar, da casa, financeira, você somente falar para você, esse é o meu foco, é isso que eu quero aprender, e não cansar. E não esperar porque está na dieta, porque um dia vai cair para mim, um dia alguém vai me entregar. Não é isso. Você tem que correr atrás da dieta. A dieta é um intervalo onde você vai estar concentrado para aproveitar aquele momento, porque você não tem muito tempo para estar estudando aquilo. Então tem que estudar. Se você estudar, tem resultado. Se você não estudar, não tem resultado. e tem que estudar direito, porque se não estudar direito, você passa vergonha, porque as pessoas que estudam mais do que você, vão apresentar coisas melhores, produtos melhores diante das pessoas, diante de você.
P/1 - Você, nessa dieta, teve algum encontro com o espírito da sucuri mesmo?
R - A gente nunca encontra com sucuri. Ela se materializa em pessoas, em humanos. Por exemplo, eu dou um exemplo aqui para vocês de como é esse encontro. As pessoas acham que a gente se encontra com os filhos da sucuri. Eu estava uma vez, eu estava na dieta da sucuri, para abrir já os cantos para mim, aí eu vi, eu estava ali na aldeia, porque era sul, na virada daquela praia, vinha a minha avó descer no rio, ela vinha cantando um canto. [Canto]. Aí quando eu olhei assim, ela vinha descendo a minha volta na praia, em minha direção, ela vinha cantando. Muita emoção quando tem sonho. Então, esse foi o encontro que eu tive com o espírito da sucuri. Ela não vem em forma de sucurizona, com a língua dela para falar contigo, não. Nem em forma de sucuri, não. Ela vem em forma de pessoas, de humano, inteligente, velho sábio, velha sábia, ou alguém importante que tenha sabedoria e conhecimento e se encontra. Essa transmissão, quando você sonha um sonho desse, já grava dentro de você. Já começa a meditar, escreva pra não esquecer, pra tu formalizar esse canto. Então a sabedoria, ela começa por aí. Ela tá te entregando um canto, um muká, né? Porque o muká é o _________, né? Que todo mundo conhece, então é um muká, então é um canto muito importante. Ela já te entregou um canto. Então assim como tu sonha com vários outros conhecimentos que eu entrego pra você, porque não são só isso não, são vários conhecimentos, vários saberes, eles aparecem para você. Uma outra vez eu encontrei com minha avó também, ela ia apresentar uma folha de uma planta chamada chumotruve. Olha, isso aqui é para quando a cobra morde alguém, totalmente outros tratamentos não curam, mas a pessoa está sentindo sempre aquela presença ruim, alguma coisa, faz você sentir alguma coisa no lugar onde a cobra mordeu, então para não sentir mais nada, ferve essa folha, faz a comparsa em cima, diversas vezes. Isso aí não é sucuri, o espírito dela vem em forma de e minha avó falando comigo e me ensinando o processo de como fazer o tratamento. Então é assim que é o nosso encontro.
R - Bom Vinnya, agora nós gostaríamos de saber um pouco mais sobre a relação com as suas dietas. O senhor falou da Runūã ___, e queria também lembrar, se o senhor lembrasse, quais outras dietas o senhor já realizou? O senhor comentou de uma dieta Katukina, Marubo.
R - Além das dietas Yawanawá que eu fiz, que eu comentei, das duas vezes que eu fiz a saliva da Runūã, Runūã ____, também fiz a dieta Kamanawa, eu fiz quatro dietas Kamanawa. A dieta Kamanawa foi pra mim rezar no pote. Pra mim rezar no pote, fazer o trabalho de rezo, que eu sou um trabalho de cura que a gente faz pras pessoas que estão doentes. E, ao mesmo tempo, a gente aprende também a fazer, a passar, né? Cear para alguém que vai entrar na dieta. Quando alguém vai fazer uma dieta para aprender cantos, aí a gente também faz esse trabalho para aperfeiçoar, então eu fiz a dieta. Essa dieta eu fiz duas vezes, né? Para aprender a rezar. E a outra dieta, que é o Kamanawa, que eu fiz, foi para mim aprender a tirar força do ___. Às vezes, quando a gente toma a ____, muita gente passa mal, fica descontrolado, sai do controle e não tem como voltar. Então, a gente tem uma dieta que a gente faz, que a gente aprende, somos ensinados nesse período, como tirar a força do ____ de alguém. Então, tem uma outra dieta que eu fiz também, que é uma Kamanawa, foi para mim aprender a colocar o ___ nas pessoas. Como você tem que... tem que colocar o ___ , né? O ___ é um dom que as pessoas chamam de pedra. A gente tem um gesto, um exercício que a gente faz. [Faz o gesto]. Quando a gente faz isso, quando a gente está na força do ___, então os pajés ____ eles tiram dentro de você o dom. Você não vê, mas você sente. É como se fosse uma bolinha de... Tu sente que é como se fosse uma bolinha de... um balão cheio de água. Aí, então, ele mexe o lugar onde é apropriado para colocar em você e coloca. Então, esse é um aprender a colocar em pessoas, para as pessoas, para curar as pessoas. Esse trabalho também é de curar as pessoas, você tocar na doença das pessoas, você aprende a saber onde é que está, a localização da doença, e você poder chupar, arrancar e materializar. Então, os verdadeiros pajé ____, eles tiram a doença e mostram o que foi que ocasionou aquela doença dentro de você. Ele materializa para você ver. Esse é um trabalho do verdadeiro humano. Eu, porém, ainda não faço o trabalho de materialização, mas faço o trabalho de cura. Se alguém está doente, sentindo algo, eu vou lá, sinto onde tem alguma coisa, e aí eu tento tirar aquelas aquela coisa que a pessoa está sentindo, aí eu tenho que colocar o ___. O ___ coloca para que você não possa, para que aquela doença não possa não estar mais naquele ambiente mais da tua parte do corpo. Então, esse é o meu exercício que eu tenho feito com esse aprendizado dessa dieta. Aprendei a colocar o ___. Então, é um exercício que a gente faz, que a gente nunca vai parar, porque a gente não é pajé. A gente é aprendiz, nós somos alunos. É o aluno, antes de ser professor, tem que fazer vários exercícios, tem que exercitar, tem que trabalhar. Então também não é diferente. Nós, os aprendizes de pajé, fazemos da mesma forma. Então todo exercício ensinado, e eu fui muito introduzido e ensinado muito, acompanhado muito pelo meu sobrinho, que é pajé, que é o _______, também o Paka, que é o Marubo, irmão famoso Saku, o Marubo Saku também, foram eles que me ensinaram muito como fazer esses trabalhos. E outra dieta que eu fiz também Kamanawa foi para me encontrar com o espírito da kanarunu. A _____ é uma, é um tipo de família da Runūã , da sucuri, porque para nós nem todas as sucuris são iguais. A _______ é amarelada por debaixo, essa parte bem vermelha, como se fosse um urucum que pega do olho, ela identifica uma família. Elas não atacam, são uma família de ____ que não ataca pessoas, elas só pegam suas presas. Porém, as _____ que atacam as pessoas, para fazê-las tornarem-se presas, são as _____ que não têm o poder de transformar você em um grande pajé ou uma _____. Então são esses tipos. E tem também a Isarunua. A Isarunua é uma da família que vive dentro da lama, nos lugares alagados. Você não encontra essa espécie fora, em cima ou no sol. Ela só está socada dentro da lama, vive dentro da lama, socada. Então ela tem um poder muito grande. E tem outra espécie de ____ chamado... Imbã. Essa Runūã fica dentro do buraco. É essa espécie que vive dentro do buraco, nem terra firme, nem lugares de floresta. Então, essas são as famílias que têm o poder de transformar você em um verdadeiro. Então, eu fiz essa dieta para contar com o espírito da ________. E são cantos específicos dela também. Quando canta, é uma presença do espírito dela. Então... eu fiz essa dieta com Kamanawa. Então, toda a minha orientação, o meu trabalho de cura, tudo é o trabalho ensinado pelo pajé Kamanawa. Também fiz uma outra dieta para aprender a cantar Saiti, chamado Muká. Os Katukina chamam Saiti, nós chamamos Muká. Com o pajé aqui também, com o ___ , que é o meu irmão mais novo. Ele é Katukino também. Então ele é um pajé muito bom. Pessoal chama ele de Caminhão. Ele é muito bom. Eu fiz a dieta com ele pra abrir minha voz, pra me cantar Muká, exclusivamente Muká mesmo. Então, essa foi a dieta que eu fiz. Juntei todas essas dietas, foram coletivos de dietas que eu fiz para que elas todas pudessem me empoderar e me trazer ensinamentos como me relacionar com com minhas atividades espirituais de cura, de outros trabalhos que as pessoas precisassem de mim. Então eu faço essa coleção de atividades junto a ela em um só trabalho.
P/1 - Mas como foi que você falou assim: Ah, vou ir para outro povo estudar, por exemplo, o Marubo? Como você pensou isso?
R - Não, é porque esse Marubo é… esse _____ mora na Aldeia Campina, junto com minhas sobrinhas também, lá, né, filhos de outros. Porque nós Yawanawá, nós somos Yawanawá, mas não somos Yawanawá, a minha tia é Kamanawa também. Então nossa família tá toda pra lá. Aí é junto com parte da nossa família, então se torna também família. Então, quando eu faço a primeira dieta que eu fiz, eu chamei eles: “Vem pra cá, vem me ajudar. Vem me ajudar, eu tô precisando de vocês agora”. Então, eu não paguei nada pra eles, diferentemente que outros Yawanawá são poderosos e contratam eles com suas riquezas, eu não. Eu chamo eles pela amizade e ele tem a obrigação junto com minha família tem que vir me ajudar. Então eles vêm, quando eu chamo eles vêm aqui. Chamo o _____, Marubo, junto com minha família, vêm aqui, eles fazem essa dieta pra mim, me ensinam como assoprar. Então, por exemplo, meu assopro de cura, até meu assopro de cura, eles me ensinaram que eu tenho que fazer como eles. Porque é assim que eu vou apropriar, é assim que o espírito da _______, do que eu estou buscando, vai se encontrar comigo. Esse é o exercício. Quando eu comecei a fazer o sopro Yawanawá , eles riram e me ignoraram. “Não, para com esse sopro Yawanawá”. Tem que fazer o sopro Kamanawa, o sopro Marubo. Então, quando eu faço sempre o sopro em alguém, eu tô fazendo o sopro contra o trabalho de cura, é diferente. [Sopro] Eu vou fazerno corpo de alguém, é como se fosse uma onça. É como se fosse uma onça, o poder é como se fosse uma onça ali tentando, esturrando em cima de você, tentando sacudir o teu corpo, que está ali com uma situação, pedindo ajuda, que tem que ser aliviado daquela doença. Então, é uma coisa impressionante. E aí depois chupa, né? Chupa, chupa e depois escarra, não fica e joga pra lá. Entendeu? Então, esse é o exercício que eu aprendi com ele. Então, meus trabalhos são muito diferentes com ele. Então, quando eu faço, quando eu canto, por exemplo, um canto, o que é que eu faço? Eu faço igualmente, eles me ensinaram também, né? [Sopro] Eu faço e assopro, né? Então, totalmente diferente. Então, o meu exercício de atividade é totalmente diferente que o trabalho de Yawanawá , que o Yawanawá não faz esse trabalho. Então, porque o meu aprendizado foi com eles. Então, eu não... E eu sou licenciado por eles para fazer essa atividade. Então, eu não tenho medo de fazer atividade diante deles. Sou licenciado por eles, porque pertenço a essa família também, que é Kamanawa. Então... Eu puxo as minhas raízes, sendo Yawanawá, mas eu tenho muitas raízes que vêm do Kamanawa, então eu me orgulho muito de fazer esse trabalho como eles me ensinaram. É assim que eu trabalho.
P/1 - Durante esses trabalhos de cura, o senhor já sentiu alguma presença de algumas pessoas próximas?
R - Já, já, isso aí sem dúvida. Eu já senti a presença muito do Tuvi. Tuvi, conhecido como Tubia. Quando eu comecei a fazer _____ nas pessoas que estavam fazendo o trabalho, quando eu comecei a fazer [Sopro]. Quando eu vi, já não era mais eu. Já era... Era ele já fazendo o trabalho. Era como se fosse o espírito dele encarnado. A gente sentia uma encarnação, o espírito cheio da gente. A gente tinha várias presenças já assim. Então a presença maior é dela, dele, é muito forte a presença dele quando eu tô fazendo esse trabalho. Pra mim é como se fosse... Porque ele imitava a onça, ele transformava você em uma onça, porque ele era um pajé muito forte, muito forte. Ele era _____, era um _______, ou seja... Além dele ter o poder do ___, ele tinha o poder dos espíritos. E os espíritos trabalhavam para ele, então eles se transformavam. Então, quando eles se transformavam em onças. Então, essa voz é como se fosse uma voz de uma onça, de uma onça preta, uma pantera negra mesmo assim, tentando fazer o trabalho. Eu sentia algumas presenças assim já.
R - O senhor já recebeu alguma, já teve alguma necessidade de ser curado, tratado? E também se já precisou aplicar o seu conhecimento em alguém?
R - Não, receber tratamento eu nunca recebi, porque graças a Deus até não precisei ainda até hoje. Mas para ajudar alguém eu já ajudei algumas pessoas muito, muito, assim, muita surpresa na minha vida. Embora eu sendo jovem, como todos os outros aprendizes da terra indígena, como o ______, o _______, o ___, os mais, que já tem um caminho grande, já há muito tempo, a gente fazia esse exercício. E outros também, mas eu tenho surpreendido muitas pessoas, porque muitas vezes as pessoas acham que você não sabe de nada, mas eu já surpreendi em muitos trabalhos. O próprio meu pai, quando eu estava doente, já fazia muitos dias, semana que ele não conseguia dormir de noite, falando, chamando os espíritos. E aí não teve outra alternativa. A gente estava cansado, quatro dias, cinco noites sem dormir, ia de noite com ele. Aí eu fazia o trabalho do meu pai. Quando eu coloquei a mão na cabeça dele, na cabeça dele, aí quando eu comecei a fazer o recurso nele, meu pai dormiu. Então essa foi uma coisa impressionante. E também a presença de algum visitante, veio um jovem lá do Egito, ele tomou um ___ lá fora com outros parentes, aí começou a sentir a presença como se tivesse uma serpente andando dentro do intestino dele. E aí veio pra cá pra receber uma cura. Eu tava na dieta da Runūã _____. E mais a dieta Kamanawa, mais a dieta ____. Exatamente fazer exercício. Aí quando eu comecei a fazer o trabalho nele, comecei a tentar puxar, né? Chupando o lugar dos sintomas que ele tava sentindo. E eu comecei a colocar o ____ no corpo dele, não um _____ não como um pajé, mas um _____ como um aprendiz. Então comecei a colocar dentro dele e logo saiu como se fosse uma cobra preta, só com o olho na testa, pela boca dele. Então esse foi muito forte pra mim. Se curou, né? Então, fora outras coisas que eu já fiz mais em viagem, né? Eu faço sempre umas viagens aqui no Pará, logo aqui no Rio Norte mesmo, vou num lugar lá, sempre tenho presença lá, fiz um trabalho interessante por lá também. E aqui sempre recebo aqui no Amparo algumas pessoas que sempre vem fazer esse desafio, pra gente é um desafio, quando alguém chega doente pra se tratar, porque a gente dedica e a gente passa pra mostrar que realmente a gente não tá brincando, né? Embora que muita gente... Segundo ___, não é a gente que cura, quem cura é Deus. O que faz você se curar é a tua fé. Então é isso que a gente sempre leva nessa palavra do nosso grande sábio _____. Ele nunca dizia que ele curava. Quem cura é o nosso criador, Deus. Quem acaba fazendo você se curar é a tua fé. Então é isso. Tendo fé no trabalho que a gente faz, é possível a gente resolver vários problemas que a gente já fez por aqui.
P/1 - Nessas visitas que você fez, teve alguma história, alguma coisa que aconteceu assim, diferente, nossa que você pode contar?
R - Nessas dietas?
P/1 - Uma história mesmo.
R - Eu acho que uma coisa bem importante e difícil foi um sonho. É nessa dieta. Eu sonhei um sonho muito forte, bem desagradável, que alguém não gostaria que a gente comentasse, ou alguém, um Yawanawá ignora quando a gente comenta. Quando eu sonhei com o Tatá, sonhei com o Tatá, o pajé Tatá, ele me ensinando o conhecimento de tirar o espírito de alguém. Porque o Yawanawá, o Tatá, era um único. Yawanawá também sabia. Mas o Yawanawá, a pajarança, o Yawanawá não tem pajé, como o ____. Mas o Yawanawá tem pajé, que tem a força espiritual de tirar o espírito de alguém vivo. Você vive, você entra dali, ele faz um trabalho em você, faz um trabalho, arranca teu espírito e você morre. Então, é... E o Tatá sabia disso, eu sonhei com o Tatá e eu fiz um comentário. Isso foi muito ignorado por algumas pessoas, como ____, como _____, que são contra, e outros grandes pessoas também por aí. Porque o Yawanawá, na verdade, a gente não gosta quando alguém comenta que você teve sonhos assim. Porque esse não é o objetivo de nós, Yawanawá, estar buscando sonhos de conhecimento de maldade. Então, pra nós, a gente precisa aprender os conhecimentos do Yawanawá que sempre possa trazer paz, porque nos passados nossos antigos usavam muita sabedoria, muito por mal. Por isso que a nossa população é uma população muito minúscula com relação a outras populações, porque outras populações não usavam o mal. Então, enquanto ia Yawanawá, testavam sua sabedoria nas crianças, nas mulheres, nos velhos, nos jovens. Nenhuma criança, nenhum jovem, não podia sair andando diante de você, porque ela estava te acabando com o seu conhecimento. Só olhar para você, ela estava te matando, o seu espírito. Entendeu? Então... O Nixiwaka não quer que com a volta da pajelância, ele como, na época, líder do povo Yawanawá, não quis que o Tata Yawanawá pudesse voltar a ensinar a sabedoria do mal, mas que a gente fosse ter conhecimento. Hoje nós temos que buscar conhecimento do bem, para que a gente possa viver em harmonia, que nossa população possa crescer, que nossos filhos possam crescer com muita saúde e ter muita paz. Então, hoje, para a gente, é isso que nós queremos, harmonia, entre a nossa família, aumentar a nossa população, e jovem casando, tendo filho, família e nada de maldade mais, nada de testar o teu conhecimento por mal. Quando eu fui nesse processo da dieta, um grande desafio que eu tive foi exatamente quando você, para se tornar um pajé, você teve que matar alguém. Esse é o desafio maior e eu não quis. Eu podia ter feito isso, mas eu não quis. Eu não tenho coragem de matar alguém para testar se você é aprovado ou não por verdadeiro pajé. Então, o teste maior é se você realmente tem capacidade. Aí, se você matar alguém espiritualmente, aí os espíritos te aprovam, você está testado que você realmente tem conhecimento e sabedoria. Então, esse é o desafio maior, da dieta que você faz para se tornar um verdadeiro pajé, para mostrar sua sabedoria.
P/1 - Eu já ouvi dizer que, às vezes, quando se faz essa dieta com Runūã, você também se casa com ela. Você passou por esse processo de casamento espiritual?
R - Esse casamento espiritual significa mais ou menos assim, quando nós fazemos a dieta da Runūã, ela muitas vezes aparece em uma forma de... _____. ______, ou seja, Runūã aparece em forma de uma mulher. E se você for mulher que fez a dieta dela, do _____ dela, aparece como se fosse um jovem, um homem bonito, lindo, maravilhoso. Um príncipe para você na sua vida. Da mesma forma, o homem quando faz essa dieta, aparece uma mulher. Nós chamamos de _____. Vaná _____. Ou seja, ela chega do sonho falando para você que ela veio pra se tornar tua esposa. Ela já se tornou tua... É quando ela veio pra se tornar tua esposa. Se você rejeitá-la dentro do sonho, não querendo ela, isso significa que você não vai... Tá rejeitando a sabedoria. O teu casamento dentro do sonho com uma mulher espiritual é exatamente o Vaná, nós chamamos de Vaná. Vaná significa sabedoria, conhecimento ancestral. É o teu casamento com a sabedoria. Se você não se casa no sonho, então você não vai receber sabedoria, você não vai receber conhecimento. Então, eu já cheguei muitas vezes, já cheguei sim a me casar, mas apareceu pra mim em forma de uma gringa, de gringos, né? Estrangeiro querer casar comigo. Já tive casamento nos sonhos, já tive. Então é por isso, depois desse casamento do sonho é que exatamente facilita, abre a nossa mente, onde pousa, começa a pousar, começa a chegar a sabedoria para a gente cada vez mais. Facilita, abre as portas da facilidade para você aprender os conhecimentos. Esse é o casamento espiritual que as pessoas falam.
P/1 - Então, você que estava contando como foi o que você sonhou no ____ do Muká, né? O que foi o grande sonho que você teve e se ele se realizou?
R - Tá. Eu tive vários sonhos, em 2006. Em 2006 eu entrei para fazer a dieta do ___ Muká. Eu entrei junto com o ____, que é o Nixiwaka, ___, ____, Putani, ___, ___. Fomos nós que entramos lá no ______, que é a Aldeia Sagrada hoje. Na tarde que eu fiz _____, ou seja, que eu fiz o juramento, à noite, eu tive um sonho que eu ia numa estrada muito grande, onde ele... Nessa estrada ele me mostrou... um caminho construído de madeira assim, muito longe, que era a casa... Lá na frente tinha a casa, na casa um ______, ou seja, uma... Um _____, que lá era a Casa do Conhecimento de Yawanawá. Ele ficava muito distante, me apresentou. Aí, mais adiante, me mostrou a casa dos ______. Um tapicho, muito longe não, um pouco perto, era a casa do _____ dos ________, a Casa do Conhecimento deles. Mais adiante, me mostrando esse caminho, o espírito me mostrou a casa dos Kamanawa. Não dava um metro de distância da estrada para a casa dos Kamanawa. E quando eu acordei, aí eu fiz a interpretação. É por isso que o Yawanawá, o verdadeiro Yawanawá, não consegue se tornar um grande pajé. Porque faz muita dieta, mas não alcança o objetivo. Porque é longe, é difícil alguém chegar lá. Muito longe. O Nukuini é muito mais rápido, aprendem o conhecimento desde jovem, tem as habilidades dos cantos, são muito fortes nos cantos deles. E os Kaxinawas que mostrava no sonho, era um passo apenas, que muitos Kamanawas não levam a espiritualidade, estão nem aí, beberrão, cachaceiro, estão por aí, caindo, se deslocando pela estrada, andando na cidade, tudo vagabundando, não estão nem aí para a espiritualidade deles. Mas se achar um ______, um _____, a gente torna um pajé. Então, é incrível isso. Então, essa é uma das coisas que eu vi no sonho do Muká. Uma outra coisa é que eu ia correndo, subi numa casa, terminei o sonho, um outro sonho, subi numa casa procurando minha avó, aí levantou três pessoas, um velho, duas mulheres, eram as Kulina, começando a cantar um canto pra ele, eu não quis saber do canto dele, desci, fui passar, subi em outra casa, subi procurando a minha avó, aí mais duas mulheres, um homem levantou, eram os Kanamari, eram os Kanamari, eu não dei importância pra eles. Mais na frente, quando eu vi, eu vi uma mulherada. Quando cheguei no terreiro procurando por minha avó, aí eu escutei uma voz. _____, ______. Aí tinha uma rede, aí falou: “______”. Aí mandou sentar na rede. Era o povo Kamanawa. Eu me encontrei com o meu povo. Aí quando eu subi, quando eu deitei na rede, deitei, virei minha costa, aí de lá pra cá eu me encontrei com o meu povo. Então eu não sou Yawanawá, eu sou Kamanawa. Então, até o dia de hoje, não me nego as minhas raízes. Muitos Yawanawá me ignoram, porque eu não sou, eu fico dizendo que sou Kamanawa, então não nego minhas raízes. Então, me orgulho muito das minhas raízes, que eu sou Kamanawa, eu não sou Yawanaw. Mas eu falo a língua Yawanawá. Assim como nós fomos no passado, eu não queria que nós aprendêssemos a língua das nossas raízes. Eu não queria que fosse educado e orientado como Yawanawá, e não como a origem das nossas raízes. É assim. E outro sonho também. Que mais, a pergunta?
P/1 - Da faculdade.
R - A da faculdade não foi sonho, a da faculdade foi um pedido. Quando eu fiz o ______, eu pedi a faculdade. Falei: “Eu quero a faculdade”. Uma faculdade. Então, quando foi com cinco meses, aí foi o chamado. Me chamaram. A Secretaria de Educação tinha feito a minha inscrição para o seletivo, para a faculdade, na época. Aí eu fui fazer a prova. Aí, poucos dias depois, saiu a seleção. Aí eu fui fazer a faculdade. Mas eu sonhei, eu tive um sonho, eu estava sentado no meio da sala, peguei uma prova, virei do lado, eu disse: “Eu sou um acadêmico?” E no dia que eu tava na faculdade, depois de uma semana, tudo pintado ainda de jenipapo, e as pessoas olhando pra mim assim, como índio exótico, tudo pintado, numa sala, aí eu olhei pra prova, olhei, aí eu falei: “Eu sou um acadêmico?”, quando eu falei isso eu lembrei do sonho. Então, o pedido que eu fiz pro ______, ela me entregou. Então, o _____ não é brincadeira. Quando a gente faz o juramento dela, tem tudo para você pedir. O que é que você quer pedir? Então, quem tem que decidir o que quer pedir somos nós mesmos. O que é que eu quero quando vou fazer a dieta do _____? O que é importante para mim? O que é mais importante, do mais importante para a minha vida? Então, é isso que você tem que pedir.
P/1 - E aí ia falar pra você contar como foi isso justamente, do pedido pra realização, como é que se realizou e como é que foi esse período da sua vida.
R - Não. Exatamente, o pedido que eu fiz, que foi a faculdade, depois que eu ingressei, já estudando na universidade, a única coisa que voltou, o que eu aprendi mais, foi o conhecimento do que eu pedi. Então, hoje, por exemplo, o domínio daquilo que eu pedi. Hoje, por exemplo, quando eu vou dar aula de biologia, qualquer disciplina que eu me formei, eu não levo nem livro. Está tudo já gravado dentro de mim. Todo o assunto, a explicação, não preciso nem bateria. Então, eu acho que esse foi o pedido maior que eu pedi, o conhecimento de fora. Se eu pedi conhecimento de fora, me entregou conhecimento de fora. Se eu tivesse pedido conhecimento tradicional. Eu quero ser um artista Yawanawá, um cantor Yawanawá. Tinha me entregado, né? Então, porque ele é muito especial. Todas as pessoas que falam que pediu, então por isso sempre pode orientar as pessoas. Quando você vai fazer o ___, direciona o que você quer. Faz um único pedido. É esse pedido que ele vai te dar.
P/1 - Conta a história pra gente de como o audiovisual e essa tecnologia chegou na sua vida.
R - Não, eu, na verdade, eu trabalhava como... Não, eu não trabalhava, eu era estudante em Rio Branco. E eu tinha que me manter, eu tinha que trabalhar para ter meu sustento, para comprar meu material, minhas roupas. Também, para mim, eu era... Eu morava só em Rio Branco, né? Então, meu irmão vindo morar na aldeia, eu fiquei lá para continuar os estudos. Eu tinha que me sustentar, então eu procurei, eu comecei a fazer curso no Senac. Então o Senac, em Rio Branco, ela oferecia vários, cada mês, vários cursos. Aí eu vi no jornal, curso de câmera. Aí eu fui lá, fiz curso de câmera, fiz cinco meses o curso de câmera. Aí depois, aí eu fui... mas outro curso de novo, que era edição de vídeos. Aí fiz novamente. Aí eu comecei a gostar desse trabalho de comunicação. Aí eu vi novamente curso de fotógrafo. Fui lá novamente, fiz novamente curso de fotógrafo. E aí... Aí eu vi novamente também... Vou estudar em vários cursinhos. Eu fui me aperfeiçoando, fazendo, e aprendi. E então, eu conheci a UNIC, que na época era a União das Nações Indígenas, que era a instituição que representava os povos indígenas do Acre, e o Antônio Apurinã, que era coordenador. Aí ele me convidou pra mim trabalhar de office boy. Aí eu fui lá trabalhar de office boy, aí gostaram de mim. Aí tinha um departamento que trabalhava para fazer documentários. E aí eu comecei, como eu tinha toda a técnica e o aprendizado, eu comecei a trabalhar viajando nas aldeias, fazendo os documentários. E aí comecei a fazer curso também lá fora, no Equador, fazer curso de câmeras, me aperfeiçoar. Fui fazer curso de fotógrafo também no Equador, passei um mês no curso lá. E aí fui aperfeiçoar e comecei a trabalhar. E depois fui fazer curso em Brasília para radialista. Fiquei três meses em Brasília, fazendo estágio na Área Nacional da Amazônia. É uma emissora AM e depois voltei para a ANT, comecei a trabalhar na Rádio Difusora Acreana fazendo um programa de rádio. Então aí eu me apaixonei pelo audiovisual. Aí eu comecei a viajar para fora, fazendo esse trabalho, colaborando.
P/1 - Quais foram os trabalhos que você fez no audiovisual?
R - Na verdade, eu fiz, ajudei a fazer, eu fiz muito o trabalho assim, eu criei uma imagem para um documentário chamado Em Busca do Futuro e Queremos Viver, um documentário junto com a Zarabatana Produções Recife. Eu trabalhei muito com eles lá.
P/2 - Quando o senhor chegou na aldeia, o senhor veio direto pra Nova Esperança? E o que o senhor viu que faltava pra ser uma pessoa com esse trabalho realizado dentro da aldeia? Por exemplo, a escola, eu vi que o senhor trouxe. Fora outras coisinhas que o senhor trouxe, tem algo assim pra... trazer assim de renovação para nós jovens também, assim, como nós estamos fazendo o mesmo trabalho do audiovisual.
R - Eu acho que na época eu até tentei trazer. Eu realmente tentei trazer esse trabalho pra dentro da aldeia. Tentei ensinar vários jovens essa questão de filmar. Na época tinha câmeras grandes. Eu trabalhava também com o Vincent Carelli, que era da Vila das Aldeias. Eu fui dar um curso lá no Xingu, aí depois eu tinha que ensinar mais jovens aqui na aldeia, ensinar mais para algumas pessoas, mas só que eu não continuei mais com o trabalho com vídeo nas aldeias, e então tudo parou. Mas essa foi uma dos trabalhos com relação ao audiovisual, para tentar despertar as pessoas que o trabalho de audiovisual é um documentário que fica vivo das pessoas que vão embora. Então, é um instrumento que você pode usar para gerações para apresentar aquilo que eles não conhecem. Informações da própria cultura deles. Então, o meu interesse naquela época já despertava. Mas o pessoal não tinha tanto interesse porque ele nem entendia também o que era isso, esse importante na cena do audiovisual.
P/1 - Por conta da sua faculdade, o senhor teve algumas conclusões do curso? É verdade para o senhor escreveu um livro?
R - É verdade. Na época, então, eu estava muito preocupado com relação à cultura Yawanawá. Em 97, não tinha ninguém, não tinha passado nenhum antropólogo ainda. Somente os missionários da Missão Nossa Senhora do Brasil que tinham escrito alguma cartilha sobre Yawanawá. Então, e aí? Eu não tenho condições de fazer um documentário naquela época, não tinha apoio, e eu falei: “Então, eu vou escrever alguma coisa para que não possa acabar a cultura Yawanawá”. Aí foi quando eu comecei a escrever, pesquisando com os velhos e as velhas, então, na época, sobre de um tudo, que eu pudesse escrever um livro que falasse de um tudo, mas em curtas linhagens. Porque pra tu escrever um assunto, tu tem que aprofundar muito. E eu não queria aprofundar muito porque não tinha tantas condições, mas... Primeiro é o material de gravações. O material que eu colhia eram os velhos falando pra mim e eu escrevia na mão. Lápis ou caneta e caderno. Eu passei sete anos escrevendo sobre casamento tradicional, pinturas corporais Yawanawá, o tipo de grafia que Yawanawá tinha, qual era eles, os significados, como se dão os cantos Yawanawá, como se separam os cantos Yawanawá. Os cantos Yawanawá não é apenas um canto único, tem o canto da alegria, que são Saiti, os Muká, que cura as pessoas, o canto que cura a pessoa, o Sanã, que faz o trabalho de curar também as pessoas, mais aprofundado, mais forte. Os cantos, ________, por exemplo, ______, que canto é esse? Por que você canta esse canto? E os cantos também de choro, né? Quando alguém da tua família morre. É um canto que as pessoas tinham no passado, né? E alguém morreu, aí eu tô chorando e cantando. E aí, esse livro... Escrevi mais também a respeito das artes Yawanawá, das caçadas sobre… Escrevi um pouco nesse livro sobre as pescarias tradicionais, sobre as caçadas tradicionais. Enfim, aí eu dei o nome do livro de “Costumes e tradições do povo Yawanawá". Nesse costume e tradições do povo Yawanawá, aí você pode ver o que está escrito nele é um pouco de tudo sobre a cultura Yawanawá. Então, foi um livro que eu fiz em parceria com a Comissão Pró-Índio, levei para a Comissão Pró-Índio, pedi assessoria da Comissão Pró-Índio na época, para que uma assessora pudesse me ajudar. E a Ingrid, como assessora na época, ela veio e colaborou muito. E a Comissão Pró-Índio também tinha um dinheiro para publicar o livro. Então, foi um grande sucesso a publicação do livro naquela época, que fala a respeito do real Yawanawá. E esse livro serve até hoje para vários Yawanawá que ingressaram para fazer a faculdade, tem como base esse livro que mostra muita coisa importante da pesquisa sobre Yawanawá. Então, nesse livro você vai encontrar muita coisa importante porque tem as histórias também do contato do Yawanawá contado pelo tio Raimundo, que é o ______, e muitos outros. Então foi um livro bem interessante que eu escrevi. Aí depois disso começaram a vir os antropólogos, começaram a pesquisar sobre o Yawanawá e com certeza hoje a gente tem muito material por aí sobre o Yawanawá.
P/1 - Nessa linha da educação, quando o senhor volta para o território já formado, aqui já foi implantada a escola, mas já tinha os missionários também, ou não?
R - Naquela época, em 97, quando eu voltei, já não tinha mais os missionários, tinha apenas o _____, que era o professor da aldeia Nova Esperança, era o único professor. E a partir daí, eu e o _____ ainda morávamos em lugares chamados Colocações. Lugares onde era todo mundo espalhado, a gente não morava em uma única aldeia. Todos se espalhavam nos igarapés para cortar seringa, na época. Então o surgimento da escola, na minha vinda, pela quantidade de Yawanawá que não estudava, comecei a matricular Yawanawá, e os pais viram isso muito importante para os seus filhos, e que através da escola eles começaram a se juntar, a aglomerar, formando grande família num só lugar, que nós chamamos de comunidade ou aldeia, e saíram de suas colocações, dos lugares que eram isolados, no fundo da floresta, dos igarapés, dos rios, começaram a se juntar. Então a escola começou a aglomerar a quantidade de família num lugar.
P/1 - Você pode contar um pouco desse começo da história da escola? Sempre foi muito fácil esse início? Aqui, quando o senhor traz a escola, qual a língua que se falava?
R - Quando nós começamos a trabalhar na escola, a única língua que se falava era a língua portuguesa, não tinha uma outra língua. E o objetivo da gente ter criado a escola era exatamente para alfabetizar os nossos filhos, para aprender a ler e escrever. Não tinha outro objetivo. Então, a quantidade de alunos matriculados é que começou a apresentar novas necessidades. Além da alfabetização, do primeiro ao quinto ano, que é a antiga quarta série, naquela época, e então surgiu outra necessidade de, na época de aumentar da 5ª série a 8ª série. As necessidades foram crescendo e surgindo, e a gente foi diante da secretaria reivindicar o aumento dessa necessidade. E aí veio o ensino fundamental, e depois o ensino fundamental para a gente não levar mais nossos filhos para a cidade, para eles não voltarem mais, porque nós íamos perder nossos filhos e ter mais trabalho. Se nós mandássemos nossos filhos com a nossa necessidade de ir para a cidade, os nossos filhos vinham com muito hábito do mundo de fora, com muito costume do mundo de fora. Hoje, o mundo de fora oferece um largo caminho para os nossos filhos e é um trabalho quando eles voltam para a aldeia. Muitos já vêm com as modas da cidade, que são o tipo de corte de cabelo, cabelos coloridos. Muitos já passam para o mundo do crime também, indígenas. Naquela época era... Era outro tipo de organização criminosa que existia em 97. Hoje ela se tornou diferente, hoje são facções. E essa facção encanta o índio que não conhece esse mundo, entrar nesse mundo aí. Então, o índio que vai para lá, para a cidade. As mulheres principalmente, as mulheres indígenas, são muito mais fracas, passa a se prostituir, em vez de casar e se formar, vão engravidar, vão namorar com pessoas indecentes, que não é da visão da comunidade, que não é agradável para esse tipo de casamento. E então… E isso é trabalho, já vem com outros comportamentos dentro da aldeia, trazendo trabalho para a sua liderança. Então essa é a qualidade do índio que vai para a cidade. Alguns que escapam e trazem resultados para a sua aldeia, para a sua família. Então vem essa negatividade e nós criamos o ensino médio para que os nossos filhos, ao terminar o ensino médio… Nem todos fazem a faculdade, alguns que pudessem ir fazer a faculdade lá fora. Então, foi a demanda da necessidade que fez que a gente pudesse trazer, junto com a Secretaria de Educação, a alfabetização, o ensino fundamental e o ensino médio dentro da nossa aldeia. Mas nem tudo isso também é a visão do índio. O índio é muito mais desorientado do que isso, porque ver hoje, atualmente, embora a gente tenha esse nível de estudo dentro da aldeia, eles desvalorizam o ensino comunitário e acham que seus filhos não estão aprendendo nada e ainda continuam levando seus filhos para a cidade. Hoje tem muito índio estudando na cidade e o resultado é exatamente como eu citei. Trabalho para reeducar novamente seus filhos quando retornam da cidade, que não tem aquele mesmo comportamento mais, que não tem mais aquela visão. E até muitos deles têm que ter vergonha de seus pais por ser índio, por ser humilde, por ser diferente. Muitos dos indígenas têm vergonha, hoje lá fora tem vergonha de seus pais, da sua mãe, dos seus familiares. Então, esse é o resultado que nós temos recebido dos nossos filhos. Mas uma coisa importante é que a gente não sabe, que o segredo é que antes do teu filho ir para algum lugar, você se preparar. Nós precisamos selecionar nossos filhos, se eles realmente estão prontos para enfrentar o mundo de fora ou não. É o comportamento deles que vai dizer se eles precisam ir lá fora ou não. Então, a falta desse despertar [faz com] que hoje tem muito Yawanawá… embora tenha professores contratados, temos escola funcionando, mas muitos Yawanawás estudando hoje na cidade ainda.
P/1 - Você quer contar um pouquinho também sobre se você casou, se você teve filhos? Qual foi a história do seu casamento? Se você teve algum filho também?
R - Eu tive três mulheres aqui na aldeia, logo que cheguei. A primeira coisa… quando eu tava lá na cidade, quando eu voltei, eu vim com outro olhar. Eu sendo índio, mas eu passei um tempo, quando eu voltei, eu olhava pros meus parentes, eu via um jeito muito humilde e muito simples. Eu não tinha coragem de me juntar com nenhuma das minhas famílias, do meu parente. Pra mim era juntar com alguém de fora. Tinha mais sentido do que juntar com a minha família. Mas com tudo isso, passado um tempo, eu quebrei esse conceito dentro de mim. Acabei me juntando e tive três casamentos. Mas apenas tenho um único filho, de 18 anos, mas depois eu entrei para a política, saí candidato para vereador do município, aí desfiz meus casamentos e depois, quando eu entrei no mundo da espiritualidade, eu decidi, como dizem muitas das minhas parentes que são líderes espirituais, me casei com a espiritualidade. Porque se você quer ser um futuro líder espiritual, os casamentos sempre estão no meio, não acontece, porque sempre te atrapalha. Você nunca consegue com dois casamentos. Então eu preferi ficar livre para estudar sempre o mundo da espiritualidade. Então essa foi minha decisão. Terminar minha vida livre, mas para estudar o mundo da espiritualidade, para que nada pudesse me atrapalhar. Eu decidi ter casamentos, criar família é importante. Mas criar família também é um obstáculo de muito trabalho. É muita responsabilidade para você cuidar de quem você coloca na sua casa, de ter uma esposa, de dar de vestir, trazer alimento para ela, dar proteção. Assim, quando você tem filhos, você tem que proteger seus filhos e ter muito cuidado. Então, eu fugi dessa responsabilidade. Preferi estar sozinho, vivendo e estudando o mundo da espiritualidade do meu povo.
P/1 - Ela vai perguntar uma coisa importante aqui, por favor.
P/2 - O que foi que o senhor, o que foi que trouxe o senhor para vir a voltar para os ___ Yawanawá?
R - Ah, os ____ Yawanawá foi em, também em 97, depois de 98 foi quando a, o Nixiwaká, então decidiu junto com os velhos, com o Tatá, com o Iauá, Dona Nega, eles irem pro terreiro e ensinar em roda os cantos Yawanawá . E na época também o ______ começou a ter a ideia de fazer a gravação dos cantos Yawanawá com os velhos. E foi quando a gente não tinha a nossa arte, as nossas grafias, que são nossas pinturas corporais, os nossos adornos, os cocares, pulseiras, colares, todos eles estavam na nossa memória. E eu comecei a pesquisar sobre a arte do nosso povo. Quando eu comecei a pesquisar a arte do nosso povo, a primeira coisa foi os Kanã, o tipo de Kanã Yawanawá. Quando eu pesquisei junto com a velha Nega, com os velhos daquela época, os mesmos Kanã do grupo Pano são únicos. O do Huni Kuin é o mesmo Kanã do _____, que são os Kamanawa, ou seja, os Katukina. Então, do grupo Pano, os Kanã são todos parecidos, são mesmo. E do Yawanawá não era diferente do Huni Kuin, né? Então, o que eu fiz? Aí, numa roda lá, no terreiro, foi quando eu fiz a primeira, o desenho da cabeça da Runuã Mapu, a cabeça da Runuã. Eu fiz aqui no meu peito. Então, o primeiro desenho que eu fiz foi o Runuã Mapu. Desenhei aqui no meu peito. Tem uma foto muito antiga que mostra que naquela época a gente não usou outro desenho. Então, o primeiro desenho que a gente fez do Runuã Mapu foi eu, no meu peito. E depois disso aí, eu vi que não dava para nós fazer as mesmas grafias feitas pelo Huni Kuin e nem os Kamanawá. Então, o que foi que eu imaginei naquela época? Eu pensei de misturar os desenhos, pegar um pedaço de cada desenho e emendando com outros desenhos e projetando novos desenhos. E esse olhar para os desenhos deu certo. Foi quando a gente começou, quando eu comecei realmente a fazer a mistura dos desenhos, iniciando. E logo depois dessa criação do Runuã Mapu, foi quando eu criei o desenho do Awavena, que é da borboleta dentro, que ninguém nem imaginava, nem pensava. Então, quem criou o desenho do Awavena foi eu. Tá nesse meu livro, antes de qualquer pessoa fazer dieta e pensar e dizer que eu criei, ou foi fulano ciclano que criou, não foi. Quem criou o desenho do Awavena foi eu. Yawanawá não tinha desenho de Awavena, nem mitologia sobre o desenho de Awavena, que é a borboleta. Foi quando eu vi uma borboleta na praia e quando eu pensei que a asa dela dava realmente, apresentava um desenho. Foi quando eu iniciei, e está nesse livro do Awavena, está nesse livro de tradição de povo de Yawanawá, a criação da Runuã Mapu, feita por mim, trazido de volta, e também o Awavena, que é o desenho da borboleta, tá? No livro. E depois desse desenho que nós fizemos, foi feito de lá pra cá, foi somente aprimoramento. Porque o desenho naquela época era estático também. Ele não tinha volta. Ele não fazia círculo. Era sempre diretos. Se fosse um quadrado, era um quadrado direto. como o _____, que é aquele desenho, ele é quadrado, é retangulado, uma coisa assim, e muitos outros. Então, o que foi que eu fiz? Eu comecei a entortar os _____, virar ela, dar outra forma, outra magia no seu formato. E isso foi muito legal, porque toda a nossa família foi vendo, toda a alma foi vendo, que os desenhos estavam aparecendo diferentes. E a partir daí, a gente começou a misturar os desenhos. O Runuã Mapu, a Awavena, o ______, e criamos também o desenho, a ideia do rabo do jacaré, que nós chamamos o ___. Então, aquele desenho que vai, volta. Parece um serrote. Aquela ideia daquele desenho, foi exatamente vendo a forma do rabo do jacaré, como é que é aquela serra do rabo do jacaré. Então, aquela foi a ideia, que tem hoje, nem o Yawanawá talvez não explique por que nós fazemos aqueles, né? E também aquela chama de fogo, por exemplo, dos desenhos. Lembrando que o fogo também é um símbolo do ritual Yawanawá indiscutível. Todo ritual Yawanawá tem que ter fogo. Desde o nosso tempo imemorial, já existia fogo. Nossos velhos sempre consagraram o fogo como uma luz durante a noite, além de ajudar na frieza noturna, mas é um símbolo que marca a espiritualidade do nosso povo. Então, a chama do fogo dava como se fossem uns Kanãs, dá para trabalhar a chama do fogo. Então, muitos dos Kanãs que tem lá, que hoje nós trabalhamos no nosso corpo, foi exatamente nessa visão que nós trouxemos eles, transformando ele em Kanã, ou seja, na grafia Yawanawá. E essas misturas que fazem essa diversidade. E quando um Yawanawá vai fazer um desenho, você vê que tem uma diversidade de Kanãs, diferente dos outros povos. E essa ideia foi tão legal porque outros povos também começaram a ter essa ideia de criar, imitar o desenho Yawanawá. Hoje todos os povos já imitam. E eu tive que trazer isso na miçanga. A gente não trabalhava com miçanga. Foi quando eu vi que era a minha sobrinha Nedina, que morava com a _______, aí viu que era possível a gente... colocar os ____ Yawanawá na miçanga, visto que o desenho da miçanga dava pra você fazer qualquer tipo de desenho nele, aí foi quando ela me ensinou os primeiros traços de fazer a tecelagem. Aí então, de repente, eu peguei o primeiro desenho, eu fiz a primeira tiara, colocando os desenhos Yawanawá, e deu exatamente certo. E aí foi quando eu comecei a ensinar para as pessoas, e as pessoas foram fazendo uma distribuição de ensinamentos um com o outro e pegando mais aprimoramento. Hoje, os ___ Yawanawá, quando você vê na pulseira, você já identifica aqueles desenhos são Yawanawá, porque outros grupos Pnos não têm esses desenhos. Então, hoje, muitos dos povos Panos já criaram, imitam nossos desenhos. Então, qualquer poceiro que você vê de outro povo, só são desenhos Yawanawá. Porque são lindos, são maravilhosos. São com degradê também. O degradê é que dá esse toque maravilhoso, mágico nos desenhos Yawanawá. Então, a mulher Yawanawá, que faz a tecelagem, eles criaram, pegaram essa habilidade, essa criatividade de construir esses Kanãs . Então isso foi muito bom. Assim como também o Kanãs , o desenho e o Yawanawá, se fosse cocar, nós só tínhamos na imaginação como era essa nova forma de trazer o cocar, eu tive que inspirar porque os cocar Yawanawá eram feios demais, eram amarrados no cipó, as penas, era tudo levantado para cima, não tinha uma maneira, não tinha outra forma de beleza, era ridículo, entre aspas, mas é a cultura deles, né? O que eu fiz foi que eles ficassem mais mágicos, foi a minha criatividade, tentar [pensar] como conseguir fazer esses laços acontecerem aqui nos barbantes. Então isso foi muito sacrificoso, porque eu trabalhei incansavelmente para tentar melhorar, dar melhoramento. Então eu até que fui me inspirando nos laços, e acabei me inspirando esses laços, que deu certo, para a gente fazer os cocares Yawanawá. O modelo de cocar Yawanawá grande, gigantesco, nós fazemos. Foi uma criação de imaginação que a gente tinha que embelezar cada vez mais. E os festivais foram trazendo muito aprimoramento, porque em cada festival a gente queria aparecer mais bonito nos desenhos Yawanawá, no rosto, no corpo, na costa. Então cada um queria, cada jovem queria sair mais bonito do que eu. Era disputa de quem saia mais bonito da pintura. Isso veio a aprimoramento das meninas, outras mulheres, como a Márcia, o _____. Outras pessoas começaram a ter habilidade e muitas outras mulheres. Hoje, no território inteiro, tem muitas mulheres que trazem desenhos maravilhosos, né? E cada vez mais elas disputam a melhoria e a qualidade do desenho em Awavena. Então eu trouxe o cocar e cada vez mais a gente queria parecer mais bonito com um cocar diferente, do Japó, do ____, do _____, que é esse branco, o Xauã, o grande, o ______, do ____, que é aquele coca branco, que é o nome do Jaburu. Enfim, então a volta do cocar foi maravilhoso, né? E hoje muito povo inspira esse cocar Yawanawá. Eu não sei, eu queria ver como é o laço dele, né? Pra eu não poder rir. Porque eu sou criador do cocar, então quando eles imitam a gente, eu tenho curiosidade pra saber como é que ele faz esse trabalho deles, né? Eles envolvem, imitam a gente, mas não foi criado nenhum povo Pano não. A volta desse tipo de modelo de cocar no Acre foi meu. Através da minha criatividade, sonho, inspiração. Eu sonhei muito, eu tive sonhos recebendo um livro que me mostrava toda a arte do povo Yawanawá. Foi a partir daí que eu comecei a aprimorar também os colares, porque eu comecei a ter outra visão. Porque a pessoa que quer usar um colar, um artesanato, as pessoas querem colocar no seu pescoço um artesanato bonito, um colar bonito, alguma coisa que faz você se tornar diferente e chama a atenção das pessoas. Isso quer dizer um trabalho de um designer, que pode trabalhar isso. E para isso eu tive que viajar para a Itália, eu fui conhecer trabalhos de vários designers famosos do mundo que vivem lá na cidade de Milão. Milão é uma cidade muito famosa e tem muitos designers fantásticos e muito famosos. Eu passei em vários lugares, em várias empresas de design, começando com verdadeiros designs. Essa transformação, na minha volta da Itália, depois de ter feito grandes trabalhos nesse design, eu voltei com o aprimoramento das artes de Yawanawá. Deu uma mudança nos colares, no curipe, no pipi, dando retoque a essa qualidade. E não ficou somente em mim, não. Isso houve também por outros artesãos yawanawá que foram aprendendo, jovens, mulheres, quem trabalhava, foram mudando também. E se incentivou essas mudanças, essa criatividade. Hoje, pra tu ver, essas coisas maravilhosas, diferentes, cada vez mais, querem avançar mais. Cada um quer apresentar um trabalho de arte melhorado. Então, hoje, todas as artes, todas são iguais, mas cada um quer apresentar com um material diferente. Porque é pra ver se você ganha mais no mercado de troca ou venda com as pessoas de fora. E as pessoas que vêm de fora pra usar um artesanato, uma arte Awavena, não querem usar qualquer arte. Querem usar uma coisa maravilhosa, uma coisa diferente, uma coisa bonita, uma coisa criativa. Não é colocar uma coisa que não tem nada a ver, que não significa nada no teu braço, ou no teu corpo, ou no teu pescoço. Tu quer colocar uma coisa que te puxa a energia, que te dá força, que te dá poder, que te dá condições, que te protege. Ou que ela represente alguma coisa dentro do nosso mundo espiritual. Ela tem poder. Quando o espírito vê que você está usando algo no teu corpo, então elas se tornam suas verdadeiras guardiões. Te ajudam, te protegem de vários fenômenos subnaturais que podem te trazer maldade ou te trazer também poder e conhecimento. Então, por isso que todo Yawanawá sempre era recomendado no passado: Use a pintura no seu dia a dia porque você vai estar sendo protegido pelos grandes espíritos para as coisas ruins não acontecerem em você, nem na tua família, e nem tocar em você. E onde tu carregar ela, ela passa, porque para o espírito não existe fronteira. Ele pode estar aqui, pode estar do outro lado do continente. No mesmo instante, ele está com um olhar em todo canto. O espírito é isso. O olhar deles é em todos os lugares. Então não tem fronteira, assim como não precisamos de passaporte ou avião para chegar em certo lugar. Então daqui mesmo ele está te acompanhando, está vendo onde está você e está te guardando. Então a pulseira, o símbolo da pulseira do nosso ____, traz essa energia positiva de proteção, de te ajudar ou de te fortalecer. Em alguma coisa ela não está simplesmente colocada em nós como exibição. A gente não exibe as nossas grafias, os nossos escritos. Pelo contrário, a gente usa ela pela necessidade de proteção ou a gente recebe condições de poder ter conhecimento e sabedoria.
P/2 - Quantos irmãos e irmãs você tem hoje?
R - Na verdade, a gente era nove irmãos. Irmãs, só três irmãs biológicas e cinco irmãos. Hoje, nós só somos... Eu só tenho... Vivo, eu só tenho... Deixa eu ver. Eu... Ah... _____, _____, ___ e _____. São cinco irmãos. Irmãs ____, ____ e ____. E filhos? Irmãos... Já falei, já. Irmãos nós... Irmãos de criação. Eu tenho dois. E é o... Nixiwaká e o ______, irmãos de criação.
P/1 - Só uma última curiosidade, o Xinã vai fazer um fechamento. Você tem alguma história sua com a Samaúma? Algo que você viveu com a Samaúma?
R - Bom, na verdade, eu não tenho não, mas na cultura Yawanawá, a Samaúma é uma árvore que nos amedrontava no passado. O nosso povo, nossos antigos, nunca tiveram essa aproximação da Samaúma. Porque a Samaúma carrega consigo espíritos poderosos e ruins. A Samaúma nunca carrega espíritos bons. E a gente, no passado, nossos velhos, as pessoas, as famílias, não levavam seus filhos para debaixo da Samaúma. De jeito nenhum, não. Era proibido. E nem nós não tínhamos aproximação, não. Mas depois de um tempo desse pra cá, com turismo, pessoas visitantes, que admiram a Samaúma. E aí, pra gente acontecer essa amizade… Mas a gente, a floresta, a gente começou a limpar a Samaúma, levar os visitantes pra lá, eles vão lá, abraçam, mas eles não estão sabendo nem o que eles estão tocando. Mas a gente acabamos familiarizando a Samaúma de um tempo pra cá. Mas no passado, o nosso povo, Samaúma pra lá e nós pra cá. A gente não tinha amizade com Samaúma não. A gente não reverencia essa Samaúma não.
P/1 - Tem alguma árvore?
R - Tem alguma árvore que é sagrada para o Yawanawá? A gente não tem nenhuma árvore sagrada para nós, não. Nenhuma árvore para a gente é sagrada. Mas nós temos plantas que nós temos respeito, mas a gente não reverencia como Deus, o que é isso que tem esse poder, porque tem poder. Nós não reverenciamos nenhuma planta e nem animais. Nós simplesmente sabemos que eles são criação divina, que dentro da criação do universo tem um Criador. Teria casa se alguém não tivesse feito? Não teria. Entendeu? Então, a gente acredita, nós em Manaus acreditamos que se existe terra, terra, floresta, o céu, as estrelas, tem um Criador, tem um ser muito maior e poderoso que criou e pensou. Então, nós temos plantas que nós trabalhamos com ela, que facilita para nós, antes do criador, nós trabalhamos com essa planta para facilitar aquilo que nós queremos conhecer, aquilo que nós queremos saber, entender sobre o nosso universo, as nossas curas, o poder de transmissão de conhecimentos. Nós temos ela que a gente recorre, que é o ____, nós tomamos ___. Eu já vi muitas pessoas, muitos Yawanawá, porque o ___ é uma santa medicina. Eu não chamo de santa medicina. É uma planta criada por Deus, que deixou uma bebida para nós refletir, beber ela e refletir nossa vida. Para pensar, imaginar, pensar em perdoar a teu irmão. Você refletir a sua culpa antes de chegar no Criador, porque o Criador é muito grande, que a gente não consegue dar um passo, um milímetro para chegar até ele. Então deixou a planta para nós consultar essas plantas, para nós pensar, refletir e se perdoar, e perdoar os outros. Então eu consulto essas plantas e nós trabalhamos. O rapé, que é o tabaco, dá uma energia muito grande. É nessa força de energia do tabaco, quando toma o rapé, naquela sensação que o nosso grande pajé abaixava a mão nas pessoas onde estava a enfermidade, tirava, arrancava com aquele poder, aquela sensação espiritual muito forte. A nossa fraqueza da carne não suporta a presença espiritual. Então esse é esse momento que o nosso grande pajé usava esse momento, uma medicina. O ____ que a gente não faz mais. A gente usa o ____ que é para dar o cheiro da cerimônia. O cheiro da espiritualidade, o cheiro espiritual.
P/2 - Tudo que o senhor já falou, do que o senhor já perguntou, eu queria que o senhor tivesse uma mensagem para nós, para essa geração nossa, que estão vindo agora, conhecendo, através dessas palavras aí, para nós como um filho, como também aprendiz, né? Queria que o senhor desse uma mensagem não só para nós, povo, e agora para todos jovens,indígenas.
R - A minha mensagem que eu tenho a falar para a geração de hoje é que é, primeiro, valorizar a nossa identidade. Valorizar a nossa identidade é você não ter vergonha de ser o que você é, de você tentar resgatar aquilo que já morreu dentro do teu coração. Que hoje a visão da juventude é a visão de um branco. Não é mais a visão de um Yawanawá. Precisamos voltar a ter a visão com o Yawanawá, falando nossa língua, vivendo como os nossos antigos viviam naquela prática cultural da valorização, e também de não perder a oportunidade de aproveitar os velhos que são restantes da sabedoria que estão vivos. Se você tem uma mãe, tem um pai, tem um avô, valorizar ele é você estar junto dele. Corra para aprender o que ele tem agora, porque amanhã se esse trabalho não estiver registrado, tudo vai se acabar. Só vai estar na lembrança. Meu tio e meu avô viveram naquela época e tinham esse conhecimento e essa sabedoria. Hoje nós não temos mais nada e não sei como ensinar para o meu filho, porque eu não escutei eles naquela época. Então aproveita agora enquanto tem gente na sua casa, faz parte da sua família, que tem um povo restante que pode contribuir com aquilo que você vai precisar mais adiante.
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