Entrevista de Karoline Freire Dias
Entrevistado por Kire, Luiza Gallo, Bruna Oliveira, Ana Clara e Gabriel Razo
São Paulo, 26/03/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1447
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 - Vamos lá. Bom, para iniciar aqui, vamos falar um pouco... Qual é o seu nome e local. Também falar um pouco da sua idade também. Beleza. Então pode falar o seu nome, local e idade.
R - É o local que eu moro?
P/1 - Sim.
R - Meu nome é Karoline, eu tenho 18 anos e moro na ilha do Bororé, em São Paulo.
P/1 - Certo. Você sabe a origem da sua família?
R - Eu não sei ao certo, porque eu sou adotada. Eu fui adotada com três anos de vida. O que eu sei é que eu nasci em Botucatu, mas eu não sei a origem exata da minha família.
P/1 - Certo. Você tem irmãos?
R - Tenho uma irmã.
P/1 - Uma irmã?
R - Certo.
P/1 - Agora, puxando a parte para a questão da infância... Posso?
P/1 - Pode sim. Pode se passar o dia.
P/2 - Você... Qual é o nome dos seus pais?
R - A minha mãe biológica ou...
P/1 - Seus pais?
R - Minha mãe se chama Maria Nilza e meu pai se chama Heraldo.
P/2 - E como você descreveria eles?
R - Ah, eu acho que é uma família muito amorosa. Todos eles são muito amorosos comigo. Minha mãe, principalmente, eu tenho um carinho imenso por ela. Ela faz de tudo por mim desde quando eu nasci. E como eu sou a filha mais nova, eu meio que sou o xodozinho dela. Sempre fui. Então, acho que é isso. Minha mãe sempre gostou muito de cozinhar. Então, acho que a coisa que eu mais gostava de fazer com ela era cozinhar. A gente passava horas na cozinha e ela sempre fazia uma cozinha maravilhosa, porque minha mãe é mineira. Então, era muito legal. Eu acho que essa é a lembrança mais vívida que eu tenho com ela. E sempre quando eu cozinho com ela agora, acho que isso faz parte de muita memória.
P/2 - A gente ainda quer explorar mais (risos). O que vocês cozinhavam...
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Entrevistado por Kire, Luiza Gallo, Bruna Oliveira, Ana Clara e Gabriel Razo
São Paulo, 26/03/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1447
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 - Vamos lá. Bom, para iniciar aqui, vamos falar um pouco... Qual é o seu nome e local. Também falar um pouco da sua idade também. Beleza. Então pode falar o seu nome, local e idade.
R - É o local que eu moro?
P/1 - Sim.
R - Meu nome é Karoline, eu tenho 18 anos e moro na ilha do Bororé, em São Paulo.
P/1 - Certo. Você sabe a origem da sua família?
R - Eu não sei ao certo, porque eu sou adotada. Eu fui adotada com três anos de vida. O que eu sei é que eu nasci em Botucatu, mas eu não sei a origem exata da minha família.
P/1 - Certo. Você tem irmãos?
R - Tenho uma irmã.
P/1 - Uma irmã?
R - Certo.
P/1 - Agora, puxando a parte para a questão da infância... Posso?
P/1 - Pode sim. Pode se passar o dia.
P/2 - Você... Qual é o nome dos seus pais?
R - A minha mãe biológica ou...
P/1 - Seus pais?
R - Minha mãe se chama Maria Nilza e meu pai se chama Heraldo.
P/2 - E como você descreveria eles?
R - Ah, eu acho que é uma família muito amorosa. Todos eles são muito amorosos comigo. Minha mãe, principalmente, eu tenho um carinho imenso por ela. Ela faz de tudo por mim desde quando eu nasci. E como eu sou a filha mais nova, eu meio que sou o xodozinho dela. Sempre fui. Então, acho que é isso. Minha mãe sempre gostou muito de cozinhar. Então, acho que a coisa que eu mais gostava de fazer com ela era cozinhar. A gente passava horas na cozinha e ela sempre fazia uma cozinha maravilhosa, porque minha mãe é mineira. Então, era muito legal. Eu acho que essa é a lembrança mais vívida que eu tenho com ela. E sempre quando eu cozinho com ela agora, acho que isso faz parte de muita memória.
P/2 - A gente ainda quer explorar mais (risos). O que vocês cozinhavam juntas?
R - Olha, minha mãe gostava muito de fazer salada de frutas. A gente fazia bolo também. Eu sempre gostei muito quando ela fazia coxinha, risole, mini quibe. Ela não gosta muito de fazer não, mas eu gosto que ela faça. Então, eu acho que essa é a memória mais vivida que eu tenho com ela. De fazendo coxinha, mini coxinha que a gente fazia. A gente tinha até uma maquininha de fazer. Era bem legal.
P/2 - Eu queria perguntar sobre o seu pai.
R - Meu pai, ele não é muito presente na minha vida, porque ele chegou quando eu tinha mais ou menos uns 7 anos, né? Antes disso, foi minha mãe que me criou sozinha, né? Mas eu tenho um amor por ele também, eu gosto muito dele. Na minha casa tinha um lago, né? A memória que eu mais tenho com ele é essa, porque a gente meio que construiu o lago do zero, porque era só uma nascente. E eu e ele, a gente construiu o lago do zero, sozinhos. Ele até matou uma cobra lá. É bem legal.
P/2 - Como é essa história?
R - Então, a gente tava um dia lá no lago, né? E aí, a gente, tipo, eu tava de um lado e ele tava do outro. E do nada, eu vi uma cobra passando, assim, aquelas cobras d'água. Diz ele que, assim, não tinha problema nenhum, né? Que ela não ia fazer nada. Mas eu também não sei, né? Então, aí ela veio, assim, tipo, pra perto de mim. Aí eu já corri, gritei. Aí ele foi lá com o facão e, né, matou ela, infelizmente. Mas é isso.
P/4 - Eu queria saber com quantos anos você veio para a Ilha do Bororé?
R - Acho que eu vim com uns 7, 8 anos. 7, 8 anos, por aí. Ah, eu não gostava nem um pouco. Eu odiava morar aqui, odiava com todas as minhas forças. Porque a escola que eu estudava, eu gostava muito, que era no Grajaú. E aí quando eu vim pra cá e tive que fazer novos amigos, porque eu sou uma pessoa que eu não sou muito fácil assim de fazer amizade. Então eu tive que fazer novos amigos. E eu odiei no começo, não gostei nada. E a minha casa que eu morava antes no Grajaú, ela era bem grande assim. Tinha sala de estar, sala de jantar, era uma coisa assim, top. E quando eu vim pra essa casa, eu não tinha o meu próprio quarto também. Então eu fiquei super triste quando eu vim pra cá. Mas agora eu gosto.
P/1 - Como você pode definir esse local que você adaptou, né? Uma definição que você pode trazer pra esse local aqui?
R - Eu acho que a definição que eu mais gosto de usar é... Deixa eu pensar. Eu ia falar vasto, mas não é exatamente essa a palavra. Eu acho que esse local é muito precioso. É um lugar que muitas pessoas acham que não tem muita coisa, inclusive eu, antes de fazer esses projetos que eu fazia. Muita gente acha que não tem nada, que aqui é só chácara e acabou. Mas não é só isso. Tem produtores independentes, tem muitas coisas muito legais aqui. Então, eu descobri isso e acabei gostando muito mais daqui.
P/2 - Quando você começa a gostar mais?
R - Eu acho que, deixa eu ver, quando eu tinha uns 13 anos. É porque geralmente aqui não tem muita coisa pra fazer, tipo, não tem muito lugar assim pra adolescente, pra criança, sabe? E aí acho que eu não gostava por causa disso, porque eu ficava em casa e eu ficava tipo: ai, não tem nada pra fazer aqui, sei lá. Tipo, eu gosto muito de andar de bicicleta, eu gostava muito, né? Agora eu não tenho mais a bicicleta, mas eu gostava muito. E aí a minha mãe não deixava eu andar aqui, porque aqui é avenida, né? E é um pouco difícil, tipo, o carro passa e talzinho, não tá nem aí. Aí eu, tipo, não tinha nada pra fazer, eu ficava, que coisa chata aqui. E é isso.
P/2 - E que recordação você tem do Grajaú?
R - Olha, tenho muitas. Na rua que eu morava, ela era uma rua que não tinha muito movimento, né? Então eu andava de bicicleta, andava de patins, andava de patinete. Eu tinha uma prima, ela é minha melhor amiga até hoje, e ela morava, tipo, a nossa casa era em frente. E aí a gente ficava brincando toda hora. Minha mãe, é uma história muito engraçada, mas minha mãe, ela tinha uma... Não era uma vap, né? Era, tipo, uma mangueirinha assim e aí a gente ficava correndo pra um lado e pro outro da rua e ela ficava molhando a gente, assim, de um lado pro outro e isso fazia o nosso dia. E também a gente tinha uma piscininha, aquelas piscininhas infláveis pequenininhas e a gente colocava a escada na piscininha e ficava pulando na piscininha. Era muito legal. Então, eu tenho muitas memórias boas de lá, acho que é por isso que eu não me adaptei bem aqui, porque eu não tinha tantas memórias boas daqui.
P/4 - E como era a Ilha do Bororé quando você chegou?
R - Olha, quando eu cheguei, é... pra mim, né? Tipo, eu acho que pras outras pessoas que eram, tipo, que viviam aqui há mais tempo, tinha muita coisa, mas pra mim não tinha muita coisa pra fazer, e pra mim era tipo: ai, que saco tá aqui, que coisa chata. Tipo, eu não gostava nada, eu ficava tipo, ai, quero me mudar daqui logo, quero ir embora daqui.
P/2 - Por que vocês vieram pra cá?
R - Minha mãe, ela sempre gostou muito de chácara, muito desse verde, assim, sabe? Então, ela decidiu se mudar pra cá porque ela queria ter a hortinha dela, ela queria ter o terreno dela. Então, acho que... Que eu saiba, né? Por isso que a gente se mudou, mas... E a chácara onde eu moro, ela é muito grande, ela tem 3 mil metros quadrados. Então tem até o lago, então é bem grande, tem bastante espaço e é isso que ela queria. E a história é longa. Pode falar já? Bom, acho que o que me fez mais despertar esse olhar para a ilha foi a questão de eu ter vindo um pouquinho mais para Ecoativa. Então, a partir do momento que eu comecei a vir mais, por causa dos meus professores, acho que a primeira vez que eu vim para cá foi com o meu professor para recitar uma poesia. E, quando eu vim, eu me apaixonei por aqui. E eu acho que, depois disso, eu comecei a ver com outros olhos. Depois de um projeto que eu fiz também no NAEA, que é o Núcleo de Arte e Educação Ambiental, acho que, depois disso, eu abri os meus olhos para a Ilha do Bororé e eu vi o quão maravilhoso é morar aqui e quanto a gente é privilegiado de morar aqui também. Porque, como eu disse, tem produtores independentes aqui, a gente visitou também o parque que tem aqui. Então, eu acho que eu comecei a ver com outro olhar, sabe? Com um olhar de querer fazer parte da comunidade e um olhar de querer ajudar a comunidade também, de fazer parte mesmo.
P/2 - E sua irmã?
R - Minha irmã... Ai, acho que eu só tenho coisas boas pra falar dela também. A minha irmã, ela é muito mais velha que eu, né? Ela tem 40 e... Quarenta e alguma coisa, né? Espero que ela não veja isso. Mas ela é um pouquinho mais velha, muito mais velha que eu, só que a gente tem uma relação muito boa. Eu e ela, a gente conversa muito, a gente é muito parceira. Minha irmã, ela tem um problema, né? Ela é PCD, mas ela nunca deixou de fazer parte da minha vida. Ela sempre fez muito parte da minha vida, sempre me apoiou muito. Então, é isso. Acho que ela tem um lugar especial no meu coração.
P/2 - Tem alguma história bonita assim que você lembra?
R - Quando eu era muito pequenininha, muito pequenininha mesmo, eu não lembro direito dessa história, mas a gente tem um quadrinho lá em casa dessa história. Eu fui no Parque Ibirapuera com ela e tinha um leão, acho que era um leãozinho, assim, de pedra, sei lá. Não lembro direito. E aí eu tirei várias fotos com ela. Nossa, aquele dia eu fui muito feliz. A gente brincou, a gente correu. Era muito pequenininha, né? Mas eu lembro dessa memória um pouco e a gente tem várias fotos lá em casa. Acho que a sala é um pouquinho de foto minha, né? Tem muita foto minha. E é isso.
P/5 - Quando você chega aqui na ilha, você falou que você muda para essa área que era muito maior do que você vivia. Você tem alguma memória dessa sua relação com a terra, com a horta da sua mãe, essa experiência apareceu na sua infância?
R - Sim. Depois que eu cheguei aqui e eu vi que ia ter essa terra toda pra brincar, eu fiquei um pouquinho mais feliz, né? E aí, eu acho que essa memória é mais com o meu pai, né? Porque era eu e ele que ficava assim, cuidando da terra. Eu, a minha mãe e ele, a gente ficava até, tipo, umas oito horas da noite limpando e teve um dia, acho que essa é uma das melhores memórias que eu tenho, teve um dia que a gente acendeu uma fogueira e a gente começou a assar batata na fogueira, batata doce, que a gente mesmo colheu. Então era muito maravilhoso, a gente fazia isso, eu subia no pé de abacate também, era muito legal. Minha mãe me chamava de bicho do mato, que eu adorava.
P/4 - Eu estava contando um pouco dos projetos que você fez quando você começou a participar da Casa Ecoativa. Eu queria saber o que era a Ecoativa antes de você chegar. Quais atividades que tinham aqui? Eu queria que você contasse um pouco dessa parte.
R - Sim, no meu ver, eu não entendi direito o que era a Ecoativa, né? Pra mim, tipo, era uma casa que tinha ali e eu ficava tipo: nossa que estranho, uma casa ali do lado, será que mora gente ali? E... Aí eu vinha para os saraus à noite e era uma fogueira, era bem legal. E antes eles faziam esses projetos do sarau e eu sempre vinha. Eu vim com o meu professor, a gente já recitou uma poesia também. Fiquei super nervosa. E é basicamente isso. Para mim, antes eram os saraus. Eu sei que tinha outras coisas, mas para mim eram os saraus, essa questão toda da fogueira também. E é isso.
P/1 - Como você acha que os jovens poderiam chegar na Ecoativa e como seria essa experiência para eles também? Você teve muito tempo aqui, né? Como você pode achar que os jovens podem se adaptar com a Ecoativa também? Chegando aqui, o jovem chegando aqui na Ecoativa, como você acha que ele pode estar participando das atividades?
R - Sim, uma das coisas que eu mais gosto da Ecoativa é que ela acolhe muito jovens. Quando eu cheguei aqui, eu me senti muito acolhida. Acho que foi um dos lugares que eu mais me senti acolhida, assim. Então... É muito essa questão das gerações, como eu já tinha dito antes. Eu sou de uma geração que é a mais nova agora, e outras gerações estão vindo da escola e vêm pra cá, pra casa Ecoativa. Então, a casa Ecoativa, ela tem um espaço na escola e ela chama os jovens pra virem pra cá. Então, é mais isso, de jovens mesmo quererem vir para cá, ver as atividades e depois se fixar aqui. Literalmente, tipo, gostei desse lugar, vou ficar aqui. E aí a gente dá uma chance para eles de se conectarem com o lugar, de estar recebendo também. Então, é isso.
P/2 - Como que você conta dessa casa? O que é esse espaço para quem não conhece?
R - Bom, a Casa Ecoativa é um centro ecocultural onde a gente faz muitas coisas. São brincadeiras com as crianças, tinta de terra, a gente trabalha com a questão ambiental também. Eu sou mais dessa questão ambiental, né? Então a gente trabalha com a questão das mudanças climáticas, do racismo ambiental, da gente da periferia estar passando por isso todo dia, da gente da periferia estar ocupando os lugares onde onde, às vezes, não seriam ocupados pela gente, sabe? Então, eu acho que é muito importante ter esse espaço, e esse espaço é muito importante pra mim, porque foi aqui que eu comecei a ver a cultura de um jeito diferente, sabe? Que eu comecei a ter a cultura na minha vida. E era uma coisa que eu não tinha. Então, eu acho que a Ecoativa é isso, é um espaço de cultura onde... num lugar que não tem muita cultura, num lugar que quase não tem. Então, eu acho que é isso.
P/2 - Como você começa a se interessar por essas questões ambientais?
R - Eu comecei com essa questão, eu acho que foi no NAEA, no Núcleo de Arte e Educação Ambiental, que foi há uns três anos, quatro, acho que por aí. E aí tinha muito dessa questão sendo discutida, também sobre a questão de patrimônio. E nessa questão de patrimônio, a gente falou muito sobre a represa, sobre como a represa estava sendo poluída. Então, eu comecei a me identificar muito com esse assunto e ver que esse assunto realmente era um assunto que eu queria debater, junto com os meus amigos, claro. E aí a gente falou: Poxa, por que a gente não debate esses assuntos? E principalmente porque a nossa agência debate muito a questão do desmatamento, são questões que acontecem aqui que a gente quer denunciar, né? Então essa questão do desmatamento a gente viu, caramba, não só acontece aqui, né? Então vamos dar um jeito nisso? Vamos tentar ajudar? A questão do saneamento, que a gente não tem saneamento básico e que às vezes é jogado até na represa. A gente ficou tipo: nossa, vamos falar desse assunto? Vamos abrir a boca para falar desse assunto um pouco? Então, é um pouco disso.
P/2 - Começam a resolver trazer para cá esses assuntos.
R - Exatamente. Depois desse projeto, esse projeto acabou, né, o NAEA, e aí a gente pensou: O que a gente podia fazer para continuar esse projeto e ajudar mais a população daqui? Porque os problemas que a gente estava tratando é o desmatamento, o saneamento básico, a falta de energia e a mobilidade, que são os principais problemas que tem aqui na ilha. E a gente pensou: Meu, ninguém tá falando desse assunto. Todo mundo tá vivendo, mas só reclamam um pro outro e acabou? A gente não vai fazer nada? O que a gente vai fazer? Ou, tipo, a gente ficava pensando: Nossa, a gente vai ficar parado? Acabou o projeto? Acabou então o grupo? E aí a gente falou: “Não, vamos continuar esse grupo. E aí a gente juntou essas questões já que são do nosso bairro, que acontecem, com as mudanças climáticas e o racismo ambiental.
P/2 - Conta um pouco para gente sobre tudo isso?
R - Que parte? (Risos).
P/2 - Desde o começo, de como foi se organizar, pensar, foi difícil? As dificuldades?
R - Tá. Foi muito difícil no começo, porque desde o NAEA, a gente já tinha um problema com... porque a gente era menor de idade e com a escola, que às vezes não deixava a gente fazer as coisas, às vezes brecava a gente pra fazer as coisas. Então, a gente se organizou e decidiu fazer por nós mesmos. E é isso. E aí, nós jovens, a gente ainda não era o Na ilha, a gente se identificava como tudo, como Ecoativa, como Bororé Mundo, a gente não sabia o que a gente era, o que a gente ia fazer, a gente não sabia ainda. E como Na ilha também, a gente era tudo, um pouco de tudo. E aí, a gente se inscreveu em um edital, no primeiro momento a gente perdeu o prazo de se inscrever no edital, e aí a gente ficou triste, né? A gente falou: ah, mas deixa passar, né? E aí a gente falou, até que foi um sinal, assim, divino, que abriu de novo as inscrições e a gente se inscreveu e a gente passou. Eram seis projetos do Brasil inteiro e a gente conseguiu passar. A gente ficou, tipo, a gente nem imaginava que a gente ia passar, a gente ficou, tipo: a gente nem vai passar mesmo, então... Deixa eu tirar meu chinelo. Então, a gente já achava que a gente não ia passar. Aí, a gente recebeu a notícia que a gente passou e aí começou uma luta de novo pra achar professor pra ir com a gente, porque é com a escola, né? A gente ia passar três dias fora em uma viagem pra Ubatuba. Então, a gente começou a se imobilizar ali e a gente foi. Eu não lembro quantos jovens foram. Deixa eu ver. É uns seis, sete jovens da escola, acho que mais ainda, que eu não lembro direito quantos, e uma professora e um educador. E aí a gente foi fazer essa viagem para Ubatuba. Até hoje, se eu perguntar para qualquer um dos meus amigos, todo mundo vai falar que foi a melhor viagem que a gente já fez em toda a nossa vida. A gente visitou um quilombo, o quilombo da fazenda, lá em Ubatuba. A gente visitou uma aldeia também, que é a aldeia do Rio Bonito, que eles até ensinaram a gente a falar um pouquinho, que é... Como é que é o nome? ___________. Acho que é isso, né? Se eu estiver falando errado, coitados. E aí é isso, né? A gente foi, fez essa viagem, descobri um monte de coisa. E foi aí que eu acho que a gente se consolidou mesmo como Na ilha. A gente falou: “Não, a gente vai fazer uma agência de educação e comunicação, onde o nosso foco vai ser isso, isso e isso”. E acho que foi lá também que a gente se mobilizou um pouco mais com a questão das mudanças climáticas também. Então a gente falou: “Não, a gente vai fazer isso agora”. E aí a gente fez um evento na nossa escola, no final do nosso projeto, pra dar um tapa na cara da escola e falar: “Olha aqui o que a gente fez”. E a gente fez esse evento, a gente chamou o ________ também pra cantar lá no evento. E acho que foi isso, aí a escola toda se mobilizou, todo mundo gostou e todo mundo falou: “Não, vamos abrir as portas agora e é isso, esses jovens realmente querem fazer alguma coisa”. E agora a gente tá aí como Na ilha, a gente faz fanzines com esse intuito também da população mais velha aqui da ilha do Bororé, porque a gente tem uma população um pouco mais velha, então a gente tem as redes sociais para os jovens e o fanzine para as pessoas mais idosas, assim, sabe? E a gente distribuiu nos pontos principais aqui da Ilha do Bororé, que aqui é a Casa Ecoativa, o Posto de Saúde, o CEI, e acho que foi na AMIB (Associação dos Moradores da Ilha do Bororé) também, na Associação dos Moradores, não lembro direito, mas a gente distribuiu eles, os fanzines, e o primeiro fanzine que a gente fez foi o Fardo que não é 100% nosso, falando sobre as crises climáticas, o que a juventude tem a ver com isso, e foi maravilhoso.
P/2 - O que a juventude tem a ver com isso?
R - Exatamente. A gente deu esse nome de “O fardo que não é 100% nosso”, porque colocam um fardo na juventude de, nossa, vocês são a última geração que pode salvar. Vocês têm que fazer alguma coisa. Vocês, juventude, têm que fazer. Só que também não é só a juventude que está aqui e não era só a juventude que estava aqui antes. Não foi a gente que fez isso totalmente. Então, a gente fala, a juventude tem sim a ver com isso, mas também não é só a gente que tem a ver com isso. Então é um pouco disso, no nosso fanzine a gente explica um pouco sobre as crises climáticas, porque muita gente aqui não sabe o que é. E tinha uma poesia no final também que era minha.
P/2 - Você lembra?
R - Eu acho que eu tenho ela ainda.
P/2 - Lembra, depois você recita pra gente.
R - Recito.
P/2 - E como vocês explicam essas crises climáticas? Qual é a importância disso?
R - Então, a gente tenta trazer as crises climáticas, mas nessa proposta da juventude e desse fardo que coloca. Então, a gente fala sobre as crises climáticas, fala o que a gente tem a ver com isso, o que a periferia tem a ver com isso. Então, é basicamente isso, a gente explicar um pouquinho o que a gente é de periferia, a gente vive isso na pele todo dia, todo dia a gente tá vivendo isso, e como que vocês não tão abrindo o olho pra ver que todo dia a gente tá vivendo isso? Como que ninguém tá vendo o que a gente tá vivendo? Esse calor excessivo, essas queimadas, essas enchentes, esses deslizamentos. Como que vocês não tão vendo isso? Então, é basicamente isso que a gente fala mesmo no fanzine.
P/2 - E você tem alguma notícia de alguém que mudou o ponto de vista através do trabalho de vocês?
R - Eu falaria todos os jovens, todos os jovens mudaram o ponto de vista, mas não é só da ilha, é do que a gente faz, do que a gente tá fazendo, porque a gente tá aqui. Então, acho que a gente começou esse projeto, o NAEA, a gente começou com 10 jovens, a gente terminou com mais de 25. Então, a gente fala muito que a gente é jovens pontes, né? Que a gente leva a informação para o outro. Então, a gente começou a falar: “Nossa, que legal esse projeto”, “nossa, tem ____, vai lá”. Aí, eu acho que é isso. Mas a gente ser uma ponte de falar sobre isso, de mudar. Por exemplo, eu não separava o lixo, eu não ligava para isso, eu não falava sobre isso na minha casa. E minha mãe hoje, eu posso falar que ela é uma das maiores ativistas que tem. Então, acho que é isso. Acho que todos mudaram o ponto de vista. Todos, todos.
P/5 - E o que gênero e raça tem a ver com as mudanças climáticas? Como você comunicaria isso para o jovem?
R - Então, a gente fala sobre o racismo ambiental exatamente por isso. Porque a gente tem essa ideia do racismo ambiental de que nós das periferias, pessoas quilombolas, indígenas, pessoas pretas, que tem que morar em determinado lugar porque não tem condição de pagar um aluguel mais caro, não tem condição de morar em outro lugar melhor. Então, essa pessoa, ela tem que morar lá por necessidade. E às vezes acontece um deslizamento, às vezes acontece de... ocorrer um alagamento, essas coisas assim. Então a gente comunica isso de gênero e raça, do racismo ambiental, dessa questão de que a gente é de periferia, a gente é preto, então a gente tá vivendo isso. E aí, o que a gente vai fazer? Você vai fazer o quê? Eu vou fazer o quê? Então é isso.
P/1 - Nessa questão dos jovens mesmo, né? Porque a gente tem que se movimentar mesmo. Jovem tem que se movimentar. E acredito que, tirando essa frase que você falou, como você acha que pode impactar, não só aqui na Casa Ecoativa, mas também mostrar isso para as escolas, outros lugares que os jovens estão se movimentando. Então acredito que é uma palco interessante falar da importância do jovem também se movimentar, sabe?
R - Exatamente. A gente fala muito isso na nossa agência. Muitas escolas procuram a gente para fazer essa palestra de falar sobre as mudanças climáticas, de mostrar o fanzine, de falar sobre o racismo ambiental. Então, a gente mostra isso, a gente geralmente não procura, né? As escolas procuram a gente. A gente participou de uma roda de conversa também no Centro Cultural com o Periferia em Movimento, falando sobre isso e falando sobre a longevidade, sobre envelhecer nas periferias. Então, eu acho que o jovem tem que saber muito disso, saber que a gente vai envelhecer na periferia e que a gente está lá. O que a gente vai fazer sobre isso? O que a gente vai movimentar sobre isso? Se a gente não se movimentar, quem vai se movimentar pela gente? Ninguém.
P/2 - Posso voltar um pouco na sua viagem de Ubatuba?
R - Pode.
P/2 - Eu acho que vai ser significativa. Você conta que lá vocês foram aprendendo sobre as mudanças climáticas. Você consegue dizer o que vocês aprenderam? Alguma passagem marcante?
R - Sim, o objetivo dessa viagem toda era a gente colocar os problemas que aconteciam na nossa região e vendo isso a gente percebeu que o desmatamento… a gente percebeu que todas essas questões faziam parte das mudanças climáticas. E também outros coletivos começaram a conversar com a gente e falar sobre isso. E a gente pensou: caramba, a gente não pensou nisso, das questões das mudanças climáticas. Vamos conhecem mais esse tema? Vamos trabalhar mais esse tema? E eles falavam muito sobre isso também. O pessoal da aldeia, o pessoal do quilombo, eles tinham as lutas deles, claro, e eram super importantes, mas eles também falavam muito sobre isso. E a gente começou a ver isso mais como uma coisa que a gente tinha que pautar e conversar, porque a gente viu que aqui não chegava, infelizmente, não chegava esse assunto. Então, acho que é isso, essa questão de eles falarem muito, a gente se interessar e a gente começar a pesquisar mais. E aí o pessoal da Ecoativa já conhecia um pouco mais, e eles começaram a falar pra gente também.
P/2 - E esses efeitos que vocês sentem no dia-a-dia? Então, enchentes, deslizamentos, desde a falta de saneamento, mobilidade, falta de energia, né? Tem algum dia muito marcante pra você, assim, que foi osso, ou vocês perceberam a importância realmente disso, quantidade de gente que foi afetada?
R - Sim, antes da gente criar a agência, a gente já sabia dos problemas e a gente sentia na pele, então essa questão da falta de luz acontece muito aqui, a gente já ficou uma semana sem energia já, e tipo, perto do ano novo a gente chegou a ficar uma semana sem energia aqui na ilha. Então, eram questões que a gente passava toda hora do saneamento. Perto da minha casa tem um campinho, nesse campinho, os meninos jogam bola e o esgoto passa pelo campinho. Então, a gente ficou, caramba, a gente tem que ver saneamento também. Então, quando a gente elencou esses problemas, cada um, cada jovem falou do porquê desses problemas. Então, o saneamento é por causa disso. A falta de energia é por causa dessa que eu falei. A mobilidade, por causa do ônibus. Antes de eu vir pra cá, eu ia vir 11h30 e o ônibus atrasou. E aí eu cheguei atrasada. Não atrasada, né? Mas... Então, é uma coisa que a gente sofre na pele todo dia, todo dia, todo dia, estão dando chibatada na gente sobre isso. E o desmatamento, porque acontece muito desmatamento aqui. Muito, muito, muito. Pra moradia irregular, né? Que as pessoas vêm, desmatam, fazem a casinha delas lá e é isso. Então, cada jovem falou um pouquinho sobre e falou sobre sua experiência sobre também. Então, foi assim que a gente construiu essas narrativas.
P/2 - E em relação ao desmatamento, quando vocês veem isso acontecendo, vocês reportam?
R - Muita gente reporta. É que eu nunca vi exatamente acontecendo, né? Muita gente já viu. Reporta, mas assim, não faz nada, né? É meio triste falar isso, mas não fazem nada. Então, não tem muito...
P/5 - Quem não faz nada?
R - Então, aqui a gente tem a GCM, mas geralmente a gente fala que é meio comprometedor falar, a gente fala que tipo, eles estão aqui só pra dar multa e é isso, mas pra cuidar mesmo do meio ambiente, eles não cuidam. Então meio que tá aqui pra quê, né? A gente fala isso. Tipo, agora melhorou um pouco, mas antes eles não faziam nada, tipo, parecia que tava lá pra quê. Então era bem triste.
P/4 - - Eu queria perguntar uma coisa relacionada à represa, que está muito próxima daqui. Então, como é a relação dos moradores aqui da Ilha do Bororé com a represa existe?
R - Com certeza. Muita gente mora aqui às margens da represa. Muita, muita gente mesmo. Tenho vários amigos que moram às margens da represa. Então, tem essa relação boa com a represa de ir nadar na represa. Antes, nossa, era muito bom porque a gente ia nadar na represa aqui na balsa mesmo. Antes de eu me mudar, eu já vinha aqui nadar várias vezes. E agora não dá mais, né? A gente vê que a água tá verde, tá numa situação difícil. Então, é uma relação boa de antigamente a gente estar lá, estar brincando. Mas, ao mesmo tempo, é uma relação ruim de a gente ver que agora a represa está assim, se deteriorando e com lixo. Então é bem triste. É bom, mas é triste. É o bom passado.
P/4 - - E na ilha vocês falam sobre a represa também? É uma das respostas ou não é tanto?
R - O Na ilha ou... Ah tá, no Na ilha. Sim, é uma questão que a gente fala bastante também. Os problemas principais eram aqueles, só que agora a gente tá trabalhando muito nessa questão da represa pra comemorar os 100 anos da represa. Da gente ver, nossa, 100 anos da represa, mas, poxa, olha como a represa tá, a gente vai comemorar o quê? Então a gente tá falando disso.
P/2 - Esse ano?
R - Esse ano.
P/5 - E você me contou um pouquinho, rapidamente, que vocês vão fazer uma ação.
R - A gente está com um projeto aí, que é o Pé na Margem, onde o nosso foco é pegar os bairros que moram perto da represa, às margens da represa. Então, acho que são quatro bairros que a gente pegou, Cantinho do Céu tem vários, né? E aí a gente quer fazer uma ação com esses quatro bairros que é de limpeza nas margens da represa, que é literalmente pé na margem mesmo. Então a gente vai fazer um fanzine, onde neste fanzine vão ter as informações sobre os 100 anos da represa, mas olha como a represa tá. E chamando as pessoas pra esse mutirão de limpeza, que a gente vai chamar de Mega Mutirão, onde a gente vai limpar a represa nesses bairros que ficam às margens da represa, porque são os que mais sofrem.
P/4 - - Qualquer hora a gente vai ter que ver essa ideia do fanzine.
R - Então, a gente começou a pensar um pouquinho que se fosse só as redes sociais, a gente achava que a gente não ia alcançar muita gente, não. E aí a gente pensou: o que a gente pode fazer além das redes sociais para a gente melhorar a nossa comunicação, né? E aí a gente pensou, o fanzine é uma coisa prática, uma coisa econômica e uma coisa fácil. Então, a gente começou a fazer os fanzines, a gente fez formações sobre o fanzine. Então, todos do Na ilha tem formação para fazer fanzine. E aí a gente começou a fazer diversos tipos de fanzine, inclusive eu acho que eu tenho uns ali, eu vou mostrar para vocês depois. E é isso.
P/2 - Queria saber como funciona o Na ilha, vocês se encontram, tem reuniões?
R - Sim, todos do Na ilha moram aqui na Balsa, então fica um pouquinho mais fácil da gente se encontrar, né? A gente se encontra aqui na Ecoativa, então mais ou menos uma vez por semana, uma vez a cada duas semanas, a gente se encontra pra gente falar o que a gente vai fazer, se a gente vai se inscrever em tal projeto, se a gente não vai, ou só pra ficar aqui mesmo, curtindo um pouco, então é isso.
P/2 - E aí, vocês fazem uma tarde, tem tempo?
R - A gente passa tarde, ou a gente vem de manhã, passa o dia todo. Às vezes já tem alguma atividade aqui na casa, um dos jovens vai fazer. Porque a gente sempre é um coletivo, né? O que um tá fazendo, o outro também tá fazendo. Então, se tem uma pessoa trabalhando aqui, se tem um jovem trabalhando, todos os jovens vão estar aqui. Então a gente é muito colado assim, sabe? Porque a gente sempre tem esse lema, a gente é um coletivo. A gente até briga por causa disso, porque às vezes a gente fala: “Não quero ir hoje”. Aí a pessoa fala: “Nós somos um coletivo, você vai sim”. Então acho que é isso, a gente é muito grudado, onde um tá, o outro tá também. Então é isso.
P/1 - Tem importância de fazer acontecer esse modo de coletivo, coletividade, né? Estar junto. Como você pode estar falando isso pra gente, né? Quão importante estar presente aqui, né? Pra estar se movimentando pra outras pessoas.
R - A gente brinca que vou ter que ir só porque outra pessoa tá aqui, mas a gente sabe que se a gente não se mover coletivamente, se todos os jovens não estiverem ativos, não estiverem realmente na luta, se a gente não tiver realmente aqui, a gente sabe que uma hora a gente vai desanimar. Uma hora todo jovem desanima. Então, eu acho que é isso. Essa é a importância do coletivo pra gente. Se a gente tá todo mundo junto, ninguém desanima. Então, se um tá, se dois tá, todos vão estar. Então, eu acho que é basicamente isso. Eu não gosto nem de falar do Na ilha sozinha, porque eu gosto que eles estejam juntos também. Então, acho que a gente criou essa relação de, tipo, o coletivo é importante, a gente tem que estar coletivamente e a gente está coletivamente. Então, por exemplo, se eu vou fazer uma entrevista, eles estão também. Se outra pessoa vai fazer uma entrevista, eles estão também. Vocês viram o Natan vindo aqui, né? Ele ia ficar, mas ele ficou com vergonha.
P/4 - - E vocês se conheceram na escola?
R - Sim. Três jovens, eu, o Filipe e a Ellen. Nós somos do mesmo ano, né? A gente já terminou a escola. E o Natan tá no terceiro ano do ensino médio agora. Então, nós todos nos conhecemos na escola, fizemos todos os projetos juntos, fizemos a viagem juntos e estamos juntos agora. Sim.
P/2 - E quais são os desafios desse coletivo?
R - Eu acho que o maior desafio hoje é, além da gente estar coletivamente todo mundo junto, porque tem faculdade, tem escola, tem um monte de coisa, acho que é um pouco difícil essa questão, que a vida anda, a vida continua, e é um pouco a questão de a gente não tem, tipo, a gente tem um espaço muito grande aqui na Ecoativa, mas da gente querer mais, sabe? A gente quer mais toda hora, a gente quer muito. E, às vezes, a gente se decepciona um pouco porque a gente não consegue tanto, mas já é uma vitória, sabe? Então, acho que é isso.
P/1 - Como você imaginaria a Ecoativa com esses pensamentos, né? Até mesmo de objetivos. Como você poderia ver a Ecoativa daqui a uns anos?
R - Olha, eu acho que eu vejo a Ecoativa com mais jovens, com a próxima geração que vai vir. Eu vejo a Ecoativa como se fosse uma estrela, sabe? Que ela nunca deixa de brilhar, ela nunca deixa de estar lá. Todo mundo aqui tem uma luta muito grande, agora a gente está com um coletivo bem grande, todo mundo sabe fazer alguma coisa, a gente não precisa mais de outras pessoas entrarem. Mas eu acho que é isso. A gente é muito coletivo. Todo mundo. Não é só o Na ilha. A Ecoativa é muito coletivo. Todo mundo tá num propósito só. Todo mundo tá junto. Então, se o Na ilha tá fazendo alguma coisa, a Ecoativa tá lá ajudando a gente, impulsionando a gente. Eu acho isso muito bonito. E eu acho que no futuro vai ser melhor ainda. Então, acho que é isso. Todos os educadores... Que a gente fala que tem os educadores e nós somos os aprendizes. Então, cada educador tem o seu aprendiz, a gente fala, mas todo mundo tá lá pra todo mundo. Se a gente precisar de qualquer coisa, vai tá lá. A gente tem meio que um contrato que a gente fala, né? Ele tá ali na cozinha, inclusive, pra gente lembrar. Então, todo esse afeto, toda essa coletividade, toda essa questão de estar junto, toda essa questão de se comunicar. Então, acho que a gente vai ter isso e muito mais lá pra frente.
P/4 - - E você sabe como surgiu o Ecoativa?
R - A Ecoativa, se eu não me engano, acho melhor eu nem falar, porque vai que eu falo alguma coisa errada, mas faz muito tempo já. Antes dos anos 2000, se eu não me engano.
P/4 - - Quem que organizava nessa época? Você sabe?
R - Não sei. Sim. A Ecoativa, esse nome surgiu de um adolescente da escola também que eu estudo, que eu estudava, né? E aí surgiu esse nome, deram esse nome pra Ecoativa, e eram os jovens que frequentavam aqui também. Então é tudo questão de geração, né? Uma geração vai vindo e vai ficando.
P/2 - Eu tô entendendo no coletivo, e aí não sei se no Na ilha ou na Ecoativa, mas qual foi uma ação muito significativa para você, ação, projeto, palestra que vocês foram dar, que foi muito significativa. Foi uma oportunidade, algum encontro aqui.
R - Sim. Eu acho que... Tem várias ações que a gente achou significativas que a gente fez, mas eu acho que... Posso... Eu vou citar três, né? Eu acho que uma... A primeira ação foi quando a gente fez o nosso segundo fanzine, que é o Frentes e Versos da Ilha, que eram sobre poesias, falando sobre a frente, que é o que todo mundo vê, a balsa, as chácaras, e o verso, que era o que a gente passa das questões do saneamento, da questão da mobilidade, falando um pouco. Acho que foi muito significativo, que foi de outro projeto que a gente fez, que foi o Percurso, onde a gente se formou como agente cultural, todos os jovens se formaram como agentes culturais. Acho que foi uma ação muito importante que a gente fez e que a gente gostou muito. A segunda, eu acho que foi agora recente, quando a gente foi nessa roda de conversa junto com o Preferir o Movimento, que a gente pôde falar e que a gente foi convidada e a gente ficou muito feliz. E é isso, a gente vibra a cada conquista, né? Deixa eu ver outra. Outra ação, eu acho que foi na escola, acho que foi muito significativo pra gente fazer um evento na escola mostrando o nosso primeiro fanzine e mostrando o que a gente fez. O que o apoio da Ecoativa fez com a gente. O que todo esse apoio poderia fazer com a gente, que a gente tinha sim que lutar e que a gente tinha sim o espaço pra falar. E que a gente ia conseguir sim o nosso espaço de falar e a gente conseguiu. Acho que foi muito significativo, de verdade.
P/2 - Que escola é essa?
R - É a escola Adrião Bernardes, que é a única escola que tem aqui na ilha. Ela fica aqui pertinho e é isso.
P/2 - Você estudou sempre aqui?
R - Sim, eu estudei até, acho que o primeiro ano aqui, primeiro ano do ensino médio. Na verdade, primeiro eu estudei em outra escola lá no Grajaú, aí eu me mudei pra cá. Continuei aqui até o primeiro ano do ensino médio. Aí depois eu saí, fui pra uma escola lá no Grajaú. Depois, no último ano, eu voltei pra cá e agora terminei a escola aqui.
P/2 - Teve algum professor muito marcante?
R - Nossa, com certeza. Acho que o professor mais marcante é pra todos aqui da Ecoativa, é o JC. Ai, deu até vontade de chorar depois de falar dele. O JC, ele foi um professor muito importante pra gente. Foi o professor que realmente trouxe esses projetos pra gente. O NAEA foi ele que trouxe. Foi ele que lutou, tipo, pra gente estar aqui agora, foi ele que lutou, tipo, todas as batalhas pra gente estar aqui. Então, ele não era só um professor. A gente falava que a gente ia construir uma estátua dele aqui Na ilha e a gente achava um absurdo ele não morar aqui na Ilha do Bororé, porque ele era o próprio morador da Ilha do Bororé. Ele defende isso aqui como unhas e dentes. E acho que foi assim que a gente percebeu que a gente também tinha que lutar pela nossa comunidade. Se uma pessoa que nem morava aqui lutava, imagina a gente que não estava fazendo nada. Então, ele foi muito importante. Foi ele que me trouxe no primeiro sarau aqui na Ecoativa. Então, ele foi um professor excepcional. Ele era professor de história e, de verdade, ele era excepcional, excepcional. Não, ele tem um problema na coluna e ele teve que se afastar, infelizmente. E aí agora a gente não tá vendo ele tanto, infelizmente, por causa desse problema que ele tem, mas ele sabe que ele tá no nosso coração pra sempre.
P/1 - Como foi seu primeiro contato com o sarau que você teve e sua experiência com ele?
R - Então, eu era muito nova. Eu fazia parte do teatro, que era um projeto do professor JC. E aí eu fazia o teatro e uma vez a gente fez uma peça. E essa peça, eu não lembro direito sobre o que era, mas era alguma coisa sobre quilombo, alguma coisa assim, sabe? Sobre essa questão racial, sobre racismo também. E aí, nessa peça tinha uma poesia. E era uma poesia muito bonita, mas acho que não tenho mais ela hoje. Essa poesia era muito bonita e ele falou assim: “Por que a gente não vai no sarau e a gente recita essa poesia?” Eu falei: “Professor, não quero. Não quero ir, não estou a fim”. Eu até pensei em não ir. Tinha várias outras pessoas no teatro e todas essas outras pessoas não queriam ir. O professor ia recitar sozinho e eu falei: “Nossa, professor sozinho lá, coitado. Vou dar essa força pra ele”. E aí a gente foi e recitou essa poesia. E foi a primeira vez que eu recitei alguma poesia. Foi bem legal.
P/2 - Como foi? Como você se sentiu?
R - Nervosa. Eu tava muito nervosa. Eu tava com o papel assim, me tremendo. Nossa, eu fiquei muito, muito, muito nervosa. Quase não consegui falar, mas saiu. Acho que não foi muito bom não, mas saiu.
P/2 - E sobre o que era?
R - Era sobre racismo, era alguma coisa sobre isso, mas eu não lembro exatamente do que era.
P/1 - E foi aqui?
R - Foi aqui. Naquela fogueirinha ali.
P/2 - E você falou sobre separação de lixo. Como isso entra na sua vida? Como vocês se organizam? Qual a importância disso pra você?
R - Então, quando eu comecei o NAEA, eles falaram sobre isso, sobre essa questão da separação do lixo, e eu levei isso pra minha casa. Eu falei: “Mãe, por que a gente não começa a separar o lixo, o que é reciclável, o que não é?” Aí minha mãe falou: “Vamos ver aí o que a gente vai fazer”. E aí ela aderiu mais a essa ideia do que eu, né? Porque eu começava a falar pra ela: “Mãe, as tartaruguinhas, mãe. Vamos ajudar as tartaruguinhas, mãe”. E ela falava assim: “Tá bom”. Ela até tem trauma sobre isso, porque eu falava tanto isso pra ela. Quando ela jogava alguma coisa que era reciclável no lixo normal, eu ficava falando: “Mãe, as tartaruguinhas, mãe”. E aí acho que ela tem até trauma sobre isso. Agora, quando eu jogo alguma coisa que não é reciclável, ela fala: “Ó as tartaruguinhas aí”. E aí eu levei isso pra casa e aí ela falou assim: “Tá bom, vamos fazer”. E a gente começou a fazer essa separação do lixo e todo mundo de casa aderiu e, tipo, deu muito certo, que aqui passa o caminhão reciclável. E aí ela falou assim: “Boa, vamos fazer isso. Vou te ajudar nessa”. E vários jovens também começaram a fazer isso, né? Então, acho que foi isso.
P/2 - Mudou?
R - Mudou. Mudou a minha visão sobre isso. Mudou muito. E da minha mãe também, com certeza.
P/2 - E você também comentou... Vocês fazem um projeto com as crianças, como é trazer essa nova geração dos pequenos? O que vocês fazem no Quintal Produtivo, se você puder contar um pouquinho?
R - Sim, a Ecoativa tem vários projetos, né? Algumas pessoas não participam dos projetos, mas a gente está aqui também participando, né? Então, tem o Quintal Produtivo, onde traz pessoas da rede pública as crianças pra conhecer a horta, pra falar um pouquinho sobre essa questão da alimentação saudável com as crianças. Tem a horta lá no CEI também, aqui da Ilha do Bororé, onde as crianças comem, tipo, elas colhem e comem realmente o que elas colheram. E também a gente recebe muita escola aqui e às vezes tem escola que fala que quer fazer o roteiro do Na Ilha. Então aí a gente fala sobre as mudanças climáticas, fala sobre o racismo ambiental com eles, tira as dúvidas também. Então é isso, basicamente.
P/2 - É aqui mesmo?
R - Aqui na casa, isso, aqui na casa. Sim, aí a horta a gente tem na outra casa, que é a Associação dos Moradores, a gente vai pra horta, também tem tinta de terra, então eles fazem a tinta de terra, então tudo depende do roteiro também. Se a escola quer vir ver o Na ilha, por exemplo, quer falar sobre essa questão ambiental, aí é o Na ilha. Aí o Na ilha entra, os jovens falam, a gente mostra o fanzine, a gente fala sobre essas questões das mudanças climáticas, do racismo ambiental, é mais para jovem que a gente fala isso, mas para os adolescentes, para dar aquele choque de realidade mesmo.
P/2 - E você lembra de alguma pergunta que foi interessante? Algum dia, algum jovem que instigou algo que você saiu pensando?
R - Pensar? Eu acho que, tipo, pergunta não tem, mas eu acho que é mais as falas deles do que eles falam depois que a gente apresenta. Eu acho que pra mim é muito gratificante, muito, muito, saber que realmente eles tiveram esse choque de realidade e falaram: “Caramba, eu também quero fazer isso”. Acho que, na verdade, tem uma pergunta assim, quando eu recebi uma escola, depois de eu fazer todo o roteiro, eles estavam indo embora da sala, sabe? E um adolescente falou assim: “O que a gente tá fazendo? O que a gente não faz igual a eles? Vamos fazer igual a eles?” Eu fiquei, tipo: caramba. Então, realmente tá dando certo. Realmente a gente tá fazendo alguma coisa, sabe?
P/4 - Karol, e além da escola daqui, da ___, vocês têm contato com outras escolas?
R - Tipo, pra fazer projeto? Sim, as escolas entram em contato. Tipo, literalmente, as escolas entram em contato tanto particular quanto pública. As particulares gostam muito do roteiro do Na ilha, mesmo pra dar aquele choque de realidade, né? Então, várias escolas entram em contato com a gente. SESC também entra muito em contato com a gente pra falar sobre essas questões, então é bem legal.
P/4 - E teve alguma escola em particular, fora a da ilha, que tenha sido marcante? Ou alguma oficina do SESC que vocês tenham feito?
R - Deixa eu pensar que todas as escolas… são muitas e muitos coletivos. É, eu acho que todos em determinada parte são marcantes, sabe? Tipo, eu não consigo escolher um pra falar, tipo: nossa, esse é muito marcante. Acho que todos têm um pouquinho de marcante, sabe? Todos têm o seu brilho no olhar, cada um tem o seu, sabe? Tipo, eu não consigo escolher uma, mas eu sei que todas são marcantes pra mim.
P/2 - Posso, então, sair um pouco dessa temática?
R - Pode.
P/2 - Queria voltar, assim, nesse momento de transição de infância e juventude. Se você puder compartilhar um pouco dessas descobertas dessa época, como foi pra você? É um momento muito, muitas vezes, conturbado, muita coisa.
R - Acho que foi muito difícil para mim sair um pouquinho da infância e entrar para a juventude. Quando eu era criança, tudo parecia mais fácil para mim e era tudo incrível. Tanto que, tipo, na questão de subir nas árvores e tal, de fazer essas coisas. E aí, quando eu passei pra adolescência, eu passei a, tipo, não estar tanto na minha casa e não curtir tanto essa questão da natureza, de estar com a natureza, de estar perto, sabe? E eu acho que eu me arrependo um pouco de não estar tão perto, assim, da minha casa, de não ter feito tanta coisa, sabe? Eu acho que eu perdi muito tempo fazendo coisas que não eram pra eu ter feito ou pensando em coisas que nem iam acontecer e acho que foi bem... bem difícil pra mim. E também me entender como adolescente, como adulta agora e sair da adolescência, sair da infância. Acho que me entender também como pessoa preta. Quando, na minha infância, eu não gostava do meu cabelo também. Era uma questão muito forte pra mim, porque eu tenho o cabelo crespo, né? Então, era uma questão muito forte pra mim, eu não gostava do meu cabelo, eu não me identificava com o meu cabelo. E era muito difícil pra mim. Então, acho que foi um pouco complicado. Mas agora eu já entendo um pouco mais.
P/2 - Mudou?
R - Mudou, com certeza. Eu tô de trança, mas eu gosto muito do meu cabelo agora. Eu me identifico muito com ele agora. E eu acho que é isso, né? A questão de se identificar. Quando eu era criança, eu ia com ele amarrado assim, molhado. Então, se não tivesse um amarrador, eu já não queria ir. Mas agora, eu tô mais livre, mais solta. Você consegue identificar que momento aconteceu isso? Eu acho que foi, tipo, uns... É, no momento que, tipo, eu me identifiquei ou... Ah.
P/4 - - Que momento você começou a gostar de... Ah, tá.
R - ... de você. Olha, acho que foi com uns 15 anos. Então, faz pouco tempo, não faz tanto não. Uns 15 pra 16 anos que eu comecei a me identificar com ele. Então, foi uma luta bem grande pra eu conseguir me ver mesmo com ele, pra eu me identificar. Eu já tinha feito, tipo, outros procedimentos pra, tipo, deixar ele liso, só que aí não ficou, né? Ainda bem. Então, é isso.
P/2 - Teve alguém que foi importante, alguma referência?
R - Então, acho que o problema de eu não ter me identificado com o meu cabelo é porque na minha família não tem ninguém com cabelo crespo. Então, minha mãe tem cabelo liso, liso, liso, liso. Meu pai tem o cabelo tipo, encaracoladinho, mas tipo, não é crespo igual o meu, sabe? E aí, quando eu era criança, minha mãe tipo, raspava o meu cabelo porque era muito difícil de cuidar, muito, muito, muito difícil. E aí, tipo, teve um dia que eu falei: “Mãe, eu não quero mais raspar, quero deixar assim, vamos deixar ver o que vai acontecer”. E aí um dia, tipo, minha mãe sempre me apoiou muito na questão do meu cabelo, mas um dia eu tava assistindo TV e eu não lembro exatamente o programa, mas eu vi fazendo um penteado, tipo, no cabelo crespo, assim, no programa. E aí eu falei: “Nossa, e se eu tentar?” E foi aí que eu falei: “Nossa, vou usar assim todo dia”. E aí eu usava o cabelo todo dia, mas eu usava ele solto. E tipo, acho que foi aí que eu comecei mesmo a ver o meu cabelo e falar, nossa, tá bonito, deixa assim, e é isso.
P/5 - Só queria ir também pra pauta, que você acabou de dizer pra gente que você tem uma referência sobre negritude, sobre o seu cabelo, a partir da TV. E hoje você tá num coletivo que trabalha primordialmente com a comunicação. E pensa no comunicação e meio ambiente. Para você, como isso se relaciona na perspectiva para a juventude, com a referência para a juventude, para a juventude da própria ilha, como você olha para isso, essa potência da comunicação? Você poderia ter escolhido muitas outras linguagens, escolher a comunicação.
R - Quando a gente elaborou o projeto, a gente pensou assim, a gente pensou primeiro nos problemas que tinham e a gente pensou: Como que a gente vai executar isso? Tem esses problemas, mas o que a gente vai fazer com esses problemas? Era só problemas soltos. E a gente pensou que a coisa que menos tem aqui na ilha é comunicação. O que as pessoas menos fazem é se comunicar. Então a gente pensou: boa, é isso. Primeiro a gente pensou numa rádio. A gente falou, acho que rádio não vai dar muito certo. Aí depois a gente falo: “Não, por que a gente não cria essa questão da Educomunicação?” Aí a gente falou: “Não, vai dar certo essa parte”. Foi aí que a gente começou a se desenvolver mais. Primeiro era só a questão das redes sociais e tal, a gente não se identificava com Educomunicação. E aí depois o pessoal da Ecoativa falou que isso era Educomunicação pra gente. A gente falou: “Não, é verdade, vamos colocar Educomunicação”. E aí foi aí que a gente começou a trabalhar mais esses temas e criar esse conceito pra gente, de que era do comunicação, sim, e que a gente podia trabalhar esses problemas com a comunicação. Se a gente se comunicasse com a comunidade, talvez esses assuntos poderiam melhorar.
P/2 - E você tem, ah, não sei, saber mais, assim, dessa parte de comunicação, se você tem algum retorno nessas pessoas? Por exemplo, não sabia disso, não conhecia esses assuntos, agora eu passei para ali. Você tem algum retorno da comunidade?
R - A gente teve muito retorno dos jovens sobre isso, porque era a população que a gente mais estava atingindo, mas também a gente teve retorno da comunidade. A gente estava se inscrevendo para um projeto, deixa eu só lembrar qual era. Era um pouquinho sobre esse Pé na Margem. E a gente foi fazer entrevistas com algumas pessoas da comunidade, porque a gente tinha que elaborar um vídeo. E nesse vídeo, a gente quis colocar as pessoas da comunidade falando sobre os problemas que tinham e se eles conheciam a gente. E aí, nesse vídeo, a gente começou a perguntaR - quais são os problemas que você acha que tem? Aí as pessoas falaram. A gente falou, você conhece tal coisa? Aí a pessoa: “Conheço e não sei o quê”. Aí também os jovens falando: “Conheço, vocês foram na escola e não sei o quê”. Era um retorno muito legal. E aí as pessoas que não conheciam falavam: “nossa, não conheço, explica aí”. Aí a gente explicava, mesmo se ela falasse, não explica, a gente falou: “A gente vai explicar o que é o projeto”. A gente explicava e ela falava: “Nossa, boa, gostei do projeto”. E falou: “Vou seguir agora”. Aí começou a seguir a gente e acompanhar a gente. Então, acho que a gente tem um retorno muito bom. Mas a gente tem principalmente o retorno dos jovens também.
P/4 - - Karol, eu fiquei curiosa quando você falou que aqui na ilha existe uma dificuldade de comunicação. Como é que é esse negócio?
R - Então, é que a gente sentia que aqui essa questão da comunicação era muito difícil, é muito difícil aqui você ser assertivo com as pessoas, porque a comunidade aqui em si, todo mundo não tem tempo, né? Mas essa questão de às vezes não querer ouvir, às vezes tipo: depois eu ouço isso, Ai, agora não, tipo, depois, sabe? E era muito difícil pra gente ser assertivo mesmo nessa questão. E a gente pensou nessa questão da comunicação, e que o fanzine ia ajudar, e que também essa questão da gente falar com a população, da gente distribuir eles, ia ajudar bastante. Então, acho que foi basicamente isso.
P/5 - E vocês não foram óbvios, né? Acho que se pudesse contar um pouquinho sobre isso pra gente, a gente tá num momento que redes sociais, mídia digital, e aí vocês foram pro fanzine.
R - Sim.
P/5 - E não é muito óbvio, porque juventude, será que não é…? Como que foi isso?
R - Então, se a gente pensou que realmente a juventude vai querer ter a rede social, o Instagram, o site, vai querer ver isso, porque eles estão no celular o dia todo quase, praticamente muito tempo no celular. Só que a gente pensou que a maioria da população daqui não é jovem. Então não adianta a gente fazer uma coisa só para os jovens, sendo que a gente quer a comunidade, a gente não quer só os jovens, a gente quer a comunidade. Então a gente pensou: já que a gente quer a comunidade, vamos fazer o negócio direito. A gente falou: “Vamos fazer um fanzine”. E, tipo, a primeira ideia foi essa questão do jornalzinho, né? Fazer essa questão. Mas aí a gente pensou: o fanzine tem essa questão da arte, tem essa questão visual que eles vão gostar. Então a gente falou: “Não, vamos fazer um fanzine que eu acho que é mais legal, assim”. Deram a ideia, a gente falou: “Boa, vamos fazer isso”. Porque a gente quer a comunidade, a gente não quer só os jovens. Às vezes parece que a gente quer só os jovens, mas a gente quer a comunidade.
P/5 - Maravilha. E você ser uma liderança, pelo menos nos parece, uma liderança muito jovem, negra e mulher aqui nessa comunidade. Como é essa relação para se comunicar com essa comunidade toda que não é só juventude.
R - É só a juventude? Olha, é um pouco difícil, tipo, eu não me considero uma liderança, assim, muita gente fala, mas eu não me considero, porque eu acho que ainda tenho muita coisa, muita coisa mesmo pra aprender, muita coisa pra viver, então eu não me considero liderança, mas as pessoas falam, e eu fico, tipo: caramba, será que eu sou uma liderança mesmo? Eu sei que eu fiz bastante coisa. Às vezes eu fico falando, nem foi tanta coisa, mas eu sei que eu fiz. E essa relação com a comunidade que eu quero ter, essa relação com os jovens, essa relação de eu gostar daqui, eu gostar de estar aqui ensinando, de estar aqui tendo aula na rua, de ir mostrando para as pessoas. Eu acho que foi construída muito firme, muito boa, muito gostosa. Eu gostei muito. Então... Então, acho que é isso.
P/4 - E hoje em dia, você está estudando?
R - Eu saí da escola ano passado e agora eu estou tentando o Prouni. Vamos ver aí se vai dar certo. Eu quero fazer ciências biológicas, quero fazer licenciatura. Então, vamos ver aí. Estou esperando, né?
P/2 - Como foi essa escolha?
R - Eu queria, no começo, eu achava que eu ia fazer farmácia ou... Como é que é o nome? É... Biomedicina. Eu pensava que eu ia fazer farmácia ou biomedicina. Só que aí eu pensei que eu sou uma pessoa... Eu gosto muito de ocupar o meu tempo, eu não gosto de ficar quieta. Eu gosto de ocupar o meu tempo porque senão eu fico agoniada. Mas eu também não gosto de... Eu sabia que eu ia ter que fazer plantão, eu sabia que eu ia ter que doar muito do meu tempo e eu não queria isso. E eu vi que uma coisa que me identifico muito mesmo é ensinar as pessoas. É tipo, todo mundo já falou, por que você não, tipo... A balsa chegou.
P/2 - Ah.
R - Tá. Beleza. E aí eu pensava que ia fazer farmácia ou biomedicina, e aí eu vi que eu não ia ter muito tempo, eu ia fazer muito plantão, e não era exatamente o que eu queria fazer. Eu sempre me identifiquei muito com biologia, eu sempre gostei muito, e eu falei, tipo, eu falei: “Por que não, né? Realmente seguir isso”. E aí eu falei: “Não, tá aí”. E juntando uma coisa que eu gosto muito, que é ensinar. Todo mundo falava que eu ia ser professora, até eu falava que eu ia ser, mas acho que eu não tenho tanta paciência assim. E aí eu falei: “Não, vou fazer ciências biológicas, que é uma coisa que eu gosto muito, muito, muito. Me identifico muito pra caramba”. Eu queria fazer biologia marinha. Mas aí eu falei: “Não, vou fazer ciências biológicas por enquanto”. E aí eu escolhi licenciatura porque eu gosto muito de ensinar, eu gosto muito de falar. É tipo, eu tenho vergonha, mas eu gosto de ensinar, né? Falar ensinando, não falar assim. Eu acho que tem, já, né, você pensando no futuro ou nada, quais são os seus sonhos? Bom, eu quero muito fazer essa faculdade de ciências biológicas. O meu sonho mesmo é fazer na USP. Tipo, o meu maior sonho, assim, queria muito. Mas vamos ver aí se vai dar certo, né? E acho que o meu maior sonho é esse, fazer faculdade na USP. E, claro, me tornar uma liderança. Acho que é uma das coisas que eu mais quero. Como é que fala? Qual é a palavra? Meio que evoluir mais, tipo, na minha fala, em quem eu sou, sabe? Tipo, me conhecer mais, tipo, eu me conheço, mas tipo, me conhecer mais, me reconhecer mais como pessoa. E acho que é isso.
P/5 - Você tem algum sonho pra Ilha do Bororé?
R - Nossa, vários. Eu acho que pra Ilha do Bororé o meu maior sonho é que todas essas questões, tipo, que elas, além de melhorarem, tipo, que tenha uma comunicação da comunidade, sabe? Tipo, que tenha a participação da comunidade em realmente querer resolver esses problemas, sabe? Acho que esse é o meu maior sonho.
P/4 - - E para o coletivo, para a casa?
R - Acho que todos vão concordar comigo do coletivo que o nosso maior sonho agora é ir para a COP. Acho que é o nosso maior sonho no momento. Mas também, tipo, a gente ser mais reconhecido, a gente se desenvolver mais como coletivo. A gente quer muito, tipo, ter as nossas coisas, tipo, ter uma impressora, ter o nosso notebook. Tipo, a gente profissionalizar mais o nosso coletivo, sabe? Acho que esse é o meu maior sonho. Ai, são tantas. Eu acho que a gente mostrar o nosso trabalho, a gente conseguir ter um espaço para mostrar o nosso trabalho, para mostrar quem a gente é, para mostrar que a gente não é só, tipo, o povo da balsa lá que atravessa a balsa e é isso, para mostrar que a gente não é só isso, que a gente tem potência. Acho que essa era a palavra que eu até esqueci de falar, potência. Acho que aqui é uma potência e a gente é uma potência muito grande.
P/2 - Você gostaria de deixar alguma mensagem para as pessoas pensando nas mudanças climáticas, em todos esses movimentos e esses temas que vocês lutam?
R - Eu acho que a maior mensagem que eu posso deixar é que a gente tem que acordar desse sonho que a gente acha que a gente tá, de que tá tudo bem, de que é só um calorzinho, a gente tem que acordar e também parar de se fazer de coitadinho. De que, tipo, a gente já tá aqui na periferia e o que a gente pode fazer? Sendo que a gente tem muita potência, muita potência. Então, eu acho que a maior mensagem que eu posso deixar é que a gente tem que deixar de achar que a gente não é nada, de achar que a gente não pode fazer nada. Porque a gente pode sim. Se a gente se juntar a todo mundo, acho que dá sim pra gente fazer alguma coisa. Com certeza dá. Então, acho que essa é a minha maior mensagem. Abrir o olho e sair desse sonho que a gente acha que a gente está.
P/2 - Como foi para você contar um pouco para a gente da sua história, da história do coletivo, da história desse lugar, da sua luta?
R - Foi legal, eu lembrei de muitas histórias que eu fazia tempo que eu não visitava. Foi muito especial pra mim. Acho que é muito especial eu estar aqui. Porque quando me mandaram mensagem, eu falei tipo, por que esse povo quer me entrevistar? Tipo, o que eu tenho assim de tão.... Oh meu Deus, pra eu falar, né? Mas eu acho que foi muito importante pra mim. Me ver de novo, me conhecer de novo, falar de mim. Acho que foi muito importante. Deixa eu pegar aqui. Eu vou ver se eu tenho um aqui, que é o Frentes e Versos da Ilha. Esse daqui é o Fanzinho, o Fardo que não é 100% nosso.
P/2 - E vocês fazem tudo?
R - Sim, a gente só não fez a arte, foi o... Eu não sei se vocês conhecem o Nino. Ele que fez a arte, o Nino. E aí a gente criou a nossa logo do zero. A gente pensou na logo do zero, no que a gente ia escrever. A gente fala o que a gente é, qual a importância. Aqui a gente tem uma foto também da ilha de cima. E a gente fala sobre as mudanças climáticas. A gente fala sobre ODS também, para ser mais fácil para a população identificar.
P/2 - E é isso. Para vocês publicarem isso, escreverem isso.
R - Com certeza. Com certeza. A gente juntou o estudo que a gente já tinha do NAEA, que a gente mapeou todos os pontos que seriam... Porque a gente trabalhou muito a questão de patrimônio, do que era patrimônio pra gente. Então, a gente mapeou os pontos que eram patrimônio pra gente. Então, tipo, a igrejinha, o bar do Edinho, não sei se vocês conhecem. O Bar do Edinho, o Parque Bororé também. A gente marcou esses lugares que seriam um patrimônio. Acho que é isso. Aqui tem uma foto também da gente. O nome da minha poesia é Os Baldes. Faz tempo que fiz essa.
Fornece-me o alimento, devolvo-te o excremento. Cuspo-te, te renego e corto suas veias, que um dia foram lindas e que agora jorram sangue. Independente do que faço, você está errado. Dias mais quentes aquecem o nosso planeta água, e o homem quer a solução. A solução, meu caro, é o húmus que plantamos e as plantas que cultivamos, e as caminhas que fazemos para elas. A terra que pinta nossos vasos e a chuva que corre em nossos braços. O meio ambiente agoniza, pede socorro e realiza projetos como esse para ver se um dia ele recicla. Veja a natureza falando, será que o homem não me ouve? Cuide da nossa terra, enquanto há esperança. Plante, viva, escolha e reduza. Seja esperta e reflita. Cuide bem da nossa amiga. Utilize bem os seus baldes para um dia não precisar carregar água neles.
Sim. Obrigada, gente. Foi muito especial pra mim.
P/2 - Pensando em você falando da importância do coletivo, na sua vida, na sua formação. E olha aqui a gente fazendo uma entrevista a muitas mãos, muitas cabeças.
R - Sim.
P/2 - Que massa é isso?
R - Muito legal.
P/2 - Muito obrigada por topar.
R - Eu que agradeço.
P/2 - Por estar aqui, por ensinar tanto, por nos receber tão bem.
R - Eu que agradeço, gente. Foi muito, muito especial pra mim, de verdade. Vocês não sabem o quanto significou pra mim.
P/2 - Obrigada.
R - Obrigada.
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