Programa Conte Sua História
Programação Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista de João Leôncio e Maria Dalva de Souza
Entrevistados por Bruna Oliveira
Terra Indígena Cachoeirinha, 02/06/2025
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1472
Revisada por Bruna Oliveira
(00:00:07)
P/1 - Dona Maria e Seu João, eu queria que vocês começassem falando das suas origens. Então, eu queria que vocês se apresentassem primeiro. Primeiro falando o nome indígena de vocês, depois o nome em português e contando como foi o processo também, se teve algum processo para escolher esse nome.
R/1 - Primeiramente, boa tarde. O meu nome é Maria Dalva de Souza, moradora aqui da Aldeia Mãe Terra, município de Miranda, Mato Grosso.
(00:01:14)
P/1 - O seu nome diz?
R/1 - O meu nome indígena escolhido por meus cunhados é tia, tio é Wayu, né? Por causa que desde assim, quando eu nasci, eu vim embora pra aldeia Cachoeirinha, né? Eu era da aldeia Lalima. Aí, quando eu nasci, os meus pais me mudaram pra aldeia Cachoeirinha. E aqui, nasci, cresci e tô aqui até hoje.
R/2- Sou João Leôncio, do povo Terena, daqui do Mato Grosso do Sul, morador da Terra Indígena Cachoeirinha. Nasci aqui pelas parteiras e estamos aqui, lutando, sempre. E é importante saber, para o mundo conhecer a nossa origem. Eu morava na aldeia Babaçu, em outra aldeia. Aí depois de uns tempos a gente mudou para cá. Aqui é uma área de retomada. Vai fazer 20 anos neste ano, 28 de novembro. Então a gente agradece pela vinda de vocês e por levarem essa mensagem ao mundo inteiro. Qual o nosso objetivo quando a gente está requerendo o nosso território reconhecido pelo estudo antropológico, temos portaria, foi colocado alguns marcos físicos e a gente pretende continuar para delimitar nossa área. Então, o meu nome é Kambu, em Terena, que significa sapo, lá da Amazônia, floresta da Amazônia. É o nome do batismo que os nossos ancestrais, os nossos curadores, que a...
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Programação Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista de João Leôncio e Maria Dalva de Souza
Entrevistados por Bruna Oliveira
Terra Indígena Cachoeirinha, 02/06/2025
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1472
Revisada por Bruna Oliveira
(00:00:07)
P/1 - Dona Maria e Seu João, eu queria que vocês começassem falando das suas origens. Então, eu queria que vocês se apresentassem primeiro. Primeiro falando o nome indígena de vocês, depois o nome em português e contando como foi o processo também, se teve algum processo para escolher esse nome.
R/1 - Primeiramente, boa tarde. O meu nome é Maria Dalva de Souza, moradora aqui da Aldeia Mãe Terra, município de Miranda, Mato Grosso.
(00:01:14)
P/1 - O seu nome diz?
R/1 - O meu nome indígena escolhido por meus cunhados é tia, tio é Wayu, né? Por causa que desde assim, quando eu nasci, eu vim embora pra aldeia Cachoeirinha, né? Eu era da aldeia Lalima. Aí, quando eu nasci, os meus pais me mudaram pra aldeia Cachoeirinha. E aqui, nasci, cresci e tô aqui até hoje.
R/2- Sou João Leôncio, do povo Terena, daqui do Mato Grosso do Sul, morador da Terra Indígena Cachoeirinha. Nasci aqui pelas parteiras e estamos aqui, lutando, sempre. E é importante saber, para o mundo conhecer a nossa origem. Eu morava na aldeia Babaçu, em outra aldeia. Aí depois de uns tempos a gente mudou para cá. Aqui é uma área de retomada. Vai fazer 20 anos neste ano, 28 de novembro. Então a gente agradece pela vinda de vocês e por levarem essa mensagem ao mundo inteiro. Qual o nosso objetivo quando a gente está requerendo o nosso território reconhecido pelo estudo antropológico, temos portaria, foi colocado alguns marcos físicos e a gente pretende continuar para delimitar nossa área. Então, o meu nome é Kambu, em Terena, que significa sapo, lá da Amazônia, floresta da Amazônia. É o nome do batismo que os nossos ancestrais, os nossos curadores, que a gente foi batizado no centro espiritual do nosso Xamã.
(00:03:28)
P/1 - E quando você nasceu, quando a senhora nasceu?
R/1 - Dia 13 de julho de 1964.
P/1 - E o senhor?
R/2- 31 de janeiro de 1961.
(00:03:45)
P/1 - Os dois nasceram aqui?
R/1 - Sim.
R/2- Nascemos aqui.
(00:03:52)
P/1 - E contaram para a senhora como foi seu nascimento?
R/1 - Contaram, minha mãe sempre conta que eu nasci numa fazenda chamada Santa Rosa e minhas avós ainda moravam em Lalima. Aí o meu pai conta que para que eu não pegasse doença nenhuma, assim, quando eu nasci, ele me deu uma colher de sangue de anta. E isso fica comigo na cabeça, né? Então... Aí eu... Depois que a minha mãe, os meus avós mudaram pra cá, pra aldeia Babaçu, aí minha mãe veio junto, aí moramos aqui até hoje. Agora tô na mãe terra, em busca do nosso território. Eu sou mãe de nove filhos e eu preciso da terra, né? Porque daqui a uns tempos a família vai aumentar, vai crescer, né? Já tem bastante neto. Sou avó de 64 netos, com bisneto já, né? Então, eu fico muito feliz por essa vida.
00:05:03
P/1 - E o senhor, seu João?
R/2- Eu... Aquilo que a gente colocou, né? A nossa cultura, a nossa situação de falta de espaço ali no Babaçu fez com que a gente viesse pra cá, né? Quero contar um pouco de história. Como era aqui antes, né? Aqui era só um pasto, capim. Aí mobilizamos e viemos pra cá. Foi em 2005, 28 de novembro. E foi uma luta pacífica. Conversamos bastante com o proprietário que morava aí. Fizemos acordo. E com essa falta de espaço, os nossos parentes começaram a migrar pra cidade em busca de questão financeira, estudo. Então, quando a gente não tem lugar pra ficar, vai continuar com essa migração. Se tiver o território, tiver a floresta, tá tudo bem. A nossa casa é a floresta. No meu entendimento como indígena, no meu conhecimento, eu não consigo ficar na cidade. Não acostumo. Então a minha vida é aqui. Sempre olhando, né? Olhando como que tá o equilíbrio do meu ambiente hoje.
00:06:38
P/1 - E te contaram como que foi quando o senhor nasceu?
R/2- Sim. Eu nasci na casa do meu avô, né? Mãe da minha mãe. Ela era parteira. Ela era um dos xamãs, que fazia parto, fazia cirurgia na casa mesmo. Então, essa fé que elas têm até hoje, a gente adotou um pouco o conhecimento dela, na parte espiritualidade, fazendo medicinas tradicionais da cura da floresta. E hoje nós temos bastante alimento aqui na floresta, frutas nativas. Isso valeu a pena de estar aqui. Um outro paraíso que a gente está vivendo. Lá na aldeia é muita violência, brigas internas, então a gente precisa de espaço para ter a vida mais longa, viver mais um tempo e começar a repassar os conhecimentos para essa geração que está vindo aqui.
00:07:46
P/1 - E me conta, os dois, como que era quando vocês eram mais pequenininhos? Como que era em volta? Onde que era?
R/2- Aqui não tinha fronteira. Eu andava muito, eu não conseguia estudar. Eu matriculei com cinco anos, só que eu não parei na escola devido de... A professora era muito ruim, apanhava, castigava a gente. Não, eu vou ficar aqui, os meus pais não fazem isso. Abandonei. Minha vida era pescar e caçar com os irmãos mais velhos, com os velhos que estavam aqui, que já se foram. E conheço esse território, onde o nosso pesqueiro era. Agora não tem mais, está tudo cercado, está cheio de boi. As nascentes, acabou. Os córregos também, acabou. Então nosso trabalho aqui é recuperar, revitalizar.
00:08:47
P/1 - E a senhora, como que era a aldeia?
R/1 - A aldeia é o mesmo que ele tá contando, né? A gente não tinha mais... Quando eu tinha uns sete anos atrás, que também eu fui igualzinho ele, eu não consegui mais estudar. Eu parei de estudar, o motivo é pra ir buscar as coisinhas pra minha mãe com oito filhos que meu pai tinha abandonado. Abandonou minha mãe, aí a gente não ia mais pra escola tranquilo por causa da mamãe que era sozinha com nós, né, pra sustentar os oito filhos. Quando eu começava a faltar aula, né? Faltava aula. Aí quando eu ia pra ajudar minha mãe pra fazer esses trabalhos aqui, que é essa cestaria, né? Ajudava ela a fazer pra gente sair, pra vender pra Miranda, pra Corumbá, Aquidauana. Aí eu começava a faltar muita aula, e quando ia na aula os amiguinhos já começavam a tirar sarro, né? Já chamavam a gente de balaieira, né? Por causa que eles não sabiam o que a gente passava, né? Aí foi indo, aí eu não conseguia ir mais pra escola já, quando os amiguinhos começavam a chorar, né? Aí saía da escola e ia embora pra casa, ajudar minha mãe a fazer o trabalho dela. Aí, quando minha mãe fazia esse trabalho, eu ficava pra ajudar a cozinhar pros irmãozinhos, né? Fazer um arrozinho e minha mãe trabalhando. Aí, de outro dia, a gente ia pra marretar maniocas, milho, abóbora, né? Pra sustento de casa. Aí, assim... Porque eu passei essa vida, né? Eu tinha 11 para 12 anos de idade. Minha mãe encontrou uma dona procurando babá aí na cidade de Miranda pra cuidar a criança, pagar o salário. Aí perguntou pra minha mãe se eu não queria ficar pra trabalhar com ela pra ser babá, que ela ia pagar direitinho pra minha mãe. Aí minha mãe perguntou pra mim como eu via sofrimento da minha mãe. Eu falei pra ela, eu vou trabalhar, eu vou ficar, eu vou ser babaca. Eu acho que eu cresci assim, né? Acostumada com criança. E quanto mais tenho criança na minha casa, mais feliz eu fico, né? E aqui todas as crianças dos vizinhos, dessas primas aqui, depois que eles estão entendendo ser criança, né? E aqui eles vêm. É tia, é vó, né? E o que eles querem, eles pedem. Às vezes a gente arruma um almocinha pra eles, né? Eles fazem, eles comem todo mundo junto aqui com meus netinhos. E assim eu vivo no meio das crianças, né? Eu gosto muito. E... Agora... E daí assim foi. Aí eu cresci. Aí eu conheci meus povos, né? Aí a gente... Parece que namoramos há 14 anos de idade. 14 anos de idade eu fiquei com ele. Ele chegou a matar minha mãe. Aí nós ficamos juntos e formamos uma família. Temos uma família muito grande, abençoada por Deus. Então, estamos aqui levando a vida ainda. Assim, quando a gente vem pra cá, não sei se a gente pode falar, contar a história da retomada.
00:12:55
P/1 - Antes de contar a história da retomada, eu queria perguntar um pouquinho da família de vocês, dos pais de vocês. Quem que era a sua mãe, Dona Maria?
R/1 - Minha mãe se chamava Júnia Fonseca Terena, moradora daqui do Rio de Janeiro.
00:13:17
P/1 - E como que você descreveria ela?
R/1 - É como se fosse hoje, né? Eu falo para meus filhos, tem horas que você vê mamãe triste, mas porque eu estou buscando a afeição da minha mãe, da minha sogra. Eu lembro como é que a gente quando vivia junto, né? Minha sogra, minha avó, que ela era uma das parteiras, né? a minha avó e a minha sogra e a minha mãe. Então, esses nove filhos eu teve assim em casa mesmo, só com eles mesmo na casa.
00:13:59
P/1 - E ela contava a história dos partos que ela fazia?
R/1 - Ela contava. Contava, né? Porque é assim. Eu vou contar. Aí nos partos que ela fazia, Elas tinham a imagem da Nossa Senhora de Bom Parto. Aí, desse Nossa Senhora de Bom Parto, elas usavam a cordão de São Francisco. E já pra no dia de criança nascer, três dias banhando com banho de algodão, folha de algodão. Então, isso ela contava, né, pra mim. Da vez que ela já fazia parte, eu já tinha a primeira filha. A minha sogra me levava junto com ela para participar da parte que ela está fazendo, ajudar ela. Isso daí era a minha vida, criar meus filhos. Ela ajudou muito. E tá aí as crianças todas casadas, todas com filhos.
00:15:11 P/1 - Seu João, e na sua parte da família, como caiu o nome da sua mãe?
R/2- Ilda de Oliveira.
00:15:22
P/1 - Como é que você descreveria ela?
R/2- Eu sempre busco, mesmo que a Maria fale, a gente conversa com os mortos. É só se concentrar que você conversa. Eles respondem. Eles não estão mortos. As pessoas só mudaram de lugar. Então acredito que ninguém vai escapar desse caminho. Todo mundo vai por esse caminho. Então a minha mãe está sempre presente. Aqui no meio de nós, sempre protegendo. O meu pai também sempre está protegendo a gente. André Leôncio. Apareceu com 110 anos.
00:16:15
P/1 - E como que você descreveria ele também?
R/2 - Ele... É muito difícil eu conversar com ele. É porque quando eu saí da escola, eu saí e comecei a migrar para a fazenda aí, trabalhando. Cresci assim, trabalhando por aí. buscando fazer a minha vida, sem depender dos meus pais. Porque eu via o sofrimento de não ter recurso financeiro. Depois que conhecer o dinheiro, aí já vão faltar as coisas. Porque a gente sempre dependeu da natureza, como eu falei naquela hora. Mas existe uma coisa que as coisas mudaram de lá pra cá. dos anos 1970 começou a mudar, na Revolução Verde. Aí mudou.
00:17:13
P/1 - O que mudou?
R/2- Mudou o jeito de trabalhar com monocultura. Então nós indígenas não trabalhamos com monocultura não. Monocultura para nós é mercado. E o nosso mercado aqui é a roça agroecológica, agrofloresta, onde a gente planta de tudo para sustento para a família. Não deixamos de plantar. O nosso lado forte aqui é a mandioca, que não pode faltar. Mandioca e carne. Pantaneiro.
00:17:49
P/1 - O pai da senhora, a senhora lembra dele?
R/1 - Lembro, sim, também muito do meu pai. Às vezes eu lembro com sentimento, mas ao mesmo tempo é com motivo de alegria, né? Quando ele foi embora da minha mãe, ele sumiu 23 anos fora de casa. 23 anos fora, né? Ele tava lá pro Mato Grosso, pra lá que ele sumiu. Aí quando ele tinha já 63 anos, ele procurou nós que somos filhos. Aí as minhas irmãs não querem saber dele. Aí minha mãe tava na cidade pensando, e quando ela viu ele chegando, aí ela liga pra mim, filha, você não sabe quem eu encontrei. Aí falei, mãe, quem que é? Fala pra mim. Ela falou, filha, seu pai tá procurando, você recebe ele porque ele é seu pai. Ela falou pra mim. Aí eu fiquei com aquilo, querendo conhecer mais meu pai, como que ele é. Aí eu falei pra minha esposa, vamos buscar ele. Aí ele e o meu guri mais velho, a gente tudo ansioso pra conhecer ele mais. Aí nós buscamos, ele parou com nós uns quatro anos. Com quatro anos, meu pai faleceu. Ele já chegou doente, né? De lá de onde ele tava. Ele tava muito doentinho já. Mas ele viveu esses quatro anos tranquilo, né? Assim, quando ele faleceu, ele falou, ele me chamou e falou que seu pai não vai aguentar mais, viu? Que seu pai vai embora, pra sempre agora. Aí, quando passaram os dias, daí ele faleceu. Aí quando foi um mês que ele tinha... que minha mãe faleceu, aí quando tinha um mês, aí quando foi bem no dia do aniversário da minha mãe, no mesmo ano que faleceu. Parece que eu falo, acho que, ao mesmo tempo, me sinto feliz, né? Porque ele morreu em casa, conheceu o mestre, as filhas, o filho que ele abandonou quando era pequenininho. Chegou a demorar com ele um tempo.
00:20:18
P/1 - E vocês dois conhecem a história da família, da família de vocês? De onde é que eles vieram, se eles vieram aqui daqui de uma cachoeirinha, se todo mundo veio daqui?
R/1 - Como é que foi? A história do meu pai eu vou contar, que eu lembro, né? O que eles contaram pra mim. Meu pai, ele morava em Kadiweu. A mãe dos meus pais, eles eram... Kinikinau, eu acho, né? Aí, de lá, eles vieram morar ali na Lalima. E aí, na Lalima, ele conheceu minha mãe. Aí, conheceu minha mãe, minha avó e meu avô moravam lá. Aí de lá eles... A minha avó tinha um irmão que morava aqui na Babaçu, aí de lá ela veio, morou aqui no Babaçu e os meus pais trabalhavam na fazenda, né? Aí de lá ele veio, trouxe minha mãe, aí morávamos aqui mesmo. E os outros irmãos todos nasceram aqui na aldeia Babaçu.
00:21:30
P/1 - Que é aqui do lado?
R/1 - É aqui do lado. Aí, depois disso, foi crescendo. A gente foi ficando grandinho, né? Aí ele abandonou nós, o meu pai. Aí moramos com meus avôs. Aí minha avó e meu avô, eles acabaram de criar nós. Mas era muito difícil, né, pra eles. Eu falava assim, por que que era difícil? Minha mãe saía pra trabalhar, deixava nós ali com minha avó. Aí nós tinha uma tia muito ruim pra nós, criança, né? Ela fazia a gente pegar água de lata na cabeça num poço muito longe. Aí até lá, minha irmã, depois de mim, ela caiu numa pedra, cortou o joelho, Isso é minha mãe sabendo, e minha tia sempre brigando com nós. Aí a gente contava pra ela quando ela chegar, mas não tinha jeito dela ficar, né? Por causa que ela trabalhava pra sustentar, pra buscar o sustento de casa pra nós. É que eu lembro da história essa.
00:22:51
P/1 - E seu João, sabe a origem da sua família?
R/2- Sei. Eles nasceram aqui, né? O meu pai é do povo Terena, minha mãe é Laiana. São dois povos que se uniram. E hoje, nós estamos aqui com Kinikinau. Quando comecei a pesquisar, mas quem sou eu então? Eu falo Terena, a Maria já não fala em Terena. Comecei a pesquisar. Aí comecei a olhar que tipo de trabalho para me conseguir entender. Quem são esses povos? O Terena mexe com argila, são ceramistas. E ela aqui já mexe com outro tipo de trabalho, que é a cestaria. Os Kinikinau já fazem outro tipo de trabalho. São pinturas diferentes, é cultura diferente. Então, criou-se uma confusão quando esse povo se ajuntou na época da guerra, com medo de morrer. Então tentar muitas vezes dizimar o povo indígena. Mas existe um deus, deus do Terena, deus de outros povos, que é diferente. É um deus que cuida, que cuida da floresta. Então temos esse conhecimento aí. De que forma que a gente começou a entender quando a gente caminha muito com os anciãos, procurando saber. Aí comecei a entender, mas eu tinha que saber do meu raiz, que chama-se árvore genealógica. Quem sou eu, então? Eu tento falar o português, mas eu não escrevo o português, eu escrevo o Terena. Então é complicado, né? Eu tentei ser professor, não é meu dom, não. É muito complicado ensinar umas pessoas, porque misturam tudo. Aqui tem mineiro, aqui tem Kadiweu, tem Kinikinau, tem paraguaia, tem baiana aqui dentro da aldeia. Como é que vai aprendendo? É um processo muito complicado. Pra quem é professor, professora, né? Então entra a bilingüe. Falante. Hoje os meus filhos quase não falam, né? Aqui a gente criou um projeto que chama Escola Quintal. Pra segurar a cultura, né? Foi proibido dar aula de língua materna aqui no município. Um ano. E com essa escola quintal que nós criamos, nesse ano retornou. Então, a primeira coisa é que a gente não tem que perder a nossa identidade. Quando teve uma segurança de policiamento na estrada, me pegaram lá. Perguntaram se eu era valente. Claro que eu sou. Olhei todo o meu território. Então eu estava com meu filho, comecei a falar umas palavras, começaram a dar risada. Então são coisas que são opressores, que querem prejudicar a nossa cabeça. E eu comecei a estudar quando eu morei aqui já, terminei meu ensino fundamental aqui.
00:26:12 R/2 - Terminei meu ensino médio na Cachoeirinha, na Escola Estadual. Tentei fazer a prova do ENEM em Aquidauana. Eu zerei na redação porque eu saí fora do tema. Então muitos falam que o estudo é infinito, tem que estudar de novo. Deixa para os novos. Eu escrevo um monte de... eu tenho bastante escrita ainda. Eu estou procurando fazer a minha história. A tema da minha... da minha história é vida de criança. Então tô escrevendo aos poucos. Vim de lá quando eu tinha oito anos. Por que eu saí daqui da aldeia? Buscando o modernismo. Roupa de moda, calça de moda, relógio naquela época. Então hoje o índio Ele mudou muito. Nós indígenas, nós mudamos muito. Temos doutores hoje, né? Temos jovens fazendo medicina. Temos biólogo aqui, né? Então, agrônomo. Só não tem médico ainda. Temos nossos médicos da floresta, que são os curadores aí. Mas nosso time profissional, que estuda ciência, ainda não tem. Tem um jovem que está estudando. Então a gente parabeniza, né? Essa geração que está aí que vai cuidar do seu povo. Porque é muito difícil hoje a saúde indígena, né? Às vezes o médico não consegue entender o índio. Ele não consegue expressar o que ele está sentindo mesmo. Então precisa fazer o exame para depois fazer o tratamento. Não vai tomando qualquer remédio. Então são coisas que a gente observou durante tempo que dá a existência dessa cesai. Então é isso.
00:28:14
P/1 - Eu queria que vocês me contassem como era aqui quando vocês eram pequenos. O que vocês faziam? Como é que era? Se tinha brincadeira, se tinha que trabalhar já, como é que era?
R/1 - Da minha parte, né, quando... Eu era mais pequena, acho que com 5, 6 anos. Nossa, a brincadeira já era assim, minha mãe ensinando a gente a fazer as coisas de casa. Ensinando a limpar uma louça, cozinhar. Aí ela já sentava a gente pra fazer com elas daí, né? Esse era o nosso brincadeiro. Aí quando a gente, ela soltava um pouquinho a gente pra brincar, a gente ia no meio das outras amiguinhas brincar de roda, pega-pega, de ema, que a gente fala, né? Brincadeira de ema. E ele corre e corre com a tia. Correr atrás de outra pra pegar a outra, né? Esse era o que eu ainda lembro.
00:29:27
P/1 - E as cestarias você aprendia com a sua mãe?
R/1 - É, com a minha mãe, com a minha avó e minha mãe.
P/1 - E quem que ensinava ela?
R/1 - Aí quem que ensinava ela, ela conta que era a avó dela, né? A avó deles, depois da minha avó, a avó delas que ensinou eles a fazer esse trabalho, né? Aí eles continuaram, continuaram fazendo esses trabalhos de cestaria. Aí, eu vou contar de lá pra cá agora, de retomada. Aí não tinha mais como a gente fazer essa cesta, o motivo era assim. Quando a gente vinha pra pegar uns taboquinhos aqui no mato, pra cá dessa fazenda, né? Atravessar o marame, aí eles colocaram o choque, né? Colocaram o choque aí pra gente não entrar mais pra tirar os taboquinhos, pra gente catar os taboquinhos pro nosso trabalho, né? Mas ele era assim, tudo comido, as folhas de vaca, né? Vaca comia as folhas. Aí passou um tempo e eu acho que parece que eu não ia mais conseguir fazer esse trabalho. Aí depois que a gente veio pra cá, a gente retomou. Aqui era uma zebraquiária. Nesse lugarzão aqui, onde você tá vendo muito árvores, né? Era pasto de onde ficava cavalo deles. Aí quando a gente retomou, a gente saiu numa moitinha, porque Aqui tá eu e minha comadre que mexe com essas coisas, né? Aí nós saímos pro mato, saímos pra lá, pra esses matos onde a gente sabia que tem. A gente vê aqueles tudo formados, coisas mais bonitas, nós mesmo cortar, rachar pra gente trazer, pra gente trabalhar. Aí nós fizemos isso. E graças a Deus nós temos, né? Um cestinho pra gente fazer o trabalho. E... E foi assim. Aí quando assim surgiu essa retomada, seu João não quis que eu viesse. Eu trabalhava na escola. Ele falou pra mim, Maria, você cuida dessas crianças que eu vou, eu não sei se eu volto. Ele não sabe o que é. Eu e minha filha mais velha já estávamos planejando. Minha filha já estava preparando o carreteiro pra trazer pra cá. Aí quando o sol suspendeu, eu falei que o serviço não ia acabar. Eu ia embora pra trazer meus companheiros. Aí eu vim. Aí eu vim pra cá. Foi uma luta assim... meio difícil. Mas... pra Deus não estava difícil. Aí quando já veio as polícias para retirar nós daqui, as crianças, né? As mães dessas crianças de agora, as minhas criançadas que já casaram tudo aqui, né? Aí vem muita criança juntou. As crianças não deixaram nós tomar frente. Eles tomaram frente para depois o guerreiro ir atrás.
00:32:49
R/1 - Aí depois do guerreiro somos nós. Por isso que eu falo, tem vezes, nós temos que dar muito valor de criança, muito mesmo. Porque as crianças, tudo o que acontece, eles querem o primeiro saber. Não sei se você já viu, na hora que vocês chegaram, o primeiro foi eles, as duas que correram, que estavam aqui. E foi assim, daí quando eles vieram, os homens vieram, parece que 38 homens na frente, né? Aí nós viemos, parece que entre oito, quatorze mulheres. Nós já preparamos tudo lá, aí quando a gente veio, viemos por sessão com a Nossa Senhora de Fátima, de lá da igreja pra cá. Já até morreram as companheiras. Aí a gente combinou e vem. Aí quando nós chegamos aqui, na hora do almoço, os homens não tinham tempo de comer, a gente já trouxe, todo mundo trouxe umas coisas cozidas para pôr em uma panela só, lá embaixo no mato. Aí nós viemos com aqueles pensamentos. Não era pensamento mau, né? Porque eu já ouvia do meu avô, que é quando esse fazendeiro aqui falou pra ele, né? Que o dia que os índios precisassem da terra, que ele ia entregar. Por quê? Porque não é dele, né? Era nosso. Então, aquele lá veio na cabeça, né? E porque minha avó trabalhava, minha avó trabalhava muito com ele, aqui com a gente, com o dono dessa fazenda. Aí não foi difícil. Foi difícil por antes, né? Porque ele não deixou mais a gente entrar pra pescar, nem pra caçar, nem pra gente pegar um bocaiúva, um bacuri, que a gente... do sustento da gente também, né? O bacaiúva. Aí... Agora tá tudo livre pra nós no campo, muita fruta. O jatubá e o cumbaru a gente não via mais. E agora a gente tá trabalhando com eles, né? Tem castanha de cumbaru, castanha de... Bocaiú, a gente faz farinha. Já da Bacaiú, a do Cumbaru. E da... Do Jatobá. Esse daí a gente já trabalha com ele agora, né? Quando tem muito, a gente cata, quebra, faz farinha. Agora, esse ano não deu a farinha muito de Jatobá por causa do fogo. Eu vou passar lá pro fogo. Aí, por causa do fogo, né? Aqui, quando nós chegamos, nós ficamos no meio do fogo.
R/1 - Agora, nós não sabemos se foi o fazendeiro ou algum peão que atacou o fogo, né? Isso aqui foi muito ruim no começo por causa de fogo, aqueles atacaram nós com fogo. Nesse tempo de fogo, aqui nós ficamos com fumaça, fumaça mesmo, até nossa água dali do açude, onde a gente pegava água pra tomar, ficou com gosto de fumaça. Porque o fogo, tinha um pé de árvores bem grande no meio do açude, aqui ele pegou fogo. Aí foi... Aí fizeram reunião, as lideranças fizeram reunião sobre prévio-fogo voluntário. Aí fizeram reunião, aí me chamaram, chamaram minhas filhas e filhos, os companheiros. Muito, muito... Concordou e muito não. Aí eu falei pra minha filha, que ela é chefe da brigada voluntária. Minha filha e meu gerro. Eu falei, agora vocês vão ter que entrar. Eu vou entrar com vocês. Mas eu vou ser o último, falei pra eles. Não, mãe, fica, a senhora não vai aguentar suspender o galão da 20 litros. Falei, eu vou, vamos embora. Se eu não aguentar, vocês pegam de mim. Daqui nós vamos fazer, suspendendo cada um com o seu galão, subindo aquele subida pra lá, pra treinar, pra apagar fogo. Aí fiquemos, agora nós estamos aí com esse prévio fogo voluntário. E agora nós não sofremos mais. Por quê? Por causa que os guris já aceram, onde tem muito mato seco, eles aceram para o fogo não atravessar para cá. A gente já colheu muita guavira por aqui, logo ali atrás do açude, temos muita de pele de guavira. Aí a gente não sai mais longe pra catar guavira. Por aqui mesmo a gente tem a guavirinha pra levar os guris pra chupar guavira. Então... Aí eu fiquei no meio deles. Aí eu passei muito, assim, muito mal de doença também, né? Acho que não é pra morrer ainda. Porque se fosse, eu acho que eu não tava mais aqui fazendo essa entrevista. Passei muito mal. É... Por causa do fogo ou não? Não é do fogo, é doença mesmo. É porque não tirava da cabeça quando o meu filho foi baleado, sabe? Quando ele foi baleado de fazendeiro. Não saía da cabeça, eu acho que é aquele assim, que aí vem aquele...
R/1 - Eu lembrava, né, como que eu passei com ele, quando levei ele pro hospital. Baita de um pai de família já. E aí nós estamos aí agora e pra frente nós vamos, nós nunca vamos desistir. É que a gente mais quer, pede muito pra Deus que os nossos nossos irmãos fazendeiros entendam, né? Porque nós precisamos. Chega por causa que eles já estão assim, já enriqueceram, né? Já compraram suas fazendas com dinheiro da nossa terra. Mas eu não sei, tem muitos que concordam, tem muitos que não. Ali mesmo, aqui na Petrópolis, ali o João Pedro, ele era... Doutor Pedro, ele era muito amigo do meu avô. Ele trabalhava sempre lá com ele. E ele falava, o dia que vocês precisarem das suas terras, nós vamos entregar. Mas é os filhos dele que estão... estão duros, entendeu? Eles não entendem, parece. O que a gente tá precisando agora.
00:40:07
P/1 - E como que foi o processo da retomada?
R/2 - Tentamos entregar em várias áreas, né? Aqui fizemos três retomadas. Um do outro lado que é charqueado. Era charqueado, fazendo charqueado. O outro tá lá no fundo para tudão. Então tem três retomadas, não é só essa não. Eu vejo que o interessado é o índio, Não é o governo, porque se fosse, o interesse do governo ia cumprir o que está escrito lá na Constituição de 88. Deram cinco anos de prazo para demorar caso tenha mais. Hoje está difícil porque está cercado de mais agro lá, né? Então dificulta. E estão criando as emendas, né? Para dificultar mais. Liberaram essa nova lei aí para desmatar mais, acabar com o que restou. O povo não tá se manifestando ainda. Chega. Quando eu estive nessa viagem, comecei a olhar como que tá aqui pra baixo, né? Acabou. Eu vejo um pouquinho de água suja, cheia de lodo. Onde que nós vamos chegar, né? Aí entra a história, né? O que que eu tô fazendo? Qual o meu objetivo aqui? A riqueza nossa são as vidas. não é dinheiro. Precisamos do dinheiro, sim. Se nós estamos no mundo moderno hoje, eu preciso da energia, eu preciso de casa, preciso de máquinas, implementos agrícolas. E hoje isso não tem, né? Política pública. Então, acredito que se o MPI, Ministério dos Povos Indígenas, atuasse, e buscar a base, conversar, seria bom. Só que ele é governo. Então eu vejo que quando se criou isso aí, eles não avaliaram primeiro o que seria de ser ministério, qual o papel. Então vários projetos tem também. Só que esse projeto começa a ser selecionado. Eu vou passar para quem é meu amigo, daquele que me agrada, não é? Aquele que não for do meu agrado, eu vou deixar de fora. Outra coisa que dificulta para nós é quando se escreve um projeto, não temos técnico. E quando se trata de recurso financeiro, esse Prev Fogo que ela colocou, em 2020 nós passamos dificuldades de fogo. Alastrou a caboia, matou a vaca, Muitos bichos aí. Nós não tínhamos esse EPI ainda. Eu fui de chinelo, com galãozinho. Não conseguimos mais. Aí criaram junto com a Universidade Federal, que nós trabalhamos com uma professora. Nós vamos tentar um projeto para vocês com SOS Pantanal, WWF.
R/2 - Eu não vou prometer, mas nós vamos tentar conseguir o EPI. Bomba costal, assoprador, pinga-pinga. Agora acabou o nosso sapato. Nós estamos reivindicando o outro agora. Então tem um edital aberto, não sei quantos valores, só que a nível do Estado, do governo do Estado junto com o federal. E estão aí escrevendo. E hoje eu estava conversando com a professora, preocupado já, que depois desse frio vem a seca. Não tem recurso pra trator. Tem recurso para combustível, mas para afogamento do trator não tem. O prefeito daqui está meio quebrado, está meio disque. Então, nós vamos ter que fazer de outro jeito aí. Juntar os 18 voluntários aí e começar a fazer a nossa parte para proteger o nosso ambiente. Então, acredito que a União sempre faz força. O coletivo. Como é terra da União, nós precisamos muito do apoio do governo. a Esfera Federal para poder proteger o nosso território. A responsabilidade dele. Nós estamos aqui de guardiões cuidando da floresta, fazendo trabalho voluntário quatro anos com o Prev Fogo. Plantamos oito mil mudas de plantas nativas, árvores nativas. Estamos recuperando oito nascentes. Então, nós estamos fazendo a nossa parte, só que a gente nunca divulgou isso ainda. Nós temos um viveiro já pronto para agora fazer colheita de semente, semente de julho. Essas crianças que estão aqui já são práticas, é só levar e já sabe qual que não presta, qual que está bom aí. Desde pequeno. Fizeram capacitação de coleta de semente. Aqui tem um monte de semente já preparada para colocar na terra. Então acredito que... Eu vejo assim, não sei quantos milhões de pessoas que tem no Brasil. Se todos tivessem um pedaço de terra para morar, não ia acontecer tanto desastre assim. Cada um ia plantar um pé de árvore. Ia ser um verde, um Brasil verde. Agora tá sendo um Brasil vermelho, né? Fogo, perigo. Pantanal mesmo tá... Tivemos uma audiência pública no Pantanal, né? Lá no Corumbá. Sobre o Pantanal. Comecei a perguntar pra pessoa, né? Mas de que é o Pantanal, então? Ela tem... é uma área privada ou... Ela é grilada, né? Então se brincar eles vão destruir agora. Então eu espero que a nossa voz, com essa preocupação, com essa mudança climática, muito calor, os velhos morrem, as crianças vão morrer, porque o nosso corpo tem uma temperatura que vai superar agora.
R/2- Se não se preparar, a gente não vai conseguir atravessar esse grande deserto que a gente está passando hoje.
00:46:32
P/1 - Sabe o que eu queria perguntar para vocês? Sempre teve fogo aqui?
R/2- Não. Começou em 2017. Ainda conseguimos controlar. A gente faz queimada controlada. Sempre a gente trabalhou com fogo. Pra fazer roça tem que queimar, né? Mas não é grande a gente começar a cuidar do fogo. O tanto que a gente queima. Agora não. É muito combustão que existe ali. Ela vai embora porque ela queria um vento, cria um redemoinho esse fogo. Joga lá em frente. Já escapei duas vezes de fogo aqui. Cercou nós aqui, nós aqui no esbranquiara. Então já escapemos. E quando a gente fez essa capacitação, a gente teve mais conhecimento como lidar com esse troço aí. É perigo. Ela tem o lado bom. Nós estamos cuidando. Se você entrar de qualquer jeito, você vai morrer. Pra tentar fazer a sua história, fazer a nossa parte, né? Então essa capacitação que a gente teve aí, instrução, né? Nós estamos vivendo numa guerra, né? Guerra humana. As leis estão sendo criadas, né? E os perigos vêm junto aí. Então espero que essa mensagem, né? Chega onde deve chegar informações da nossa preocupação, não comigo, com o mundo inteiro, é a planeta, a humanidade. Estamos aqui para fazer a nossa parte, mas precisa de mais investimento, recurso.
00:48:17
P/1 - Tem mais algumas perguntas, tudo bem? Eu queria saber, voltando um pouco para quando vocês eram pequenos, depois eu volto para frente.
R/2 - Sim.
P/1 - Não tem cronologia.
R/2 - Não.
00:48:29
P/1 - Mas se contava histórias para vocês do território. Se seus avós, seus pais, suas famílias contavam histórias para vocês. Histórias daqui, da terra.
R/2 - Ah, tem muitos pontos aí, né? Tem muitos pontos que a gente conhece. Nos quatro cantos. Tem vários lugares que tem nome aí, né? Nome indígena. A gente não tem acesso agora devido a essa cerca que tá aí. São 36 mil hectares que a gente tá lutando aí. Quando o Marechal Rondon cercou nós em 12.286 hectares, pensando que o indígena não ia crescer a população, aumentou. Aí começou a criar conflito entre nós. Não, esse aqui é meu, esse aqui vai ser meu filho. Está lá a igreja que construíram. Primeira igreja está lá, o Poço da Fonã. É tombado, né? De 1943. A igreja católica é de 1931. Então, quando ela falou em relação de amizade, o pai dela com o ex-governador Pedro Sena, que já faleceu, era uma troca. Ele dá o churrasco dia 25 de dezembro pra toda a comunidade. Era só pra enganar, né? Então eu vejo que hoje, quando se fala de autonomia, o índio quer sua autonomia. Ele tem um modo de vida dele diferente. Ele vai fazer do jeito que ele faz. Eu vou contar um pouco de história, o que eu passei com essas professoras. Ela queria do jeito dela, né? Falei, não, se você quiser que o seu projeto saia bem feitinho, eu não estou aqui para ensinar, eu respeito você como professora. Mas pode tocar, que eu lavo as mãos e vou ficar na minha casa. Aí ela chegou em casa e contou para Maria que eu fiquei brabo com ela. Não, está errado o serviço. Aí comecemos, né? Entendeu o outro aí. Caminhamos juntos até aqui. Juntamos dois conhecimentos. Como coletar sementes, como que faz, né? Se não tivesse esses capim, tinha muita floresta. O capim não deixa essa semente cair lá. Ela fica ali em cima do capim. Vem o fogo, mata tudo. Então é isso o nosso objetivo aqui, quando se trata de território, é buscar a autonomia. Não estou dizendo que vou voltar lá atrás, lá no passado. Hoje eu vejo essas gerações com essa tecnologia aí, mundo globalizado. entrega um celular para eles conseguirem dominar. Agora eu, como ancião, é difícil de lidar com esse troço aí. Tem que procurar eles, ó, ensina aqui. Então eles estão sendo meus professores, esses crianças. Mas eu ensino conhecimento indígena, agora eles estão ensinando tecnologia. São duas coisas que a gente está olhando como é que vai ser, né?
00:51:56 R/2 - Mas não pode perder a língua materna, em primeiro lugar. Identidade. Pode falar. Não, pode falar aí.
00:52:06 P/1 - Quem que ensinou vocês a língua materna?
R/2- É meu pai que era falante, né? A minha mãe não. Só em português, assim.
R/1 - E agora eu aprendendo com os outros. Onde eu escuto falar, né? E eu já vou buscando também. Porque a minha mãe não falava comigo. E meu pai não falava indígena, ele falava Kinikinau. a indiâma da Kinikinau, né? Mas eu nunca cheguei, sentei assim pra conversar com ele, né? Pra ele me ensinar. Sempre eu ia mais com a minha mãe. Escutava ela falando a indiâma, já perguntava, ela explicava. Já veio junto a todo mundo, eles falantes, né? Fico só escutando. É isso.
00:52:56 P/1 - Dona Maria, e a senhora tava contando que Você ouviu bastante coisa da sua sogra, da sua mãe, em relação a ela serem parteira. Teve outro tipo de conhecimento que você recebeu dos anciãos daqui?
R/1 - Outro tipo de conhecimento?
00:53:19 P/1 - De lidar com a terra, de como cuidar da terra.
R/1 - Sim, daí a gente ficava direto com o meu avô, né? Quando ele ia plantar, ele chamava todo mundo. Eles não plantavam assim com trator. eles plantavam no machete. Ia limpar no só lugar onde ia fazer o berço, plantar as plantas, né? E a gente aprendeu com ele assim. Aí depois de um tempo aí surgiu esse trator que faz aquele montão de terra. E olha que ecolhia bastante quando o meu avô plantava assim. Até mesmo quando eu fiquei com o seu João, eles plantavam no toco. Ele e o irmão dele, né? E o pai dele. Ali colhia tonelada de arroz, abóbora, machixe, milho. E como assim, eu como gosto de marretar, né? E gosto de sentar, eu pegava o que tinha na roça e ia marretar com minha cunhada. fazia um pouco de cesta, nós ia embora, porque ela fazia também aqueles pratinhos, vasos de argila, né? E aí eu fazia isso daí, a gente fazia um pouco e a gente ia pra Marretá. Ia pra Aquidauana, quando chegava Sete... Chegava... O trem chegava umas duas, três horas parece que dava. Aí dali já tinha gente esperando, né? Quando interessava de comprar a nossa venda, já tinha gente na estação pra comprar e já levava tudo de nós. Aí o dia... Aquele dia mesmo nós vinha embora. Vendia, fazia umas compras lá e vinha embora. E... E assim a gente foi vivendo.
00:55:18 P/1 - Senhor João, e o senhor? Como é que eram os ensinamentos da terra que tinha?
R/2 - Tem até hoje, né? Por que a terra não está produzindo mais, né? Eu comecei a perguntar para o ancião. Lá no passado, nós não parávamos no lugar. A nossa casa, esse aqui de palha, para quatro, três anos, ele muda. E lá onde ele plantou vai se reflorestar sozinho, porque as raízes vão brotar de novo. Vai fazendo, as pessoas dizem. Caminha. Então, hoje, com essa dependência, né? Eu fico olhando, né? Mas pra que precisa de trator? Tem que ter empresa pra ter trator. Tem que ter dinheiro. O custo de combustível, pneu. Implementa. Hoje... Estamos recebendo apoio do Ministério de Agricultura daqui do estado. Ele está sempre vindo, orientando. Estou produzindo muda de cacau aí. Eu plantei 30 pés de cacau. Então eu vejo que quando a pessoa fala que não nasce, não vai dar, é mentira. Tudo que você coloca na terra, ela produz. Depende de cuidar. Então o tempo... é que a pessoa, o ser humano, ele não está sabendo o que ele está querendo. O filho vai pra cá ou pra cá. Ou vou estudar ou vou ficar na roça, vou ficar no campo, como é que eu vou ficar, né? Que ele precisa de estudar, né? Precisa, com essa mudança de novo, né? Com mudança climática, tem que ter paciência. Porque não era mais como de primeiro, a terra está morrendo. Com tanto fogo morrem os bícoros que existem na terra. Como é que fala? A minhoca. Quando eu estudei um pouco a questão da minhoca com os velhos, eles... Caminha debaixo da terra. Ali que a terra começa a suspirar, eles falam. Está abrindo o caminho para a terra tomar fôlego. Então tem esse conhecimento no que a gente tem aí, como lidar com a terra. Não precisa uma área grande, não. No mínimo, para mim, uma guitarra já é suficiente. Eu tenho tudo. Mas hoje nós estamos pensando em mercado. Ter o capital, um pouquinho de capital. E esses programas que estão tendo aí, né? Auxílio de maternidade, Bolsa Família, Pé de Meia. O governo está ajudando, sim. Mas é muito pouco. Quanto custa um computador, notebook? Quanto custa um celular? Preciso desse. Hoje mais, o pessoal trabalha mais nesse meio de comunicação, né? Então não é mais quase na caneta que o nosso dinheiro virou eletrônico. Eu tenho muito medo disso, né? Eu estar de piques. Não. Eu não quero isso não, não sei mexer com isso não. Então eu preciso de papel, cédula.
R/2 - Então hoje que mudou isso aí, né? Mas o nosso modo de vida não muda. Por isso que a gente caminha. Tem que caminhar. Porque a questão de alimentação, ou entra na questão de alimentação, né? Antigamente, nós ia, por mês, pescar e caçar. Fica uma semana lá pescando e caçando. Já tá tudo pronto pra um mês, porque a gente vai pra roça depois, né? Então tira, a cada 30 dias vai buscar a carne e o peixe, né? Deixa muquiado aí, né? Faz a carne já na... Coloca sal, né? Seca. Fica aí. Faz a farinha. Tem mandioca, tem abóbora. Arroz. Não falta nada. E agora chegou a máquina. Ah, não tem trator, mas não é trator que faz rascunho. Se é você, eu falo pra ele. Apenas o trator, ele faz a terra. Mas ele tem custo, né? Então esse negócio de maquinaria aí, ele trouxe comodismo, né? Hoje nós devemos. Nós devemos. Tem que pagar luz. Paga imposto, na verdade. Então tudo isso a gente tem que ensinar esse criança como que ele vai enfrentar daqui pra frente. Tem que preparar eles, preparar o caminho para não sofrer essa que já passamos. Eu dizia para um professor, quando você aposentar, professor, você não vai ter dificuldade. Porque você já sabe lidar com o dinheiro. Agora eu tive dificuldade, porque eu não estudei, não entendo parte financeira. Então, são coisas que a escola deve ensinar as crianças, a educação financeira. Senão, vai ficar sempre aí, pedindo, pedindo, pedindo desmola. Isso é ruim, né? Na verdade, não é que o governo enjoou de cuidar do índio. Os parlamentares, né? tanto senador, tanto deputado, é que a população cresceu. Tem gente migrando aqui pro Brasil, da Venezuela. Aí perguntaram, por que a Venezuela tá vindo pra cá? Lá não tem mais arroz, não tem mais calçado, não tem mais nada. Tem espaço pra esse povo? Onde que eles vão morar? Vai ficar aí na rua? Aqui a gente acolhe. Quer morar, mora aí. Você vai ter que dançar nossa música, nosso jeito. Então isso, o terreno é muito hospitaleiro e acolhedor. Vem, mora aí. Na hora que você enjoar, você vai embora. Ou fica aí. Que nós aprendemos assim, né? Que todos nós dependemos um do outro. Trabalho de formiguinha. Então, nossa organização social são o cacique e suas lideranças. Tem a organização das mulheres.
R/2- Então, é um conjunto que lida buscando a subsistência, buscando melhores condições de vida. Trabalhar, todo mundo trabalha, mas estão tudo caminhando para grandes empresas de plantação de eucalipto. Lá eles qualificam e já ficam lá mesmo. Tem muitas dessas aí. Então, o que eu vejo é isso aí. Não é que abandona o território. Pra onde que ele vai? Lá na cidade, em Campo Grande, quem morre lá vai ser enterrado aqui. E lá estão ameaçando tirar isso de lá. As aldeias urbanas não tem garantia deles. Então é risco pra onde que eles vão. Tem 19 mil índios em Campo Grande. de vários povos também. Não é só o terreno que tá lá. Mas eles tão indo pra lá pra estudar. Facilita mais. Não tem dinheiro pra pagar aluguel. Eu tenho que comprar lanche. Eu tenho que lavar roupa. Não é fácil viver no mundo não indígena. Lava o sofê, porque lá tudo tem horário, cara. Se você bobear, você fica pra trás. Então... Nosso jeito não é assim, não. Nós fazemos nosso horário. Mas outra pessoa fazer horário para mim, eu não vou aceitar, não. Então, é ruim isso daí. Fica sendo mandado, né? Nós que é mandar. É, mandar no sentido de respeitar também. Existe muito respeito para viver a vida.
01:03:39 P/1 - Seu João, e quem que ensinou o senhor o modo de vida indígena?
R/2 - Foi meus avôs, né? Sempre de manhã aí, à noite, faz uma roda de conversa aí. Nós brincavamos mais à noite. Andava correndo nesses pés de manga, debaixo dos pés de manga, brincando de esconde-esconde, mas tinha horário também. Porque depois desse horário, de encerrar o horário, os meus avôs, como tinham essa religião de espiritualidade, nove horas de encerro, vão lá para o quarto e vão fazendo a oração. Aí que vai dormir. Não dorme cedo, não. Três horas até em pé lá, acendendo o fogo do chão, esquentando a água, assando a batata, um pedaço de carne assada e já foi. Então, assim que a gente aprendeu com ele, essa é uma aula. Era para ser uma aula específica, diferenciada nas escolas, que está garantida também, só que não tem a prática. Ajudamos a montar livros de saberes indígenas, bastante, trabalhamos bastante. E está aí o livro, quase que ninguém dá atenção para ele. O que eu estou propondo para os professores, a direção da escola? Coloca dentro do sistema. Manda eles pesquisarem. Com esse livro. Eles não vão querer esse livro, não. Eles vão querer entrar naquele lá. Uma vez que chegou um parceiro aqui, ele trouxe um computador. O criançado falou tudo em cima dele lá. Nós queríamos olhar aqui também. Então ele prometeu que ia trazer um computador para essas crianças da escola quintal. Mas ele deixou um notebook pra gente trabalhar com eles. Então é isso, quando a gente recebe pessoas assim, é mais uma força que a gente tem pra caminhar. Às vezes a gente pensa que tá sozinho, mas tem apoiadores. Então acredito muito que essa nossa mensagem vai chegar a algum lugar. Ninguém me conhece pessoalmente, mas vai ver minha foto aí. Vai ver foto do Dona Maria. Então é isso.
01:06:00 P/1 - Sabe o que eu ia perguntar? Quando o senhor falou do fogo, que já enfrentou o fogo, quase o fogo pegou o senhor. Como é que foi essa história?
R/2 - É que nós estávamos entre três, né? Quando eu falei que o fogo vira redimor, ele joga lá a brasa, né? com o vento que ele queria jogar lá. Aí quando a gente descuidou já tava querendo cercar a gente. Bem pra câncer.
R/1 - Era muito mau.
R/2 - Aí falei pro cara, tá pegando fogo, vamos correr daqui. Já tava quase cercando, tivemos que cruzar no meio desse fogo aí. Saímos meio sapecados de lá já. Mas salvemos. É, não é brincadeira esse negócio não. Não, só tem córrego. Nós temos pesqueiro em Miranda, só que tem muita pessoa que vive da isca, né? São pegadores de isqueiro que falam. Acho que foram lá e bagunçaram, mataram o outro, não deixaram mais. Nós entrávamos. Tinha muita matança de jacaré lá também, né? Acusaram que era... Não, não ia matar jacaré, não ia buscar peixe.
01:07:18 P/1 - E uma coisa que eu queria saber é para os Terena qual que é a importância da floresta, da mata?
R/2 - A importância da floresta é porque devido aos pássaros, devido aos bugios, os macacos, Se eu derrubar um pé de árvore, eu vou tirar a casa dele. Ele vai ficar onde? Ele não fica aqui na terra. Ele vai ficar lá em cima. Os ninhos ficam lá. Então são a casa dele. A importância da floresta é para que a chuva retorne. É que as abelhas também existem. As abelhas não existem, mas as abelhas estão indo embora. Então precisa muito, muito de criar um projeto para criamos de abelha para poder polinizar nossas plantas de frutas. Se não tiver abelha, não vai ter fruta. Então reduziu. Ano passado teve pouca produção de manga. Temos manga orgânica. Que nem ela falou, tivemos muito pouco jatuba. Tivemos pouca caiuva. Que essas frutas, a gente depende delas. nosso alimento. Então essa é a importância da floresta em pé para nós, né? Para o equilíbrio do meio ambiente, para ter sombra para me ficar, né? Então essa é a importância.
01:08:49
P/1 - E qual que é o alimento que vocês comiam quando eram menores e que comem hoje? Mudou alguma coisa?
R/2 - Comida? Mudou. Mas a gente não deixou de fazer aqui. Porque a nossa família é grande, Você ouviu a Maria que tem 60 netos com bisnetos aí, né? Quando junta mais insulina, ele tem que dar comida. Uma semana antes você tem que já estar preparando. Quanto que vai vir, né? Aí eles começam a perguntar, vai ter escola hoje ou não? Aí vai lá. A gente já começa a preparar de sexta pra sábado, né? Porque começa às oito horas, a gente encerra meio-dia com almoço, por exemplo. Se vira. Você que começou, tem que fazer. Então temos essa dificuldade ainda de ter esse apoio. É um desafio, na verdade.
01:09:46
P/1 - E vocês plantam o que aqui?
R/2 - Planta de tudo. Maxixe, quiabo, batata doce, abóbora, rama de mandioca, feijão catador. Tudo isso tem. Milho. Para consumo.
01:10:01
P/1 - E o senhor sempre trabalhou aqui na aldeia?
R/2 - Sempre. Eu trabalhei muito na usina. Trabalhei 18 anos na usina só de contrato, né? Cortando cana. Lá perto do presidente de Epitácio lá tinha uma usina chamada Debraza, né? Eu trabalhei muito tempo lá. Várias usinas eu trabalhei.
01:10:25
P/1 - E tem alguma história dessa época?
R/2 - Tem... É... Cada 60 dias a gente fica lá. Aí temos o direito de ficar uma semana com a família. Depois de uma semana fica, vai e vem, durante o ano. De janeiro a janeiro. Então, Maria mesmo criou os meus filhos. Eu não parava em casa, tinha que sustentar os nove filhos que eu tenho até hoje. A nossa responsabilidade é muito grande quando se trata de filhos. E a nossa educação é aqui. Quando erra, alguém erra, nós chamamos todo mundo, vamos conversar. Não é eu que vou falar, nós temos que se acertar ainda. Essa é a educação que nós damos para o nosso filho. Respeito. Respeito à autoridade. Respeito à pessoa. Não são coisas que a gente passa, por exemplo. Hoje eu consigo ainda controlar esse monte de gente que está com a gente aí.
01:11:31 P/1 - Quais ensinamentos vocês façam para os seus netos, para os seus filhos hoje?
R/2 - Eu ensino mais a questão de... Sábado passado nós tivemos um curso de medicina aqui. Ficamos o dia inteiro aqui preparando remédio, né? E outra coisa que a gente ensina, ensina a pescar, ensina a caçar. Sabe onde que tá o bicho lá e vai lá e busca. Então, é isso que a gente ensina, não ensina a violência. Vai brigar? Não. Não tem dinheiro pra você colocar de advogado pra defender você depois. Cometer um crime, qualquer erro que você faz, hoje a lei funciona pra dois lados. Não vai preso. Então é isso.
01:12:24 P/1 - Eu queria perguntar, voltando um pouco na história da retomada, como é que tá a situação da terra indígena cachoeirinha? Desde a época que vocês nasceram até hoje, qual que é a situação dela? Ela tá regulamentada? Como que é?
R/2 - Ainda não, né? Com essa aplicação de 36 para 36 mil, quase 37, ela parou no STEP, O Caimã, que é grande criador de pecuária, e o Vazante, são dois grandes criadores de boi. Entraram com recurso, quando os técnicos estavam aqui em setembro, o GT, para colocar os marcos físicos, a gente acompanhou. Colocamos 37 marcos físicos já no nosso território. Aí, com esse recurso, queriam entrar para paralisar. Aproveitaram do marco temporal, aproveitar da lei 711 e tal, PEC 48 agora, que tá pra ser aprovado, né? Não sei como que vai aprovar ou não, então isso é muito risco pra nós, né? Nós perdemos. É liberar. É a lei do neoliberalismo, parece que fala assim, né? Pra poder tirar esses árvores, né? Tira daí. Isso vai ficar difícil para nós, nós que vivemos na floresta. Aí entra uma coisa que a gente pergunta para nós mesmos, o que o governo vai fazer agora? Depois que a gente conseguir demarcar, a gente vai ter uma autonomia administrativa, autogestão. independentemente do governo. Vai passar pra registrar pro povo Terenas no cartório, pra tirar do União, porque a gente não consegue acesso a financiamento, a União não deixa. Se tivesse recurso pra mim ampliar, criar um pouco de cada coisa, seria mesmo, mas não tem crédito. Tem o Pronof, só no papel, né? Agricultor familiar. não tem acesso. Maria tentou entrar, né? Aí fizemos essa correria doida, fazendo documentação, ia pra lá e pra cá. Chegou no banco, não sei se foi por ajeito, não, não aprovou. Aí alegaram que o Banco Mundial, né? Acho que é o Banco Central do Banco do Brasil, que não quer reconhecer. Disse que não trabalha, No sentido da fala é isso. Ele não vai conseguir pagar porque ele não trabalha. Mas se tentou uma vez, experimente. Se o índio não trabalhasse, como ele ia viver? Tem índio inteligente, só que não tem oportunidade lá fora. Pra todo mundo. Pra qualquer cidadão aí que estudou. Tá aí, caçando vaga, tem que fazer... Como é que fala? Tem que fazer processo seletivo, tem que ter concurso público, pra dificultar. Pra quem não tá preparado pra concurso, não passa. Vocês de abrir um edital pra concurso, dá fundo, mas acho que não passou ninguém. Então tem que estudar. É muita coisa isso que eles colocam.
01:15:58 P/1 - Tem mais uma pergunta. Quando vocês pensam, quando vocês eram menorzinho, quando era pequeno, tem algum cheiro que vem na cabeça de vocês, que vocês lembrem com carinho desse cheiro?
01:16:23 R/2- Maria acho que tem, eu tenho também.
01:16:29 P/1 - Pode falar primeiro, Maria.
01:16:32 R/1 - O cheirinho da terra, né? O cheirinho da terra que vem aquele... Aquele gostinho gostoso. Que toca dentro da gente como... Que você vai lá plantar e você vai tirar aquela planta da terra pra você mesmo fazer, cozinhar e comer. Esse é o gostinho que eu sinto da terra. Esse dia que eu tava doente, eu vou contar um pouco desse. Eu tava doente e já passava no médico, né? Aí o médico falou pra mim assim, vocês tem que parar com as coisas da roça. Esse daí é o cheiro de terra que vai matar vocês, falou, né? Aí eu tô só escutando ele aí, escrevendo. Aí eu falei pra ele, doutor, o senhor tá mentindo. Porque se fosse as coisas da roça que vai matar a gente, que a gente planta, a gente mesmo planta e colhe pra gente comer, aquele que não tem veneno, o senhor vem falar pra mim que vai me matar, que é a mandioca. Falei, mandioca aí, a gente, é nossa comida. A mandioca é com carne, a mandioca é com pocheiro, a mandioca faz bolo, a mandioca é frita. Falei, não é não, o senhor tá mentindo. Ele nem tem diabetes, falei pra ele, né? Não vamos medir, tá com diabetes. Ele nem tinha diabetes nada, fez uns exames e tudo, não tinha diabetes. Era só a pressão mesmo. Mas graças a Deus, até hoje, tem um sobrinho que trabalha sempre na fazenda. Ele trouxe pra mim tal de Marcela. Eu acredito que é esse que fez minha pressão tornar de volta de novo. Marcela. E até hoje eu falo pra eles, né? Eles que não saem de fazenda, seus primos, primos de trabalho. Onde você achar tal de Marcela? Você escuta falar que é Marcela. Enche o saco, traz pra mim. Traz pra mim, eu falo pra eles. É uma erva. É uma erva? É muito cheiroso. Pra você tomar. Chazinho dele.
01:18:51 R/2- Tem muito em Rio Grande do Sul.
01:18:55 R/1 - Então é isso daí que eu sinto da terra, né? Antes de você trazer a energia da terra vir pra você, tem que pegar nela, tem que pisar nela, porque se você não pegar e não pisar nela, você não tem energia pra se tocar com a terra, né?
01:19:17 P/1 - É isso. E o senhor sejou um cheiro?
01:19:22 R/2 - É mais das flores, né? Quando vem a época de florada, né? Eu tô vendo que já começou a florada de manga. Eu tô observando que não tá chegando quase a abelha ainda. Eu não sei, já muitas aldeias aqui, as mangas, pé de manga já estão morrendo. E aqui essas pés aí são novas. Eu vejo que há falta dessas abelhas que fazem esse trabalho aí com a natureza. Então o cheiro das flores faz sentido para nós indígenas. Vai ter abundância de frutas e de alimento nesse ano. Então é isso que me faz aqui.
01:20:17 P/1 - E a ligação de vocês com os animais?
R/2 - Tem uns que a gente não pode matar, né? Porque... Principalmente a águia, a urubua, a ema, as cobras. Elas trazem notícias, né? O lobinho, as corujas. Ele nos avisa. A gente sabe o que ele está dizendo. Tem muitos pássaros que avisam quando não está bem. Não vai acontecer coisa ruim. Então é isso. Essa é a importância da ligação da gente com as espécies desses pássaros e animais que estão aí.
P/1 - Tem algum que vocês queiram contar? Que traz alguma notícia?
R/2 - É o louro, né? Louro, periquito. Esse louro, quando ele voa à noite, faz aquela gritaria fora da hora. O papagaio está dizendo que vai morrer uma pessoa adulta. Quando esses periquitinhos voam também de noite, ninguém sabe quem está mexendo com eles. Está dizendo que vai morrer uma criança. Esses são os sinais. É certeza, não tem outro.
P/1 - Quem contou isso pra vocês?
R/2- São as Walborn, os ancestrais. Nossos antepassados. Não tem no papel, mas tá na memória, né? Tudo isso é uma riqueza. Não perder aquilo que é nosso. Ainda não perdemos.
P/1 - E hoje vocês contam pros seus netos?
R/2 - Conta, rodeia, eu faço uma roda de conversa aí. quando eu estava contando para eles a questão de um bicho que come criança. Come gente, não come criança. Isso existiu mesmo na realidade, mas nunca vi no livro essa história. Era um bicho muito grande. Ele tinha um buraco bem no meio da costa, um panelão lá, cheio de coroa. Você já imaginou um panelo lá? Ele jogava, a pessoa lá, os coró comiam. A pessoa viu lá dentro da costa dela. Então, pra gente não escapar desse animal aí, que come gente, tem um capim que dá aquela fruta, né? Como chama aquilo lá? Aquele de semente branca? Rosário, parece que chama. Aí o pai já falou assim, você tem que usar isso aqui, senão o bicho vai comer você. Pega três disso aí e coloca no seu pulso ou no seu gargantil. Então são coisas que a gente usa. Antes de começar eu pedi meu colar para a Maria, mas acho que não escutou, né? Então tudo que a gente carrega no corpo quando a gente sai, é uma proteção. Tudo. Hoje a gente ainda tem esse conhecimento e acredito que só vai morrer se o povo acabar, né? Aí morre tudo. Mas não morre. É de geração pra geração. Só mudamos. Nós somos igual semente, né? Qualquer semente. Alguém planta alguma semente no meio de vocês aí? Três? Com três dias a semente boa germina. E nós também, com o terceiro dia a gente vai ressuscitar. Não vamos morrer não. O nosso espírito está aí. Só silenciamos. Adormecemos.
01:24:19 P/1 - Eu queria que você contasse como é que é a Associação de Mulheres, Mari.
R/1 - Associação das Mulheres? Nós temos uma coordenadora, né? Ela é coordenadora das Mulheres e Associação. Eu acho que ainda nós não conseguimos fazer. E aqui nessa aula quintal, aqui a gente tá pensando em fazer uma associação, né? Ainda tá pensando. Aqui a gente trabalha em grupo. De oito mulheres pra gente mexer com o nosso trabalho, né? No dia de sábado. E... Agora a associação das mulheres... Nós não tem ainda.
01:25:09 P/1 - E, e... Vocês, quando vocês se reúnem, vocês fazem os trabalhos de cestaria?
R/1 - Sim, nós fazemos o trabalho de cestaria, tem quem mexe com crochê, tem que mexe com esse aqui que a gente ensina.
R/2 - Cerâmica.
R/1 - Tem da cerâmica.
R/2 - Colar.
R/1 - Tem que fazer colar, tem que fazer brinco, tem que fazer cocar. A gente junta num lugar só, né? Aí quando a gente junta assim também a nossa panelinha é um só. Cada um contribui um pouquinho pra gente passar aquele dia. Assim que nós trabalha. E agora essa associação das mulheres ainda nós não tem. Mas nós tá pensando, sonhando em fazer ainda, né? Mas um dia vai acontecer.
01:26:00 P/1 - Seu João, e a história de você ser cacique, como é que é? É vice-cacique?
R/2- Uhum. É escolha, né? Não usamos tempo de mandato. É aberto, né? A nossa... A nossa regra é que seja indicado por ancião, né? Quem assume. Aí o próprio cara que foi escolhido, ele escolhe suas diretorias. Vice, presidente do conselho. É que hoje o jovem, quem estudou, ele quer acompanhar a democracia. Tem urna. Eu falo que não. Quando nós viemos pra cá, a gente decidiu. Quando eu falei do objetivo nosso aqui, é manter o nosso jeito. Não tem democracia. Quem disputa na urna, tá disputando cadeira. Está disputando onde vai ter dinheiro. A nossa disputa, não é isso? O nosso modo de criar, a nossa liderança é cuidar desse povo aqui. Se organizar do jeito que eles vivem, que nós vivemos, né? Não imite a democracia porque isso aí vai criar divisão. Você vai ter partido aí, né? Tem o A e B. Então, para nós aqui, o nosso dever como liderança é pensar na igualdade. Todo mundo tem uma vida digna, no mesmo direito, na mesma situação. Quando se fala de associação, a gente fez um curso de associativismo. É meio complicado isso aí. Tem que pagar, tem que prestar conta. Então, CNPJ. Não, eu queria associação porque vai entrar recursos. Aí o Sebrae fez um curso com nós. Como é que paga esse troço então? É anual. Se você sujar seu nome no governo, você nunca mais... Você tem crédito. Então já passamos a ter uma associação. Tinha gado, tinha trator, tinha caminhão. Aí venderam os bens, mas não prestou conta. Hoje estão tentando levantar de novo. Não vai conseguir mais. Já está com ânimo tentando. Então, para mim... Eu criei uma MEI, né? Só para testar. Chegou as pessoas do estado dando curso. Não paga nada para criar. Terminou o curso, fui mirando a indecidade. Fui lá na secretaria. Eu quero criar MEI. Vamos criar. O que você quer fazer? Quero fazer isso. Beleza. Paguei... Naquela época, eu estava com três anos já. Essa pequena empresa aí. Paguei 286 reais para abrir. Hoje eu pago um imposto de 79 por mês. o meu filho vende gás, né, que é autorizado. E por falta de... eu volto a dizer que não tem crédito pra índio. Eu entrei numa cooperativa, se crede agora, tô tentando um recurso pra poder ampliar o meu negócio, né? Começar a vender. Pra poder manter o que eu tô querendo fazer aqui, né?
01:29:49 R/2 - Tô querendo aumentar a minha casa aí, né? E tocar Vender comida, pronto. Marmitex, essas coisas. Churrasco. Então, esse é meu sonho ainda. Ensinar meus filhos a trabalhar para eles mesmos. Não é que não tem dinheiro. Tem dinheiro é que a gente não sabe lidar com dinheiro. A empresa não perde nenhum centavo. Eu sei, eu trabalhei na usina. A gente ganhava por centavo lá o corte de cano. Quinze, dez centavos. por metro. Tinha que dar o duro pra ganhar aí. Mas tinha que trabalhar. Todos precisam de um trabalho. Então é isso.
01:30:40 P/1 - A gente já tá terminando. Só algumas perguntas. Eu queria perguntar, na época da retomada, como é que foi a história do senhor não querer que ela viesse? Por que não queria? Como é que era esse... Esse momento de...
R/2 - Decisão.
01:30:59 P/1 - Essa decisão também.
R/2 - É porque tinha muita criança, né? A gente nunca fez isso, né? Antes de vir pra cá me passaram um vídeo, na FUNAI passou um vídeo do Marco Verão, não sei se você já ouviu falar dessa liderança. Querendo mexer com a minha psicologia. Não, vamos lá. Não vai acontecer isso, não. Lá é diferente em Dourados, né? Vai complicado, eu já fui várias vezes lá visitar os parentes. É mais difícil. Pra nós aqui, né? Por isso que... Eu vou ler pra Maria, deixa esses crianças aí. Fica aí. Que se nós corrermos, nós conseguimos correr. A mãe, acho que não consegue correr igual a mim.
01:31:42 R/1 - Aí quer correr mais forte, né?
R/2 - Deixa eu ir. Então tem risco. Vai de dia, porque saímos dela duas horas da madrugada pra chegar aqui. Chegamos aqui e fizemos uma promessa entre nós. Ajoelhamos. Proteção aí. Quando amanheceu, um punhado veio aqui no caso do gerente. Porque eles estavam vendendo um pedaço novo para construir outra sede. Aqui ele foi pago, aqui ainda não foi pago ainda não. O dono aceitou de receber. Aí, do outro lado também, tá uma briga deles dois fazendeiros com quem comprou e quem recebeu o dinheiro. Mas você comprou de má fé. Você sabia que era território reconhecido. Você entrou porque você quis. Agora você tem que cobrar ele. Que o povo vai morar aqui. Tá aí morando, vivendo a vida.
01:32:43 P/1 - Tava comentando lá de Dourado e a situação é um pouco mais difícil. E aqui, o senhor estava comentando antes da entrevista que a pecuária também, eles consomem a área.
R/2 - Muito.
01:32:59 P/1 - Como é que é essa relação com os fazendeiros?
R/2- Esses dois, né? Eles não gostam de nós, na verdade. Eles começam, porque há duas fazendas que são maiores, né? Vazante e o Caimandre. O resto tudo chacreiro. Esse dia eu fui lá, me convidaram lá para visitar um chacreiro. Eles estão numa situação pior do que nós. Aí comecei a pensar, mas será que estou certo de estar buscando esse território aí? Eles estão até querendo vender o lugar deles, a chácara deles, porque não tem mais financiamento. Estão perdendo o gado. Estão querendo ir para a cidade. Então são velhos que já estão lá. Aí a ficha cai, né? Mas é um direito, né? É o dever do governo entregar o que é nosso. Então é isso. É triste eu chegar em uma casa e ver a situação da pessoa, né? Não é que eu tô tudo bem aqui, entendeu? Aqui ainda passa por um processo de ameaça, né? Com essa emenda de lei aí. Eles querem saber onde que tava um índio em 1988. E quando que os europeus chegaram em 1500 e invadiram o Brasil? O Brasil não foi descoberto. Então a importância do conhecimento, do estudo, é que a gente consegue responder. O que está escrito lá então? Eu estou lendo de cabeça para baixo. Então a liderança tem que se preparar para Fazer essa entrevista, buscar o direito, o dever de cada cidadão. Para que nós queremos o nosso território? Aqui tem erva medicinal, fazendo cura aí com as pessoas. Então, nós queremos o nosso direito que seja feito.
01:35:17 P/1 - Vocês estavam falando da medicina tradicional daqui, das ervas medicinais. O que vocês curam aqui?
R/2 - Câncer de próstata, câncer de útero, depressão, asma, bronquite, atrito hematóide. Esse nós sabemos fazer.
01:35:48 P/1 - Tudo com o conhecimento dos ancestrais.
R/2 - Isso é uma prática que a gente está fazendo. Hoje, a minha luta também é construir uma farmácia caseira. Porque tem muita gente que vem procurando. Só que eu não tenho um lugar assim, apropriado. Que o sistema exige. Para cuidar de saúde, tem que ter um lugar bem... Como é que posso dizer? Com selo, né? Ter cuidado de quem vai cuidar da pessoa. Então o cara tem que entender, né? Tem que estar preparado pra isso. Porque o mestre, que é o pajé, ele não faz remédio. Ele só cuida da parte espiritualidade. Eu... como é que eu posso falar? É o médio dele que vai fazer o remédio. Então, os dois pajé que eu trabalho com ele, que são meus mestres, eu vou lá buscar. Eu quero uma coisa assim, ele faz o trabalho lá. Não, você vai pegar e fazer isso aqui. Eu estou autorizado para fazer. Então, não vou de qualquer jeito também. Porque uma vez que a gente fez uma pessoa que fez remédio caseiro para uma dona, quase matou. Errou. Então tem que ter a medida, como deve ser usado. A gente não vai fazer uma coisa de louco, querer fazer as coisas assim. Então é isso que a gente faz. Examina a pessoa primeiro. Na hora que ele chegou ali, parece que estava com medo, não sei o que ele tem. Então a gente observa a pessoa. A senhora está bem, esse aqui agora... Não sei não, não sei o que ele tem. Não sei se é medo ou alegria de estar aqui. Então é isso.
01:37:45 P/1 - E o que é importante para vocês? Primeiro a Dona Maria.
R/1 - O que é importante? O que eu posso responder agora? O importante pra mim... É... O importante pra mim tá assim, ó. O meu pensamento. Se eu vou tá errada, eu vou tá certa. É o importante que vocês trouxeram uma importância pra mim. Por quê? Porque vocês vieram, né, trazer mais força pra mais. Por que essa força? Porque vocês chegaram pra conhecer mais nós e nós conhecer mais vocês, né? Apesar que a gente nem sabe de onde vocês vêm, como é que vocês chegaram aqui, mas essa importância foi Deus que trouxe vocês aqui. pra vocês levar alguma história, né, de sentimento. Não sei pra onde que vai. E, assim, eu me sinto, assim, reforçada agora. Mais força, coragem pra essa luta onde nós estamos. Porque por causa das crianças, que já são bastante aqui. Então, o que eu tenho de passar, da importância, o meu é esse. Não sei se eu tô certa.
P/1 - Não tem certo e nem errado.
R/1 - Seu João?
R/2- Importante para mim é ter a saúde, ter a terra, ter a alegria para receber pessoas igual vocês que vieram aqui, conhecendo a realidade, esse momento que a gente vivenciou aqui com essa entrevista. Isso é importante, sempre que vem as pessoas para poder divulgar, conhecer a realidade de cada povo. Então isso é importante.
01:40:15 P/1 - Eu queria que você contasse um pouco da... da Caianas.
R/1 - Como é que foi?
R/2 - Caianas?
P/1 - Caianas.
R/2 - Caianas surgiu em 2009. Com o projeto Gat. do governo federal, né? O gato é um projeto que... Já vários projetos que vieram nunca deu certo, né? É porque vem com um pacote pronto de lá pra cá. Puf, toma esse aqui. Faça isso. Aí me chamaram na reunião, na sede cachoeirinha, eu fui lá. Tava o Elias Maia, professor, né? Hoje ele é mestre, biólogo, né? que trabalha com a gente, que está assessorando o Kayanay. Ele estava estudando naquela época. Aí, de tanta desconfiança do índio, de não acreditar que o projeto não vai dar mais certo, eu falei, dê uma chance para esse jovem aqui. Eu nem conhecia o Elias Maia, ele é meu sobrinho, na verdade, só que eu não conhecia. Aí, vamos experimentar ele. Aí falei para o rapaz que estava cuidando do projeto de Campo Grande, a turma do Lili e a Silvana. Lá onde eu moro esse projeto vai estar sendo aplicado lá também. Você mora onde? Falei, eu moro numa área de retomada. Numa área de retomada nós não entra com esse projeto. Beleza. Então tá. Pode caçar aqui no território, aqui na Cachoeirinha? Onde vocês vão montar esse projeto de experimento? Projeto piloto. Aí, porra, né? Caçaram. Aí no outro dia eles vieram aqui. Não vai ter jeito, a gente vai ter que fazer aqui. Olha lá, ele viu. Aí fomos indo, né? Como era Gatti, que era do governo, criou-se a família Cajanás. Primeiro foi criado na família Cajanás. O que significa o Kayanás? São os sábios. Kayá é o crânio, o miolo. Então, a gente conversou bastante para construir. A preocupação do professor, quando acabasse esse projeto gate, o projeto também... Falei, não, enquanto tiver essas crianças, enquanto tiver índio, esse projeto não acaba. Porque se a gente não ensinar a eles, É claro que o projeto vai acabar, mas você como professor que está estudando, você procura qualificar mais gente aqui dentro. Passa a instrução para nós aí que eu vou te passar os conhecimentos tradicionais, como lidar com esse treino. Aí fizemos o projeto aqui. Fizemos o agrofloresta, foram fazendo o projeto para buscar outras plantas frutíferas que vai dar certo, que deu certo. Então criou-se a associação. Primeiro ele foi o coordenador da associação por dois anos.
R/2 - Aí assumiu por três meses para segurar, aí veio o Embrapa para capacitar, o Embrapa Dourado, o Embrapa Curumbá, o Sebrae e outros institutos que veiam a capacitação, da capacitação. Então passou por um processo de qualificação. para entender o que é uma associação, que se não tivesse aí não vai adiantar nada, perdemos o tempo. Então hoje mantemos esse trabalho de ambientalista. Sempre a gente tá aí. A gente tem um curso agora pro Juventude dia 6, desse mês. Acho que é sexta-feira, uma coisa assim. Que estamos ensinando eles com gestão territorial. Capacitando eles. Não é fácil, mas tem que fazer. Mostra onde estão os pontos nossos aqui. Esse é o meu papel. Agora a ciência vem do instituto que vai dar também os seus conhecimentos. Como criar pequenos mapas, qual a importância daquele lugar, onde era o lugar sagrado. Então tudo isso está levando para esse ensinamento aí.
01:44:52 P/1 - Uma das últimas perguntas. Eu vi uma entrevista do senhor que o senhor fala que o conhecimento técnico, a ciência, tem que caminhar com os saberes indígenas.
R/2 - Sim.
01:45:09 P/1 - Eu queria saber o que o senhor queria dizer com isso.
R/2 - Ah, sim. Quando a gente fala da ferramenta, né? Eu sei carpir, eu não sei escrever. Então, não é que eu estou dizendo que esse jovem vai ter que cair para o resto da vida. Hoje nós estamos num mundo mecanizado, né? Tem vários tipos de ferramentas para poder facilitar o trabalho dele. Hoje tem drone para olhar roça, para olhar o mundo aqui, o nosso mundo, o nosso território. Então, ele tem que ir para a faculdade, se preparar lá, para vir, para contribuir com a comunidade, com o seu território. E se ele conseguir uma vaga, ele pode ir pra lá também. Não tem essa que vai ficar preso. O Elias Mato trabalhou acho que um ano lá no Ministério. Ele sofreu muita pressão lá com esse trabalho dele. Ele teve que desistir, né? Ele quase morre de dor de céu. Ele ficou doente. Mas tá aí. Ele voltou pra cá. Falei, nós precisamos muito de você aqui. Precisamos de pessoas que olham pra esse povo aqui. Não vai pensar em si próprio. Porque a nossa luta é essa. Sempre fazendo a nossa história. Com essas duas ferramentas. Tanto tecnologias e os conhecimentos tradicionais. Porque muitos estudantes que são novos, que estão na faculdade e não são indígenas, não conhecem a realidade indígena. Nunca vieram à aldeia. Pensa que o índio vai comer ele, pensa que o índio anda pelado, não. Aquele dia que vieram aqui, nem lembro de onde que eram, umas pessoas falaram, ó, seu cincuidão jovem pra cá, ele nem vem com medo de você, não é bicho. Somos seres humanos aí. Então são coisas que a gente tem que ensinar de dois lados.
01:47:18 P/1 - E o que é o Pantanal para vocês?
R/2 - O Pantanal é uma caixa d'água, né? Onde tem vida. Só que essa última viagem que a gente fez lá, a gente viu muitas coisas que já sumiram. As garças mesmo, não. Tem muito pouco já. Tem passas morrendo aí. Eu não sei por que estão morrendo, não sei se estão comendo veneno. Então, os tuiuiu mesmo estão morrendo. Eu não sei o que está acontecendo. Deve ser alguma coisa que eles comem de errado ainda. Mas tem que comer porque estão com fome. Então, para mim, o Pantanal é vida porque são lugares de muitas coisas que ainda seguram o equilíbrio do meio ambiente.
01:48:20 P/1 - Eu pergunto para você, mas pode responder os dois juntos. Quem quiser primeiro. Qual é a importância dos conhecimentos indígenas para a gente manter a vida no mundo?
R/2 - Para manter a vida no mundo?
01:48:42 P/1 - Para manter... A gente está vivendo um mundo que está... Tudo está se destruindo.
R/2 - Sim.
01:48:52 P/1 - Como que os conhecimentos indígenas fazem esse mundo se manter vivo?
01:49:01 R/2 - Acho que os territórios indígenas devem ser demarcados e reconstruídos de novo. Plantar florestas, não só florestas, plantar essas árvores frutíferas. Então, esse é o primeiro lugar Se não tiver água, não tem alimento. Se não tiver planta, não tem alimento. Se não tiver terra, não tem vida. Vai virar deserto. Não sei se consegui responder, mas é isso que eu penso.
01:49:39 P/1 - Como que foi pra você... Não, antes da pergunta final, a penúltima. Queria saber, primeiro, pra Dona Maria. Se tem alguma história que eu não perguntei que você queria contar. História.
R/1 - Que eu queria contar?
P/1 - Da sua vida.
R/1 - Da minha vida, eu acho que eu contei, né?
R/2 - Tudo pouco. Tem segredo nenhum.
R/1 - Acho que eu já contei, sim, um pouquinho. O que tinha de... tava guardado comigo, né? Então, era isso.
01:50:29 P/1 - Você é o João?
R/2- Uhum. Eu não contei da... da questão de mãe d'água, né? Quando a gente olhou aí no... A primeira coisa que eu vim aqui, quando eu cheguei, é correr onde que tem mina aqui, né? Pra mim ficar lá. Aí eu falei, pessoal, eu não vou ficar com você, eu vou ficar lá naquela mata, lá onde tem água. Porque os caras não vão te dar água aqui, não. Tudo bem, eu fui lá, né? Aí eu perguntei pro pajé o que que eu podia fazer lá naquele lugar. Ela não vai entrar naquela mina, ela não tem dono. Lá tem uma cobra muito grande. E se você mexer com ele, ele vai embora daí. Vai acabar de secar de uma vez essa mina aí. Ele não gosta disso, disso daqui, tá bom. Aí nós comecemos a colocar um cano lá pra cair água lá em cima. Pra nós tomar banho, pra pegar água pra tomar. Tá aí, até hoje. Só que a gente respeita, né? Só uma vez que eu fui lá, que o Xamã me mandou lá, né, pegar um capim. pra fazer a pintura corporal, né? Que eles fazem o trabalho na Semana Santa, na quinta-feira da Semana Santa, tinha que estar recolhendo esses materiais que eles precisam. Aí fui lá, não pedi autorização, mas tinha que pedir. Aí depois de almoço fomos lá preparar o lugar. Não conseguimos fazer nada, deu aquele temporal, não teve alívio. Não realizamos nossas rezas. Fui errado lá. Esse capim chama-se rabo de égua. São esses que os xamãs usam pra fazer a sua reza, né? Pintar o corpo, né? Pintura corporal. Não é genipapo, não. Não é urucum. Só de cinza. Então é isso. Esse aqui eu não contei pra você, né? Como que ela... Não dá pra entrar lá. Sozinha não dá pra ir lá. Tem aqui de maloca.
R/1 - Muito grande a sobra que tem. Um dia eu duvidei, lá na mina, onde nós estávamos florestando. E fui lá sozinha, meio dia, e falei, vou ver se eu... assim, eu ouvi alguma coisa. Aí, chegando lá, eu ouvi aquela... Ah, deu uma cobrando restirada, olhando o sol. Aí, eu passei devagar, meu Deus do céu. Passei pra trás, assim, devagarzinho, né? Andando por detrás, ó. Aí, quando eu cheguei, ele chegou, eu falei pra ele assim, olha lá, tem baixa de uma cobra. Ele falou, o que você foi fazer lá? Falei, aí eu fui lá pegar água, ele tá mentindo, que ia pegar água, eu fui lá ver só, né? E aí era a mãe d'água que estava lá, amarelona, pintada de preto.
R/2- O Oropi chama em Terena. O Oropi. Mãe d'água.
01:53:48 P/1 - E como que foi para vocês contar um pouco da história de vocês hoje?
R/2- Muito legal, né? de vocês ouvirem, conhecerem a história nossa. Que nunca... É muito difícil vir pessoas e fazer essas perguntas, fazer entrevista. Porque... Aquele que eu falei, né? Eles têm medo de chegar aqui, né? Parece que a gente tem um animal pra eles. Mas é diferente, né? Eu repito dizer que o nosso agradecimento fica que a nossa espiritualidade sempre vai estar mantendo seus trabalhos e visitando mais comunidades para poder reconstruir aquilo que perdemos, o nosso paraíso. Estamos felizes da vinda de vocês aqui. Esperamos que voltem. Ainda tem muita história pra contar. Não acabou não.
R/1 - Aí quando vocês voltarem, vocês avisam, a gente já prepara o nosso almoço.
R/2 - Juntar as gurizadas aí, fazer a dança, comida típica aí.
R/1 - Eu espero, fico muito agradecida também. Ela igual falou, nunca ninguém vem ouvir pessoalmente a história do nosso, da comunidade. O que a comunidade passa. Eu agradeço muito a Deus. Deus dá mais saúde pra vocês, inteligência no trabalho. Aí na hora que você for sair, eu vou dar uma cestinha pra deixar no museu lá de lembrança. contar também uma história que desse a história do meu prévio fogo que fala né que eu entrei nesse grupo fizeram até um foto meu de cinza de queimada queimada e tá aí né e esse aí vai ficar como de lembrança pra segurizar porque nós não Nós já estamos quase, nós não sabemos o que será de nós amanhã, depois, né? Já deixamos tudo preparado para os nossos filhos. E eu agradeço muito, gostei muito. Meio... como é que a gente fala? É falando minha história, não sei se foi certo, né? E agradeço muito vocês que vieram conhecer pessoalmente a gente. Muito obrigada por tudo. Que Deus abençoe cada um de nós.
01:56:52 P/1 - Então, em nome do Museu da Pessoa.
R/1 - Em meu nome, em nome do Saulo.
01:56:57 P/1 - Da Thaís, a gente agradece muito vocês por poderem dividir um pouco da história de vocês com a gente.
R/2 - Eu que agradeço.
01:57:08 P/1 - Só uma coisa. Vocês querem assinar o... Depois que a gente conta, a gente precisa assinar uma licença, que é pra permitir que vocês... Tá bom. Primeiro a Dona Maria, depois o Sr. João. Falando assim, eu permito... Eu, Maria da Alva, permito que minha história entre no Museu da Pessoa. Pode falar.
R/1 - Em primeiro lugar, eu me chamo Dona Maria da Alva de Souza. Eu permito, sim, que a nossa história entre no museu, porque vai ser muito importante para nós, como moradores da comunidade Aldeia Cachoeirinha Indígena Mãe Terra.
R/2 - Eu, João Leôncio, do Povo Terena, autorizo que a nossa história entre no museu.
01:58:11 P/1 - Certinho! Muito obrigada!
[Fim da Entrevista]
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