Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Maria de Lourdes Pereira
Entrevistada por Eliene Chaves e Jainy Feitosa
Serra Pelada, 12 de agosto de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV011
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Maria de Lourdes Pereira, 09/11/67.
P/1 - Te contaram como foi o seu nascimento?
R - Sim.
P/1 - E como foi o dia do seu nascimento?
R - Nasci às 04 horas da manhã, nasci sem voz, com o tempo é que eu fui acordar.
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Não.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - Ana Maria da Conceição.
P/1 - Como você descreveria ela?
R - Ana Maria da Conceição.
P/1 - Como você descreveria ela? Como ela era, assim?
R - O jeito dela? O tipo dela?
P/1 - Isso.
R - Era branca, baixa e bonita!
R - Tá certo. Qual o nome do seu pai?
R - Simplício Alves Pereira.
P/1 - Como você descreveria ele?
R - Moreno, baixo, careca e bonito também.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Sim.
P/1 - Como foi que eles se conheceram?
R - Em uma festa.
P/1 - Em uma festa?
R - Em uma festa.
P/1 - Como era essa festa? Não te contaram como era, não?
R - Não.
P/1 - O que os seus pais faziam?
R - Meus pais... Minha mãe trabalhava em casa e o meu pai trabalhava de lavrador.
P/1 - Tem algum parente, tio, etc., que você gostava muito?
R - Tinha.
P/1 - Quem era?
R - Minha tia Maria.
P/1 - E por que?
R - Porque ela era boa pra mim.
P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família?
R - Os costumes da minha família eram trabalhar.
P/1 - O que você sabe sobre a origem da sua família?
R - A origem da minha família que eu sei,essa parte aí eu não sei não.
P/1 - Você conhece a história dos seus avós?
R - Não.
P/1 - Você gostava de música?
R - Sim.
P/1 - Quais eram as músicas que você gostava?
R - Genival Santos, Bartô Galeno.
P/1 - Você gostava de ouvir histórias?
R -...
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Entrevista de Maria de Lourdes Pereira
Entrevistada por Eliene Chaves e Jainy Feitosa
Serra Pelada, 12 de agosto de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV011
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Maria de Lourdes Pereira, 09/11/67.
P/1 - Te contaram como foi o seu nascimento?
R - Sim.
P/1 - E como foi o dia do seu nascimento?
R - Nasci às 04 horas da manhã, nasci sem voz, com o tempo é que eu fui acordar.
P/1 - Você sabe como escolheram o seu nome?
R - Não.
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - Ana Maria da Conceição.
P/1 - Como você descreveria ela?
R - Ana Maria da Conceição.
P/1 - Como você descreveria ela? Como ela era, assim?
R - O jeito dela? O tipo dela?
P/1 - Isso.
R - Era branca, baixa e bonita!
R - Tá certo. Qual o nome do seu pai?
R - Simplício Alves Pereira.
P/1 - Como você descreveria ele?
R - Moreno, baixo, careca e bonito também.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Sim.
P/1 - Como foi que eles se conheceram?
R - Em uma festa.
P/1 - Em uma festa?
R - Em uma festa.
P/1 - Como era essa festa? Não te contaram como era, não?
R - Não.
P/1 - O que os seus pais faziam?
R - Meus pais... Minha mãe trabalhava em casa e o meu pai trabalhava de lavrador.
P/1 - Tem algum parente, tio, etc., que você gostava muito?
R - Tinha.
P/1 - Quem era?
R - Minha tia Maria.
P/1 - E por que?
R - Porque ela era boa pra mim.
P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família?
R - Os costumes da minha família eram trabalhar.
P/1 - O que você sabe sobre a origem da sua família?
R - A origem da minha família que eu sei,essa parte aí eu não sei não.
P/1 - Você conhece a história dos seus avós?
R - Não.
P/1 - Você gostava de música?
R - Sim.
P/1 - Quais eram as músicas que você gostava?
R - Genival Santos, Bartô Galeno.
P/1 - Você gostava de ouvir histórias?
R - Não.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho.
P/1 - Quantos são?
R - Nós éramos em 16, morreram três, ficaram 13.
P/1 - Qual o nome deles?
R - Mais velho é Gonzaga, o segundo, era uma mulher, Helena, o terceiro, Thomaz, o quarto, João, o quinto, Antônio, o sexto, Valdecir, o nono, eu, Maria de Lourdes, aí vem Antônia Maria, Osmarina, Ana Lúcia, Asmiro e Joel, só.
P/1 - Como era a relação de vocês?
R - Unidos.
P/1 - Você lembra da casa onde passou sua infância?
R - Sim.
P/1 - Como era?
R - No sertão.
P/1 - Você tem alguma lembrança de como era?
R - A única lembrança que eu tinha lá, era que eu tinha que carregar água bem de longe, em umas ancoretas, em um jumento. O jumento caía, eu morria de ódio, tinha que bater muito nesse jumento pra ele levantar, quando eu chegava em casa eu ia só um veneno.
P/1 - Vocês assistiam TV?
R - Não.
P/1 - E o bairro e a cidade, como eram?
R - Lá era interior, município de Piripiri.
P/1 - Quais eram suas brincadeiras favoritas?
R - Brincar de cirandinha, bombaquim.
P/1 - Você tinha muitos amigos?
R - Tinha uma meia dúzia.
P/3 - Na época seus pais eram liberais para deixar você e seus irmãos brincarem?
R - Eram, nessa parte eles liberavam a gente.
P/3 - A mãe não se importava tanto?
R - Não, também não.
P/1 - Você saia muito com seus pais quando era criança?
R - Não.
P/1 - Tem alguma comida da infância que te marcou?
R - Tinha.
P/1 - Qual era essa comida?
R - Preferida, era arroz com feijão misturado.
P/1 - Tinha mais alguma coisa, alguma comida? O que mais gostava de fazer quando era criança?
R - Era ir para a roça capinar mato até umas horas.
P/2 - Dona Lourinha, qual tipo de trabalho sua família fazia? Seus pais?
R - Mexia com roça.
P/3 - Mas assim, senhora ajudava?
R - Sim.
P/1 - Ele plantava alguma coisa nessa roça?
R - Plantava.
P/1 - O que era que ele plantava?
R - Macaxeira, arroz, milho, feijão, melancia, abóbora, era o que aparecesse.
P/1 - O que você queria ser quando crescesse?
R - Cantora.
P/1 - E você gosta de cantar?
R - Se achar oportunidade, eu entro.
P/1 - Qual música você gosta de cantar?
R - Eduardo Costa.
P/1 - Você estudou?
R - Pouco.
P/1 - Qual foi a primeira lembrança que você teve da escola?
R - Primeira lembrança, era que minha professora nos deixava na sala pra fazer uma viagem e não aparecia.
P/1 - Por que ela fazia isso?
R - Porque era no interior e ela tinha a mãe dela pra cuidar, a mãe dela morava em uma cidade. Aí ela era meio doidinha, quando ela dava uma doida, ela dizia: “Vocês ficam aí que eu vou já viajar”. E adeus, passava uma semana lá pra dentro da cidade.
P/1 - E o que vocês faziam quando estavam trancados dentro da sala de aula?
R - Oxente, nós íamos lá e arrebentava a porta.
P/2 - Dona Lorena e antigamente, quando vocês iam para a escola, quais eram os seus meios de transporte?
R - Nós não tínhamos, era a pé mesmo, no pezão.
P/2 - E era longe?
R - Era bem distante.
P/1 - Quais foram as pessoas mais marcantes da sua vida escolar?
R - Da vida escolar era uma mulher, que nós brigávamos todos os dias.
P/1 - Você se lembra dessa mulher?
R - Eu lembro.
P/1 - Como é que ela era?
R - Feia, amarela, cabelo ruim.
P/1 - Você teve algum professor, amizade marcante?
R - Não.
P/1 - Você tinha ou tem alguma matéria de preferência?
R - A minha, era fazer desenho.
P/1 - O que você gostava de desenhar?
R - Flor, era só o que eu sabia fazer, era flor.
P/1 - Conta pra gente uma história que te marcou nas escolas em que passou?
R - Uma história que marcou, rapaz. Essa história que marcou, era só essa mulher, ela procurava briga e nós começava na sala e íamos terminar nas estradas.
P/1 - Seus pais te levavam para a escola?
R - Não, nós íamos todo mundo junto, os irmãos sozinhos mesmo.
P/1 - A sua escola era muito longe?
R - Não era perto não, era bem distante.
P/3 - Por que tinha essa rivalidade com essa colega de escola?
R - Porque ela era despeitada, era muito feia. E ela achava que a gente não podia sorrir, que ela achava que a gente estava sorrindo era dela. E aí era onde começava a guerra, né?
P/3 - Você e ela chegaram realmente a brigar?
R - Era briga feia, briga de se emendar mesmo pelos cabelos.
P/1 - Depois da escola, os pais, quando acontecia isso, os pais, eles entravam pra…
P/1 - A gente chegava em casa e contava para os pais. Aí como o meu pai, ele era muito, assim, ele não gostava muito de confusão e nem a minha mãe, eles diziam que iam deixar passar essa parte e depois iam tomar novas providências. Aí falavam com a professora, a professora falava que isso aí era coisa de criança mesmo e não tinha como os adultos se atreverem no meio. Aí ficava por isso mesmo.
P/1 - Depois de terminar a escola, você tinha alguma ideia do que queria seguir de profissão?
R - De profissão?
P/1 - Sim.
R - Lá era muito ruim pra gente decidir o que a gente queria, porque morávamos na roça, era tudo, né, sem ideias, assim, morando no interior era difícil.
P/3 - Os seus pais criaram toda família, praticamente, na roça?
R - Sim.
P/3 - E conta como era o dia a dia de vocês, assim, com os seus pais. De vocês, os seus irmãos com os seus pais.
R - No momento era muito difícil, porque a gente não tinha condição. E aí chegava às vezes de se juntar todo mundo para ir pra roça, aí ali acontecia uma grande guerra, porque uns queriam ir, outros não queriam. Eu às vezes ia, o meu pai falava: “Bora, tem que ir todo mundo! Cada um pega uma enxada e tem que ir pra roça”. Eu dizia logo: “E quem não for, vai ficar ajudando a mãe em casa”. E eu preferia ficar em casa lavando minhas vasilhas mesmo, do que ir para a roça, que eu era ruim de roça.
P/3 - Mas seus irmãos o acompanhavam?
R - É, os meus irmãos iam tudinho, mal daquele que não fosse junto.
P/3 - Seus irmãos chegaram a estudar?
R - Tinha vez que tinha que trocar os horários, alguns iam de manhã, aí trocava com outros para irem na parte da tarde. Porque como o meu pai não tinha condição, tinha que ser dividida a família, os filhos.
P/1 - Quando e como você começou a sair sozinha ou com amigos?
R - Eu tinha uma data de uns 13 anos.
P/1 - E o que vocês faziam?
R - Nós saíamos, nós íamos para os banhos, nós íamos para as festas, nós íamos…
P/1 - E como eram as festas?
R - As festas eram muito boas, olha, muito bom! Eu ia e ficava lá até a madrugadinha, depois a gente voltava pra casa.
P/1 - Seus pais não se preocupavam, não? Quando vocês chegavam de madrugada?
R - Não. Nós chegávamos no horário que ele dava, se não chegasse naquele horário ali, a taca comia.
P/3 - Você e as meninas iam sempre acompanhadas dos irmãos?
R - Era, dos mais velhos. Não liberavam para irmos só, não.
P/1 - O que você gostava de fazer para se divertir na adolescência?
R - Gostava de fazer para se divertir? Era ir nas matinês que eles faziam lá, naquele interior. Vai ter uma brincadeira? Nós estamos dentro.
P/3 - Quais eram os tipos de músicas que aquela época era tocada, assim, nas festas?
R - Era forró, era carimbó, eram poucas músicas, de reggae assim, essas coisas, a gente não gostava, mais mesmo era forró.
P/3 - Você tem alguma lembrança de alguma música, assim, que tocava naquela época e que os jovens e adolescentes gostavam de dançar?
R - Era o Vieira, era lambada, tinha umas lambadas lá, eu esqueci do nome.
P/2 - Dona Lourinha, e suas amizades desde daquela época de adolescente, que vocês andavam, vocês ainda se falam hoje em dia, ou vocês têm comunicação?
R - Não, tenho não. As nossas companheiras assim, que a gente poderia hoje ter lembranças delas assim, cresceram, casaram, cada uma foi pro seu canto e a gente ficou sem conversar.
P/3 - Você tem saudade desse período de adolescente, da juventude?
R - Eu tenho, e muito! Se hoje fosse para voltar para aquele tempo era melhor, não era?.
P/1 - Alguma coisa mudou quando você chegou na adolescência?
R - Mudou muito.
P/1 - O que mudou?
R - Eu tive que sair do sertão, de onde meus pais moravam, para vir para cidade, caçar serviço diferente, né, porque a gente quando vai começando a se entender por gente, não quer mais viver na roça.
P/1 - Quais são as lembranças mais marcantes da sua adolescência?
R - Eu saía lá de casa para ir para a casa do meu irmão, em outro interior.
P/1 - E por que a senhora gostava de ir para lá?
R - Porque minha cunhada gostava, meu irmão. Aí tinham vezes que eu chegava, não gostava muito de casa, assim, zoada demais de menino, aí eu preferia ir para casa do meu irmão.
P/1 - E o que vocês faziam lá na casa do seu irmão?
R - Diz ai: “Quebrar coco”. Quebrar coco, minha filha.
P/3 - Como foi a sua visão de morar na roça e chegar na cidade, o que mudou, qual sua percepção sobre essa mudança de local?
R - Da roça pra cidade tem uma grande diferença, era melhor, era mais movimentado, aí a gente trabalhava, eu trabalhava durante o dia, na casa de alguém, arrumava emprego, né, para não viver blefada o tempo todo. Até chegar assim, uma vez que tinha uma pessoa, que a gente trabalhava na casa, que gostava muito da gente, né, a dona da casa. Ai eu saia de lá, ia embora, eu me zangava, nós brigávamos, eu e minha patroa. Ela queria dar uma de doida e eu pior. Ai eu: “Pronto, eu vou sair daqui e vou embora, eu não vou ficar mais aqui não”. Quando dava dois, três dias que eu chegava lá em casa, aí o pai dizia: “Lá vem ela, sua patroa acolá”. Aí ela vinha fazer o quê? Ela chegava me adulando: “Oh, minha filha, eu vim te buscar para levar lá pra casa, que eu gosto de tu”. Eu dizia: “Menina, eu não gosto de quem gosta de mim não. Eu não vou mais não”. Zangada! Eu não falava mansa não, eu sou muito boa, mas na hora, eu zangada, sai até de baixo. Aí ela pegava e ia embora. Ela me prometia um monte de coisa, assim, pensando que eu era um boneco, né? Eu falava: “Não, não vou mais não”. Aí o papai vinha e dizia: “Minha filha, vai! A mulher te gosta”. Eu dizia: ‘Pai, fique na sua, eu não vou fazer seu gosto dessa vez não”. E eu não ia não, porque ela era muito da zangada.
P/3 - Esse período que sua patroa ia buscar você lá, qual o motivo principal que você não retornava pro serviço dela?
R - Porque eu areava as vasilhas dela bem areada, e aí ela passava o dedo, ai se ela achasse que tinha um grudinho, tinha que voltar para lavar tudo de novo. E não era pouca não, era muita. E aí, diziam que todas que entravam na casa dela para fazer o trabalho, diziam que ela brigava, discutia. As mulheres saiam todas zangadas. Só que ela dizia para mim que ela não ia atrás, como ela ia atrás de mim. Ela dizia: “Bichinha, eu te gosto”. Eu falei: “Pois você vai ficar gostando, porque eu não quero mais a senhora não”. Porque ela se aproveitava da ocasião da gente não ter condição, e queria sempre fazer da gente escravo. E aí a gente não conhecia muito como fazer, a única coisa que a gente tinha que fazer era largar o serviço e sair fora.
P/2 - Dona Lourinha, a sua patroa te ajudava muito assim?
R - Não. Ela era mulher de um vereador, ela viajava muito. Ela entregava a casa e saia fora. No dia que ela passava dentro de casa era para nós brigar, né, que é o bom da história.
P/1 - Quando ela viajava, a senhora sabia o que ela ia fazer?
R - Não. Não participava para mim.
P/1 - Quando começou a trabalhar? E qual foi seu primeiro trabalho?
R - Era trabalhar nas casas.
P/2 - E a senhora tinha quantos anos naquela época, quando começou a trabalhar?
R - Eu já ia pra quatorze, porque eu saí de dentro da casa dos meus pais para a cidade eu tinha uns treze anos. Aí eu tinha que trabalhar para comprar minhas coisas que eu precisava.
P/1 - Você se lembra do seu primeiro dia de trabalho?
R - Não.
P/1 - Como você se sentiu no seu primeiro dia de trabalho?
R - Bom.
P/3 - Nos primeiros trabalhos que você teve, qual foi a melhor sensação de sair da casa dos pais e agora ter um serviço, começar a ter um dinheiro, vida própria. Qual era a sensação?
R - A sensação era muito boa, porque a partir da hora que você passa a trabalhar, que você tem seu dinheiro pra se manter, ali muda a história. Você já sabe que é muito bom.
P/2 - Ter aquela independência.
R - É.
P/2 - Querer uma coisa e poder comprar.
R - É, levar a vida inteira com os pais só pedindo. E aí, às vezes, nem toda vida ele tinha condição de estar ajudando ali, dando o que a gente queria.
P/2 - É porque naquele tempo vocês tinham muitos irmãos, né?
R - É, a família era grande dentro de casa.
P/1 - O que você fazia com o dinheiro que ganhava?
R - Comprava roupa, calçado.
P/1 - Você se lembra o que fez com seu primeiro salário?
R - Meu primeiro salário eu comprava coisas para a casa, comprava presente para minha mãe, porque eu sempre gostei de ajudar ela.
P/2 - E assim, Dona Lourinha, naquele tempo, como a senhora era adolescente, tinha um dinheirinho ali, é tão bom quando a gente tem aquele dinheirinho, chega o dia das mães né, porque a gente queria dar alguma coisa pra ela, um presente, né?
R – É nessas horas a gente lembra que precisa trabalhar, pra ter seu dinheiro, pra no dia que chegar o aniversário do pai ou da mãe, de alguém da família, uma amiga, a gente ter condição de comprar.
P/2 - A senhora fez faculdade?
R - Não.
P/2 - Mas por que?
R - Porque não deu certo.
P/2 - Quais foram os momentos mais marcantes desse período?
R - Na minha infância não teve muito essas coisas, não.
P/2 - Qual foi a primeira pessoa da geração da sua família a ter faculdade? Alguma pessoa da sua família teve a oportunidade de fazer um curso ou faculdade?
R - Teve não.
P/3 - Mesmo sem ter a oportunidade de ter se formado, algum dos seus irmãos conseguiu, de alguma forma, prosperar?
R - Só teve uma, a mais velha. Ela estudou, ela queria aprender. Ela não era muito de estar em casa, o problema dela era estudar. Ai logo ela também casou, aí mudou de cidade, ela veio embora pro Maranhão. Então hoje ela vive lá.
P/3 - E ela está bem?
R - Tá, ela vive bem. A única pessoa que não vive bem é o esposo dela. Ele veio a operar, já está com duas vezes nesse período que ele está operado. Operou, quando foi logo, logo, foi marcado outra operação pra ele.
P/2 - Dona Lourinha, em que cidade vocês moravam? Você, sua família, seus pais.
R - Como eu falei, nós morávamos em Lagoinha, que era o nome do interior. Aí, quando eu vim para cá para Serra Pelada, eles ainda ficaram lá. Só que com o tempo eles mudaram pra cidade, sabe? Hoje eles moram dentro de Piripiri.
P/2 - E a senhora se mudou para cá por que? Pra Serra Pelada?
R - Porque foi um rapaz lá e me carregou para Serra Pelada.
P/3 - Como foi, assim, o que você estava fazendo, quando decidiu vir para cá? Conta, assim, para a gente em maiores detalhes.
R - Nessa tarde, que eu conheci o rapaz, que ele me carregou para vir para cá, eu estava encostada em um bar. E esse rapaz, a gente não se conhecia, ele era de lá e morava aqui na Serra. E ele foi para lá visitar a família dele. Eu nem sei dizer como aconteceu, porque a gente não se conhecia. Aí quando ele me conheceu, logo ele já estava no outro dia vindo para cá, para a Serra. Aí disse que ia me fazer um convite, se eu tinha coragem de vir com ele para cá, eu digo: “Ora não”. Ele disse: “Você vai mesmo então? Como é que a gente faz? Eu quero ir”. A gente vai falar com meus pais, para poder a gente ir. E eu achava que eles iam dizer um não. Aí eles: “Não, ela quem decide, se ela quiser ir, ela quem sabe”. Aí eu falo: “Rapaz, eu já estou é com a mala pronta”. E quando foi no outro dia a gente partiu para cá, pra Serra.
P/2 - Dona Lourinha, e como foi a viagem? Vocês vieram de ônibus ou de trem?
R - Viemos de trem. Viemos de trem até Marabá.
P/2 - E qual foi a sua sensação, assim, você já tinha viajado? Ou foi sua primeira viagem?
R - Não, essa era a primeira viagem que eu estava fazendo, me separando dos meus pais.
P/2 - E qual foi a sua sensação? O que você sentiu?
R - Muito bom não, a gente largar a família assim, para sair para o meio do mundo para um lugar que a gente não conhece.
P/2 - E quantos anos a senhora tinha?
R - Naquela época tinha 19.
P/2 - E esse rapaz, esse moço que veio com a senhora?
R - 46 anos. Tinha a idade de ser meu avô.
P/3 - Maria de Lourdes, quando você deixou seu local de origem, no Piripiri, no estado do Piauí e veio para Serra Pelada, qual era sua expectativa, assim, o que você imaginava para sua vida com essa mudança de local?
R - Carlinho, na época, a gente com pouca esperança, sem saber como começar a vida, indo para um lugar onde a gente não conhecia, mas o rapaz que vinha me trazendo, ele trabalhava cortando cabelo, ele dizia para mim que não precisava ficar pensando que ele vinha através de ouro, essas coisas, porque o trabalho dele era cortar cabelo, cabeleireiro. Mas eu podia ter certeza que ali, a partir daquela hora que ele estava me trazendo da casa dos meus pais para cá, ia mudar a história. E o tempo foi passando e eu engravidei de um filho, e aí eu abortei. Logo com o tempo, sai gestante de outro, que hoje ele tem 35 anos, vai fazer 36. E o pai dele só falando: “Mulher, vai melhorar as coisas, não adianta desanimar, porque as coisas vão mudar”. Só que não mudava nunca, era só para pior, porque muda para melhor quando você sabe que vai ter as coisas. E o estilo dele era só esse. Chamava ele para ir em uma loja comprar um móvel, ele: “Não, agora não tem dinheiro, mas na hora que sair o dinheiro, nós vamos”. Só que não chegava esse dia. Ai como eu era sem experiência, engravidei de outro, dele. E o tempo foi passando, com 4 anos que a gente estava junto, eu muito nova, quando a gente é nova a gente não pensa, a gente pensa depois de idade. E aí eu estava vendo por ali que estava muito ruim de conviver a gente junto, porque ele não queria caçar outro serviço. O serviço dele é que eu achava eu ia me encher de filho e a história toda vida era aquela ali. E aí, foi onde eu decidi largar ele. Larguei ele, aí fiz uma proposta para ele, para ele me dar meus meninos que eu ia embora para o Piauí, que eu ia trabalhar com meus pais e criar eles. E ele disse que não, porque ele não ia aceitar os filhos chamar outro peão de pai. E eu não ia viver debaixo dos pés dele por causa dos filhos. Nós decidíamos, ou ele ficava, ou me dava. E foi onde ele falou que não me dava os meninos. E ele carregava uma paixão muito grande e eu falei: “Pois você vai ficar com os meninos e a paixão, porque eu tô caindo fora”. Ai, eu sai fora de casa, deixei tudo, eu não fiz questão por nada do que tinha dentro de casa, eu não quis, porque eu estava deixando os meninos e eu não ia fazer conta das coisas. E aí, quando eu pedia pra ir ver os meninos, ele falava que não aceitava, ele não aceitava os meninos nem me chamar de mãe. Quando os meninos perguntavam pela mãe, ele dizia que a mãe deles tinha morrido, porque ele não aceitava a separação. E um dia chegou um rapaz em mim e disse assim: “Ei, o pai dos seus filhos tá pra morrer, ele vai morrer. Ele está dando ataque de coração e nele é só paixão. E se ele morrer você quem vai pagar o pato”. E eu muito ignorante nessas horas, não aceitei ele falar assim, porque nós éramos os primeiros que estavam se separando, já tinha mais reparação. Aí eu falei: “Rapaz eu não tenho nada a ver não, se ele morrer o problema é só dele”. “Ele tá mal”, eu digo: “Pois o problema é só dele. E se você achar ruim, você morra lá junto com ele e vão tudo em um buraco só”. Ainda falei assim pro velho. E o diabo do velho até morreu. O velho era caçador de conversa. E aí, com o tempo ele pegou os meninos e foi para Parauapeba. Primeiro ele foi pra Cotia, lá é o lugar do Carlinho, sabe? E foi embora pra cotia, com os meninos, tirando os meninos sempre de perto de mim, pra eu não ver eles. E aí, eu também não fazia muita confusão, porque ele tinha problema de pressão. Eu tinha medo dele dar um ataque. Eu sabia que não era eu, porque nem na porta não passava, pra não caçar conversa com ele. Mas o pessoal ia falar, né, que se eu passava na porta eu caçava conversa com ele, era bom fazendo pouco, aí também eu evitava. Nunca gostei de passar onde ele morava, perto assim não. Tinha muita falta, saudade dos meus filhos, de ver eles. Eu chorava, mas ali eu sabia que um dia eles iam crescer e iam vir atrás de mim, porque sabiam que eu não merecia viver longe deles. E aí é onde chega na história, porque teve uma assembleia muito grande aqui e veio um rapaz trazer eles pra me ver. Um menino tinha 11 anos e outro tinha 12. E aí, nessa época eu já morava com o pai desses outros que eu tenho hoje. E aí como ele mexia no bar, eu estava na cozinha lá, que a casa era separada do bar. E ele chegou lá me chamando no portão, o pai do meu ex, que eu morava com ele. Chamando que tinha umas pessoas querendo me ver, ele nem falava quem era porque ele era muito grosso também: “Tem um pessoal querendo te ver lá no boteco. Chama boteco, não era bar. Quando eu subi, que eu os vi, eu fui no outro mundo e voltei. Sabendo que ali estava chegando aquele momento que eu estava vendo eles que eu nunca tinha visto. Aí o rapaz: “Aí ó, trouxe seus filhos pra você ver, porque o pai deles recusava de você ver eles, dizendo que você tinha morrido”. Falei “Morri não, meus filhos, eu estou vivinha aqui, mais viva do que nunca". Porque toda vida eu fui desse jeito, nunca mudei. E aí eu mandei abrir um refrigerante, botei na mesa pra eles e eles calados, todos quietos, olhavam pra mim só riam assim. Acho que com medo do homem que eu morava, porque existia a informação era que ele era meio cruel. Mas acima disso tudo, eu nunca ia aceitar ninguém fazer nada com eles. E também ele não chegava nesse ponto de atacar não, ele podia não gostar, mas também não atacava. Eles vieram, me viram e foram embora, passamos muitos dias sem se ver de novo, depois eu procurei lá em Parauapebas e me encontrei com eles. E dali pra frente nós ficamos juntos.
P/2 - Dona Lourinha e atualmente, hoje em dia, seus filhos moram aonde?
R - Eles moram em Parauapebas.
P/2 - E a senhora vai visitar eles?
R - Direto não, mas uma vez na vida vou lá ver eles. Mas eles vinham aqui me ver.
P/3 - Como era Serra Pelada quando a senhora chegou aqui naquele período, o movimento de pessoas, de garimpo, como era tudo pra você? Qual foi o seu impacto sobre a sua chegada aqui, sua visão sobre tudo?
R - Muito estranho, porque quando a gente mora em um lugar, que vai reconhecer outro lugar, outra cidade, a gente acha estranho, porque quando a gente… na minha chegada aqui, os barracos, as casas, não eram assim não. A gente não via casa construída, a gente via os barracos todos cobertos de lona, as paredes todas de lona. E ali era muito estranho pra gente, pra quem morava mesmo, porque lá por onde a gente mora, no sertão, a gente não faz, também, de tábua, é de barro, as paredinhas. Então a gente acha muito estranho quando a gente chega em um local assim. Muita gente, muito peão, os bichinhos tudo bonito, com as tanguinhas, com as touquinhas na cabeça carregando os saquinhos no ombro. Naquela época, de 86 até 89, era tudo assim. Era bom e ruim, porque eram poucas mulheres e muitos peões. E quando eu passava nas ruas, assim, na estrada com o meu esposo, aí os peãozinhos todos novinhos, tudo doido por mulher, falavam, dando psiu. Aí o meu esposo zangava, porque eles diziam: “Ei meu sogro, eu vou casar com a sua filha”. Ele dizia: “Aqui não é minha filha, não, aqui é a minha esposa!”. Muito zangado, viu. Na época os peões faziam era caçar conversa e se você fosse se envolver, você apanhava, porque não era um que vinha pra cima, não, vinham eram muitos. Era meio triste aquele momento ali, que a gente se achava.
P/2 - Dona Lourinha, o que mais chamou sua atenção na vinda de Serra Pelada?
R - O que chamou atenção? Era acompanhado o meu esposo, que era daqui, morava aqui. Ele não tinha como ir embora mais, pra lá, já estava acostumado aqui na Serra Pelada. Aí só restava eu me acostumar também, pra viver a vida aqui com ele, né?
P/2 - Mas a família dele morava aqui também?
R - Não, a família dele mora toda lá em Piripiri.
P/1 - Você se lembra da primeira dificuldade quando a senhora chegou aqui em Serra Pelada? Qual foi a primeira dificuldade que a senhora enfrentou?
R - Era barraco para morar, porque um mês, uns dias você passava em um, no outro mês você tinha que mudar com os cacarecos, carregar os cacarecos na cabeça e mudar para outro, porque a gente não tinha casa certa para morar, era alugada. Aí sempre que começava a dizer que ia mudar Serra Pelada, ia melhorar, aí chegava o dono e pedia a casa. E foi aí onde eu achei mais ruim, falava: “Será que eu vou morrer andando com essas bacias na cabeça cheia de vasilha, rapaz? Pois eu não vou viver essa vida, não, vou caçar outra vida melhor pra mim!”. Porque não é fácil você acompanhar um homem, nova, levando aquele tempo com a pessoa, sabendo que vamos… que a gente não está saindo pra passar uns dias, a gente está saindo para viver o resto da vida. Só que não deu.
P/3 - O seu relacionamento, esse primeiro, ao findar esse relacionamento, como foi a sua vida depois de ter terminado essa primeira relação com a pessoa que lhe trouxe para Serra Pelada?
R - Rapaz, não foi muito fácil, não. Só que a gente no momento, não é fácil, mas a gente passa por cima e vai em frente, né?
P/2 - E como foi que a senhora conheceu o seu marido, seu esposo?
R - O primeiro ou o segundo? Porque é o Enoque é o pai dos meus primeiros filhos.
P/2 - O segundo.
R - O segundo, eu passei um ano sozinha, e aí me encontrei com ele. Ele trabalhava em um hotel, ele era garçom do hotel e lá a gente começou a se conhecer e logo a gente foi morar juntos. Aí com um tempo apareceu o primeiro filho, que foi a dona Regina. A gente se juntou em… a gente passou a morar juntos em 92, em 93 eu já tinha a Regina. Aí depois veio a dona Regiane em 95, aí veio um que morreu, não resistiu, aí veio a dona Regivania em 98, aí tive outro que morreu também, por motivo de socorro no hospital de Curionópolis, aí veio o seu Regis em 2002. Em 2004 veio o seu Reginaldo, que o bichinho hoje não quer ser conhecido por Reginaldo, é Naldinho, ele disse: “Ah, se pudesse mudar o registro, mãe, eu ia mudar”. Eu disse: “Você não vai mudar não, seu nome é Reginaldo”. Porque ele disse que não acha bonito Reginaldo, eu disse: “Mas não fui eu que escolhi não, foi o seu pai”. Aí o pessoal me procura, “Por que o pai deles escolheu botar o nome deles tudo de um jeito só? A primeira letra, tudo com R”. E o primeiro também botou os de lá, tudo com R. Aí é onde chega a história que eu não sei falar, não sei responder, só eles podem responder, né? Porque é Regina, Regiane, Regiane, Regis e Reginaldo. Aí quando passou um tempo, a gente chegou mesmo se conhecer direito, ele com os meninos lá no Parauapebas, aí lá é Rubens e Rui, “Oh, diabo. Por que vocês botaram os nomes desses meninos tudo assim com R?”. Eu disse: “Aí é uma grande coincidência que nem eu sei explicar”. Porque aí foi o pai deles que escolheu os nomes para botar neles, podia ser Manoel, Antônio, Chico, né? Mas não chegou a esse ponto não, é tudo com R mesmo.
P/3 - Já esse seu segundo relacionamento foi mais tranquilo? Foi uma vida mais feliz?
R - Esse daí que era mais duro, que o velho era valente. O velho começou, ele não tinha muito… eu acho que ele não estudou, era analfabeto, porque às vezes a gente é analfabeto, mas conhece a história mais um pouco. E ele não. E foi a noite que a gente teve a Regina, a Regina era a primeira filha dele, ela começou a caminhar, crescer e ele começou… Ela não podia subir pro bar, que ele cobrava, ele tinha ciúmes. Se chegasse no boteco, tinha um menino assim sentado como esse menino aqui, Felipe, ele aqui, se chegasse pra jogar sinuca e ela chegasse, sentasse assim, “Desce lá pra baixo, lugar de mulher é lá na cozinha!”. A bichinha descia chorando, sabia de nada. Descia chorando, chegava lá eu dizia: “Já veio? O que foi que aconteceu?”, “Ah, o pai fez vergonha, mandou descer lá no meio dos meninos”. Falei: “Minha filha, isso é assim mesmo, é da vida. Passa por cima, a gente não pode enfrentar o pai. E também é porque ele gosta muito de você e se sente que o boteco tá cheio de homem, né, de peão, aí tem que sair fora mesmo”. “Ah, mas eu não estava fazendo nada, estava sentada lá”. Eu disse: “Mas é assim mesmo”. Porque se eu dissesse: “Não, ele tá errado”, eu estaria dando cobertura pra ela. E não pode. É onde a gente não pode ficar debatendo. Ele tinha uns momentos muito bons, ele tinha os momentos bons dele. Ele era, assim, divido, tinha parte ruim e tinha boa. Quando ele estava zangado mesmo, porque a raiva mesmo dele, é porque ele era muito apaixonado pelo Curió. E aí, os peões ia beber, começava a se embebedar, começava a falar mal do Curió e ele não aceitava. Ele tinha os cacetinhos de jucá desse tamanho, ele tirava já a proposta. Botava já debaixo do balcão: “Aqui, se o filha da puta vier encher meu saco com negócio do Curió, falar do Curió, eu meto a ripa mesmo”. E ali eu já ficava com muito medo de acontecer o pior, o cara matar ele, ou ele matar alguém e eu ficar com as meninas sem pai. Porque tudo isso a gente já espera, quando a pessoa é cangaceiro, bravo. Porque ele não levava desaforo pra casa, ele era bravo. Uma vez, eu lembro que eu deixei ele no boteco com um peão, jogando sinuca lá e desci pra baixo pra dormir, que era separado. Estava dormindo com as meninas lá, quando eu dei fé ele chorando, eu disse: “O que foi meu irmão? O que aconteceu?” Ele disse que o outro rapaz lá tinha puxado uma faca pra ele, porque tinha jogado sinuca a noite toda, bebido e não tinha pago. Porque era dali que a gente tirava o sustento. E não tinha pago ele, o peão tinha dito que ia matar ele. E ele caçando uma arma, eu disse: “Pronto, já, já se pega com o peão”. E o peão foi na casa dele e se armou com uma peixeira. E ele pegou uma espingarda velha que nem prestava. Na época era só pra caçar conversa. Quando eu dei fé, eles estavam querendo se matar lá em cima, em um depósito de água. E eu: “Mas Zé, vem pra casa, o que você está fazendo?”. E ele: “Mulher, fique aí, cuide das meninas. Se eu morrer não tem nada não”. Eu disse: “Mas é muito engraçado mesmo, você que fez seus filhos, você vai é cuidar, negócio de morrer? Tudo enquanto se a gente for brigar não dá certo, caçar conversa, você tem que evitar”. E ele: “Mas não tem como! O peão me deixou a noite todinha acordado, com sono, foi jogar sinuca e agora vem me dizer que não tem dinheiro pra pagar”. E esse peão, ainda hoje, eu não sei se ele conseguiu vender. Ele tinha um barraco bem ali encostado à cooperativa. E o peão era muito... Tinha cara de mal, o bicho era encrenqueiro, caçador de conversa. Mas graças a Deus que ele morreu, mas não foi preciso ser morto, foi por doença. Ele não deu conta de viver até o final.
P/1 - E a senhora falou aí em Curió, quem era o Curió?
R - Curió era o presidente da cooperativa, foi presidente, foi prefeito de Curionópolis.
P/1 - Você falou também que ele tinha morrido de doença. Qual era a doença? A senhora sabe me dizer qual é?
R - Ele deu infarto. Porque ele tinha asma. E dos remédios que ele passou a tomar, eu acho que passou a atacar o coração dele. Que quando ele passou mal, eu não podia largar as meninas em casa sozinha pra sair. Aí ele falou que estava muito mal, eu falei: “Pois tem que levar pra Curionópolis”. Porque aqui não tinha como socorrer. Ele disse que eu ia levar ele, mas ele não ia vir mais caminhando, ia vir no caixão. Falei: “Rapaz deixa de história. Eu vou te internar lá, vou deixar alguém cuidando de você e venho aqui, aí eu volto”. Aí arrumei uma pessoa pra ficar com as meninas, eu tô arrumando pra voltar lá pro hospital, pra cuidar dele. Aí eu ia viajar no outro dia de manhã cedo. E aí chegou um rapaz lá no bar e disse pra mim… Eu já estava muito descabelada porque em tudo a gente tem que ter um pouco de experiência, do tempo que a gente vai vivendo, vai passando tempo, né. E o rapaz chegou e se encostou assim e perguntou: “E aí, cadê o Zé Lopes?”. Eu falei: “Rapaz, O Zé Lopes está internado no hospital de Curionópolis”. Mas meu coração dizendo que ele tinha vindo falar outra história, não era aquilo ali que ele tinha vindo saber, se ele tinha… né? Ele não tinha costume de encostar lá no bar. Eu disse: “Seu Xinguara, o que foi que aconteceu?”. Aí ele disse assim: “Eu sinto muito te dizer, mas o Zé Lopes morreu. O Zé da Padaria tá trazendo ele já ali no caixão”. Ali foi a maior tristeza que a gente sentiu na vida, sabe. Porque as meninas eram pequenas e eram muito apegadas a ele. E a gente pegou e… aí ali eu já fechei o… Eu já ia abrir o bar, eu fechei de novo, tirei a sinuca do meio, aí desci lá em casa e avisei para as meninas. Eu não aguentei, comecei a chorar, aí falei para as meninas: “Infelizmente o recado que eu vou dar pra vocês não é bom, mas vocês vão se arrumando pra fazer o velório do pai de vocês, que vocês perderam o pai de vocês”. E aí, a gente só foi limpar o ponto, pra fazer o velório e avisar o povo. E aí foi um momento que foi muito triste pra nossa vida, a partir daí. Porque era tão triste pra mim, saber que eu tinha ficado com aqueles meninos ali e ia trabalhar um bocado para cuidar deles. Porque o pai deles não tinha família aqui e nem eu tinha minha família aqui junto, pra me ajudar. A partir daquela hora seria eu mesma, pra trabalhar, cuidar deles, dar o que eu tinha de melhor pra eles, pra eu não ver eles sofrendo. E aí a gente foi passando o tempo, elas custaram a se acostumar, como era tudo pequeno, né. A Regina tinha 13 anos, essa não morava conosco, ela já morava em Parauapeba, já estava com esse rapaz aí. Aí eles vieram pro velório dele. Cada hora daquele dia doía muito meu coração, porque a Regina não viu, não participou de nada. E ela carregava muito remorso, de ele ter morrido e ela não ter visto ele mais. Mas com o tempo que vai passando a gente vai levando, né?
P/3 - Você, nessa segunda vez, novamente pela segunda vez, você teve que refazer a sua vida.
R - Com certeza.
P/3 - Como foi pra você esse desafio de perder o esposo e ficar com os filhos?
R - Eu não sei quanto tempo levou, se foram seis meses, se foram cinco meses. Eu sei que eu não deixei passar, chegar a um ano. Porque eu me senti só, com os meninos pequenos. O meu Reginaldo tinha três anos, meu Régis tinha seis, a outra tinha onze, a outra tinha doze. Então era tudo pequeno e eu não tinha como, eu ficava pensando, parada no tempo pensando como eu ia fazer para terminar de criar aqueles meninos se ele não tinha deixado nada, para eu cuidar deles, criar eles, uma casa boa. Nosso barraco que nós morávamos era barraco de garimpeiro de cem pião, e estes pião foram embora e só ficou ele, pai dos meninos para cuidar do barraco. E a gente morava, e quando chovia, o barraco gotejava, dava uma chuva. Eu tinha que andar com os colchões ou com a rede debaixo do braço caçando um local para botar as redes deles para eles dormirem, para eles não se molharem, não gotejar em cima deles, porque eu via falar que quando deixava se molhar assim, era perigoso se estuporar e morrer, e era uma coisa que eu não queria para eles, e então esse sofrimento foi grande. E chegou um rapaz lá que fazia parte do terreiro, que era sócio, com muita condição eles, eles tinham condição até demais da conta, e eles chegaram a um ponto de me perguntar: “Dona Maria de Lourdes, nós queremos lhe ajudar, com o que você quer que a gente ajudar você?”. No meu ponto de vista era ele me dar uma casa para eu morar, um barraco, eu não me interessava numa casa construída, um barraco mesmo de tábua, bem feitinho, dividido, porque rapaz quando tá crescendo, mocinha, eles querem ter seu lugar pra ficar ali quietinho. E ele me prometeu “Dona Maria de Lourdes, eu vou lá em Rondônia”, porque eles são de lá, “Vou falar com meus sócios lá, meus companheiros, logo mais volto para cá para nós fazer esse barraco pros seus filhos”. E até hoje, se eu tivesse sentada desse jeito, eu ainda estava esperando esse povo porque eles nunca me apareceram para fazer esse barraco. E aí, foi aonde a gente chegou a um ponto que não dava mais pra viver a vida só com aqueles meninos. Como eu ia fazer? Porque eu não ia sair pedindo nada para os outros, eu não tinha como trabalhar largando eles para trás porque era tudo pequeno. E aí foi onde eu conheci outro rapaz, que quando eu conheci o outro eu falei pra ele, eu digo: “Ai Ceará, eu vou falar para você a minha história, porque não adianta eu lhe enganar aqui na terra e lá no céu...”. Ele até achava graça quando eu dizia: “Se eu subir, eu vou ter que pagar os pecados se eu mentir pra você. Mas eu tenho cinco filhos, e destes cinco filhos eu não largo eles por nada. Eu só quero homem se quiser eles, se não for pra não querer eles, eu não aceito”. Aí foi onde ele chegou ao ponto de dizer: “Não, pode deixar os meninos aí que a gente vai cuidar deles”. Principalmente os dois pequenos, mesmo porque, esses eram os que precisavam de amor de mãe e de pai. E a gente foi conviver juntos. Convivemos juntos dezesseis anos, que quando foi com dezesseis anos, Deus levou. Só deixou muitas saudades porque ele criou os meninos, ele não batia como padrasto, porque o pessoal fala que padrasto é ruim, mas nem todos, porque ele não foi ruim para os meus filhos. A única coisa que ele queria para os meus filhos era só o bem deles, era ajudar. Quando um dia um errava ele: “Eu boto o menino de castigo?” “Pode! Você está criando, você quem tá dando a roupa, o calçado, o comer, você pode… Só não quero que bata pro povo não dizer: “Aí só porque não é pai está batendo”. Porque também nem o pai mesmo não pode fazer isso com os filhos. Porque a gente se cria filho é dando conselho, botando de castigo para aprender alguma coisa. O Reginaldo chora, sente saudade dele, ele falou que a morte do pai dele, fez ele se chegar mais o povo, saber que o orgulho tem que acabar. O que vale é o amor, a gente tem amor para as pessoas. Ele diz que ele ficou na história para ele porque ele não conhecia, quando o pai dele verdadeiro morreu ele não sabia, não conhecia a história não conhecia ele muito. Mas ele disse que esse daí ele conheceu, que é uma dor muito grande que ele sente.
P/3 - Como era seu último esposo, como pessoa?
R - Ele, como uma pessoa, como amigo, marido, para mim, como meu marido foi uma ótima pessoa, sabe? Ele não gostava que ninguém falasse mal de mim. Ele não aceitava eu ficar sem comer, se eu dissesse assim: “Hoje eu não quero comer não, não vou dormir… não quero comer”. “Não pode, você tem que comer alguma coisa”. Ele era muito preocupado comigo, se eu saísse para os lugares ele ficava preocupado num pé e noutro sem saber o que tinha acontecido. Ele foi uma ótima pessoa na minha vida.
P/2 - Dona Lourinha, como foi ser mãe? O que a maternidade representou na sua vida?
R - Minha filha, para a gente que tem, que tem uma grande responsabilidade, a maternidade é uma coisa muito séria. Que hoje, não é só ter um filho e largar aí por conta não. Você tem que saber que você tem que dar amor, carinho, cuidar dele, você tem que fazer o que você pode por ele.
P/2 - Como era seu dia a dia, com seu marido?
R - Meu dia a dia, no início foi muito corrido, porque ele era, no início era bom e era ruim, porque a gente começou ele era sadio, ele trabalhava ele era motorista, era muito trabalhador, disposto. Mas quando chegou 2010 ele teve um derrame, e este derrame levou ele, acabou com ele. Dali para frente ele passou três meses deitado numa cama, prostrado lá sem poder levantar pra nada, eu que ajudava ele, banhar, dar de comer, dia e noite no remédio. Quando acabava o remédio, a gente já estava comprando outro. Esse rapaz aí ele me ajudou muito nesse momento que eu estava, que eu vivia. Ele morava em Parauapebas quando eu dava fé, ele chegava aqui com a garrafada para ele, porque eles se gostavam muito, eram muito amigos, eles conversavam muito. E ali a partir daquela hora que a gente via ele naquele, naquela posição ali, a gente não achava certo, nós tínhamos que levantar ele, porque em cima Deus, mas na terra a gente, porque a gente tem que correr atrás. E ele agradecia muito, cada dia que ele falava ele chorava, porque a partir da hora que ele deu o derrame ele ficou muito emocionado. Se ele fosse dar uma entrevista assim ele chorava, porque ele via o tamanho do sofrimento da gente, do meu, porque eu falava pra ele: “Ó Ceará, se você me ajudar eu lhe ajudo também. Só quero que você se levante dessa cama para você caminhar, para você não ficar a vida inteira desse jeito”. Porque quando a gente passa a viver daquele jeito ali é triste, né?
P/2 - É.
R - E aí eu me lembro que uma vez ele deu derrame, ele ficou desse jeito e aí ele estava achando que não dava conta de andar, e eu fui, o pessoal: “Muié, procura um rapaz da Colosso para tu pedir um carro, uma cadeira de rodas para ele”, falei: “Não, eu não gosto de pedir nada para ninguém não”. Aí, como ele era muito amigo da baixinha do Fogoió, ali no comercial Matias e ele vivia por lá, aí um dia eu pedi para ele. É onde você fica perdido, é na hora que você vai pedir. Pedi pro Adonei uma cadeira, se ele podia me dar uma cadeira, porque ele podia me dar, né? Ele tinha condição. Porque eu estava com meu esposo daquela maneira ali e era pesado para a gente andar com ele, e ele mandou eu ir lá na cooperativa fazer um ofício e levar lá para o escritório dele no Açaizal. E eu fui lá, deixei, fui na cooperativa, fiz o ofício, e fui no escritório dele lá no Açaizal, só que a mulher que trabalhava com ele lá, ela não pensava nas pessoas, no sofrimento dos outros, acho que ela pensava nela. Ela engavetou o ofício e nunca entregou os papéis para ele, e essa cadeira nunca chegou em nós. Quando ele ganhou para prefeito, que eu cheguei nele e eu falei, ele disse que estava era besta de saber de uma coisa dessa, de saber que eu tinha ido lá deixar o papel e ela não passou para ele. Porque ele disse que tinha muita gente que ia lá deixar, e quando ela não gostava das pessoas, ela dava fim nos papéis. Mas ela vai, se ela fez tudo isso ela vai pagar muito caro né, porque aqui nessa terra a gente está para ajudar uns aos outros.
P/1 - E vocês faziam alguma coisa juntos, você e seu marido? Saíam para algum lugar?
R - Saía.
P/1 - Para onde vocês saíam?
R - Nós tínhamos uma terra lá no Sereno, a gente ia junto. A gente ia para Curionópolis. Ele não sabia ir, se ele fosse sem eu, para ele, ele disse que não valia a viagem, ele disse que só valia a pena quando eu estava junto com ele.
P/3 - O que mais você sente falta? Depois da partida dele.
R - Sinto falta da presença dele, dele estar sentado aqui, no dia a dia, à noite. Nunca saía do lado da gente, não era pessoa de deixar a gente em casa e sair pros lugares. Ali a gente saía e deixava ele porque eu tinha que trabalhar, mas a gente chegava ele estava ali. Aí eu chegava às vezes e ele estava triste porque ele não gostava de estar só, e eu: “E aí seu Ceará, quem foi que veio aqui me procurar?”, ele dava um sorriso: “Não veio ninguém, aqui só você mesmo”. “E os meninos?”, ele: “Os meninos saíram”, aí eu falei: “Já banhou? Já comeu? Já merendou?”, e ele dava, sempre ele fazia só sorrir né, porque ele não gostava de mexer na cozinha assim sem a gente, sem meu. Eu tinha que tá ali para merenda dele, fazer o café dele. Depois que ele partiu ficou muito difícil pra gente.
P/3 - Aqui no garimpo, nesse período que você tá aqui em Serra Pelada, você fez muitas amizades?
R - Sim, muita amizade. Até achava que não, mas um dia eu senti que, morreu uma mulher aqui, e aí eu fui lá no hospital, no postinho. Quando cheguei lá, estava aquele movimento de gente entrando pra ver quem era a mulher, e o pessoal já chorando lá fora dizendo: “É a Lourdes, a Lourinha que morreu”, e a mulher dizia: “Não, não fala uma coisa dessa, não pode ter sido a Lourinha, não. Deus me livre”. Aí quando eu cheguei assim que elas ficaram tudo me abraçando e chorando e dizendo: “Mas mulher, pois não estavam dizendo que lá dentro era tu que estava morta, pois tu tá é aqui”, eu digo, pois eu já sei que o povo gosta de mim mesmo, porque neste momento é onde você vê que você tem amiga. E a minha amizade aqui é grande porque eu tenho quarenta anos de Serra Pelada, e até hoje a única coisa que eu fiz na minha vida foi amizade, porque eu faço é dever essa amizade, porque nos momentos mais difíceis da minha vida, eu tenho muita gente pra me ajudar, tudo do meu lado.
P/3 - O que projetar agora pro futuro depois de tantas experiências que você viveu aqui dentro da comunidade? Quais são os seus sonhos ainda, os seus propósitos?
R - Meu sonho Carlinhos, é terminar de construir uma casa que foi começada, que eu tenho muita fé em Deus que eu vou terminar ela logo, porque pra isso eu tô lutando. Eu podia perder a cabeça, fazer besteira, pensar em outras coisas, mas não, eu tenho um filho que ainda mora comigo, nem só ele, mas todos ainda precisam muito de mim, e eu penso muito em terminar essa casa. Quase todo dia eu fico pensando, que essa casa aí ele dizia direto que ele ia morrer, mas ele queria deixar eu e os filhos dele dentro de uma casa boa, construída. E tudo que a gente fazia juntos era pra botar nessa casa pra terminar ela. Mas não chegou ele fazer parte de terminar, então é uma coisa, um sonho que eu quero fazer na minha vida, é terminar ela. Com a fé de Deus e das pessoas na terra, eu vou terminar ela.
P/1 - Vai dar certo! O que você faz hoje? Dona Lourinha, hoje em dia, qual a sua rotina? Seu dia a dia? O que a senhora faz?
R - Minha amiga, minha rotina hoje, de manhã pra meio dia, é em casa cuidando das coisas e fazendo almoço. Aí a partir da uma e quinze eu parto ali, tenho que fazer uma partida ali pra um colégio, colégio do estado. Agradeço muito a Deus, por Deus ter me ajudado, dado essa oportunidade de eu estar lá hoje sabe, que é de lá que eu tô tirando o sustento e algum pouco pra ajudar na casa que eu tô construindo. E agradeço este rapaz aí que foi ele que me ajudou a conseguir este emprego, porque se não fosse ele eu também não estava lá porque lá tem muito concorrente, quatro, cinco pessoas pedindo pra entrar nesse emprego e não foi possível eles entrar. E eu nem pensava mais que eu ia chegar lá, porque a gente fez uma inscrição, e tinha passado o tempo e eu não tinha sido chamada e eu achava que eu não ia conseguir, não tinha conseguido. Só que com o tempo eu tô aqui, ele aí, e aí chegou uma amiga nossa e disse assim, ligou pra mim e disse: “Ei irmã, lá no Trinta, lá em Curionópolis, tão te procurando”, eu falei: “Mas pra que?”. A gente fica até assustado com medo de ser até a polícia, porque a gente não sabe de nada, mas falei “Mas o que foi que aconteceu?” disse: “Tu foi chamada pra trabalhar no colégio do estado lá em Curionópolis”. Aí eu quase não entro em assunto, botei ele pra ir em frente né, aí ele foi, passou a conversar, aí eu disse: “Rapaz, eu não vou pra Curionópolis, não”. Aí fui ali no colégio do estado, conversei com o diretor, Seu Osório, agradeço muito ele, ele é um grande amigo, ele mandou me chamar lá, eu fui, eu conversei com ele, ele disse: “Dona Maria de Lourdes, você foi chamada pra trabalhar lá no colégio de Curionópolis, você vai ter que escolher, decidir ir para lá”. Eu falei: “Seu Osório, tô decidida, porque o que eu tenho que decidir, eu decido logo, eu não deixo pra depois nem boto arrodeio. Eu não vou não, pra lá não. Meu lugar é aqui, vivi minha vida inteira aqui. E meu esposo não vive bem, nós estamos construindo uma casa, nós temos tudo pra arrumar aqui. Nós não vamos pra lá não”. Aí ele disse: “E agora?”. Eu disse: “Eu quero que você me ajude. Eu faço esse pedido pro senhor me ajudar a me trazer pra cá, porque aqui não está precisando de alguém?”. Ele disse: “Tá”. “Então você me ajude nessa parte, porque…”. Aí ele disse que foi em Curionópolis, falou com o rapaz lá, com diretor do colégio lá e o rapaz mandando me chamar pra ir pra lá. E ele falou: “Rapaz, ela vai ficar comigo lá, eu vou levar ela pro nosso colégio, porque lá está precisando de alguém pra trabalhar também. E ela mora lá, a família dela é dela é de lá, e ela não vai vir trabalhar aqui todo dia. Ela não tem condição de todo dia ir e voltar”. Aí eu falei pra ele… Aí ele mandou me chamar, eu falei: “Seu Osório, por favor, se é para ir pra lá, nem arruma pra mim ir para lá que eu não vou não”. Só que passou um tempo, já tinha até esquecido de novo, porque essas coisas a gente esquece. Aí o rapaz: “Tá vindo telefone pra você, pra você ir em Parauapeba”. Falei: “Agora o negócio vai!”. Quando eu cheguei lá o rapaz que trabalha lá disse: “É, você tá sendo chamada pra trabalhar lá no colégio de Curionópolis, mas você é uma mulher de sorte”. Eu disse: “Ave Maria, eu nasci já com sorte, irmão. Como é mesmo a história?”. Ele disse: “Porque você foi escolhida para trabalhar em Curionópolis, e hoje você vai trabalhar lá no colégio do estado de Serra Pelada. O amigo Osório ligou aqui e fez um pedido, que quer você com ele, trabalhando lá. E aí você vai trabalhar lá. Aqui resta você assinar o contrato pra começar o serviço lá”. E aí foi onde começou, porque eu fui lá, tinha que fazer exames, os exames particulares. Fiz. Fui lá, aí cheguei, disse que eu tinha que vir embora pra cá. Ainda não falou nada. Eu fiz só os exames, mandou fazer, aí paguei, tirei do meu bolso, aquilo que eu não tinha, fiz um esforço grande pra pagar esses exames pra nada. Aí cheguei aqui botei a boroca, parti pro colégio, cheguei lá, disse: “Seu Osório, e agora? Agora quero saber do senhor, porque eu já fui lá e já fiz os exames. E agora, como é que vai ficar?”. Ele disse: “Vai ficar que você vai vir trabalhar aqui, com as meninas aí ó. Só que você vai ter que ir lá de novo”. Eu disse: “Ave Maria, você vai pagar minha viagem? Porque eu não tenho dinheiro pra ficar indo pra lá e pra cá não”. Aí ele disse: “Menina, você é a sogra do Carlinho, vocês têm dinheiro guardado”. Eu falei: “Pronto…”. Aí ele disse: “Quarta-feira você já vai lá assinar o contrato, na hora que você chegar, se você chegar cedo, você já vai vim pegar o serviço”. Aí fui lá em Parauapeba, assinei o contrato. Quando eu cheguei, fui lá no colégio, falar com ele, Seu Osório. Aí ele falou: “Pois então você já pode começar a trabalhar, pegar o serviço, com as suas companheiras”. Aí eu vim aqui e voltei pra lá e comecei o serviço. E estou até hoje. E agradeço muito a Deus, por estar lá, trabalhando, porque é de lá que eu vou terminar minha casa. Porque eu preciso muito, terminar ela.
P/1 - Quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R - Pra mim, importante é minha família, meus filhos, minhas filhas, meus genros, que moram com elas. E terminar minha casa, que é meu sonho.
P/1 - Gostaria de acrescentar algo a mais, contar mais alguma história que não pôde contar durante a entrevista?
R - Não.
P/1 - Como foi contar sua história?
R - Foi bom, bem divertido aqui com vocês, olhando pra tua cara.
P/1 - Muito aprendizado para um dia só, né dona Lourdes? Bem, pois gostaria de encerrar a entrevista?
R - Sim.
P/1 - Gostaria de agradecer a senhora muito, por ter topado a participar, ter tirado esse tempinho pra estar aqui com a gente e estar aqui também. Muito Obrigada, Dona Lourinha.
R - De nada, obrigada a vocês todos.
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