Projeto Conte Sua História
Entrevistada Ingo Plöger
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 25 de abril de 2025.
Código da entrevista: PCSH_HV1451
Revisado por Nataniel Torres
P - Ingo, só para identificação, me fala qual é o seu nome completo, que cidade você nasceu e que dia que foi, por favor.
R - Tá bem, meu nome é Ingo Plöger. Nasci no dia 11 de outubro de 1949, na cidade de São Paulo.
P - E você nasceu em que hospital, em que bairro, como é que foi?
R - Eu nasci na mais Paulista das Avenidas, na Avenida Paulista, na Maternidade São Paulo. E... Sempre estive, na minha infância, perto desta região. Então, meus pais mudaram dos jardins para a Alameda Itú, que fica lá perto, e ali tive toda a minha infância até chegar depois na juventude. Estudava lá perto também, no Colégio Visconde de Porto Seguro. Então, o meu bairro era ao redor da Paulista e, na época, sem edifícios.
P - Ah, eram só casas?
R - Eram casas, eram casas muito grandes. E era na época, na memória paulistana, a Avenida Paulista era larga e havia bondes na Avenida Paulista. E eu tenho as minhas primeiras memórias de que, com os meus pais, a gente passeava na Paulista. E aí tinham os famosos pipoqueiros, que a gente, como criança, ficava vidrado em cima disso. E as pessoas faziam seus passeios de casa em casa. Eram grandes casas, algumas delas ainda existem, poucas, e que mostram um pouco o que era a São Paulo de então. A Paulista praticamente se criou com a riqueza cafeeira e industrial. O que, na época de São Paulo de então, era praticamente a região próxima do Pacaembu e que depois foi vindo para o sul, e a Paulista era depois a Avenida das Avenidas.
P - Ingo, me conta mais um pouquinho sobre a Paulista nessa época em que vocês passeavam. Você lembra de algum dia especial andando por ali na sua infância, adolescência?
R - O que fascinava a gente era, na época, cada rapaz, cada menino são os carros que vinham da época, os próprios...
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Entrevistada Ingo Plöger
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 25 de abril de 2025.
Código da entrevista: PCSH_HV1451
Revisado por Nataniel Torres
P - Ingo, só para identificação, me fala qual é o seu nome completo, que cidade você nasceu e que dia que foi, por favor.
R - Tá bem, meu nome é Ingo Plöger. Nasci no dia 11 de outubro de 1949, na cidade de São Paulo.
P - E você nasceu em que hospital, em que bairro, como é que foi?
R - Eu nasci na mais Paulista das Avenidas, na Avenida Paulista, na Maternidade São Paulo. E... Sempre estive, na minha infância, perto desta região. Então, meus pais mudaram dos jardins para a Alameda Itú, que fica lá perto, e ali tive toda a minha infância até chegar depois na juventude. Estudava lá perto também, no Colégio Visconde de Porto Seguro. Então, o meu bairro era ao redor da Paulista e, na época, sem edifícios.
P - Ah, eram só casas?
R - Eram casas, eram casas muito grandes. E era na época, na memória paulistana, a Avenida Paulista era larga e havia bondes na Avenida Paulista. E eu tenho as minhas primeiras memórias de que, com os meus pais, a gente passeava na Paulista. E aí tinham os famosos pipoqueiros, que a gente, como criança, ficava vidrado em cima disso. E as pessoas faziam seus passeios de casa em casa. Eram grandes casas, algumas delas ainda existem, poucas, e que mostram um pouco o que era a São Paulo de então. A Paulista praticamente se criou com a riqueza cafeeira e industrial. O que, na época de São Paulo de então, era praticamente a região próxima do Pacaembu e que depois foi vindo para o sul, e a Paulista era depois a Avenida das Avenidas.
P - Ingo, me conta mais um pouquinho sobre a Paulista nessa época em que vocês passeavam. Você lembra de algum dia especial andando por ali na sua infância, adolescência?
R - O que fascinava a gente era, na época, cada rapaz, cada menino são os carros que vinham da época, os próprios bondes e as histórias que a gente acabava ouvindo. Os meus avós eram imigrantes alemães que vieram aqui ao Brasil em 1890, eram três irmãos, e que o meu avô chegou a morar também na Paulista, numa casa. Então, a gente ia até lá e aí a minha mãe e o meu pai mostravam a casa onde meu avô chegou a morar por um tempo. Então, essas lembranças a gente conseguia alimentar com histórias incríveis que eles contavam da época e a gente podia colocar isso no nosso imaginário. A minha avó contava que, por exemplo, os bondes elétricos da minha infância, na época da minha avó, eram puxados a mulares, eram mulas, burros, que puxavam um vagão. E nem sempre o burro queria andar, então empacava, o condutor saía, dava uma prensada na mula e ela saía andando. Não havia, segundo eles, nenhum ponto específico de parada. Então, tocavam a campainha, ele parava, aí os senhores desciam, ajudavam as senhoras a descer, tinham todo um ritual de despedida, de chegada e tudo mais, aí depois seguia. Então, essa viagem, imagina, está no tempo de hoje. Hoje, com o trânsito, você deve levar de uma ponta a outra a mesma coisa que as pessoas levavam na época. Então, histórias como essas, a gente ficava vislumbrando e imaginando. Minha mãe mesmo comentava que, na década de 30, se aglomeravam pessoas na Avenida Paulista, para assistirem à primeira vinda do Zeppelin. Ele fazia uma volta pela cidade de São Paulo, acho que foi em 1934, 1936, e as pessoas, então, esperavam. Era um acontecimento. E a Paulista foi palco de muitas coisas. A gente recebia essas informações. A minha mãe mesmo era muito jovem, lembrava, na época, tinha que sair de São Paulo por causa da Revolução de 1922. Ela tinha seis, sete anos. E havia trincheiras na Paulista, imagina. Hoje é inimaginável. Então, essas histórias paulistanas vinham à tona com essas circunstâncias. A minha avó, que cheguei a conhecer, eu perguntava muito a ela. Ela tinha uma casa muito grande na Alameda Itu, 859, onde ela criava galinhas. Tinha um jardim enorme com jabuticabeiras. A gente perguntava se ela sempre tinha galinhas. Ela falou que sim. Até uma certa época, ainda era na Paulista, havia um surto de gafanhotos no interior de São Paulo, que chegavam a São Paulo e, segundo ela, até chegavam a escurecer o céu por essa revoada de gafanhotos. Era uma praga gigantesca. Então, as pessoas saíam à rua batendo panelas, porque parece que isso espantava os gafanhotos, e as galinhas adoravam. Só que você não podia comer ovo por quase algumas semanas, porque o gosto ainda era horrível, segundo ela. Então, são histórias pitorescas da época que, para nós hoje, ficam no imaginário ou nos livros.
P - Me fala um pouquinho da família do seu pai, da sua mãe, das origens deles, como é que chegou no Brasil, por que vieram.
R - É uma história muito interessante, típica de imigrantes. O meu avô, pelo lado materno, o Alfried Weiszflog, era de uma família de Hamburgo, que tinham dez filhos. E o primogênito ia herdar a fábrica de charutos que eles tinham em Hamburgo. Segundo o filho deles, então tinha que sair de casa, era a tradição, para aprender um ofício. E em Hamburgo você tem dois tipos de população, uma população que é uma população muito comercial, muito comerciante, e a outra que vinha da parte da marinha, que é um pessoal super aberto em termos e era mais pé no chão. E a família do meu pai veio mais dessa parte, dos marinheiros, e a família da minha mãe mais do lado dos comerciantes. E aí o segundo veio a São Paulo. A gente acredita que ele veio a São Paulo por causa, talvez, de um fornecedor de tabaco na época, ou alguma coisa assim, e se instalou aqui em São Paulo, em 1896, para fazer um aprendizado na área bancária. Ele ficou entusiasmado, tocava violino, escreveu uma carta para o irmão dele, mais jovem, disse “ vemn pra cá que era divertido, etc”. E aí ele veio, trouxe, que era meu avô. E aí os dois lá também entusiasmaram o terceiro irmão para vir, então eram os três que estavam aqui. E esse primeiro irmão deles, é uma história bem interessante, ele se apaixonou por uma brasileira que era filho também de alemães, e este era um engenheiro ferroviário que servia a Dom Pedro II construindo ferrovias no Brasil inteiro. Alberto Kuhlmann era o nome desse engenheiro. E a filha dele então estava namorando. E aí os três irmãos falaram assim para o pai, diziam: “Pô, vem investir no Brasil, a gente podia fazer um negócio, etc”. E, de fato, ele veio. E eles disseram assim, olha, esse alemão Alberto Kuhlmann tem uma cidadezinha perto aqui que chama Santo Amaro, e ele tinha uma fazenda, e fazenda com gado, e ele acabava de construir a estrada de ferro Santo Amaro-São Paulo. E nessa estrada de ferro ele levava leite e levava carne, então seria um bom negócio para a gente investir. E o meu bisavô falou assim: “Pelo amor de Deus, carne, leite, todo mundo sabe fazer. Não entro nessa”. O que você quer então? Faz alguma coisa que ninguém sabe fazer. Aí voltaram, meio tristes, né? e ficaram procurando o que poderia ser. E, de fato, identificaram em São Paulo uma pequena gráfica e editora, chamada Brünitz, que era de um conterrâneo deles também, só que não tinha sucessores. Escreveram para o pai dele e disseram: O “O que achavam de uma editora?” “Isso já é uma coisa bem interessante”. E aí investiu nessa editora, que se tornou Weiszflog Irmãos em 1902, em 1905, que é uma das nascedouras também da Melhoramentos. Então, aí começaram a desenvolver ela com uma gráfica, começaram a produzir livros e produzir outros produtos e a Companhia Melhoramentos, que era fundada em 1890 pelo então Proost-Rodovalho, que era praticamente o Barão de Mauá de São Paulo. Ele abriu associação comercial, caixa econômica, era um desbravador, e fundou a Companhia Melhoramentos de São Paulo, que abastecia São Paulo com elementos para a infraestrutura. Era cal, canaletas, tijolos e assim por diante. E aí ele foi um dos incentivadores para trazer a segunda máquina de papel do Brasil para Caieiras. Então, ali tem histórias fantásticas sobre esse desbravador. E a gráfica se abastecia da Melhoramentos, em 1922, A Companhia Melhoramentos, que já era uma empresa de capital aberto para a época, teve grandes dificuldades e aí integraram a Weiszflog Irmãos com a Companhia Melhoramentos. E aí se tornou um conglomerado, Companhia Melhoramento de São Paulo, que tinha um lema do pinheiro ao livro, uma realização melhoramento. Então eles plantavam os pinheiros, faziam a celulose, faziam o papel, imprimiam e distribuíam. Esses eram melhoramentos da década de 20 a 30. Então, a família dos meus avós eram pioneiros industriais e tudo começava do zero. Tudo começava com coragem, inovação e em acreditar muito naquilo que estavam fazendo. É nesse ambiente que a minha mãe se criou. Depois de cursar a escola, foi para a Inglaterra estudar, fui para a Alemanha e ali conheceu o meu pai. Se casaram e tiveram os primeiros três filhos na Alemanha. Em 1938 vieram ao Brasil e eu nasci um ano depois, em 1939. Então, nós éramos cinco filhos e eu fui o primeiro filho nascido no Brasil. Então, o ambiente com o qual eu estava era um ambiente industrial. Meu pai era engenheiro mecânico. E a família dele era muito mais voltada à parte marítima. O pai dele já era comandante, o irmão dele, etc. Então, ele veio dessa parte. Mas ele sempre estava apaixonado pela aeronáutica. São essas coisas de família. E que talvez ele tenha passado essa paixão também. E o pai dele, é uma outra história, acompanhou nos estudos de 1840 a 1850 um amigo dele, que era arquiteto, o meu bisavô do lado paterno, e estava em Hannover. E lá tinha um amigo brasileiro, o Almeida. E o Almeida gostava de festejar, etc. O estudo era bom, mas não era tão relevante. Parece que meu bisavô era mais caxias. Aí o pai de Almeida escreveu uma carta para ele e falou, o imperador agora me designou ser o governador do Leão Pará, vem aqui que nós vamos ter que construir obras. E o cara ficou apavorado, falou, “caramba, se eu passar lá e ele ver que não sei fazer nada, eu construir uma ponte e começar a desmoronar, eu estou frito, né? Vem comigo”. Aí ele falou, “ah, quer saber? Vou para o Brasil”. Pegou mais um amigo e vieram. Ficaram parados dois anos. Aí quando chegaram, duas semanas depois, o governador foi deposto. Aí um deles voltou e o meu avô não voltou, ficou dois anos lá. voltou para a Alemanha e depois fez a carreira dele na Alemanha. Então, você vê que às vezes as raízes, elas, na vida, elas tecem um tecido que são incríveis, né? Depois de quase 100 anos, os netos se encontram de uma outra maneira e aí casam, têm filhos. Então, é assim que surgem as famílias. Tem tantas histórias lindas aqui no Brasil nesse sentido.
P - E como é a sua história de infância? Você cresceu perto da Avenida Paulista. Conta um pouquinho de como era o dia-a-dia da sua família nessa época, o que você lembra da sua casa, enfim.
R - São lembranças muito vivas, muito ativas. A minha mãe tinha, digamos, uma personalidade voltada muito à parte cultural. Ela era uma pessoa que tinha uma paixão por livros, tinha uma paixão por histórias, tinha uma paixão por culturas. Era uma pessoa que tinha uma raiz bastante intercultural, ela sabia navegar bem na cultura brasileira, na cultura alemã, na cultura europeia. E o meu pai era um engenheirão de mão cheia. Para ele, o seno é o seno e o cosseno é o cosseno, e pronto. Mas era uma pessoa extremamente criativa e aventureira. Então, disciplinador era ele, a parte da criação, da base, etc., era minha mãe. E a gente estava em cinco, então eram quatro rapazes e uma moça, e a moça jogava no gol com a gente, porque tinha que fazer alguém que tinha que jogar no gol, e era uma irmã fenomenal. Então, a gente nasceu, ou se criou, dentro de um ambiente de família, onde a competição por falar, por agir, era bem típica de irmãos, e o meu pai gostava de falar também, então a disciplina quem quando fala, etc., era colocada sempre quando a gente estava reunido na mesa do almoço, na mesa do jantar, no café, etc. E, embora a gente tivesse tido uma vida econômica muito boa, os meus pais sempre nos forçaram a fazer os deveres de casa. A gente tinha que cuidar do jardim, cuidar da lagoazinha dos peixes, tinha que fazer isso, tinha que lavar. Ele não dava mole para a gente. Era uma vida, de certa maneira, boa, mas austera e disciplinada. Foi nesse clima. E no Porto Seguro, na época, era uma escola incrível e eles já largavam os filhos relativamente cedo para você ir para a escola com ônibus ou com o bonde, ou como fosse. Então, a gente não tinha nenhum problema em relação à locomoção e essas partes. Então, isso criou um ambiente muito saudável e favorável. A nossa casa era na Alameda Itu, 852, e a da minha avó, 859, estava na frente. Então, muitas vezes, a gente jogava futebol na casa dela, ou na rua, rolimã, e aquelas coisas naquele ladeirão. Então, era um bairro mesmo que a gente podia estar tranquilo nessa época. E nas oportunidades, como nas férias, a gente sempre tinha grandes férias, julho era uma férias de um mês, depois as férias de verão no Brasil também são de alguns meses, ou a gente estava no Guarujá, na praia, ou a gente ia para as fazendas da Melhoramentos. E ali era para nós um deleite. Na época, a Melhoramentos, ainda tinha muito gado, então a gente saía de manhã a cavalo, voltava à noite totalmente sujo, fazendo tudo o que os outros também faziam. Então, a infância estava voltada assim, de uma maneira, à parte intelectualidade, a estudos, etc., aquilo que a gente costuma fazer quando criança, bem saudável, E, por outro lado, essa parte da paixão pela terra e a paixão também, às vezes, pelo mar. Então, essas questões me enraizaram muito. Até hoje, quando estou na fazenda, eu conheço rincões lá que talvez nem todos saibam onde é, em função de a gente ter sempre andado com os nossos amigos, colaboradores, etc. E, como o meu pai vem da classe média, ele sempre, não teve nunca grandes distinções, então ele fazia questão que a gente tratasse todas as pessoas de uma maneira correta e com muito respeito etc. Isso nos deu uma educação muito liberal, muito aberta e com muito cuidado com aquilo que a gente recebia, com a responsabilidade do que a gente tinha que devolver. E essa era uma das filosofias que ele sempre aplicava.
P - Em que momento você começou a pensar em alguma carreira ou em alguma profissão? Como foi isso para você?
R - Algumas coisas começam cedo. Lá na Alameda Itú, na época, era uma rota de pouso dos aviões para Congonhas. O Congonhas era longe. A gente via o Congonhas, havia o vale, você não via muitas casas, e lá longe se via a pista. E os aviões voavam em cima da nossa casa e eu já ficava de olho. Às vezes, eu perguntava para o meu pai o que era e o que não era e ele me ensinou várias coisas, as diferenças e como foi. Depois eu sabia identificar qualquer avião que passava e sabia bem o que se passava. Então, a minha paixão era ir para o aeroporto, olhar pouso e decolagem, etc. Então, a aviação, para mim, nasceu ali sendo uma paixão natural nessa parte. A outra parte foi quando eu finalizei, na época, o meu curso científico, era por volta de 1962, 1964, havia toda essa convulsão política já no Brasil, na política estudantil, e eu me envolvi na política estudantil também, chamava Centro Latino-Americano de Coordenação de Estudos, CLASSE, com vários amigos. Na época, os DCEs eram tomados fortemente pela esquerda, de uma forma não muito democrática, e a gente tentava fazer o lado oposto à parte democrática. Então, como jovem, a gente começava a aprender muito o que é a democracia, quais são as regras do jogo, como é que a gente deveria enfrentar isso, etc. E era a Guerra Fria, então você tinha o comunismo de um lado, o capitalismo do outro, aquele embate, e a juventude esquenta fortemente. E, na escola, eu fui editor de um pequeno jornal onde a gente colocava ideias e assim por diante. Então, em certo momento, eu queria, talvez, partir para a vida política. E aí a minha mãe me desencantou, falou, “não, político não, você não vai ser político, não. Tudo o que, não para isso, isso aí você não vai fazer, por quê, por quê, por quê?” Aí a minha decepção é, “poxa, não”, “diplomacia não, não, não”. Aí era a minha primeira ducha fria. Aí eu falei, “tá bom, então eu vou ser piloto”. Aí meu pai falou, “opa, piloto? Uma coisa, piloto você vai ser um grande motorista lá em cima no ar. Você vai pra A e B, A e B, A e B. Não é vida, você não vai fazer família, etc”. Eu falei, “pô, qualquer ideia que comecei a surgir aqui é apagada, né?” Aí ele falou, “por que você não vai pegar essa paixão da aviação e vai fazer engenharia? Engenharia da aviação”. “É uma alternativa”. Ele falou, “vai fazer lá na Alemanha. Vai fazer lá na Alemanha, porque lá tem papapipapá”. Tinha um ITA aqui também. Ele falou, “não, vai para a Alemanha”. Aí eu fui para a Alemanha, mas aí tinha que fazer um estágio antes para entrar na universidade, e o estágio não tinha nada a ver com a aviação. Era no estaleiro. Então, se você está na engenharia, você sabe, que você tem graduações de brutalidade. Se você está em software, você só mexe com coisas assim, ou eletroeletrônica. Quando você está na parte do estaleiro, é mecânica pesada, mas é pesada mesmo. E as pessoas são pesadas, porque o trabalho é bruto. Pô, saí daqui do Porto Seguro querendo fazer aviação, eu entro no estaleiro. Aquilo foi um choque, assim, né? Eu tinha que soldar, eu tinha que fazer montagem nos navios, etc. Mas eu gostei muito dessa parte. Acabei gostando muito. Aprendi barbaramente também. As pessoas, como é que funcionam as fábricas, como é que é o ambiente de trabalho. Eram pessoas brutas, mas no final do dia eram super companheiras. Então você aprendia. O cara te mandava para aquele lugar em dois palitos, mas ele não queria te mandar, era o jeito dele. E depois ele te defendia na frente do chefe. Você fala, pô, ele acabou de acabar a minha vida aqui. Mas era um aprendizado de como é que é esse ambiente. E aí, então, dentro dessa parte da profissão, eu fui para a engenharia mecânica por esse lado, mas nunca esqueci a aviação, nunca esqueci a parte política e as pessoas.
P - Mas esse estaleiro era onde?
R - Era em Hamburgo. Aí eu fui na cidade dos meus ancestrais, Hamburgo. E no começo eu tinha o irmão dele, que era comandante de navio, inclusive junto a uma empresa de navegação e depois fui à Procuradoria da Navegação Marítima da Alemanha. Era uma outra personalidade do que meu pai. Era uma pessoa calma, tranquila, com um senso de humor incrível. Meu pai era elétrico, eu falava, etc. E os dois se davam muito bem, sempre se deram muito bem. Então, aí eu fui introduzido um pouco nessa cultura germânica, saí aqui do Brasil, Fui para lá, fiquei quase nove anos na Alemanha, estudei Engenharia Mecânica, ali depois eu me formei em Ciências Econômicas e Ciências de Trabalho, e comecei a fazer um doutorado em Ciências Políticas, mas que eu desisti. Então, essas evoluções lá foram muito para a lógica e para a economia, e a partir de lá eu que havia uma tradição na família, que antes de você entrar na própria empresa, você tinha que performar em algum outro lugar, tinha que ser bom em outro lugar. Aí um dia eu estava já terminando meus estudos, eu estava em Munique, já estava casado com dois filhos, aí eu vi um anúncio no jornal, uma empresa chamada Kienbaum, estava lá, “Düsseldorf, Munique, São Paulo”. Falei, “opa, São Paulo está para mim. Aí vou me candidatar lá”. E o próprio Velho Kienbaum, que já tinha sido ministro, ele chegou e foi me entrevistar. E é uma coisa, assim, memorável, porque, como estudante, você vai ser entrevistado pelo dono de uma empresa, pô, não é pouca coisa, então você tem que performar bem. Cheguei lá, terno e gravata, escuro, etc. Sete horas da manhã num hotel. E estava ele e a esposa dele. Aí, uma fome tremenda, de manhã estudante, de manhã tem fome, quer comer a metade que te serve na mesa. E com todo o cuidado, etc. Aí a esposa pergunta: “Você quer um ovo?” “Gosto de ovo. Sim, claro”. Aí eu abri o ovo, tava todo mole por dentro. Falei, “e agora?” Com terno e gravata, com ovo. Aí eu dou aquela colherada, subo, aquele troço tá pingando, e ele me pergunta assim: “Quais são os seus objetivos da vida?” Putz. Eu parei no meio, aquilo lá ficou ficando duro, duro, pensando, “o que eu vou responder?” E a outra, levo, como o primeiro, descanso aquilo. Então, aquela cena, né? Aí eu comecei a responder. A esposa dela era uma pessoa fenomenal, gentil, disse assim, “o Gerrard, deixa o menino comer em paz, você já vem com uma pergunta”. Aí desmontou. Aí foi. Aí a entrevista rolou, ele me contratou. E aí eu segui os primeiros 15 anos de carreira aqui na Kienbaum.
P - Isso na Alemanha ou vindo pra cá?
R - Vindo pra cá. Eu fiquei meio ano lá e aí eu vim de volta ao Brasil e aqui então tive os outros dois filhos e aqui eu fiquei 15 anos nesta empresa. Aí já comecei a assumir outras funções também em conselhos, um deles foi na própria Melhoramentos, pois a Melhoramentos me chamou.
P - Mas você deixou então a aviação de lado, é isso, no meio do caminho?
R - É uma boa pergunta. Lá em Darmstadt, o que eu ia fazer? Aí comecei a assistir aulas. E aí você tinha aula de trem de pouso, você tinha aula de aerodinâmica, você tinha aula de propulsões, você tinha aula... Falei, “pô, eu quero construir avião. Cadê o avião?” E você não construiu. Era a última coisa que talvez lá você tinha. Então, no começo era tudo. “Mas é isso que eu quero”. Aí um colega meu, como é o destino, me chamou e disse assim, “pô, eu estou precisando de um trabalho sobre inovação e criatividade no Instituto Battelle”. Era pertinho de Darmstadt, em Frankfurt. Aí eu falei, “tá bom”. Aí você vai ganhar uns marcos aí, na época era marco, você vai ganhar, “melhor ainda”. Aí eu falei, fiquei encantado porque era um grupo de pesquisadores que tinham a incumbência de trabalhar criatividade e inovação na Alemanha. Os Estados Unidos tinham feito o grande chamado para isso. Depois do lançamento do Sputnik, Kennedy fez um enorme investimento para colocar um homem na Lua. Tinha dez anos para fazer. E aí eles começaram a capacitar pessoas em criatividade e inovação. E essa instituição, que era o Battelle Institut, veio à Alemanha para fazer isso perto de Frankfurt. Então era um núcleo de gente extraordinária, que tinha uma capacidade de inovação e uma capacidade de visão que eu fiquei absolutamente fascinado. Falei, pô, é isso, é essa a minha tônica. Então olhar o futuro, ver metodologias de você, identificar, fazer perguntas certas para você trazer criatividade no processo inovador, aí eu fui nessa rota. Então, a minha parte depois de engenharia, ela entrou fortissimamente para soluções revolucionárias, soluções inovadoras. E quando terminei a engenharia, eu fiz um pós-graduado de Ciências de Trabalho e Economia. E ali também fiz toda uma técnica de cenários, como é que você trabalha cenários e como esses cenários impactam a economia? Então, desde aquela época, a inovação nunca mais me largou e a parte de cenários futuros nunca mais me largou. Aquilo me pegou e aí fui, tanto na consultoria depois, como na parte industrial, quanto na parte pessoal, trabalhar intensamente a questão das inovações. Até hoje isso aí, para mim, é a vertente mestre que me leva.
P - Antes de continuar nessa parte, queria voltar numa coisa que eu acho que não podemos deixar de lado, que é, você falou, antes da gente começar, que você é Santista, né? Como é que começou essa paixão pelo futebol, do time. Você estava falando que você estava na Alemanha, imagino que você viu várias coisas à distância, né, nesse período. Enfim, me conta como é que nasceu essa paixão, o que você presenciou, como te marcou isso nessa época?
R - Começou em casa, porque o meu irmão mais velho era palmeirense, a minha irmã era Canto do Rio, qualquer coisa assim. O outro irmão era corinthiano. Eu era santista e o mais jovem era são paulino. E o meu pai era Portuguesa. Então, você pode imaginar o debate em casa. Não tinha paz, porque cada um dizia porque queria, etc. E o meu pai, já na tenra idade, eu tinha nove anos, oito anos, me levava para o Pacaembu. A gente saía a pé, lá de casa, e ia assistir um jogo no Pacaembu. Assistia um jogo. Pelé, Pepe, Mengálvio. Um garoto novo. Eu falava, isso aí não tem, não tem. E eles enfiavam um gol atrás do outro. Então, era Santos na veia. Então, ali é que... Olhando o jogo, vendo o jogo, falei, esse é o time. Então, o encantamento com o time na época, com o Pelé na frente, eu o vi muitas vezes jogando, e depois eu tive uma grata sorte de poder encontrar ele duas vezes pessoalmente. Então, a paixão pelo Santos vem por ali.
P - As copas de 58 e 62 você acompanhou no rádio?
R - Sim, 58 e 62. Na época, já começava a sair alguma coisa em cinemas. O canal 100 do Mancini já mostrava isso. Ali era direto. As primeiras imagens na televisão começaram a sair. E isso continuava a fascinar a gente.
P - Agora, na Copa de 70, você estava na Alemanha?
R - A Copa de 70 estava na Alemanha. Ali eu estava na Alemanha, torcendo pelo Brasil.
P - Essa você assistiu na TV, já?
R - Já. Já.
P - E tem algum jogo que te marcou mais, que você viu presencialmente ou você viu na TV, no rádio?
R - Eu vi alguns jogos. Eu vi um jogo, a semifinal, na Copa em Berlim, na Alemanha, que era a Itália contra a França. E, no estádio, eu via a abertura aqui no Brasil contra... Era o Brasil jogando contra... Já venho, já, já. O País Báltico. Então, isso aí marcou. Alguns jogos desses, você, estando presente, não esquece isso. Tanto na presença e a sensação do estádio, a sensação de você estar nesse ambiente, fervilhando, é alguma coisa muito especial. Assim como a Fórmula 1. Eu gostava muito de assistir à Fórmula 1. Então não havia domingo que a gente não estava olhando o Fittipaldi, Senna e Oestarien ganhando ou torcendo por eles. E eu, morando perto de Interlagos, assisti várias destas. Então, essa presença ao vivo é alguma coisa ímpar.
P - E você conheceu a sua esposa como, quando, na Alemanha, não é?
R - É. A minha primeira esposa eu conheci na Alemanha, quando estava estudando. Ela estava em Darmstadt também. E aí casamos na Alemanha. Tivemos dois filhos lá na Alemanha, a Alice e o Ricardo. Viemos ao Brasil e tivemos os outros dois, a Julia e a Cristine. E aí tivemos uma vida conjugal por quase 38 anos. Aí nos separamos e depois de três anos eu casei com a minha esposa atual, a Nina, e que trouxe ao casamento um filho, o Otávio.
P - Entendi. Agora, vamos voltar para a Kienbaum. Essa é uma empresa. O que ela faz? Por que ela estava aqui em São Paulo? Como é que é essa história?
R - A Kienbaum é uma empresa de consultoria organizacional e pessoal. Na época, era a maior empresa de consultoria na Alemanha, que depois vieram outras, veio a McKinsey, veio a Bain, a própria Roland Berger. E, como era brasileiro e tinha um estudo bastante completo, tanto na parte de engenharia como economia e ciências de trabalho, eu vim ao Brasil para atuar na equipe aqui que já existia. Havia uma equipe com quase 25 pessoas, tinha uma filial em Porto Alegre, uma em São Paulo, e depois de meio ano o gerente-geral saiu, voltou para a Alemanha, os dois gerentes-gerais saíram, voltaram para a Alemanha, e eu assumi a gerência-geral dessa unidade como sendo o mais jovem executivo do Grupo Kienbaum. Eu tinha praticamente 28 anos e assumi essa responsabilidade. E aí entramos no Brasil, ainda estávamos atraindo muitos investimentos, o Brasil fazia pesquisa de mercado, localização, instalação, national position, e na parte de recursos humanos, a seleção de executivos. E na década de 80, o Brasil enfrentava muitos problemas econômicos e as empresas começaram a ter maiores problemas. E a gente entrou em gestão de crise. Então a gente teve várias empresas que a gente recuperou da crise. Foi um aprendizado gigantesco. E naquela época eu já estava muito atuante na parte de governança, e a Melhoramentos era uma delas que havia me convidado para participar na família da parte do Conselho de Administração, e outras empresas de ECA, Capital Aberto. Tinha a Zivi-Hércules, que era uma empresa gaúcha, de Capital Aberto, que tinha me solicitado a participar também. Então, ali já começou um pouco a minha atuação em estratégias, em conjugação de acionistas e de olhar, digamos, as governanças. E a Zivi-Hércules era uma empresa muito grande, tinha atuação nos Estados Unidos, já estava entrando na Europa. Para a época, era uma coisa muito forte. Então, esses convites começaram a me interessar muito pela formação e representei empresas alemãs aqui também em conselhos. E depois eu fui convidado, já na transição da saída da Kienbaum, porque fui chamado para melhoramentos para assumir a presidência. E aí, nos dez anos que eu tive na presidência da Melhoramentos, eu também fui chamado para participar de outros conselhos, como é o caso da Varig. A Varig tinha me chamado, aí a veia da aviação bateu forte. É uma história muito interessante esse momento do chamamento para a Varig.
P - Pode contar. Conta para mim.
R - Estava na presidência da Melhoramentos e eu já tinha feito um trabalho na Kienbaum, para a Varig, em relação à visão, missão e estratégias. Então a gente tinha identificado na Varig o grande risco que a TAM representava na parte de mindset do passageiro em relação a serviços e assim por diante. O rolinho estava crescendo fortemente. Só que havia a privatização da VASP e a VASP fez um estrago muito grande quando ela privatizou, voando para tudo que era lado, e com isso as contraposições dos estrangeiros aumentaram muito a participação dos estrangeiros nas rotas brasileiras. Então, essa discussão dentro da Varig, que estava muito quente, o que a gente devia estar mais atento, e eu estava alertando muito por causa da TAM, que para eles não era naquele momento tão importante. Na Melhoramentos, tínhamos uma reunião muito quente, onde um parceiro nosso, que era um banco, muito agressivo, tinha um embate no conselho, onde tinha uma posição e o nosso contraparte tinha outra. A gente estava realmente numa discussão não muito agradável. Aí deu uma pausa e a gente foi fazer um pit stop. E na Melhoramentos, na época não tinha feito a reforma predial, o banheiro era um paredão masculino. Eu estava lá e minha contraparte estava aqui. Ele disse assim, agora vou sair desta reunião e vou ter que ter uma reunião muito difícil porque vou ter que indicar conselheiros para a Varig, porque a Varig tinha entrado em default, tinha um problema de crédito muito grande e os credores pediram posições dentro do conselho. Aí eu virei para ele e falei: “É um belo trabalho, você vai ter que fazer isso, isso, isso e aquilo”. Aí ele olhou para mim e falou, “como é que você sabe disso?” Falei, “pô, eu fiz um projeto assim, assim, assim, assado”. Aí ele fez mais uma pergunta, ele falou, “eu vou te indicar.” Aí eu falei, “tudo bem”. Um dia depois, recebi a ligação dele, depois recebi a ligação da Varig, e eu fui nomeado um dos conselheiros na recuperação da Varig naquela época. Então, são coisas assim, e eu acredito muito em Deus, e diz assim, Deus trabalha em coisas diferentes, e muito de maneira diferente. E nisso tem uma história engraçada em cima disso, que anos depois, eu estava na Igreja Batista, na parte sul de São Paulo, e aí o pastor lá me perguntou assim, “ó, você não quer conversar lá com a juventude, como é que você fez carreira ou não, etc.?” Eu falei, “tá bom, acho que é bom”. Aí eu fiz o inverso, disse para eles assim, “eu não vou dizer o que eu sou, o que eu faço, façam perguntas”. Aí começaram a fazer a pergunta, e chegou essa questão lá da Varig. Eu falei, “olha, Deus às vezes te encaminha por circunstâncias que você não sabe”. Quer dizer, um fulano desse que estava ao meu lado, que tinha discutido ferradamente, me leva para uma paixão infantil, de criança, e que deu certo”. Poxa, mas... Um rapaz lá falou, “mas isso é incrível, é incrível”. No próximo domingo, encontro ele e ele falou, “ô, Ingo, você sabe de uma coisa? Cada vez que eu estou no banheiro, eu olho para o lado e vejo se alguém está conversando comigo para ver se eu tenho um futuro melhor”. Falei, “continue assim que vai dar certo”. Aí você vê, às vezes, quando você fala uma coisa, como é que é entendido na sua configuração.
P - E como é que estava na Melhoramentos quando você se tornou presidente? Foi de que ano a que ano?
R - Foi de 91 até 2001, eram 10 anos. É uma empresa familiar, uma empresa que preza a tradição, mas sempre teve um forte, uma forte componente inovadora, sempre teve. Desde aquela época que eu te contei lá do meu bisavô até hoje. Então, na década de 80, ela já fez joint venture com empresas de papel especiais alemãs, ela fez um joint venture com empresas americanas na área de ligno sulfonatos, ela entrou na parte imobiliária, etc. Então, a presidência era o meu irmão e haviam dois primos nossos dentro do conselho, e eu nesta presidência. O presidente anterior é um terceiro que estava lá, era uma pessoa que veio do mercado, que veio fora. E quando eu assumi a Melhoramentos, ela tinha uma diversidade muito grande. Então, a gente tinha produção de cadernos, produção de cheques, nós tínhamos livrarias próprias, a própria editora, papéis, a parte florestal, imobiliária. Então, você tinha uma plêiade de atividades. E na gestão, você tinha quatro grandes diretores, um que era um industrial, um era comercial, um era um financeiro e o outro que era recursos humanos. E eu tombei esse princípio. Eles não vão fazer unidades de negócios. Então, você tinha um negócio da editora, você tinha um negócio da gráfica, você tinha um negócio da florestal, você tinha um negócio de papel. E esses seriam responsáveis pelos resultados. Quando você faz isso, você quebra uma lógica completa dentro de uma organização. Então, você tem que ter tudo em cuidado como é que você vai fazer para não arrebentar. O segundo momento era de que, de repente, você tinha fornecedores internos, que antes sempre você tinha também, mas não tinha clareza em relação aos critérios. Então, a editora sempre se queixava que a gráfica era muito cara, que ela gostaria muito de estar imprimindo lá fora. E a gráfica se queixava que a editora fazia os pedidos na última hora e não nas quantidades que queria e era improdutiva. Então a briga lá era direto. E de repente, a gente diz assim, agora tu pode cuidar aonde você quiser dos teus produtos serem produzidos e você pode vender para quem quiser também. Isso, quando se diz, é muito fácil. Agora, quando se torna isso uma realidade, tem conflitos imediatos. Vou te contar um caso, só para mostrar um pouco. Um dia, entra o nosso diretor da editora e falou, “pô, chefe, esse negócio é um absurdo. Nós estamos produzindo o Michaelis, eu não consigo mais imprimir, fazer uma nova impressão, eu chego na gráfica e ela está ocupada”. Eu falei, “dane-se a ocupação, você tem que imprimir o meu, é o da casa”. Eu falei, “e?” “Não, pior, você não sabe, ele está imprimindo o Aurélio, que é o nosso competidor. Imagina, isso é um escândalo”. Isso nunca teve, aquela coisa. Falei, “é? Deixa eu chamar o diretor”. Chamei, ele falou, “não, eu estou fazendo o menor negócio. Eles, eu até tento, eles me pagam, mas ele só me deu essa quantidade. Eu já tinha o cliente marcado”. E ele tinha impresso tudo isso antes na Colômbia Aí eu falei, “ah, você tinha impresso na Colômbia?” “E a parte da Colômbia? É, veja bem, até eu fazer, até eu voltar, falei, ah, então você não tratou bem do teu fornecedor na Colômbia? E não tratou bem o teu fornecedor de casa?” Então, meu filho, isso vai ser seu problema. Bom, isso criou um caso. Mas era uma lição. Então, quando você entra com um princípio desse, você tomba muitos princípios, muitas gestões e assim por diante. Então, isso não foi nada fácil, essa transformação cultural, numa época estruturalmente muito complicada, muito difícil. Aí fizemos uma grande aquisição da Kimberley Clark, que era uma empresa que queria sair do Brasil, eu fiquei sabendo disso, e haviam grandes competidores nossos querendo comprar, e a gente ganhou com eles e fizemos um excelente trabalho. Aí viramos a número um, que muitos de vocês ainda lembram, que são os dispensers nos banheiros, melhoramentos, etc. Foi um show de bola. Então, outros princípios. Quando você entra com filosofias disruptivas, nem sempre as pessoas vão te acompanhar. Então, trocamos vários executivos nessa época, inclusive das empresas que assumimos, eles assumiram, porque todo mundo quando nós compramos a Kimberly Clark achava, “agora quem vai nadar de braçada é o nosso pessoal industrial. das fábricas de Caieiras”, e não foi isso que aconteceu, foi o contrário que aconteceu. Aí eles acharam que foram traídos. Poxa, como é que pode? Essas coisas, no decorrer do tempo, na liderança, na lógica, você trabalha, mas você tem que trabalhar o coração das pessoas também.
P - É, isso é uma coisa interessante que você falou, que você trabalha muito com instituições, com empresas, mas tem sempre pessoas por trás, e isso é um desafio muito grande, mudar a cultura de um lugar. Esse é um desafio que você sempre enfrentou, é isso?
R - Sim, eu sempre tive, eu acho que Deus me coloca muitas vezes em situações. Às vezes, você olha o seu propósito olhando para trás. Por que ele me chamou para isso? Por que eu atendi isso? Eu acho que muitas coisas onde eu fui chamado, onde eu atendi, foi para reestruturar. E o meu nome, Plöger, o sobrenome, é um dialeto alemão que diz arador. E quando na época tradicional você puxa o arado, você revolve a terra para alguém plantar, você prepara ela, abre ela. O arador tem que olhar para frente, se ele olhar para trás, não vai dar certo. Então, acho que esse chamado ocorreu várias vezes na minha vida, tanto na parte empresarial quanto na parte institucional. Também em instituições às quais eu recebi esse chamado e fiz, em muitas delas eu tive que reestruturar, eu tive que mudar. Isso nem sempre é prazeroso, às vezes é muito doloroso. Você tem que mudar pessoas, você tem que mudar formas e assim por diante. E você tem que vencer incrédulos. Você tem que vencer as pessoas que não estão a favor dessas mudanças. Então, eu acho que isso tem sido uma marca minha. E aí muitas coisas ocorreram que não foram muito fáceis, porque com essas incompreensões e com essas tensões. Eu digo o seguinte, quando você sai de uma batalha e você está ferido pela frente, faz parte, mas os ferimentos nas costas é que não param de sangrar, e essas são muito difíceis.
P - E qual processo que você liderou que você acha que mais te marcou, ou quais processos mais te marcaram, para o bem ou para o mal? Quais chamados?
R - Olha, eu acho que Melhoramentos foi um deles porque trabalhar numa empresa familiar e o meu chamado nessa parte, que eu te falei da parte dos executivos e etc., teve uma outra circunstância que é retirar a família da parte executiva. Então, haviam pessoas familiares muito próximas, mas que eu tirei da parte executiva e coloquei para o conselho. E eu fui o último a sair da executiva e depois seguir para o conselho. Então, essa parte é muito dolorosa, mas o que eu aprendi é que ela é certa e ela é necessária, inclusive para a minha pessoa. E eu fui o último também a perceber isso, porque eu achava que estava indo muito bem, eu fui retirado da posição para possibilitar essa circunstância. Então, a Melhoramentos me marcou e hoje eu estou no Conselho, com conselheiros independentes, estão fazendo um trabalho excepcional. Mas você percebe, em muitas outras empresas, que essa é a parte da dor maior, porque aquele que é apaixonado por aquilo que faz, por que ele vai deixar a paixão? E não é deixar, é deixar que outros façam melhor do que você. Então, ali, você tem que se colocar na frente do espelho e dizer, “você não é tão bonito assim, não. Vem cá, deixa o outro fazer isso melhor”. Essa parte mais difícil, você engolir isso, você reduzir seu ego e fazer com que as outras coisas cresçam mais do que você acha que poderia ter feito. Esse é um ponto forte. A segunda parte, é você ter coragem cívica para fazer coisas. E isso eu aprendi com meu pai. Meu pai não era nada diplomático. Minha mãe era. Mas ele enfrentava as coisas. Então, em várias instituições... Eu fui presidente da Igreja Luterana de São Paulo e tivemos reestruturações brutais para fazer e o pessoal chamava a gente de capitalista de São Paulo. Mas é uma estrutura para o que é o que até hoje funciona, que foi uma distribuição para a base, para a base operar melhor, para fazer, etc. Uma outra onde eu fui chamado, que era um projeto de reconciliação do menor, que era uma ação social, em Grajaú, excepcional. E quem gerenciava, de fato, eram as professoras, eram as lideranças locais. A vontade e o idealismo eram excepcionais, eram incríveis, só que a competência de gestão era baixa. Então, aconteciam coisas lá que eram de arrepiar o cabelo. Aí você diz assim, “cara, como é que eu vou fazer isso? Você vai dizer para essa senhora, esse rapaz aqui, não é assim, que vão botar uma outra coisa, etc., tal? Eles vão na goela, e vão mesmo”, porque eles estavam se dedicando. Então, ali, o trabalho que você tem que fazer para... Aí é muita paciência, habilidade, e aí não tem compreensão, mas é necessário, você tem que fazer, senão não vai funcionar. Então, como é que você chega nisso? Essa parte foi, na parte institucional, eu sempre digo para muitos amigos meus que dizem assim, “pô, Ingo, eu queria estar em um conselho de administração, etc e tal, para terminar uma carreira executiva”. A minha recomendação é, “legal, você quer aprender mesmo como é que é no conselho, Pega uma instituição sem fins lucrativos e entre no conselho e comece a trabalhar, porque você é voluntário, você vai trabalhar com um monte de gente bem intencionada, mas mal preparada. Aí você vai ver o que é bom. E se você conseguir ir trabalhar e você tiver resiliência e trazer isso para fora, aí você vai no conselho sem problema nenhum”. Então, essa caminhada foi, para mim, incrível. Eu sempre adorei instituições, estou em várias delas, algumas sem problema nenhum, outras que tinham graves problemas, e aí eu fazia essa reestruturação, fazia essa parte. E aí a gente aprende um pouco também a trazer amigos e colegas e você vê como a competência, quando ela é bem motivada, ela traz resultados incríveis.
P - Me conta um pouquinho, depois da Melhoramentos, você virou conselheiro da Varig e você começou a trabalhar apenas no conselheiro da Varig, é isso? Ou você já estava indo para outros caminhos?
R - Antes de sair da Melhoramentos, eu saí do conselho da Varig, porque em 92 a Varig tinha um problema seríssimo porque não pagava mais seus fornecedores, nem a Petrobras, nem na época a McDonald 's, nem a GE, etc. Eles falaram, “opa, não vai funcionar”. Então, a Fundação Rubem Berta, só ela indicar, não vai dar certo, vocês não estão pagando, “eu vou indicar cinco ou quatro independentes para entrar". Entraram quatro conselheiros independentes que entraram e eu era um deles. E aí era ferro e fogo, porque eu gostava muito do pessoal da Varig, mas eles tinham um hábito que eram donos da Varig que faziam, que bem entendiam. Aí, de repente, tem uns quatro, cinco que falam, “ó, ó, ó, não vai dar”. Isso eles não estavam acostumados a fazer. Não estava. E aí os debates, os embates começaram a surgir de uma maneira muito intensa. Aí você tinha a competição da TAM, que era uma competição não muito “faire”, porque ele atropelou a legislação brasileira para conseguir as rotas que ele queria. Você tinha a competição internacional que entrava com o Open Air. Aí o Collor colocou, assim, “Céus Abertos”, que foi um desastre para o Brasil, e para a aviação brasileira, porque nenhuma das três superou. Na época, nem a TAM, nem a Transbrasil, nem a Varig conseguiram superar. A TAM, inclusive, foi vendida. Mas, quando chegou em 1997, se não me engano, a Fundação trocou de presidência e entrou uma presidência não qualificada, que era uma pessoa que comandava a parte de auditoria e controladoria e achava que podia ir para o mercado de capitais e resolver a coisa. E não é assim que funciona. Ele chegou para o Conselho e disse assim, “nós queremos uma reestruturação de vocês para colocar a empresa em pé”. Eu falei, “beleza. Nós tínhamos 23 colaboradores na Varig”. Fizemos um projeto, entregamos dois meses depois para eles, para reduzir para 16 mil, retirar algumas rotas, concentrar e a gente ia recuperar a Vale de uma maneira belíssima. Ele falou, “não, não, não, vocês não me entenderam. Vocês não podem demitir ninguém”. Eu falei, “peraí, como é que é? Não pode demitir ninguém, não pode fazer restauração?” “Não, não, você vai ter que fazer uma restauração diferente”. Aí todos nós do conselho, com uma exceção, entregamos a carta de demissão, porque eu falei, “olha, busca um conselho que consiga Varig infelizmente foi groundeada, como a gente fala, mas foi por incompetência desta gestão da fundação. Não precisava ter acontecido isso com a Varig. Aí a Melhoramentos estava nessa discussão de uma nova gestão, sem a família dentro, E, nesse mesmo tempo, eu já estava atuando fortemente na parte da CNI, da Federação de Indústrias, etc. Em relação, eu era também presidente da Câmara Brasil-Alemanha, atração de investimentos, aquela coisa. Eu tinha um grande amigo que chamava Luiz Furlan, que chama Luiz Furlan, e ele foi chamado pelo Lula 1 para ser ministro, baita surpresa. Ele, o Roberto Rodrigues, vários empresários. E aí ele diz assim, “pô, você já fez muito para a tua empresa? Vem cá, eu estou precisando de alguém que vá fazer atração de investimentos”. E eu estava nessa fase. Aí foi falar com a família e aí eu aceitei. Então eu saí da parte empresarial da Melhoramentos e fui para o governo, junto com a equipe Furlan, para fazer toda uma plataforma de atração de investimentos para o Brasil. Aí ficamos praticamente três anos fazendo esse trabalho. E no terceiro ano, eu acho que o ciclo tinha terminado naquela parte, Aí eu voltei para a iniciativa privada e fiquei praticamente cinco anos fora da Melhoramentos, por várias razões. Uma das razões é também até conflito de interesse, porque houve tantas coisas de competidores, etc. e tal, que eu queria uma quarentena de um ano, no mínimo, auto-administrada, que eu não precisava pela lei, mas eu me auto-administrei nisso. E a partir dali começaram a vir uma série de convites para conselhos. Eu firmei uma outra empresa de consultoria, uma plataforma de consultoria de atração de investimentos. Aí eu fiz uma série de projetos nessa parte de consultoria e, por outro lado, a parte de chamadas de conselhos. E aí veio um chamado para a Embraer, aí você vê que a aviação não me deixa em paz. Foi excepcional, incrível, uma empresa incrível. E também outras empresas. Uma delas foi a Bosch. A Bosch faz a cada duas horas uma patente internacional. O poder de inovação que uma empresa dessas tem. E fui chamado para participar do conselho internacional deles. E ali tive encontros incríveis com Kissinger, com Pascal Lamy e com outros, e com empresas como a Volkswagen Caminhões e agora recentemente para uma empresa chilena chamada Sonda, Sonda TI, que é uma grande empresa de TI. Então, essa caminhada de conselhos foi acelerada e é uma área que eu gosto. Acho que tem uma série de experiências pessoais que dá para trabalhar bem. E a gente também tem que ter sorte nessa parte.
P - E me conta um pouco a diferença entre ser um executivo e ser um conselheiro. Você já falou bastante disso, mas quais são as responsabilidades? Qual é a diferença? É uma questão de fase profissional também? Enfim, como se caracteriza estar no conselho de empresas e não estar na execução direta?
R - Eu acho que, nas fases da vida, você tem a “fazeção”, você tem a “pensação” e você tem depois um termo, sem querer ser arrogante um pouco, da parte de sabedorias. Acho que sabedorias têm elementos que todos nós temos. A gente aprende, assimila uma série de sabedorias e vai aplicando elas, mas com o decorrer do tempo, você dá mais valor a elas. Eu acho que isso é um princípio no fundamento humano muito importante. E culturas como a cultura japonesa e asiática, especialmente, eles respeitam muito o idoso por isso. Inclusive na nossa cultura indígena, o ancião é respeitado. Não é que ele sabe tudo melhor. Não é isso, mas a capacitação e a responsabilidade dele de trabalhar temas para a nova geração não quebrarem a cara é muito importante. Então, essa corresponsabilidade, ela cresce com a idade. Não é que todo idoso é sábio e todo jovem não é, não tem nada a ver. Eu acho que cada um de nós tem esse poder em si de ser sábio e de oferecer essa sabedoria. Sabedoria também só ocorre no momento que você cede ela, no momento que você dá. Não adianta você ter uma sabedoria que você guarda para você. Isso para mim já começa por ali. E essa é uma parte. A segunda parte é que na ação, você aprende muitas coisas no seu impulso, na sua força e na sua coragem jovem, você avança muitos sinais que você não faria se você já passou por várias coisas. Isso, de um lado, é muito bom, porque você canaliza esses esforços para a fazeção, que é difícil. Então, aquilo que estava falando das reestruturações, escolha de pessoas, fazer trocas e assim por diante, isso na plena execução é difícil e é necessário. Quando você entra um pouco mais nessa parte de conselho, você tem que reduzir esse ímpeto. Então, as minhas atuações em conselhos onde estava muito precocemente ativo, a minha dificuldade era justamente essa. “Ah, não, faz assim, faz assado”. Por quê? Porque eu era executivo, sabia como fazer. Mas esse não é um bom conselho. Um bom conselho é, se você como conselheiro tem um executivo, tem boas pessoas, você levar ele a pensar. Diz assim, “olha, dentro dessa circunstância, que alternativas você tem além dessas que se apresentou?” Ele falou, “não, mas eu apresentei as três”. “Mas além dessas, você podia imaginar uma quarta?” Aí você põe ele para pensar. Aí você abre ele. Ou, “será que essa e essa alternativa, desta maneira, vai ser mais eficaz?” Então, eles percebem isso. E você, como a gente diz lá na agricultura, se joga o milho mais para frente, para não levar o coice na cara. Então, você tem essa habilidade de jogar isso um pouco e fazer com que a pessoa pense e vá. Então, no conselho, você não tem que levar a mão no manche, certo? Você é a pessoa que está no banco de trás e diz assim, “ó, porque voar ele sabe. Então, qual é o direcionamento? Onde é que ele tem que pensar?” E muitas vezes ele não te dá a razão agora, mas ele vai pensar. Muitas vezes ele não aceita agora. Ou ele não aceita, ele não vai, e aí você tem um outro tema. Você pega o seu conselho e diz assim, “por favor, chequem. Estou errado, estou certo, etc”. E aí você começa a trabalhar essa sabedoria. E eu acho que o conselho tem mais isso. E quando você começa a atuar dentro desta maneira, alguns te convidam para ser parte disso. Então, essas empresas que hoje me convidam para fazer parte, uma ou outra é familiar, e outras não são familiares, são internacionais. Diz assim, “esse cara sabe por onde está andando. ele tem relações e sabe ter informações”, porque esse é outro ponto. Como é que você tem uma base de informações que são razoavelmente confiáveis? Isso no conselho também se aprende. Qual é a informação mais confiável do que a outra? Muitas delas que você recebe são abertas, são comuns. Mas por que você escolheu esta e não aquela? Então, estas escolhas que você faz é que te dão credibilidade, é que te dão a parte de você dizer, “pô, o cara já está entendendo”. Ou, muitas vezes, não são ouvidas e depois acontece. Aí o cara diz, “pô, você tinha falado antes, né?” Aí você diz, “não”, falei, “epa”, isso você não fala. Diz, não, tive a sorte de achar um trilho que eu achava que dava ou não dava. Pronto, você ganhou credibilidade. Então, isso a gente vê na nossa vida pessoal. As pessoas com as quais você gosta de estar, que você gosta de ouvir, que te dão conselhos. A empresa não é diferente da nossa vida pessoal.
P - E atualmente, como é que está o seu trabalho? Em que conselhos você está? Como é que está essa fase da sua vida?
R - No momento, eu tenho alguns novos focos. Profissionalmente, eu estou nesses conselhos que eu citei, da Sonda, que é uma empresa chilena incrível e tem uma grande operação no Brasil. E a gente está trazendo ela dentro de um âmbito mais global. A Volkswagen Caminhões, que aqui no Brasil e na América Latina está indo de vento em popa e estão trabalhando temas para nós na parte da mobilidade. A Bosch, onde eu tenho a presidência deste conselho aqui na América Latina. E é onde a gente tem interfaces das grandes tendências. Novamente, estou em cenários, estou em tendências, a Melhoramentos, como já citei. Mas estou em outros temas. Hoje estou em temas que me ocupam, o meu espaço imaginário, que é o futuro. Então, quero trabalhar mais intensamente o futuro do Brasil. Então, começando um pouco, uma pergunta muito simples: Como é que a gente constrói um Brasil melhor? E essa pergunta nunca me deixou e até um certo dia, aí Deus me deu um insight, eu perguntei para uma pessoa, amiga minha, muito amiga minha, falou assim, como é que a gente constrói um Brasil melhor? Ele me falou, “por bons brasileiros”. Ah, falei, “legal”. Aí veio a pergunta subsequente, “o que é ser um bom brasileiro hoje?” Porque com bons brasileiros você constrói um bom Brasil. Aí peguei essa pergunta e fui na família, fui em amigos, roda de churrasco, aniversário, tem uma mesa assim com algumas pessoas. Falei, “vem cá, o que é? Vamos construir um Brasil legal? “Vamos”, “tá. É um bom Brasil, né?” “É”. “Bons brasileiros, hein?” “Perfeito”. “O que é ser um bom brasileiro hoje?” As respostas que eu recebi me deixaram muito preocupado porque você não percebia que as pessoas tinham boas respostas para isso. Algumas sim, mas a maioria não.
P - Tipo quais, por exemplo?
R - Eles falavam assim, “o bom Brasil, o bom brasileiro fazia as coisas certas, fazia as coisas honestas, fazia as coisas que não prejudiquem ninguém”. Quer dizer, “bom, mas o bom brasileiro é isso?” “É”. Eu falei: “E o bom americano não é isso? O bom francês não é isso? O bom alemão não é isso?” Mas ele vai te dar uma outra resposta do que o bom brasileiro. Aí eles abriam o olho desse tamanho. Mas por quê? Eu falei, “porque eles têm um propósito atrás disto. Eles querem trabalhar por um Brasil diferente. E você ainda não falou disso”. “Não, mas se eu sou honesto…” “É uma base. Legal, mas que mais?” Então, aí eles me perguntavam o que eu achava do bom brasileiro hoje. Eu dava a minha definição e aí a gente começava a discutir de fato. A minha definição para isso foi: ser um bom brasileiro hoje é aquele que ama o Brasil. Aquele que ama o Brasil, em primeiro lugar, ele respeita o seu passado. Então, quando você respeita o seu passado, você quer entendê-lo, você quer abrir uma frente, você quer saber como é que ele chegou até aqui. Olhar a evolução da sua história. Você perceber o que é o presente, a circunstância real na qual nós estamos hoje. Ouvir essas pessoas. Em terceiro lugar, projetar um Brasil desejável. Isso é um bom brasileiro. E ele projeta o Brasil que ele deseja, o Brasil que ele quer. Ele olha além da sua fronteira de vida. Aí eu repetia e falava, um francês, se você pensar para ele, ele vai ter uma referência histórica, ele vai ter outra coisa, etc. E nós temos uma dificuldade de trazer isso. Aí eu identifiquei uma segunda pergunta. E essa é muito interessante. Eu dizia assim, “me dê dez referências de bons brasileiros”. E aí é espantoso. Algumas coisas vêm, outras não vêm. Uma boa parte fala, “ah, meu pai ou minha mãe foram bons brasileiros”. “Legal, tá”. E dizem a razão pela qual. E? O que mais? A dificuldade de achar personalidades que foram referência lá atrás Padre Anchieta, Dom Pedro II, Manuel da Nóbrega, Rui Barbosa, e por ali vai, Ayrton Senna, Arns, ou quem for. Há dificuldades. A maior dificuldade, ainda, quando você pega os presentes, é identificar os visionários, aqueles que realmente projetam o Brasil lá na frente, que dizem, “pô, esse cara pensou o Brasil, esse cara está me dando uma luz, etc”. Aí a dificuldade é maior. Então, construir um bom Brasil é onde estou me ocupando muito no momento. É isso. É trazer essa identificação. trazer à memória esse passado. E aí eu começo a entrar numa outra área de reflexão. Por que nós somos assim? Nós somos assim. E aí eu começo a me deparar com alguns que começaram a descrever melhor a identidade brasileira, a alma brasileira. Uma delas é o Gilberto Freire, outro delas é o embaixador Oliveira Lima, tem alguns historiadores que trabalham nisso, o Eduardo Gianetti tem feito algum trabalho nisso, é muito interessante. E, sumarizando, é um pouco assim, nós temos uma unidade na diversidade. A gente conseguiu ter brasilidade na diversidade. Essa diversidade, para nós, é um valor que a gente valoriza o presente. Isso tem algumas razões, inclusive da miscigenação. A miscigenação com os povos originários, os nossos indígenas, eles olham o presente num espaço muito maior do que o passado e do futuro. É assim. A parte nossa da influência africana também é assim, porque é tipicamente da circunstância que você não precisa se preocupar tanto com o futuro, porque muitas abundâncias você tem, e também não se preocupa muito em manter questões de passado, muito diferentes de outros povos. Então, o presente no nosso imaginário de povo tem um espaço maior. E essa diferenciação que a gente tem, a gente se ocupa muito com ela, a gente investe muita energia nessas diferenciações para apaziguar, para trazer, para ter alegria. Faz parte do nosso ser. Então esse é um ponto. E o segundo ponto é como é que eu trabalho o imaginário? E aí é que eu estou no meu ponto, no momento em que eu estou batalhando muito. Isso que a gente está falando agora, a gente imaginou lá atrás. Aquilo que eu vou fazer amanhã, depois de amanhã, eu estou imaginando hoje. Então, o meu imaginário, ele me leva ao presente. O meu presente é parte de um imaginário construído. Algum é planejado, outro não, mas está no meu imaginário. Se eu aceito, eu estou nele. Tem poucas coisas que o presente não é do imaginário. É quando acontece uma catástrofe ou alguma outra coisa que são as surpresas da vida, agradáveis ou desagradáveis, que você não imaginou. Mas aquilo que está no teu imaginário, você faz. E aí a pergunta é, como é que eu construo o imaginário das pessoas? E o fascinante é, a gente agora retirou as telas das crianças nas escolas. A tela em si reduz do imaginário na construção. Quando você é adulto é uma coisa, quando você é criança é outra. Falando do pequeno príncipe que estava arranhando o seu vulcão... Quando você pergunta qual é o teu vulcão, teu vulcão, teu vulcão, você vai ter vulcões diferentes desenhados de maneira diferente, porque o teu imaginário diz isso. Se você recebe já na tela o som, já recebe tudo pronto, você relaxa e diz, “ah, esse é o imaginário do pequeno príncipe fazendo vulcão”. Então, você não desenvolve. E a nossa capacidade imaginativa no Brasil é gigantesca por essa capacidade de a gente estar unido na diversidade. A diversidade é extremamente explosiva na criatividade. E a gente sabe disso. Não há povo melhor do que o nosso de improvisar qualquer coisa. Como a gente deixa tudo para a última hora, a gente, no final, dá certo. Porque a gente sabe improvisar. Improvisa com profissionalismo. E a gente é bom nisso. E a gente até acha que, eu tenho um amigo meu, o Saulo Barreto, que diz assim, a gente já nasce com o “sevirismo”, a gente sabe se virar, é o sevirismo. E é uma característica, dentro de uma flexibilidade, uma nova circunstância que você tem, que é muito interessante. Só que se você confiar nisso, você também pode dar com os burros n’água. Então, esse é um novo espaço meu de atenção, o espaço da imaginação, o poder da imaginação, para onde a gente está caminhando e o que nós estamos levando para a nossa juventude, o que nós estamos levando para o nosso povo em termos de imaginação? Quer dizer, o que a gente pode estar olhando o Brasil daqui a 5 anos, 10 anos, 20 anos, 30 anos? Porque quando você sai de uma faculdade e vai ganhar o seu primeiro dinheiro, você diz assim, eu compro uma casa, eu alugo uma casa. Quando vem o contrato da Caixa Econômica, é de 25 anos, de 15 anos. Então, você imagina que daqui a 15 anos está tudo bem. Então, você tem imaginários nessa parte, você tem esperanças nessa parte. E do resto? Do resto, não tem a menor ideia. Então, se eu não tenho a menor ideia, como é que eu faço? Então, o meu incentivo, por exemplo, nessa minha atuação no Conselho da FEI, que é uma das extraordinárias faculdades de Engenharia, Tecnologia e Administração, é incentivar os professores e os jovens, logo no primeiro semestre, a imaginarem o que acontece em 2050. Hoje nós estamos em 2025, mais 25 anos, é onde esse povo vai estar no auge da sua carreira. Podemos imaginar isso? É difícil, não importa. É contraditório? Não importa. É possível? É. Se eu imaginar, aí eu sei qual é a minha contribuição que eu poderia dar lá na frente. Eu faço o meu imaginário acontecer. Então, essa parte de pensar futuros, de pensar concepções, nós precisamos fazer como sociedade, nós precisamos fazer como família, como unidade, porque essa é a gigantesca contribuição, no meu entender, que o Brasil vai dar lá na frente à humanidade. Nós temos uma raiz profunda, se você pensar, hoje a gente está discutindo questões totalmente extremadas. Nós temos que enfrentar um presidente da dos Estados Unidos, que foi o berço da civilização democrática, além dos gregos, e está implodindo tudo que tem pela frente. É dizer, como é que a gente fica nisso? Aí você olha para a sociedade brasileira, ela é diversa, ela é altamente controversa. E outro dia eu estava conversando com um amigo estrangeiro, ele queria entender um pouco melhor como é que é a alma brasileira. Eu falei, ela é tão complexa. Em primeiro lugar, não há um único povo que é designado como profissão. Você tem o francês, você tem o alemão, você tem o inglês, você tem o japonês, o argentino. O único povo que é designado como profissão é o brasileiro, porque isso é profissão. Você tem o cabeleireiro, você tem o marceneiro, você tem o... É tudo “eiro” no final. Então, o brasileiro é profissão. Então, o menino que nasce leva um tapa na bunda para já aprender a ser deixado sem vergonha e é brasileiro, porque se ele não for profissional, nesse nosso mundo, ele não vai se dar bem. Então, ele já nasce como profissional, porque isso é um país que amador não vai pra frente. Segundo que eu falei pra ele é a seguinte. Olha, nós somos um povo muito difícil de entender. Se você for pra São Paulo, 9 de julho é feriado. Aí você diz, poxa, que feriado é esse? É um feriado onde a gente levou uma na cabeça, porque a gente queria ser independente em 1932. Aí o Brasil todo se uniu e deu uma na gente e falou, “peraí, não vai voar”, a gente é feriado e revolução constitucionalista. Falei, interessante, mas São Paulo é diferente. Não é São Paulo não, vai pro Rio Grande do Sul. Farroupilhas, feriado. Por quê? Porque levou uma na cabeça. Ele quis ser independente, etc. Vai para o norte, Canudos, e assim por diante. Então a gente comemora as nossas derrotas. Você diz assim, mas por quê? Não é contraditório? É, porque a gente é contraditório o tempo todo. A gente adora ser contraditório, porque isso nos une. E aí você vai olhando essas contradições, essas diversidades, agora a gente está recuperando o entendimento de Amazônia, que a gente deixou esquecido por centenas de anos. E de repente começa a entender a Amazônia. E aí tem controvérsia para tudo que é lado, na política, na economia, na diversidade sociocultural e assim por diante. É a beleza nossa. E essa criatividade que nos une, é onde a gente começa a ter um imaginário possível, potencial. E eu acho que isso é o que nós temos que fazer. É por isso que eu estou me ocupando disso. Não tem nada a ver com conselhos, não tem nada a ver com empresa, mas tem a ver com legado. Eu acho que o legado é aquilo que você projeta pela frente e faz acontecer. E não é o monumento que se ergueu lá no passado.
P - E acho interessante, na nossa perspectiva, que me parece uma coisa muito nobre, porque provavelmente você não vai conseguir viver para ver 2050, mas mesmo assim você não se importa de investir nele.
R - Eu acho mais fascinante ainda. Eu acho mais fascinante. E você teve pessoas que fizeram isso, antes da gente, estão fazendo isso, de uma maneira desprendida. Eu junto os meus netos, eu junto amigos, eu junto universitários, eu adoro estar trabalhando com universitários, porque ele já tem uma maturação e o universitário está cheio de dúvidas. É uma pessoa fantástica, porque quando você tem dúvidas, você está aberto, fala, “pô, eu não sei, você vai por ali, não, eu não gosto disso, mas será que eu gosto? Será que vai dar certo? Ótimo”. Aí você coloca ele no imaginário, ele vai embora, ele traduz isso para si. Todos nós temos sonhos, não há pessoa que não tenha sonhos. E um sonho compartilhado, esse é o grande pulo do gato. Quando você compartilha um sonho, você se sujeita a críticas. Alguém lá diz, “pô, esse cara está viajando, isso aí não vai dar certo, você está ficando maluco”. Então tem todo esse enredo do não na frente. Mas quando você fala dele, você dá a chance de ele ser compartilhado. Quando ele é compartilhado, é um segundo, um terceiro, que começa a dizer, “pô, legal, já imaginou isso, já imaginou isso?” Aí vira visão. Um sonho compartilhado vira visão. Aí começa a ter força. E o Brasil tem visões, só que a gente tem que trabalhar isso mais. A gente está muito empenhado em ver as nossas diferenças e batalharmos as nossas diferenças, que não são irrelevantes, mas a gente tem que olhar mais para frente e fazer essa parte. E o legal nisso, quando você começa a trabalhar suas visões, o mais interessante é que você recebe, de repente, contribuições de pessoas ou de outros que você nunca imaginava na frente. E aí você percebe uma coisa, que tem muita gente precisando disto. Nós hoje lamentamos o falecimento do Papa Francisco. E a gente lamenta, mas quando você vê muitos textos que ele traduz, que ele tem colocado, são visões, são de um mundo compartilhado, de um mundo diferenciado. Ele trabalhou, quando ele começou a trabalhar, o seu papado disse assim, “a igreja tem que sair de si”. E ele chocou todo mundo, falou, por que a igreja não saiu de si? Não, ela está enclausurada, está todo mundo falando para si próprio. Então, ele falou para todos, saia, comece a falar, comece a trazer. Se Deus está falando com você e Deus tem um propósito consigo, coloque isso, coloque isso na frente e você vai ter respostas do mundo, você vai ter respostas das pessoas. Você vai ter que se colocar nessas respostas. É desagradável? Muito, porque você vai encontrar coisas. E a outra sacada dele é incrível. Ele dizia assim, eu oro todos os dias para Deus me dar humor. Porque com o humor aí a coisa fica mais leve, fica mais fácil. E os outros também me contam coisas humorísticas. E eu fico feliz, eu fico. Porque um cara sem humor é um cara chato. E é verdade. Então, eu falo, por exemplo, para as minhas netas, eu tenho um grupo que se chama “Netolândia”. Aí eu pergunto para elas assim, o que é que hoje te faz mais interessante do que ontem? E aí elas têm que pensar. Algumas são legais e outras não. Isso aqui não vai entusiasmar ninguém, não vai te deixar mais interessante. Pense novo. Aí você fica um doido da vida e vem. Outro dia eu estava em um papo com uma delas e uma delas chegou e disse, hoje você está mais interessante do que ontem, por quê? Me pegou desprevenido. Eu tinha que falar alguma coisa. Claro, eu já sabia que a resposta era, isso é muito chato, não vai dar. Vai dar outra resposta. Então, você entra em diálogos criativos, alegres, possíveis. E isso acho que deixa a gente mais completo.
P - Agora, como é que você imagina o Brasil de 2050? Deseja ou imagina? Como é que você projeta?
R - O Brasil tem algumas potencialidades que ele está exercendo e vai exercer. A gente não acredita, porque a gente critica muito mais do que elogia. Nós, brasileiros, temos esse inconveniente. A gente não tem um Prêmio Nobel, porque quando sobe um Prêmio Nobel, a gente fala, “esse não, pelo amor de Deus, tem outro melhor”. Então, a gente abafa os nossos heróis, assim, sistematicamente, mas a gente tem. O Brasil 2050, ele vai ser um país que muitos outros países gostariam de ser. Em primeiro lugar, porque a gente tem superado as diversidades de uma maneira mais humana. Hoje existe um embate terrível das diferenciações e as redes sociais que trouxeram um empoderamento gigantesco da população mundial, elas hoje se transformam cada vez mais em segmentos, e esses segmentos se autoafirmam e muitas vezes se combatem entre si. É uma característica. Nós brasileiros fazemos isso já desde que nascemos, como tínhamos comentado antes. Mas a gente supera isso de uma maneira boa. A gente consegue trabalhar essas nossas diferenças de uma maneira boa. No final, dá certo. A gente testa tudo que dá errado, mas depois, no final, a gente acerta. É aquele negócio do improviso, mas dá certo. Então, essa característica de você tolerar até o limite, e aceitar, ter paciência, joga a bola no imaginário na frente, o outro vai atrás, legal, e assim por diante, isso é uma característica vencedora. Ela não é perdedora, ela é vencedora. Muitos países vão buscar nesta referência uma referência para a paz mundial. Esse é o primeiro ponto. A segunda, nós temos uma característica por sermos, estarmos numa área tropical, que o nosso poder tropical fotossintético é três vezes maior do que o temperado norte e o temperado sul. O que significa de que, nessa parte fotossintética, nós somos uma grande solução, que não é só o Brasil, que é a Indonésia, que é Congo, a África, etc., o sul da Índia, norte da Austrália, Essa área vai dar muitas respostas positivas numa possibilidade de você fazer uma competição usando o poder natural. Então é a biocompetitividade, a gente é muito forte na biocompetitividade. Se você pegar isso com as preservações, com o poder que o agro e a agroindústria têm com as inovações, nós vamos ser com os outros países tropicais uma forte indução a melhorar não só a parte climática, mas substituição de fóssil como a parte também alimentar, as cadeias alimentares. Então, nisso o Brasil hoje é expoente. Não há um outro país tropical, hoje já, que tenha esta nascente. E tem um outro fator histórico que poucos estão se dando conta. Nós temos 8 bilhões de pessoas, vamos para 11 em 2050 e a gente não sabe se os 13 bilhões que vêm a mais vão ser mais pobres, vão ser mais ricos, como é que a gente gostaria que fosse todo mundo mais para uma riqueza compartilhada. Como é que a gente vai conseguir trabalhar essa temática onde você tem de um lado a agricultura, a parte da indústria e a parte urbana. No nosso imaginário essas três coisas estão separadas. Se você olhar o Brasil, 50% da nossa população hoje em 2025, 80% dessa população é urbana. Se você pegar a metade dessa urbana, ela vive em cidades menores do que 400 mil habitantes. Essas cidades de 400 mil habitantes estão intimamente ligadas com o agro. Então, quando você vê cidades que não existiam há 30 anos atrás, hoje têm 400 mil habitantes, eles têm o que você precisa. Eles têm universidades, têm hospitais, têm isso, têm aquilo. E essas pessoas, elas trabalham com o agro. A indústria entrou no agro. E, dali, a resposta do agro é extremamente favorável. Então, o que você começa a perceber é que você tem uma nova migração no país, onde o Centro-Oeste, que é Goiás, Mato Grosso Sul, Mato Grosso, Acre, Sul da Amazônia, Pará, tem uma geração que está trabalhando nesse tema do agro que tem, em média, 35, 40 anos. Eles não estão com as enxadas nas costas, eles estão com o celular na mão. Total diferença. Um europeu hoje, em 2025, a idade média do agricultor é de 64 anos. Americano é de 60 e poucos anos. E tem problema de sucessão e tem problema de introdução. E nós estamos fazendo uma mudança social no país, onde aqueles que emigraram há 200 anos atrás e que saíram da miséria europeia na parte da industrialização e não tinham mais nada na parte agrícola, vieram aqui porque tinha terra em abundância e começaram a trabalhar a terra. Só que também perceberam que com os métodos de lá aqui tem limites. Há 20 anos, 30 anos, a gente tem percebido que os métodos de lá agora não funcionam. Os nossos métodos que a gente está inventando nas nossas fronteiras, essas estão funcionando melhor. Opa, estamos entrando numa nova fronteira e está atraindo juventude, está atraindo inovações, está atraindo tecnologias. Nós não vamos alimentar o mundo. Nós vamos alimentar algumas questões críticas, que são proteínas animais, etc. Nós vamos induzir outros países a serem muito similares a nós. O país vai ser uma referência mundial, talvez sejamos a quinta maior economia mundial, por causa da cadeia alimentar, por causa da cadeia energética, por causa da sustentabilidade, por causa da preservação e por causa da diversidade. E não vamos ter armas, não vamos ter bomba atômica, não vamos ter uma grande esquadra, nem nada disso. Vamos ter aquilo só para ninguém fazer bobagem em nosso redor. Mas nada mais do que isso. Quem é que não gostaria de estar aqui? Então, esse é o Brasil que temos pela frente. E ele não é impossível. E ele é alcançável. E isso nós temos que traduzir. E, no íntimo de muitos de nós, isso está acontecendo. Então, as confrarias do bem estão indo de um lado muito forte. Esse é o trabalho, penso, que todos nós temos que ter, de idade ou não, de idade, jovem ou não, é alimentar esse sonho ininterrupto onde você tem paz, onde você tem harmonia, mas na diversidade.
P - Acho que agora eu vou ter que passar para as perguntas finais, por conta do nosso tempo. Tem alguma coisa, algum tema, alguma parte da sua vida que você gostaria de falar antes da gente ir para as perguntas finais, que eu não perguntei, alguma pergunta que eu não fiz, que você queira falar, enfim.
R - Eu acho que o que hoje e sempre me moveu de certa maneira também é a minha relação com Deus. Eu tenho uma relação com Ele bastante forte e muitas vezes as indagações a Ele não têm respostas. E é porque a minha pergunta está errada. E não é porque Ele não me dá resposta, é porque eu perguntei de maneira errada. E a outra parte, dentro daquilo que hoje me estimula extraordinariamente, é a minha esposa, a Nina, que é uma companheira incrível, porque ela está fazendo um trabalho onde ela, como mulher, traduz uma liderança para mulheres, não por serem mulheres, mas pelo olhar diferente que elas estão fazendo. Então, hoje na liderança que ela executa, ela vai por conteúdos, e nesses conteúdos ela mostra às outras lideranças de que a contribuição delas é olhar cada vez mais para cima. Ela tem um tema muito interessante que ela diz assim, “a mulher por décadas ou por milhares de anos, até por acompanhar a prole, por a casa, ela tem um olhar mais voltado para baixo e o homem tem um olhar mais para cima”. É uma distinção, mas a mulher tem capacidade de olhar para cima, tem capacidade de buscar outras referências. Ela trabalha essa temática e isso é incrível. Eu tenho hoje ao meu lado uma pessoa que me acompanhou por muitos anos em minhas jornadas e hoje eu tenho uma alegria nova em poder acompanhá-la. Eu quero acompanhá-la nessas partes, eu quero ouvir. E ela está trazendo novas personalidades, novas questões à frente que eu nunca tive desta maneira. Então, eu quero fazer essa referência porque eu acredito muito neste jogo juntos. Ele não é fácil. Você tem uma série de dificuldades em trazer, mas se você souber entender essa riqueza conjugada, você não tem mais limites nessa parte. O segundo ponto que eu quero mencionar é que eu acredito muito numa América mais unida, sem fronteiras. A nossa maior fronteira é o imaginário. Não é a Cordilheira dos Andes, não é a diferença da Argentina do Brasil, essas coisas. É o nosso imaginário. E quando nós conseguimos superar esse imaginário na América Latina, essa outra temática que você colocou, como é que você vê o Brasil? Eu vejo uma América Latina muito mais forte, conjugada. Porque temos destinos similares, nós temos histórias similares, temos jeitos similares. E a gente só tem que começar a abrir esse imaginário que hoje está fechado, está muito fechado. Por fim, acho que o trabalho do Museu da Pessoa – quero fazer essa referência – É uma riqueza incrível. Quando pela primeira vez ouvi falar disso, eu me encantei pela história, porque eu falei, é dali que a gente nasce. Um país nasce por pessoas. E essa história dessas riquezas dessas pessoas são experiências vividas pessoais, são dramas pessoais, são superações incríveis de pessoas que nos projetam. E quanto mais a gente começa a entender um pouco o que as pessoas, o que levaram as pessoas, o que impediram as pessoas, como é que elas se transformaram e fizeram uma gigantesca diferença, a gente se torna um bom brasileiro. Então, o trabalho que vocês estão fazendo, o trabalho da Fundação, é espetacular. E eu espero que muitas pessoas venham aqui dar seus depoimentos, que vocês tenham muitas instituições que acreditem nisso. Porque, no final, somos nós pessoas que podemos fazer uma diferença.
P - E fazer uma penúltima pergunta, que é uma coisa que eu achei interessante. Você falou da sua relação com Deus. Como que é o Deus para um Batista, um Luterano? Qual é a relação que ele tem? Qual é a relação que você criou com ele?
R - O que todos nós temos em comum, no dia que a gente for se apresentar, eu tenho certeza que ele vai te perguntar algumas coisas. A primeira que Ele vai te perguntar é em quem você realmente acredita. Se você tem capacidade como cristão de dizer eu acredito em você, Deus, em Jesus e no Espírito Santo que nos leva a tudo isso. É a primeira pergunta que ele quer ter uma resposta muito clara em relação a isso. A segunda, provável, que Ele vai te fazer é dizer, tá, e me diga qual é a diferença que você fez sabendo de tudo isso? Aí eu vou ter que contar algumas coisas ou não, coisas que não fiz, coisas que fiz errado ou as outras. E aí é pedir pela benevolência Dele entrar. Mas eu tenho certeza que ele sabendo que eu sou santista vai ser mais fácil. Então essa parte é única. Ela é tão única para nós, nós cristãos, que um judeu fazendo essa pergunta para ele, ele vai dizer, “tá, eu sei que o meu filho ainda vai chegar para você, mas um dia, agora ele está aqui, você já vai ver, então pode entrar”. Para o muçulmano, ele vai dizer, “está vendo, em Abraão, a gente estava todo mundo junto, você foi, e Maomé também fez referência ao meu filho que está aqui, etc”. Nesse caso, eu vejo uma grande união. Eu vejo uma grande possibilidade de estarmos todos juntos. E eu acho que a maior riqueza que nós temos é acreditarmos nessa tríade. Eu sou luterano, mas eu comungo igrejas cristãs as mais variadas. Eu tive debates com muçulmanos, que têm até hoje, com judeus. Tantas coisas conjugadas que, se a gente souber, eu leio o Antigo Testamento, entendo o que se passou totalmente, entendo essa parte. Então, é essa parte que nos junta, é essa parte que nos faz sermos muito mais unidos e o poder não de dividir, mas o poder de unir. E onde eu estive, eu já estive em igrejas batistas, eu já estive em outras congregando. Sempre quando vinha essa diferenciação, eu me coloquei de lado. Falei, não é essa a pergunta. Não é essa a questão. A questão é, o que é que fazemos com aquilo que estamos aprendendo que recebemos? Então, quando nós recebemos a incumbência de sermos seres humanos e temos a incumbência de tratar da natureza, e até designar os nomes às plantas, aos animais. Essa é uma incumbência. E se por milênios nós tivermos que nos defender perante a natureza, perante a agressividade da natureza, que também eram animais, também eram as florestas, também eram os desertos, hoje a gente tem o poder de superá-los, a gente tem que saber segurar esse nosso poder, e saber trabalhar isso de maneira distinta. Diz, espera aí, aqui tem respeito, aqui é a minha responsabilidade, eu não posso. Então, essas respostas são duras, mas a gente tem que fazê-las. E aí eu acho que Deus conduz as coisas. E sempre em circunstâncias muito pessoais, muito diversas, como essa hoje, aqui com vocês, eu oro antes a Deus e digo assim, me dá a sabedoria, me coloca as palavras que você quer colocar e que seja o que Você quiser. E isso tem dado certo.
P - Ingo, como é que foi contar um pouquinho da sua história pra gente hoje?
R - Foi emocionante, foi surpreendente porque vocês deram uma abertura incrível. Podia falar do que eu quisesse. Refleti muito do que eu não falei, do que eu falei, mas foi pela leveza que vocês colocaram nisto e penso que vocês conseguiram conduzir naquilo que interessa. Há aqueles que vão pesquisar as pessoas do nosso bairro, da nossa cidade, do nosso país, do nosso mundo, vão poder encontrar algumas coisas que para elas fazem referência. Eu acho que esse é o rico desse diálogo que vocês favorecem. Eu só espero que vocês tenham, muitas dessas, vocês tenham longevidade, que quando se tiver a minha idade, dizer, “puxa vida, já tem mais jovens aqui, etc”. Essa turma toda aqui é jovem, só para vocês saberem, eu é que sou o mais antigo aqui. E vocês reconhecerem o valor que vocês deram para isso e o valor que isso vai representar para tantos que vão estudar, para tantos que vão conhecer. E é uma maneira incrível de vocês valorizarem a brasilidade. Eu que agradeço a vocês.
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