Há, hoje, um senso comum de que os adolescentes devem definir seus futuros ao terminarem o ensino médio e ingressarem em uma faculdade. Esse senso comum apresenta, pelo menos, dois graves problemas, para mim: a concepção de caminho sem volta, como se houvesse apenas uma chance para escolher algo; e a ideia de que essa única chance tem de ser aproveitada o quanto antes, ou seja, quanto mais jovem você decidir sua carreira, maiores as chances de sucesso. Não acredito nem em última chance, nem em corrida contra o tempo. Para falar de minha escolha pela História começarei dizendo que todas os sentidos que produzo hoje são frutos da própria trajetória, são sentidos construídos hoje, e não dados nos momentos de cada decisão. A aproximação à História se deu, pela primeira vez, por um certo fascínio que tive pela aula de um professor, na época do ensino fundamental. Àquele tempo eu nem considerava o vestibular e, visto que nunca fui um bom aluno, considerava menos ainda tornar-me professor. Nunca gostei das aulas, nenhuma delas, tendo uma ligeira simpatia por matemática, além, é claro, da educação física, disciplina na qual erroneamente apenas jogávamos algum jogo (futebol, voleibol, etc.). Talvez justamente por isso a disciplina de história, na oitava série – atual nono ano – tenha se destacado tanto: eu nunca tinha gostado. É curioso que, hoje, nem sei bem dizer de quê exatamente eu gostei, porque continuava achando a disciplina chata, mas havia algo de dedicação no olhar do professor, algo que, penso, me fez crer que alguma coisa ali era interessante, por mais que não o fosse para mim ainda. Não passou a ser. Entre esse momento e o momento da primeira – sim, primeira – escolha pela história, me aproximei da filosofia. Tive o prazer de participar, por um ano, de um grupo de leitura de textos de Nietzsche, que, obviamente, não entendia e ainda não entendo – mas a consciência é muito superestimada, é possível gostar...
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Há, hoje, um senso comum de que os adolescentes devem definir seus futuros ao terminarem o ensino médio e ingressarem em uma faculdade. Esse senso comum apresenta, pelo menos, dois graves problemas, para mim: a concepção de caminho sem volta, como se houvesse apenas uma chance para escolher algo; e a ideia de que essa única chance tem de ser aproveitada o quanto antes, ou seja, quanto mais jovem você decidir sua carreira, maiores as chances de sucesso. Não acredito nem em última chance, nem em corrida contra o tempo. Para falar de minha escolha pela História começarei dizendo que todas os sentidos que produzo hoje são frutos da própria trajetória, são sentidos construídos hoje, e não dados nos momentos de cada decisão. A aproximação à História se deu, pela primeira vez, por um certo fascínio que tive pela aula de um professor, na época do ensino fundamental. Àquele tempo eu nem considerava o vestibular e, visto que nunca fui um bom aluno, considerava menos ainda tornar-me professor. Nunca gostei das aulas, nenhuma delas, tendo uma ligeira simpatia por matemática, além, é claro, da educação física, disciplina na qual erroneamente apenas jogávamos algum jogo (futebol, voleibol, etc.). Talvez justamente por isso a disciplina de história, na oitava série – atual nono ano – tenha se destacado tanto: eu nunca tinha gostado. É curioso que, hoje, nem sei bem dizer de quê exatamente eu gostei, porque continuava achando a disciplina chata, mas havia algo de dedicação no olhar do professor, algo que, penso, me fez crer que alguma coisa ali era interessante, por mais que não o fosse para mim ainda. Não passou a ser. Entre esse momento e o momento da primeira – sim, primeira – escolha pela história, me aproximei da filosofia. Tive o prazer de participar, por um ano, de um grupo de leitura de textos de Nietzsche, que, obviamente, não entendia e ainda não entendo – mas a consciência é muito superestimada, é possível gostar sem entender! Enfim chegou o momento do vestibular e tive que optar entre história e filosofia e, talvez movido por um pragmatismo – História “tem mais mercado” que filosofia –, acabei fazendo da história primeira opção e filosofia segunda. Se não soube o porquê de escolher história, não ficaria na dúvida por muito tempo. Já no primeiro período tive a confirmação da minha antiga suspeita de que “alguma coisa ali era interessante”. Cursar Metodologia da História I com o professor Manoel Salgado Guimarães foi uma das mais decisivas experiências que tive na graduação. Com ele, fui apresentado a um campo que nem poderia suspeitar que existia, duas áreas que, nos meus tempos de colégio, não eram nem esboçados: a teoria da História e a história da História. A primeira coisa que perguntei ao professor Manoel foi o porquê do abismo existente entre a História que aprendíamos no colégio e a História que eu estava começando a conhecer, ao que o Manoel respondeu: “Bom, você ouviu falar de algum laboratório, grupo de estudos de ensino de história aqui no IFCS? Não há. Os professores não se importam com o ensino”. Naturalmente essa resposta soa óbvia hoje, mas lembro-me de ter ficado duplamente incomodado. Em primeiro lugar, senti que se os professores que eram capazes de dar aulas tão mais interessantes se envolvessem com o ensino básico, meu envolvimento com o estudo poderia ter sido muito diferente. E em segundo lugar, imediatamente pretendi que eu não participasse desse ciclo vicioso, no qual a academia forma professores que aprendem a gostar do ensino superior e menosprezar o ensino básico. O segundo grande momento da minha principiante trajetória acadêmica foi quando infelizmente o professor Manoel faleceu. Em 2010, perdi aquele que tinha sido a (re)afirmação da minha escolha pela história, mas, por outro lado, conheci aquela que seria a marca definitiva, este sim um ponto sem volta. Cursei nesse período Metodologia da História II, com a professora Maria Aparecida Rezende Mota (Cida) – que veio a ser minha orientadora de monografia. Nela encontrei a mesma paixão que via em Manoel, a mesma abertura aos alunos, mas – e isso é algo notável – com estilos totalmente diferentes. A essa altura, meu deslumbre com a graduação já havia passado, e já tinha entendido que encontrar professores que se importassem com as aulas na graduação era tão raro quanto encontrar os que se importavam com o ensino básico, e justamente por isso o encontro com Cida foi tão marcante. Não apenas ela é dedicada aos alunos como foi a única pessoa que ouvi falar que o ensino é uma das atribuições da vida acadêmica, ao contrário da habitual separação entre academia e ensino. Tive ainda outro exemplo digno de nota, que foi com a professora substituta Naiara Damas Ribeiro, à época doutoranda que apenas iniciava sua carreira como professora justamente na minha turma. Dona de dedicação e paixão invejáveis, pude acompanhar seu crescimento como professora ao longo dos dois anos nos quais ela trabalho no Instituto. Para finalizar meus relatos de caso de professores importantes, destaco a experiência que tenho hoje com a professora Cinthia Araújo, de Didática Especial. Esta é a única disciplina das de educação a qual posso me referir com sincero prazer. Lugar privilegiado para discussões epistemológicas – que me interessam particularmente – sobre o ensino de história, bem como para a problematização daquilo que me incomodava já no começo da faculdade, mas sobre o que não tive espaço para debater em nenhum outro momento do curso. Com a Cinthia, e a possibilidade de atuar no Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp), estou enfrentando minhas dificuldades e aprendendo que dar uma única aula exige muito mais do que eu poderia imaginar. Tive uma experiência difícil – como penso ter sido a da maioria dos colegas, a julgar por seus relatos – na primeira experiência de sala de aula, no CAp, na qual me deparei com a dificuldade de planejar uma aula sobre um tema específico, mas que ao mesmo tempo poderia ser abordado de infinitas maneiras. Particularmente, achei minha primeira aula chata, e isso me incomodou profundamente, justamente por lembrar de como eu mesmo não gostava das aulas chatas dos meus antigos professores. Não sei – e talvez nunca saibamos – o que os alunos acharam, se minha percepção é representativa de uma apreensão coletiva, mas ela é suficiente para me fazer querer mudar para as próximas experiências, o que impõe novos desafios. Não sei, porém, como poderia fazer diferente do que sempre tive. Por mais que esteja ciente da repetição de dar uma aula que para mim é desagradável, vejo hoje como é difícil romper com o automatismo da repetição, com as referências antigas, em prol das boas experiências que tive na formação acadêmica. É difícil inovar, ou, como talvez seja mais apropriado, repetir coisas diferentes. As inovações nas quais penso não passam tanto por inovações de recursos, como, por exemplo, o uso de novos aparelhos e a incorporação da internet no corpo da aula. Não se trata, porém, de uma oposição a elas, pelo contrário! Um colega que está cursando prática de ensino juntamente comigo teve, em sua regência, a ideia de realizar um trabalho em grupo que necessitava de aparelhos eletrônicos – ele uso dois notebooks e três tablets – para a execução de um vídeo para determinados grupos, bem como, em outro momento de sua aula, se valeu do software Prezi para apresentar mapas interativos – vale destacar a recepção extremamente positiva dos alunos a esse software. Minhas dificuldades em relação ao uso da tecnologia durante a aula talvez estejam mais ligadas a não saber planejar um uso produtivo desses recursos, porque penso que o uso pelo uso, a subutilização das ferramentas tende a tornar o que poderia ser melhor em ainda pior. Por outro lado, em outras dimensões do trabalho acadêmico, como a pesquisa, costumo usar com muita frequência os recursos tecnológicos, acessando artigos em revistas digitais, buscando referências em ferramentas de pesquisa da internet, acessando dicionários e enciclopédias online e mesmo digitando os resultados da pesquisa em um computador. A própria compra de livros, para mim, é muito facilitada pela possibilidade de realizar a compra online, através de busca em sites e comparações de preço. O lado negativo, porém, é que você fica menos aberto a encontros, como os que podem acontecer quando se procura por um livro em uma livraria. Por vezes procuramos o livro X e achamos o Y, do qual nem sabíamos da existência. Isso é mais difícil de acontecer quando temos facilidade para encontrar exatamente o que procuramos. Penso que minha geração é a geração da transição tecnológica, em especial da Internet. Nasci no mundo analógico, no qual o máximo de virtualização que tínhamos eram videogames nos quais o multiplayer era presencial e limitado. Na adolescência, porém, a computação e a internet começaram a se popularizar. No início da década de 2000 – nos meses finais de 2002, para ser mais exato –, passei a ter internet de banda larga em casa, e isso representou uma grande mudança na minha vida e socialização. Eu faria 15 anos no início de 2003, justamente quando mudei de colégio para o ensino médio, o que foi especialmente difícil pela transição de um pequeno colégio particular da Tijuca para um muito maior colégio – ainda na Tijuca – da rede Faetec. Ao mesmo tempo em que conheci pessoas e mundos diferentes na escola, conheci igualmente pessoas e mundos diferentes na internet, por intermédio de fóruns – na moda àquela época – e jogos online. E, voltando a ideia de transição, acredito que continuo vendo – e vivendo – esse período de transição. A tecnologia ainda não é bem aceita em sala de aula, apesar da popularização de smartphones e tablets. Muitos professores, apesar de não serem tão velhos – como vi no CAp – são totalmente resistentes ao fato de alunos olharem o celular dentro da sala de aula. Penso ser lógico que não se permita ao aluno que fique a aula inteira mexendo no celular, mas soa irreal, e mesmo ridículo querer proibir/exigir que os alunos não façam uso em momento nenhum. Talvez seria mais interessante integrar essas ferramentas – apesar de não saber como – e, sobretudo, entender que, com ou sem celular, alunos se dispersarão da aula, e não necessariamente isso significa que é um problema – tanto da aula quanto do aluno. Devemos, pois, cuidar dos exageros, seja por parte dos alunos, seja por parte dos professores, que numa manutenção de um autoritarismo démodé, tentam fazer com que em suas aulas o aluno faça uma imersão no passado, de uma maneira torta, pelo fingimento de que tais tecnologias não foram desenvolvidas. Dessa forma, acredito que o único caminho realista para lidar com as tecnologias é aprender diferentes usos delas, aprender a pensar com elas, assim como aprendemos há décadas a pensar com o quadro negro.
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