Projeto 50 anos da Ponte Rio-Niterói
Entrevista de Patrícia Ribas Espinosa
Entrevistada por Paula Ribeiro
Niterói, 11 de março de 2024
Código da entrevista: PRN_HV011
Revisado por Nataniel Torres
P - Boa tarde Patrícia, muito obrigada pela sua participação aqui, nos concedendo um depoimento sobre a sua história de vida e trajetória profissional no contexto do projeto comemorativo dos 50 anos da ponte Rio Niterói, obrigada.
R - Eu que agradeço, Paula, pela oportunidade.
P - Bom, vamos começar do começo, o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Meu nome é Patricia Ribas Espinosa, nascida em 12/09/1983, na cidade de Dom Pedrito.
P - A onde fica Dom Pedrito?
R - Dom Pedrito é uma cidadezinha bem pequena, que faz fronteira com o Uruguai, e com Rivera.
P - Em relação aos seus pais, o nome dos pais, e profissão?
R - Minha mãe se chama Maria Terezinha Ribas Espinosa. Hoje ela é aposentada, mas foi professora durante muito tempo, professora de matemática. E meu pai se chama Mario Tarouco Espinosa, hoje também aposentado, ambos aposentados, aproveitando a vida. Um pouquinho. E ele trabalhava como escrivão no poder judiciário.
P - E os avós? Você conheceu os avós maternos e paternos? O nome deles? Conhece a origem familiar Patricia, um pouquinho?
R - Eu conheci meu avô por parte de pai. Minha vó e meu vô, perdi a minha avó muito cedo, eu tinha em torno de uns 2, 3 anos de idade, então não tive muito esse convívio, né? E do lado da minha mãe, eu não conheci meu avô, ele faleceu quando eu estava na barriga da minha mãe, ou seja, estava ali já crescendo, mas não tive a oportunidade de conhecê-lo, mas conheci a minha avó materna. Tive o convívio com eles até os meus 14, 15 anos, quando eles vieram a falecer também.
P - Você pode contar um pouquinho, como era sua cidade? Como é que foi um pouquinho sua infância? Você tem irmãos? Como é que foi?
R - Bom, vamos lá, como eu falei, Dom...
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Entrevista de Patrícia Ribas Espinosa
Entrevistada por Paula Ribeiro
Niterói, 11 de março de 2024
Código da entrevista: PRN_HV011
Revisado por Nataniel Torres
P - Boa tarde Patrícia, muito obrigada pela sua participação aqui, nos concedendo um depoimento sobre a sua história de vida e trajetória profissional no contexto do projeto comemorativo dos 50 anos da ponte Rio Niterói, obrigada.
R - Eu que agradeço, Paula, pela oportunidade.
P - Bom, vamos começar do começo, o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Meu nome é Patricia Ribas Espinosa, nascida em 12/09/1983, na cidade de Dom Pedrito.
P - A onde fica Dom Pedrito?
R - Dom Pedrito é uma cidadezinha bem pequena, que faz fronteira com o Uruguai, e com Rivera.
P - Em relação aos seus pais, o nome dos pais, e profissão?
R - Minha mãe se chama Maria Terezinha Ribas Espinosa. Hoje ela é aposentada, mas foi professora durante muito tempo, professora de matemática. E meu pai se chama Mario Tarouco Espinosa, hoje também aposentado, ambos aposentados, aproveitando a vida. Um pouquinho. E ele trabalhava como escrivão no poder judiciário.
P - E os avós? Você conheceu os avós maternos e paternos? O nome deles? Conhece a origem familiar Patricia, um pouquinho?
R - Eu conheci meu avô por parte de pai. Minha vó e meu vô, perdi a minha avó muito cedo, eu tinha em torno de uns 2, 3 anos de idade, então não tive muito esse convívio, né? E do lado da minha mãe, eu não conheci meu avô, ele faleceu quando eu estava na barriga da minha mãe, ou seja, estava ali já crescendo, mas não tive a oportunidade de conhecê-lo, mas conheci a minha avó materna. Tive o convívio com eles até os meus 14, 15 anos, quando eles vieram a falecer também.
P - Você pode contar um pouquinho, como era sua cidade? Como é que foi um pouquinho sua infância? Você tem irmãos? Como é que foi?
R - Bom, vamos lá, como eu falei, Dom Pedrito é uma cidade pequena, então facilitou bastante, a gente teve uma infância que a gente brincava na rua até altas horas da noite, com toda segurança, de poder estar brincando, e poder estar nos divertindo. Eu tenho mais duas irmãs, eu sou, vamos dizer assim, a caçula. Tenho uma irmã do meio chamada Fernanda, e a irmã mais velha que é Lívia, tivemos uma infância muito feliz. Sempre próxima da família, meus pais sempre presentes, e sempre por dentro de todas as brincadeiras. Então a gente, por exemplo, fechava a rua para brincar, e meu pai era uma das pessoas que estava sempre ali, eu brinco que era o animador. Ele juntava a criançada toda, e aí a gente brincava de pique esconde, de roda, de elástico, de pião, várias brincadeiras que hoje muitas crianças nem têm ideia do que são, né?
P - Em relação a origem da sua família, o sobrenome, você sabe a origem do Ribas ou do Espinosa?
R - Eu sei que é de origem portuguesa, mas eu não tenho um domínio da história. Dessa origem, eu não tenho.
P - Em relação a sua casa, conta um pouco da infância também, como era o ambiente da casa? Como é que era a casa? Você morava em casa? Alguma tradição que vocês tinham? Algum festejo que você lembre? Uma festa de natal ou uma páscoa? Alguma festa mais, talvez tradicional da cidade que você possa nos contar, por favor, Patrícia?
R - Nós moramos grande parte em apartamento. Sempre a constituição da família foi essa: meus pais e minhas irmãs. Aquela rotina básica de dia a dia, meus pais sempre gostaram que a gente tomasse café da manhã junto, que a gente almoçasse, que jantasse todos juntos, porque como meus pais trabalhavam muito, então, era o momento que eles tinham da família estar reunida. Esses momentos eram muito valiosos para eles, e acabou passando isso para nós. Essa importância de ter aquele momento de sentar, conversar, perguntar como foi o dia, como foi a escola, como foi o ballet, a atividade que a gente fazia durante o dia. Dom Pedrito é uma cidade chamada de “capital da paz”, porque foi assinado o tratado de paz farroupilha, então ela traz isso muito forte. Desde pequena a gente foi de tradição de prenda, e de corpo de dança. Então uma data muito, que eu lembro, é o 20 de setembro, que a cidade, literalmente pára para viver essa semana farroupilha. Então tem várias atividades no CTG da cidade, onde a gente era de invernada, então a gente ia de manhã logo cedo, fazia apresentação durante todo dia, eu e minhas irmãs, a gente foi prenda. Desse CTG, então eu acho que é uma das festividades que mais marcou a minha infância e mais marcou, e mais marca, a cidade de Dom Pedrito.
P - O que é ser prenda?
R - Ser prenda é um tradicionalismo que o pessoal, muitas vezes eles fala: “a pessoa está vestida de prenda”. Mas na verdade não é o tradicionalismo que vem da infância, de tu estar rodeado no CTG, por peões e prenda, que trazem essa tradição muito forte para a cidade. E ser prenda, nesse contexto, é levar a tradição farroupilha para outros lugares que não seja só, simplesmente Dom Pedrito, mas outras cidades ali próximas, e levar esse tradicionalismo. Que é de tu viver a tua raiz, eu acho que isso é o mais importante, tu saber qual é tua raiz, da onde tu veio, e o que que tu quer levar com isso, então é gratificante para todo adolescente fazer parte desse CTG, e fazer parte dessas invernadas. E era uma concorrência muito grande para ti chegar a ser prenda de um CTG. Tu tinha que saber cantar, tinha que saber declamar, tu tinha que saber dançar, tu tinha que ter alguma atividade, seja tricô, seja crochê, seja pintura, tudo isso era avaliado para ti poder representar a tua cidade junto ao CTG.
P - Em termos de música, você lembra alguma que você pode cantarolar?
R - Eu acho que a que mais marca toda a infância e adolescência é a música do pezinho: “ai bota aqui, ai bota aqui ali o meu pezinho, o meu pezinho bem juntinho com o seu". Então, eu acho que isso mostra a união da tradição farroupilha.
P - Algum valor que você considere importante, ou mais importante que essa festa transmite para você levar para a sua vida?
R - Eu acho que é o valor da união da amizade e do companheirismo, que era algo muito marcante, sabe? A cidade literalmente para viver aquilo ali todo mundo em comunhão, todo mundo junto e participando.
P - E o que é uma invernada?
R - Invernada nada mais é que um grupo de pessoas que estão ali para dançar músicas gaúchas, para poder se apresentar, não só no CTG local, mas em outro CTG, havia campeonatos. Então a gente participava de vários campeonatos, a gente ia para Ijuí, a gente ia para Bagé, para cidades ali próximas, para a gente participar, então a gente passava 4 a 5 horas por dia treinando as músicas para que a gente soubesse dançar todas elas e poder fazer uma boa apresentação.
P - E as roupas? Tinha costureira? Era alguém que você conhecesse que fizesse? Como é que eram os vestidos?
R - Sim, tem uma senhora, me falha agora o nome dela, mas ela que fazia todos os vestidos de todo mundo na cidade. Então sempre que tinha festival, que tinha algum concurso de prenda, a cidade toda corria para ela para que ela pudesse fazer todos os vestidos. E era engraçado que o filho dela estudava comigo, o Alexandre, era o nome dele, ele estudava comigo, então a gente mexia. A gente não só se vê dentro da escola, mas como em casa também, sempre naquela busca pelo vestido perfeito, pelo vestido que tu fosse gostar, e que fosse ficar confortável, e que fosse o mais rodado possível, né?
P - Ah, tinha que ser… Qual era o tecido, será?
R - Ele é feito de tule, a maioria deles. E ele é bem rodado, e a gente usava saias de armações, que são aquelas saias antigas, da antiguidade, que usava-se aquele collant e aquelas saias para que o vestido pudesse ficar bem rodado, e a gente pudesse fazer as danças na invernada.
P - E era que cor?
R - Tinha várias cores, cada ano era uma cor diferente, uma cor que me marca bastante é o lilás, que foi a cor que eu ganhei a minha faixa de primeira prenda mirim, então esse vestido eu tenho muito vivo assim na minha cabeça. E uma coisa bacana é que todas as prendas, ou chinocas, que tinham prendas e chinocas, até hoje a gente vai no CTG e o nosso quadro está lá como mural no CTG. Então a gente consegue chegar lá e reviver essa infância que foi tão bonita e tão boa de se viver.
P - Nossa, que bacana. Você pode rememorar esse dia que você ganhou o prêmio mirim, por favor?
R - Sim, eu lembro que eu me inscrevi, eu era jovem ainda, né?
P - Você tinha quantos anos? Só para eu entender.
R - Eu tinha em torno de 12 para 13 anos, e meu pai disse para minha mãe “ela não vai ter todo esse ânimo de estudar, de…” Ele ficava com aquele receio, ele queria, mas ao mesmo tempo ele tinha receio por eu ser a mais nova de todas que tinham se inscrito. Nós éramos 5 meninas, e delas eu era a mais nova, treinei muito, cantar, declamar, eu pintava, então eu aproveitei dessa minha habilidade de pintar para pintar, foi um diferencial que todo mundo ou fazia crochê, ou fazia tricô, eu não sabia fazer nenhum dos dois, e eu disse: “não, deixa eu ficar, gravar a música e declamar, e vou na pintura que é o que eu sei que está certo". E aí eu lembro que nesse dia a gente saiu de casa, me arrumei, saímos de casa, e meu pai ainda disse: “vai dar tudo… O que tiver de ser vai ser, mas se caso tu não for a escolhida, não pode ficar chateada e não pode ficar triste, porque tu fez tudo aquilo que estava ao teu alcance". E aí eu olhei para ele e disse assim: “não, hoje saio daqui com a faixa". E aí a gente subiu, tinha um museu, tem um museu dentro do CTG, nós subimos, ficamos no museu, e aí foi feito a declaração de quem tinha ganho. Quando eles falaram meu nome, eu nem acreditava, eu ficava: “Tá, e agora eu mesma, ou não é?”. E daí desci, com certeza foi uma das maiores realizações que eu tive, porque eu já tinha visto as minhas irmãs sendo, então para mim era importante eu ser também, e me marca bastante.
P - Bonito, linda história. Bom, você falou do seu colega de escola, então agora me conta um pouquinho teu ambiente escolar, você disse que você viveu em Dom Pedrito até 14 anos, me conta um pouco dessa sua experiência escolar ainda na cidade, por favor. O nome da escola?
R - Eu estudava em um colégio que era Bernardino ngelo. Ele era há uma quadra da minha casa, a minha mãe dava aula lá, então facilitava bastante. Até a correria do dia a dia dos meus pais de trabalho, eu era muito espoleta, muita coisa, só que as professoras sempre falavam: “a gente não pode brigar com a Patrícia, porque ela faz bagunça, mas ela sempre está com os temas em dia, as notas em dia". Então tipo, elas brigavam comigo, só que ao mesmo tempo passavam a mão. Mas, eu fazia muita bagunça na escola, sempre fui aquela pessoa que gostava de estar envolvida, e de estar fazendo brincadeiras com os colegas, mas sempre mantendo o respeito com os professores, porque se eu não mantivesse esse respeito a havaianas, que ficava guardadinha do lado da porta, pegava na chegada de casa. Então sempre tinha que ter esse respeito pelos professores de estudar, ter notas boas. Mas aproveitei muito o colégio, porque foi dali que saiu as minhas amizades. Então, esse convívio de escola na qual tu tem aquela obrigação de estudar, de passar, mas é uma coisa mais leve. Depois do que a gente veio a passar na faculdade, no trabalho, então foi um período muito bom.
P - Algum amigo, ou amiga especial que você mantém e cultiva até hoje que é dessa época da escola?
R - Sim, eu tenho a Cecília que é, desculpa, Celina, que é uma amiga que a gente foi colegas desde o pré. Então, a gente entrou junto, a mãe dela era professora, minha mãe também era professora, e até hoje a gente tem esse vínculo. Quando a gente faz aniversário, a gente sempre traz alguma foto da infância ou do colégio, ou da época de CTG, ou de alguma atividade que a gente fez em conjunto, e a gente marca, hoje em dia tendo facebook e instagram, a gente marca e traz essa memória da infância que foi muito bacana.
P - Alguma matéria já no primário, ginásio que te interessava mais? Você falou do desenho, que você já tinha aptidão, e que você gostava, alguma matéria e algum professor que tenha te marcado mais ainda nesse período?
R - Matéria eu acho que qualquer criança na infância gosta muito de artes, que é a parte do desenho, a parte que tu pode usufruir da tua criatividade. Eu sempre gostei muito de biologia, e da área de química, confesso que eu tinha um pouco de receio de matemática, por minha mãe ser professora de matemática, então havia essa cobrança de tipo, tem que ter o conhecimento da matemática, tem que tirar notas boas na matemática, eu gostava, mas eu tinha muito receio. Por conta disso, porque a minha mãe foi a minha professora, tanto na escola quanto a minha professora particular. Mas, gostava bastante também de matemática, mas eu acho que o que se destaca aí é artes mesmo, e depois mais a frente a parte de biologia, e a parte de humanas.
P - Então, como é que foi, a família viveu em Dom Pedrito até quando? Depois saiu por que motivo? E outra pergunta que eu queria te fazer, em relação a religiosidade, a família mantinha tradições, alguma religião? Vocês fizeram a primeira comunhão, enfim, como é que foi, por favor?
R - Vou falar um pouquinho da religião, meus pais são católicos. As 3 filhas fizeram a primeira comunhão, fizemos a crisma, eles sempre disseram para nós que a religião em que eles vivem, que eles viviam, e que eles acreditam é a religiosa, mas que a gente poderia em certo momento da nossa vida fazer a nossa escolha, mas que até esse momento chegasse, a gente teria que fazer a primeira comunhão, teria que fazer crisma para a gente ter, vamos dizer assim, uma proteção maior. A gente tinha o hábito de ir à missa todos aos domingos. Então todos domingos, ou à tardinha ou de manhã, a família se reunia, tinha aquela, eu sempre brincava: “cadê a roupa da missa?”. Tinha que ter uma roupa bonitinha, bem passadinha, bem arrumadinha. Essa religião veio muito da minha avó paterna. Ela era muito, muito religiosa, e isso foi passando para a família, e eu acho que independente da religião que a gente tem, a gente precisa acreditar em um ser maior. É isso que nos guia, é isso que nos fortalece no dia a dia. Eu mantenho. Essa vivência, não digo que hoje eu vou todos os domingos à missa como eu ia na infância, mas eu vou seguindo, e eu gosto muito de ir no domingo, porque o domingo marca para mim. Me traz essa lembrança de quando a gente era criança, e me faz bem ir na igreja, fazer uma oração, pedir, porque a gente pede, mas a gente tem que agradecer. E a minha família continuou, eu não sou casada, eu sou solteira, mas eu tenho duas irmãs que tem dois filhos, uma menina e um menino, e atualmente eles estão fazendo a primeira comunhão, então isso segue de geração em geração, que eu acho bem bacana.
P - Algum santo de devoção?
R - Eu sou devota a Nossa Senhora do Horto, é a matriz lá da cidade de Dom Pedrito, e eu sou muito devota a ela, e tenho sempre junto comigo uma imagem dela, e quando a gente precisa se fortalecer na fé, eu sempre peço para ela. Aí voltando, eu saio de Dom Pedrito com 14 para 15 anos, a minha irmã mais velha chegou no momento de ir para a faculdade.
P - Como é a diferença de idade?
R - Eu tenho 40 anos, minha irmã do meio tem 41, e a minha irmã mais velha tem 44, então é uma escadinha aí bem próxima. Ela estava já na idade de fazer faculdade, e meu pai, por trabalhar no fórum, ele tinha essa, vamos dizer assim, essa parte mais fácil de poder pedir para ir para algum lugar. Então, ele chegou no fórum, expos que a filha dele mais velha iria cursar faculdade, e eles disseram que tinha vaga em dois fóruns, uma em Porto Alegre, e outra em Pelotas, na mesma vara em que ele trabalhava, e aí ele chegou em casa e falou para minha mãe, ele disse assim: “já que ela vai ir, a gente vai junto. Ninguém larga a mão de ninguém”, aí foi quando ele pediu, foi feita essa transferência, e a gente acabou indo para Pelotas, que era mais fácil a vivência ali, era uma cidade menor, não tão grande quanto Porto Alegre, que é uma região grande. E mais movimentada para quem sai de uma cidade pequena, tudo é novidade. E tinha a faculdade que ela tinha interesse em fazer. Então foi quando a família sai de Dom Pedrito e vai para Pelotas para iniciar então, a profissionalização de todas as filhas.
P - Como é o nome das irmãs?
R - A mais velha é Lívia, hoje ela mora em Dom Pedrito, o marido dela é de Dom Pedrito, e ela tem um filho chamado Vitor. E tem a Fernanda que hoje mora em Pelotas, que também é casada e tem uma filha chamada Alice.
P - Como é que foi para você, individualmente essa saída da cidade, e para um ambiente novo, uma cidade maior, como é que foi a adaptação na escola? A adaptação com vizinhança? Com moradia?
R - Para mim foi bem complicado, porque eu estava naquela fase de adolescência. Tu tem os amigos ali e tu vai para uma cidade nova, e aí tu fica pensando: “Ai, eu estou me mudando para estar com a minha família, mas ao mesmo tempo meus amigos estão lá". Eu lembro que eu cheguei na cidade, a cidade era muito perto de Dom Pedrito, ela é grande, e aí eu me lembro que a gente saia para o calçadão da cidade, era aquele monte de gente, tu chegava a ficar tonto assim, de ver tanta gente “como que eu vou sair? Eu vou ir para o colégio e vou me perder, não vou saber voltar para casa". E aí a mãe: “Calma, tudo é questão de adaptação, tem que se adaptar, tem que aceitar". E aí eu lembro que passaram-se 4 meses e eu coloquei na minha cabeça que eu queria trabalhar, e a minha mãe: “Como assim? Tu tem 14 anos, tu não consegue trabalhar". Eu digo: “Não, eu vou trabalhar, já que eu vim para cá, eu vou trabalhar, vou estudar". E na época existia jornal, e aí tinha aqueles diários de emprego. E eu fui lá: “esse aqui eu posso, esse aqui eu posso, esse aqui eu posso". Saí uma tarde, disse para minha mãe que eu ia para a biblioteca e na verdade eu fui até a secretaria de transporte da cidade, que tinha uma vaga na área de questões de multas de veículos, e eu peguei e disse assim, aí eu cheguei lá, fiz a minha inscrição, aí perguntaram, que o mínimo que tinha que saber era computador, excel, word, eu disse que eu sabia tudo isso, e deixei toda papelada lá e fui embora para casa, passaram-se dois dias ligaram. Dizendo que eu tinha sido chamada, minha mãe nem sabia de nada, e a minha mãe: “não, porque tu não vai". Eu digo: “Vou". Aí meu pai me levou no primeiro dia, no local.
P - Você tinha quantos anos?
R - Eu tinha 14 para 15, me levou no primeiro dia, aí conversou com o pessoal lá, aí saiu mais tranquilo. Cheguei no primeiro dia, no caso meu chefe chegou para mim e disse assim: “Ah, tu tem essa papelada…”, sem mentira nenhuma, era uma pilha desse tamanho de documento para passar a limpo no computador, só que eu não tinha computador, eu não sabia nem ligar o computador, eu não tinha computador nessa época, a gente veio de uma família humilde, em que tudo a gente foi conseguindo aos poucos. Então, eu não tinha computador, eu não tinha celular, eu não tinha nada, eu não sabia mexer com essa parte de informática, e a menina que estava do meu lado me olhou e fez sinal, disse para eu ficar quieta, e ali eu fiquei sentada na cadeira, quando ele saiu, ela me olhou e disse assim: “Tu não sabe fazer isso, né?”. Eu disse: “Não, não sei ligar o computador, não sei mexer, não sei digitar, não sei fazer nada". E aí, a partir dali, a gente criou um vínculo de amizade, e todos os dias ela ia me ensinado, então eu aprendi literalmente a trabalhar lá dentro (risos). Lá eu fiquei até os meus 16 anos, aí acabei saindo para conseguir estudar e começar a fazer cursinho pensando já na faculdade.
P - Gente, que história, quer dizer, você tinha essa vontade, né? Você queria ter seu dinheiro, você queria trabalhar.
R - E eu acho que para eu ter aquela virada de chave, para mim foi essencial, entendeu? Eu ter atividades para fazer, e ter o meu dia a dia preenchido, para não sentir a saudade que eu sentia dos amigos e das minhas coisas em Dom Pedrito, então para mim foi essencial para me direcionar mesmo, como pessoa e como profissional.
P - Como era a vida de uma adolescente, com seus 15, 16 anos, você ia a alguma festinha? Tinha baile? Tinha alguma atividade? Como é que você conciliava, trabalhar, ir para escola, e ter uma vida social, né? De papo com os amigos, como é que era?
R - Antigamente tinha muito aqueles bailinhos….
P - Bailes, né?
R - … De garagem de casa. E os meus pais sempre nos deixaram ir nessas festinhas, só que claro, quando a gente muda para uma cidade maior, a proporção dessas festas também mudam. Então, tinha sempre aquele rigor de tipo: “meia noite tem que chegar em casa". Aí tu dava aquela choradinha “pode ser meia noite e trinta? Uma hora?”. Mas, eu sempre gostei de estar entre amigos, é uma das coisas que me faz bem, estar junto com a família e estar junto com os amigos. Então a gente tinha aquele grupinho, que a gente ia para as festinhas que não durava a noite inteira, só o início da noite, mas para nós já era muita coisa. Eu estudava praticamente ao lado do colégio, então a gente tinha um grupo que jogava vôlei e futebol. Então a gente, todos os finais de semana se juntava para a prática desse esporte, era o momento que a gente se juntava para conversar, para falar besteira e colocar o papo em dia. E os passeios em família… Pelotas tem praias ali próximo, então, no final de semana a gente gostava de juntar tudo que pudesse juntar. E vai para a praia, aproveitar o dia de praia.
P - Mas, como é que era uma saída de praia? Assim, uma ida para a praia, como é que, como é que vocês iam? Qual praia vocês iam? Era um programa de final de semana? Ou, como é que era isso?
R - Eu posso dizer que as primeiras vezes literalmente era um programa, porque a gente não tinha carro quando a gente foi para Pelotas, o meu pai não sabia dirigir, ele acabou fazendo um, eu não lembro como é que se chamava quando tu dá uns balões e aí tem sorteios para ver quando que tu pega o…
P - Consórcio…
R - Consórcio, isso aí. Seguido que a gente chegou em Pelotas, o meu pai fez um consórcio, e aí então a gente não tinha carro. Até o carro sair no consórcio, a gente andava literalmente a pé, ou de ônibus, então para gente ir a praia era todo uma organização. Uma coisa que me marca muito, foi a primeira vez que a gente saiu de férias, a gente ia tirar 10 dias de férias, a gente conseguiu uma casa no Cassino, Cassino é uma praia que fica na cidade de Rio Grande, e ela é considerada a maior praia em extensão do mundo, porque ela pega várias cidades, e nós alugamos essa casa, depois bem: “Vamos para o Cassino, como? Não temos carro, como que a gente chega até lá?”. Eu peguei e disse para a minha mãe, como eu já trabalhava, já era mais descolada: “Deixa comigo que eu vou resolver". Lá peguei o jornalzinho, que na época era tudo no jornal, e fui vendo. “Aluga-se kombi, aluga-se isso, aluga-se aquilo". Achei ali aluguel de kombi, liguei perguntei: “Vocês pegam no local, levam até e depois vão buscar?”. “Sim, a gente faz todo esse trânsito". E eu digo assim: “Então tá, eu quero alugar essa kombi para o dia tal, na hora tal, para nos levar na praia e daí há 10 dias voltar e nos buscar de novo". Aí minha mãe: “Patrícia, está tudo resolvido?”. Eu digo: “Está, está tudo resolvido, vai vir um senhor aqui nos pegar de carro, e vai nos levar". Só que eu falei carro. Em nenhum momento eu falei kombi, né?
P - Faz muita diferença…
R - Faz muita diferença. Organizamos tudo, vamos levar, ele chega, eu estou olhando na janela e eu grito: “O senhor chegou, vamos descer". A minha irmã mais velha vai na janela e olha, uma kombi azul, aquele azul antigo, sabe? E ela disse assim: “A gente vai entrar nisso?”. E eu digo: “Vamos, é uma kombi, é o que vai nos levar até lá". “Não, porque eu não vou entrar na kombi". Eu digo: “Sim, vamos entrar todo mundo, é que nem um carro, tem roda, tem direção, e vai levar onde a gente precisa ir". Aí fomos. Literalmente eu falo que a gente parece a família buscapé, porque onde um está o outro está junto, e a gente tem essa vontade de estar todos juntos, e fazer as coisas todo mundo junto. E aí fomos, passamos as nossas férias lá, nos divertimos bastante, e voltamos para a casa.
P - Patrícia, a gente estava falando das férias na praia. Mas, como é que era, você falou que vem de uma família humilde, os anos 90, 2000, já era um período mais informatizado, como é que era isso, então? Como é que a família teve um primeiro computador? Você ainda morava com seus pais? Telefone celular chegou quando? Só para a gente ver como é que foi um pouco essa trajetória na família, de tecnologia. Por exemplo, vocês tinham televisão? Na época sua geração jogava? Não sei, como é que era isso?
R - Como eu comentei, eu comecei a trabalhar com 14, 15 anos. Então a gente não tinha computador, a minha irmã, entrando na faculdade, o que exigia: Tu ter o computador para estudar, para pesquisar.
P - Ela foi fazer que..?
R - Ela foi fazer faculdade de direito. “Não, agora chegou o momento da gente ter esse gasto que vai ser positivo para as 3.” E na época eu tinha um tio, que tinha uma loja de computadores em Porto Alegre. Então, meu pai entrou em contato e falou com ele: “O que a gente pode fazer? Qual o melhor computador? Elas precisam usar para isso, o que que tu nos orienta a comprar?”. Aí o meu tio disse que ele não se preocupasse, que ele ia ver um computador bom, que desse para a gente fazer todas essas atividades, vamos dizer assim, do dia a dia da faculdade da minha irmã, e eu e a minha irmã do meio do colégio, então no natal desse ano, a gente ganhou o computador, então foi um presente…
P - Que ano que você está falando, Patrícia?
R - Eu estou falando, aí tem que fazer as contas. Porque eu estou falando do meu 15 anos, eu estou com 40, estou falando…
P - Você é de…
R - Eu sou de 83…97,98, é por aí, de 97 para 98, no natal, então nosso presente foi o computador. E nessa época era engraçado, porque tinha aquelas internets discadas. Então, a gente tinha que esperar até a meia noite para poder fazer pesquisa de colégio, para poder conversar com os amigos. Nos programas que existiam de bate papo, então era uma briga, porque nós éramos 3 meninas, as 3 queriam fazer pesquisa, e queriam conversar, então a gente tinha horário. Uma era da meia noite à 1h00, outra da 1h00 às 2h00, e a outra das 2h00 às 3h00, e essa regra, a gente seguia sempre (risos).
P - Para você ver, queria entrar no ICQ, no Orkut, naquelas coisas, né?
R - Exatamente, mas tudo era cronometrado com horário para não dar briga entre as 3, porque era um computador para 3 pessoas utilizarem. Depois eu acho que foi em 2000, se não me falha a memória, 2000, 2001, que a gente ganhou o celular. Durante esse tempo, a gente foi só se divertindo com o computador, e eu lembro que eram aqueles nokias cinzas tijolão. A gente saiu da escola, encontramos a minha mãe para tomar café, e aí ela disse: “Hoje vocês vão ganhar um presente". E aí a gente: “Maravilha. O que que vai ser?”. Aí chegava com aquela caixa gigante com 3 celulares, pesados, para nós, mas… E aí foi ali que a gente começou a ter esse envolvimento com celular, com internet, e esse desenvolvimento mais tecnológico. Durante a minha infância, a gente não teve videogame, a gente… Eu acho que por uma mistura dois. A questão financeira, porque eram caros. Então… E também para ter esse incentivo de brincar com as crianças na rua, de ter essas atividades mais de equipe mesmo, de diversão. Então a gente, como eu falei, a gente brincava de pião, de taco, de várias atividades, elástico, me lembro até hoje aquelas brincadeiras que tinham de elástico, e acabava que não fazia falta o videogame, entendeu? Aquilo ali preenchia. Mas é óbvio que como criança tu sempre tem aquele pensamento. “Quando eu vou ter meu primeiro videogame? Quando eu não vou ter". Mas, foi passando, foi passando, foi passando, e acabou que a gente não teve, e eu me lembro até hoje que com o meu primeiro salário de engenheira, não é nem primeiro salário de trabalho, meu primeiro trabalho de engenheira, quando eu fui promovida a engenheira, eu fui lá e me dei meu primeiro videogame (risos).
P - Que ótimo, que história!
R - E tenho ele até hoje…
P - Mentira, qual é?
R - É aqueles Wii, aqueles do jogo do Mario Bross. E eu tenho ele até hoje, vira e mexe eu vou ali, ligo, e dou uma jogadinha.
P - Essa história é ótima. Primeiro salário de engenheira, é isso aí, né?
R - Aí eu chego em casa e minha mãe: “O que é isso?”. E eu digo: “Comprei o meu videogame".
P - Bom, Patrícia, então vamos voltar ao período de escola, quando você diz que deixa então, aos 16 anos, mais ou menos, o trabalho porque você é uma pessoa, já era uma jovem, muito focada e muito determinada. Em que momento você acha que faz uma escolha já de estudo vocacionada assim, focado para a área que você trabalha? Ou foi essa área mesmo, ou foi uma outra área, por favor?
R - Desde pequena eu sempre tinha na minha cabeça que eu ia ser médica. Então sempre quando acontecia alguma coisa, alguém machucou, alguém caiu, aconteceu alguma coisa, eu era a primeira a chegar para ver o que estava acontecendo, e então eu cresci com aquilo, e vamos dizer assim, com aquela idéia formada, de ser médica. Mas até então, criança, tu não tem a capacidade de discernir, de ter essa diferenciação de realmente o que que vai acontecer. Aí então com 14, para 15 anos a gente vai para Pelotas, aí eu tomo uma proporção, vamos dizer assim, maior do que é uma faculdade, com a entrada da minha irmã na faculdade de direito, e começo a pesquisar mais sobre essas atividades. Aí pensei em fazer direito, eu digo: “Não, direito não dá para fazer, minha irmã lê demais, é muito código, é muita coisa, direito para mim não dá, vou continuar na medicina". Aí eu faço meu primeiro vestibular para medicina, eu não passo. E na época ele era em dois formatos. Tu tinha que fazer uma prova que era escrita, e a outra prova que era de marcar. E aí na escrita eu me saí muito bem em matemática, biologia e química que eu gostava eu não me saí tanto, aí meus pais começaram: “Tu tem certeza que é realmente medicina que tu quer? Às vezes tudo acaba dizendo que tu gosta de biologia, tu gosta de química, mas tu te sai melhor em física e matemática, será que isso não quer dizer alguma coisa?”. Só que eu muito teimosa e certa do que eu queria fazer continuei falando que era medicina, fiz o meu segundo vestibular, tanto na FURG em Rio Grande, quanto na Universidade Federal de Pelotas, mais uma vez não passei. Aí uma amiga minha, uma amiga da minha irmã mais velha, estava fazendo psicologia, e ela tinha um trabalho na faculdade, e aí ela tinha que fazer aqueles testes de profissão com algumas pessoas, e aí ela chegou lá em casa e perguntou se eu queria fazer…
P - Teste vocacional…
R - Teste vocacional, isso aí… Se a gente queria fazer, eu digo: “Eu vou fazer para te ajudar". Aí fui fazer o teste, passaram-se 2, 3 dias, ela volta lá em casa e ela diz assim: “Seu teste vocacional deu aqui para ti que tu tem que ir para área de exatas, engenharia civil, arquitetura". E eu digo assim: “Não, mas não tem nada a ver comigo". E aí o meu pai pegou e falou: “olha, agora no meio do ano…” Faltava 2 meses para o vestibular na católica, na universidade católica, ele disse assim: “Agora no meio do ano tem o vestibular na católica, por que tu não faz e vê o que vai acontecer? Não significa que tu vai cursar, tu faz, vê se tu vai passar, se tu passar, tu decide o que tu vai fazer”. Aí ele foi lá, fez a inscrição para engenharia civil, eu fiz a prova, passei, aí eu disse: “Bom, já que eu passei, e eu tenho mais meio ano para fazer o vestibular de medicina, vou cursar, e vamos ver o que que eu vou achar, se eu gostar eu fico, se eu não gostar eu volto a estudar para medicina". Aí entrei, confesso que no início não foram flores…
P - Cálculos, e cálculos…
R - Porque era uma faculdade muito difícil, é muito cálculo, e tinha dias que eu estudava, virava semanas e mais semanas estudando, e chegava na prova, o resultado da prova 0,5. Até que um dia me marcou bastante, que foi que minha mãe falou, ela disse assim: “ Ou tu pára de chorar e faz a faculdade, ou tu chora e sai dela, porque fazer a faculdade chorando todas as vezes que tu pegar uma prova e tu tirar 1, 2, 3, tu vai enlouquecer e vai enlouquecer a família inteira também…”, porque nós morávamos juntos… “Então, tu tem que decidir o que tu quer, é uma faculdade difícil, não vai ser aquelas notas que tu tinha de infância que era 8, 9,10, não queira comparar com isso, porque é uma realidade diferente, mas tu precisa decidir, mas tu não pode ficar sofrendo todos os dias". Aí, nada que uma noite bem dormida. A cabeça no travesseiro, eu digo: “Bom, vou seguir…”
P - Um conselho de mãe e um conselho de professora?
R - Dos dois…
P - Pois é, um conselho de uma mulher sábia…
R - E acabei me apaixonando pela engenharia, principalmente quando a gente entrou na parte de aulas de laboratório, que aí tu começa a ver na prática um pouco do que vai ser a tua profissão, acabei me apaixonando e me formei em engenharia civil.
P - Conta um pouquinho esse começo de faculdade, como que era a dinâmica? Como é que era a turma? Tinham outras mulheres? Professoras mulheres também? Como era esse ambiente? Um outro aspecto também que eu sempre tenho muita curiosidade, nesse momento, como era o mercado para engenheiros civis no Brasil, ou no sul, ou nas grandes cidades, São Paulo, Rio de Janeiro? Como era esse momento? Que ano que você entrou na faculdade?
R - Eu entrei em 2008, não, em 2007.
P - Você entrou em 2007…Você entrou no segundo semestre, né?
R - É, 5 anos, eu me formei em 2012, na verdade eu entrei em 2006, porque eu entro em 2006 na católica, e aí em 2007 eu consigo reaproveitar minhas cadeiras da católica na Universidade Federal de Rio Grande, então como a universidade católica era uma universidade paga, ficava pesado. Porque daí eu trabalhava de dia, para ajudar os meus pais, o combinado era eles pagavam a faculdade, e eu pagava tudo que vinha: matéria, livros, para não ficar pesado para nenhum dos lados. Então para eu conseguir comprar esses livros, para eu conseguir tirar um xerox de alguma matéria, de alguma coisa, eu precisava trabalhar, então eu trabalhava durante o dia, e estudava durante a noite.
P - Trabalhava em que?
R - Eu trabalhava em um cursinho pré-vestibular, no mesmo cursinho pré-vestibular que eu fiz. Eu trabalhava de secretária, na época eu trabalhei de secretária para ganhar o curso. Então, eu trabalhava para ter o direito de fazer o pré-vestibular, e aí depois que eu passei eu continuei trabalhando lá para conseguir sobreviver na faculdade.
P - Como era o nome do cursinho? Só para a gente deixar registrado.
R - Era Michigan o nome do cursinho pré-vestibular. Aí em 2007 eu consegui ingressar na FURG por aproveitamento de matéria, só que aí por ironia do destino, eu entro na FURG, faço 6 meses de FURG, as aulas eram de manhã e de tarde, então eu saia de casa 4 horas da manhã e chegava em casa 21h00 da noite. Era puxado também, só como era uma faculdade gratuita eu não precisava trabalhar para conseguir sustentar, só que na metade desse ano, um colega meu se forma na universidade católica de Pelotas em engenharia, e o emprego dele fica vago, e aí embora eu não fosse formada, e eles queriam alguém formado, ele pegou e disse assim: “Olha, eu tenho uma colega minha que ela não é formada, pelo contrário, ela está no ínicio da faculdade, mas ela é uma menina muito esforçada, e ela sabe mexer no Autocad, que era a ferramenta que eles precisavam de alguém que mexesse, eles me chamaram para fazer a entrevista, era uma empresa familiar de construção civil, e eu fui, fiz a entrevista, e eles disseram: “Pode começar a trabalhar". E eu digo assim: “Posso, só que eu preciso voltar à minha faculdade de novo". Então, lá fui eu de novo, fiz todo o processo, e nisso eu acabei perdendo um ano. A formação é em 5, eu acabei me formando em 6, por conta dessa ida e vinda. Aí eu volto para a católica, trabalho durante a parte da manhã e a parte da tarde nessa empresa, faço toda a parte de…
P - Mas eu não entendi, por que você precisou voltar para a católica? Por causa do horário?
R - Por conta do horário, o trabalho era das 8h00 às 18h00, e a faculdade era de manhã e de tarde, e aí eu tive que retornar para voltar a estudar até as 19h00 da noite. Então saia de casa às 7h00 da manhã, almoçava no trabalho, levava minha marmitinha, do trabalho eu saia, ia para a faculdade, da faculdade eu ia para casa, estudava, dormia, e assim era a rotina diária.
P - Você estava em qual período da faculdade?
R - Eu estava entrando para o segundo semestre que a gente chama, era muito inicial.
P - Era muito inicial mesmo…
R - Então, começo essa rotina de novo, né? Na universidade católica. E assim eu fui indo. Então eu tive uma experiência, vamos dizer assim, nessa minha primeira vivência de trabalho, fundido com a minha faculdade, na construção civil. Então, eu fazia a fiscalização de obras, eles faziam casas familiares. Então, eram casas e apartamentos para esses programas de governo. Eu fazia a parte da fiscalização do avanço da obra, e parte de desenho no Autocad, que era isso que eu sabia, por isso que eu fui chamada para trabalhar, e assim eu fui conseguindo levar a faculdade e o trabalho.
P - Como é que você aprendeu a trabalhar com Autocad?
R - O Autocad geralmente se faz curso. Mas, quando eu virei a minha chave de tipo: “vou fazer engenharia”, na segunda semana de engenharia civil, a gente saiu, eu fui. Não tinha dinheiro para comprar uma licença de Autocad…Autocad é caríssima, eu fui nos camelôs na cidade, comprei um cdzinho pirata…
P - E foi assim que você foi aprendendo…
R - E foi assim que eu aprendi, então eu colocava na internet, e ali eu comecei, como faz o traço, como faz o círculo, como faz o desenho, como que mede, como que não mede, e acabei aprendendo o Autocad literalmente sozinha, e foi o que me deu o emprego logo na sequência. E aí continuando então, eu trabalho nessa empresa aí familiar durante um tempo, eu tinha um colega de trabalho, um colega de faculdade que se tornou o meu cunhado, e no momento em que ele começa a namorar com a minha irmã, eu começo a ter a vivência da rodovia, porque ele trabalhava na Ecosul, que é a concessão de Pelotas, ele trabalhava em um outro setor, não era no setor de engenharia, era no setor de contratos, e ele trazia muito dessa informações do que era fazer a administração de uma rodovia, que era completamente diferente do que a gente via em aula, e do que eu via no meu trabalho, e aquilo ali começou a me instigar. Porque eu digo assim: “tá, mas e como eu vou sair da universidade sem ter visto a rodovia. Eu só vejo construção civil, quando que eu vou ver a rodovia?”. E ele comentava, ele dizia assim: “Na faculdade a gente acaba tendo uma, duas aulas voltadas para isso, mas tu acaba aprendendo mesmo na vivência, na prática, no dia a dia". E aí eu comecei a colocar aquilo na minha cabeça, e eu sou uma pessoa que o que eu coloco na minha cabeça, enquanto eu não faço ela se cumprir, eu não paro.
P - Muito determinada, realmente…
R - Muito determinada. Aí eu peguei e disse assim: “Então tá, é lá que eu vou trabalhar, tem uma vaga para mim?”. Ele: “Não". Eu digo: “Tá, então quando tiver uma vaga, tu me avisa". Passou um ano mais ou menos, um ano e meio eu acho, mais ou menos, e surgiu uma vaga na parte do setor operacional, eu fui, fiz o teste, não passei, saí bastante frustrada, né? Eu digo: “Ah, não deu…”
P - Era um teste escrito? Era observação, era empírica? Era lá no local com o técnico, como é que era?
R - Era no local. Tinha aqueles testes psicológicos que fazem normal, e tinha, um, vamos dizer assim, oral, que era para saber se você conhecia o que era a concessionária, o que a concessionária fazia, o que ela trabalhava, e aí tinha um teste escrito, mais focado na parte operacional mesmo, e eu não sabia. Então, acabou que nessa parte aí eu não me saí tão bem, não fui chamada. Passou 6 meses mais ou menos, e surgiu uma vaga na engenharia, aí ele me avisou que tinha surgido essa vaga, lá volto eu, faço o teste, eles estavam na época de elaboração de um mapeamento de toda a rodovia, então precisava fazer todo o traçado da rodovia no Autocad…
P - Qual rodovia?
R - Da rodovia, lá o trecho é a BR 116, que liga o trecho de Jaguaré a Pelotas, e o trecho de Camaquã a Pelotas, e tem o trecho da 392 que liga Rio Grande e Santana da Boa Vista. Lá é um trecho bem grande, é um trecho de 546 km, é uma rodovia bem extensa. E tinha que fazer esse desenho em Autocad, desse mapeamento da rodovia, e inserindo as placas nos locais. Nos kms adequados de cada localidade, e estava no início deste trabalho, estava sendo contratada uma consultoria e precisava do braçal, e aí eu fiz o teste, em Autocad. E aí passei. Foi quando eu ingressei como estagiária, eu começo a minha vivência em rodovia, em vamos dizer assim, a minha vivência na prática em rodovia em 2008, na Ecosul.
P - Antes então da gente engrenar na Ecosul, ainda um pouco em relação ao ambiente da universidade, como que era um pouco essa presença, tinham outras colegas mulheres? Você tinha professoras mulheres? Quer dizer, como era esse ambiente de uma faculdade de engenharia no sul, em relação a gênero mesmo, e a questão das obras? Era um momento bom para o mercado de trabalho? Para a engenharia?
R - Na minha turma eram 10 alunos, dos 10 alunos eram duas mulheres, eu e mais uma. A grande parte das turmas na universidade eram turmas mais enxutas, no máximo 15 pessoas, não passava disso. Hoje se a gente for ver, a gente tem turmas de 40, 60, na época era em torno de 10, 15 pessoas.
P - Na engenharia civil?
R - Na engenharia civil. E geralmente era em torno de duas a 4 mulheres assim, muito para chegar nas 4 mulheres. Eu tinha professoras, eram 7 professores, dos 7 professores, 3 eram mulheres. Então acho que na questão ali profissional até que estava um pouco próximo, vamos dizer assim, mas na parte acadêmica, ainda pouquíssimas mulheres ingressando. A gente estava em um período em que não tinha muito trabalho, o trabalho era mais voltado na parte de construção civil, e por ser construção civil, por ter que lidar com toda a gestão da obra, acabava-se sendo mais utilizada a mão de obra masculina para estar lá, junto ao canteiro de obra, fazendo a gestão daquela quantidade de homens. Porque na construção civil tu não tinha mulheres ainda ali operando, sendo pedreiros, sendo eletricistas. Então era muito dominado pelos homens, e acabava que na maioria dos trabalhos, a mulher acabava ficando dentro do escritório. Para fazer ali um planejamento, um Autocad, e no canteiro de obras, ela não tinha aquele espaço. Muito, por conta do, vamos dizer assim, do preconceito do tipo “a mulher não pode, a mulher não vai ter força para mandar, não vai ter pulso firme, não vai saber”, que muitas vezes é taxado por isso também. Por não ter a qualificação necessária para aquela atividade, mas quando eu me formo, isso começa um pouco a mudar, porque a gente chega em um período lá no Rio Grande do Sul que começa-se com vários lotes de duplicação, e então as obras na infraestrutura rodoviária começam a aumentar e dar aquele “bum”, e é onde as oportunidades começaram a surgir. Quando eu me formei tinha conhecidas minhas que já tinham se formado há 2, 3 anos atrás e que estavam paradas esperando uma qualificação na área, e acabaram pegando muito emprego na parte de consórcios de duplicação, no DNIT, porque daí acabou que deu esse “bum” e precisava de gente para comportar toda aquela área ali, e foi onde deu uma movimentada legal em torno de 2006, 2008, 2009.
P - Então, a memória da sua formatura, como é que foi isso para o seus pais? E seu ingresso, por favor…
R - Eu acho que os pais formarem os filhos, eu acho que, eu não sou mãe, mas eu acho que deve ser uma das coisas mais importantes. Porque é o que marca que tu fez tudo o que tu podia para o seu filho, e agora ele vai andar com as próprias pernas. E para os meus pais não foi diferente, óbvio. A última filha a se formar, então uma universidade católica paga, então tinha um suor deles ali também. No dia a dia, obviamente que foi gratificante. Quando falam teu nome, tu vai lá pegar o diploma, está com os seus pais ali na frente, te aplaudindo, né?
P - Então, foi uma boa memória, emocionante, né?
R - Com certeza, bastante
P - Então, conta um pouquinho. Você estava falando da sua entrada na Ecosul. Então, como é que foram suas primeiras experiências, um pouco da sua trajetória nessa empresa, e como é que foi o sentimento de de repente estar ali nessa grande concessionária, nessa grande empresa, como é que foi isso? Que você trabalhava em um ambiente menor, pelo que você está falando, como é que foi isso?
R - Sim, eu acabo saindo então de uma empresa, como eu comentei, de uma empresa familiar, voltada para construção civil, e me deparo com mais de 500 km de rodovia. Eu entro na Ecosul como estagiária, então responsável por fazer esse projetão, que era esse mapeamento da rodovia em Autocad, que iria depois facilitar o nosso serviço de monitoração da rodovia, que era a área que eu estava trabalhando no início. Então eu começo a trabalhar com monitoração e projeto, na época eu fazia alguns projetos internos de alguma modificação de uma intercessão, alguma melhoria de uma sinalização, e fazia toda a monitoração dos elementos da rodovia, desde o acompanhamento das inspeções que eram feitas por empresas terceirizadas até o fechamento dos relatórios e envio para o poder concedente.
P - Nossa, quanta responsabilidade.
R - Bastante responsabilidade, e como estagiária, né?
P - Tão jovem, como estagiária.
R - Como estagiária. Ali então eu fiquei um bom período fazendo essas atividades. De estagiária eu fui efetivada para assistente, que na época, antes de auxiliar existia assistente, então era estagiária, assistente, e auxiliar, até tu chegar em técnico, até tu conseguir te formar e chegar em um cargo de engenheira que era o meu objetivo. Então, eu saio de estagiária, viro assistente, ganho outras demandas para trabalhar, e para conseguir me desenvolver. Então eu absorvo as atividades de faixa de domínio, que são todos os cadastros dos lindeiros, ou seja, das pessoas que estão na volta da rodovia, que tem interferência junto com a rodovia. A gente tinha que fazer o cadastro literalmente de casa por casa. Então a gente ia, rodava a rodovia inteira, cadastrando casa por casa, aquela pessoa que a gente chegava lá e que a gente não conseguia o contato dela, a gente deixava um bilhetinho com o telefone, pedindo para que eles entrassem em contato novamente, para a gente poder diferenciar. O que eu era residência, o que que era comercial, para a gente poder ter esse mapeamento de toda concessão.
P - Você falou, usou a palavra o que?
R - Lindeiro.
P - Lindeiro…
R - Isso, que são as pessoas que ficam lindeiras à rodovia, ou seja, elas ficam à margem da rodovia, totalmente influenciando com entrada e saída de veículos. Ou seja, comercial com entrada e saída de caminhões, tendo acesso direto à rodovia. Então, a gente tinha que ter todo esse mapeamento, não só por questões de segurança. Mas também por questões da qualidade ali do acesso, né?
P - Do impacto na vida…
R - Do impacto que gerava…
P - Na vida pessoal comercial…
R - Exatamente. E aí de assistente então, eu viro auxiliar, e de auxiliar eu viro técnica, muito próxima da minha formatura. E aí sempre tinha aquele medo. “Agora eu vou me formar, o quadro técnico do setor de engenharia está montado, onde eu vou me encaixar? Vai ter vaga para mim ou não vai ter vaga,né?”. E eu sempre brincava com meu gestor, eu dizia para ele: “Eu vou me formar, e quando eu me formar eu quero que na minha carteira esteja engenheira, se não for para estar engenheira, eu vou pedir para ir embora". E ele dizia: “Calma, o momento certo vai chegar, não coloque a carroça na frente dos bois", que é uma fala que a gente tem muito no Rio Grande do Sul, “deixa as coisas acontecerem e te prepara, e esteja preparada para esse momento”. Aí eu lembro que faltavam duas semanas, de duas a 3 semanas para a minha colação de grau, para eu receber lá o título de engenheira civil, o meu chefe direto, que era engenheiro de projetos e monitoração, foi chamado em um concurso que ele tinha feito há 3 anos atrás, e aí aquele momento eu vi um caminho se abrindo. Eu digo: “é agora que eu preciso abraçar, e eu preciso mostrar porque que eu estou aqui, e porque que eu quero continuar”. E aí então ele sai, fui chamada pela minha gerência para conversar, perguntando se eu aceitava ficar aquele período ali fazendo a gestão das atividades. Porque eu não era formada ainda, então eu li aquilo ali como tipo: “mostra para que tu está aqui, se tu demonstrar essa capacidade a vaga é tua". E em cima daquilo ali fui trabalhando, fui entregando, fazendo as minhas entregas cada vez de forma melhor e com mais qualidade para mostrar que eu tinha capacidade de sentar naquela cadeira. Então eu me formo e uma semana depois o diretor me chama e me faz a promoção para engenheira civil. E com essa promoção, ele me dá um desafio que era fazer, acompanhar a elaboração de projetos de todas as praxes e bases operacionais que existiam lá, que lá diferente daqui, cada rodovia precisa ter uma praça de pedágio, cada rodovia precisava ter uma base operacional, que é local, para ficar os guinchos, as ambulâncias,e todos eles eram prédios antigos, lá do início da concessão, então foi contratada uma empresa de arquitetura, e o meu papel era rodar toda essas obras, pontuar todas as necessidades de melhorias e ampliação desses prédios e, posterior, fazer a fiscalização da execução. Ali eu dou, vamos dizer assim, meu pontapé inicial na minha carreira como engenheira civil, dentro da Ecosul. E aí perante isso eu pensei: “Bom, eu sou engenheira de projetos e monitoração, agora formada, o que eu preciso fazer para me destacar e para me desenvolver?”. Foi quando eu me inscrevi no MBA de gestão de projetos. Então, já para me dar essa visão mais estratégica, para me dar essa visão mais de… Eu não era ainda gestora, mas de gerir, vamos dizer assim, uma disciplina dentro da área de engenharia. Aí foi quando eu comecei a cursar o MBA de gestão de projeto. Quando faltava 2 meses para terminar o MBA, surgiu uma oportunidade dada pela própria concessionária, que era de fazer o MBA em infraestrutura rodoviária, ou seja, um MBA tudo a ver com o meu dia a dia…
P - Muito especializado, né?
R - Muito específico. E a gente viu todo o programa de concessão. E aí eu ainda pensei: “Bom, estou terminando um, vou descansar para fazer o outro". “Não, não vou descansar, vou fazer direto”. E aí então, mal acabei um, já na sequência iniciei esse outro, esse era mais complicado, porque ele era em Santa Maria, mas ele foi feito por 6 colegas, então a gente trabalhava na sexta-feira até o meio dia, aí a gente saia da empresa juntos e ia para Santa Maria, tinha aula na sexta, sábado todo dia, domingo de manhã, meio dia a gente voltava para casa, descansava, segunda-feira de manhã estava trabalhando. Mas foi uma oportunidade dada pela empresa e que foi muito gratificante para quem teve esse retorno.
P - Como que era então, eu vou te perguntar como é que você veio para a Ponte Rio-Niterói, mas perguntar de que forma o seu trabalho, quer dizer, impactava na sua vida pessoal, também? Quer dizer, você fez uma opção de vida. Fez uma opção de vida profissional, você se capacitou, organizou de uma certa forma a sua carreira, teve oportunidade, como é que isso impactava? E a sua vinda então para o Rio de Janeiro como se deu, por favor?
R - Perfeito. Eu acho que todo o nosso lado profissional impacta com a nossa vida pessoal, isso é fato. E no momento em que tu, qualquer trabalho que tu faça vai ter um diferencial. No meu caso, trabalhando em rodovia, qualquer coisa que possa acontecer pode te tirar de um final de semana, pode te tirar de um horário de trabalho, eu lembro bastante que lá no Rio Grande do Sul teve uma forte chuva no período de janeiro e fevereiro, que levou uma das nossas pontes lá. Foi uma correria. A gente não tinha final de semana, a gente não tinha noite, a gente não tinha dia, porque a gente precisava desenvolver um projeto de desvio, construir esse desvio, para que as pessoas pudessem ter o ir e vir de forma normal, até que essa ponte pudesse ser construída. E eu lembro que isso me marcou bastante. Porque daí isso me fez pensar “realmente é isso que eu quero?”. E aí aquilo ali me trouxe uma adrenalina, porque eu acabei participando de todo o processo, ainda eu não era engenheira formada, mas acabei participando de todo o processo, e foi aquele momento que eu pensei assim: “Vai ter momentos em que eu vou abdicar do meu dia a dia? Vai, mas eu acho que o que a gente faz, e o que a gente leva para o usuário que trafega na rodovia, é garantir com que ele possa se deslocar de uma cidade para a outra com segurança, com conforto, eu acho que isso para nós, do outro lado, é gratificante". E aí foi quando eu pensei: “Não, é exatamente isso, e vou buscar me desenvolver em cima de toda essa questão, de todo esse aprendizado". Como eu falei lá no início, eu sou muito família. Então eu tentava sempre encaixar o meu dia a dia de trabalho com o meu final de semana e com todas as especializações que eu fui fazendo ao longo do caminho, para que eu pudesse ter essa troca. Eu no inicio também comentei que eu tenho uma irmã que mora em Dom Pedrito, então exigia muitas vezes que a gente fosse para lá passar um final de semana, passar umas férias, passar esse tempo com ela. Então era tudo muito programado para que as coisas pudessem acontecer no profissional e no pessoal também. Então, em 2018 eu ainda na cadeira de engenheira, nunca vou esquecer, era um quinta-feira, final do dia, a gente estava com nosso diretor executivo na empresa, para algumas atividades que estavam sendo feitas, e a secretária do diretor da unidade me liga e diz assim: “Tu pode dar um pulinho aqui na sala?”. E eu digo: “Posso". Aí eu chego na sala, está o diretor superintendente, está o diretor executivo, e está o meu gerente sentado, aí eu pensei: “ Eu não fiz nada de errado. Tem que ser alguma coisa boa, porque eu não fiz nada de errado, pelo menos que eu me lembre”. Daí então, me sento e eles começam a falar da minha trajetória ali dentro do grupo, do meu destaque em certas atividades que eu fazia, e que tinham uma oportunidade para me propor, só que junto com essa oportunidade de crescimento profissional teria que ter a mudança também junto. A gente está falando aí de sair de Pelotas, Rio Grande do Sul, um local onde eu estou com a minha família próxima, estou com meus amigos, largar tudo e vir para o Rio de Janeiro, e eu tinha que dar a resposta até segunda-feira. Na sexta eu tinha uma viagem para Porto Alegre, porque a gente tinha que fechar um relatório de monitoração, e eu disse: “Olha, então me dá a sexta-feira para eu pensar, e entre sábado e domingo, eu dou uma resposta". Na própria quinta-feira eu liguei para os meus pais, eu já não morava mais com eles, fazia 4 meses que eu tinha conseguido mudar para a minha casa própria, eu tinha conseguido comprar uma casa, tinha conseguido mobiliar essa casa, e tinha conseguido me mudar, ou seja, fazia 4 meses que eu estava de namoro com a minha casa. Aquela criação, aquela expectativa, tudo que tu correu atrás para concretizar, e eu pensei: “E agora, vou fazer o que?”. Liguei para os meus pais, perguntei se eles estavam em casa, eles disseram que estavam, eu disse: “Vou passar aí rapidinho, porque amanhã eu estou indo para Porto Alegre". Óbvio que os meus pais acharam estranho porque eu nunca aparecia assim de surpresa, eu chego em casa e aí eu falei para eles, eu digo: “Bom, chegou o momento que em algum dia ia chegar”. Porque, como tu falou, eu sou uma pessoa muito determinada, então quando eu entrei lá eu já tinha tudo na minha cabeça trilhado. “Eu vou entrar, para um dia chegar a engenheira, que é a minha formação, para poder crescer um dia ser coordenadora, para poder crescer e um dia chegar a gerência, e para poder crescer e um dia chegar a diretora, por que não?”. E aí eu cheguei para eles e a única coisa que eu fiz foi chorar (risos), e eles acharam que eu tinha sido demitida, e eu disse: “Calma, eu não fui demitida, pelo contrário, eu fui promovida, só que para isso eu preciso ir embora para o Rio de Janeiro, e eu preciso muito saber se vocês me apoiam ou não?". E aí foi quando eles disseram que quem tinha que construir o mundo era eu, que eu tinha mais que ir. Só que por eu ser muito família, eu não poderia vir sem falar com as minhas irmãs, e eu tinha esse compromisso na sexta-feira, então eu disse para a minha mãe: “Tu faz o seguinte, tu liga para Lívia", que é a que mora em Dom Pedrito, “e diz para ela que ela precisa estar aqui no sábado e no domingo, e aí já fala para a Fernanda para ela vir almoçar no sábado aqui com a gente, aí beleza, e só depois disso eu vou tomar a minha decisão". Fui para casa. Arrumei tudo que eu tinha que arrumar, no outro dia cedinho fui para Porto Alegre, fiz todas as obrigações que eu tinha que fazer, eu estava na estrada 5h00 da tarde, o meu gerente daqui, que iria virar o meu gerente, liga e diz assim: “Eu preciso de uma resposta agora". Eu digo: “Não, mas o que a gente tinha combinado é que seria final de semana". Ele disse: “Não, mas eu não tenho esse tempo de espera". E aí era ele na ligação e a menina do RH, e eu dentro do carro, com um jovem aprendiz, e um estagiário, aí eu olho para trás, e digo assim: “Eu vou falar uma coisa aqui dentro desse carro, mas vocês não podem falar para ninguém, isso é um segredo nosso, até semana que vem ok?”, e eles: “Ok". Aí eu pego o telefone e digo: “Eu aceito, segunda-feira, terça-feira eu vou estar na Ecoponte para assumir essa coordenação". Os dois entraram em choque. Porque eu trabalhava diretamente com eles, eles assim: “Como assim?”. Eu digo: “É isso, aí, mas a gente só conversa segunda-feira, hoje eu não tenho condições de conversar, porque eu preciso dirigir e chegar em casa, e preciso levar vocês também". Aí eu chego em casa, nem fui pra minha casa, fui direto para casa dos meus pais, dormi aquela noite lá, ou não dormi. E no sábado, logo em seguida, minha irmã de Dom Pedrito chegou, e aí a gente fez uma reunião familiar, aí eu peguei e disse assim: “Gente, escolhi, já tomei a decisão, não queria ter tomado a decisão sem falar com vocês, mas acabei tendo que tomar a decisão, por rapidez e urgência, mas queria falar para vocês que eu estou indo embora, que fui promovida, só que com a promoção eu preciso mudar de cidade e preciso contar com vocês”. Porque é tudo diferente. Tu muda de cidade, tu não tem os teus amigos, tu não tem a tua família, mas é o teu crescimento profissional né? É tudo aquilo que tu galgou ao longo dos anos, para chegar naquele momento, e aí eu peguei e disse para elas que eu estava vindo, e que elas tinham que fazer um cronograma, engenheiro sempre tem que trabalhar ou com excel ou com cronograma…
P - Um dia eu vou para Dom Pedrito, outro vou para esse, um dia você vai para Niterói, olha só, tem que chegar tal hora no aeroporto …
R - Exatamente, é isso aí, e eu digo assim: “Agora vocês tem que se virar, vocês tem que programar as férias de um, de outro, eu não quero que vá todo mundo ao mesmo tempo, porque daí vai todo mundo e depois a saudade vai ficar maior, então eu preciso que vocês montem literalmente um cronograma e digam: ‘Na data tal eu vou, na outra eu, na outra eu’, para que eu consiga preencher os meus dias contando com as datas que eu vou ver vocês, e nas datas que vocês não puderem ir, eu venho para cá". E assim foi. Meus pais são aposentados, então eles vêm para cá, eles ficam 2 meses, 3 meses comigo, e as minhas irmãs sempre que possível estão aqui, e sempre que eu posso eu também vou lá. Então para mim esse momento foi muito marcante, porque eu fiquei de 2012, que foi quando eu me formei, até 2018, trabalhando, me desenvolvendo, fazendo as minhas especializações para a chegada desse momento, e aí eu pensei: “Bom, chegou, como é que eu vou dizer não? É tudo que eu queria, então eu não posso dizer não, óbvio que tenho medo, tenho receio, tenho anseio, mas eu vou ir, e seja o que Deus quiser". E aí, na terça-feira, eu estava na Ecoponte…
P - Qual foi o dia que você veio assim, para o Rio, você lembra?
R - O dia específico foi 09 de abril, se eu não me engano, mas eu não tenho certeza…
P - De 2018?
R - De 2018, então eu chego aqui…
P - Você já tinha vindo à Ponte Rio-Niterói? Conhecia a ponte?
R - Nunca. Eu conhecia o Rio de Janeiro, porque eu gostava de passar as férias, mas eu nunca tinha atravessado a Ponte Rio Niterói. E algo que é muito surreal, eu sou muito noveleira, e a minha família também, e tinha uma novela que era “Por amor”, e que tinha o Nando, e eu não consigo lembrar o nome da outra, da outra menina… Milena, tinha o Nando e a Milena, nessa novela, e um morava no Rio e o outro em Niterói, e sempre que eu assistia aquela novela eu dizia: “Um dia eu vou atravessar essa ponte". Então, isso marcou muito, o primeiro dia que eu fiz esse trajeto, do Rio de Janeiro até Niterói, e eu chego aqui, o pessoal está todo trabalhando, porque o dia a dia da Ponte é muito doido, e eu pensei assim: “E agora? Agora essa equipe é minha. E o que eu vou fazer daqui pra frente?”. Aí eu cheguei, conversei com todo mundo, me apresentei, e literalmente comecei a minha caminhada como coordenadora. Fui muito bem recebida por todos. Só que óbvio que tinha aquele anseio, porque é uma pessoa nova que está agregando a equipe, uma pessoa que eles não conhecem, e que por sua vez, eu também não conheço, então eu não sei como eles são, o que eles esperavam de mim. E aí a primeira coisa que eu fiz foi nesses dois primeiros dias, eu fiquei muito próxima do gestor que estava aqui no meu local, que ia embora para eu conseguir…
P - Quem era? Você lembra o nome?
R - Era Juliano. Hoje ele é gerente da Eco Noroeste, que é uma das concessões novas. Então, nesses 3 dias, foram 3 dias de muito “louqueteio”, porque eu precisava achar apartamento, eu precisava definir onde eu ia ficar, eu precisava ver tudo que eu tinha que ver junto com ele sobre equipe, sobre o trabalho, e 3 dias é pouco. E acabou que eu consegui ter o encontro com a equipe no quarto dia que eu estava aqui, que daí eu pensei assim: “Bom, o que deu para ver com ele eu vi, o que não deu, eu vou ter que ver com a equipe e vou ter que aprender no dia a dia. E o apartamento, em algum momento vai aparecer algum local para eu morar…” E aí foi quando eu agendei uma reunião, e tive o meu primeiro contato com a equipe. Nesse contato literalmente foi uma conversa muito aberta do tipo: “Gente, eu saio de uma cadeira de engenheria, chego aqui numa cadeira de coordenadora, na qual eu preciso fazer a gestão de vocês, na qual eu preciso fazer as atividades rodarem, só que muitas delas eu não conheço, porque eu saio de uma concessão literalmente de uma rodovia, para fazer a gestão de uma ponte, e nada mais, nada menos que a Ponte Rio-Niterói, ou seja, o peso é muito grande". Então, a minha primeira conversa com eles foi essa, eu digo: “Eu estou aqui para trabalhar com vocês e para trabalhar por vocês, e eu preciso passar aquilo que eu sei, e eu quero muito que vocês me tragam o que eu não sei, porque a gente vai precisar trabalhar em conjunto, porque a minha gestão vai se formar nesse momento". Porque eu não tinha cargo de gestora, então de uma hora para a outra tu está ali sendo demandada, e tu passar a demandar, que é totalmente diferente.
P - E você jovem, e é mulher, como você foi aceita?
R - Jovem, mulher, na minha equipe só tinha uma mulher. Era meu maior receio, era esse, sabe? De como que eu vou ser vista. Porque a gente sabe que quando a gente vai para uma empresa, tu tens os teus colegas que também estão na mesma condição que eu estive um dia, galgando crescer. Então, eu estava ali como engenharia, querendo uma cadeira de coordenadora, e a gente tinha aqui, profissionais que poderiam ter subido para essa cadeira também, então meu maior receio foi esse, de como chegar, e como falar para o pessoal que eu não estou chegando ali para roubar a cadeira de ninguém, eu estou chegando ali para dividir, para compartilhar, para aprender e para ensinar, mas sem querer roubar o lugar de ninguém, somar literalmente, E eu ganhei um presente maravilhoso, que a minha equipe é sensacional. Eles me acolheram e me acolhem até hoje. A gente tem uma troca muito bacana, são profissionais de alta performance, com certeza, que dão o dia a dia para que a gente consiga fazer a manutenção e a conservação de toda essa estrutura, que não é pouca. A maioria das pessoas não tem nem ideia de todas as atividades que a gente faz, elas não são visíveis. E eu fui muito bem acolhida e sou até hoje. Então para mim, hoje eu posso dizer que eu sou realizada profissionalmente e pessoalmente.
P - E é a primeira vez que uma mulher ocupa esse cargo?
R - Eu sou a primeira engenheira civil mulher a virar coordenadora no grupo Ecorodovias.
P - Porque você acha que demorou tanto tempo, Patrícia, para isso acontecer?
R - Em outras áreas, já havia mulheres como coordenadoras, como gerentes, mas na engenharia civil, eu acho que o próprio nome carrega muita coisa, é trabalhar com obras, é trabalhar com manutenção da via, então eu acho que o grupo entende muito isso. E eles, de uns tempos para cá, mudou esse perfil, tanto que mudou comigo, graças a Deus foi comigo, muita gente me pergunta: “Mas, tu acha gratificante ter virado a primeira coordenadora mulher de engenharia?”. Eu digo: “Gente, óbvio que eu acho gratificante". Porque tipo, isso é mérito meu, porque eu poderia estar ali e poderia ter sido outra, se fui eu é porque eu estava preparada, porque eu estava pronta para aquela vaga, e eu acho que na vida tudo é crescimento, tudo é aprendizado, e eu acho que tudo é mudança. Então, para mim foi gratificante ver a mudança do grupo Ecorodovias nesse sentido de espaço para mulher, e eu poder vivenciar, realmente de fato, essa virada de chave, de tipo assim, se nós temos mulheres na equipe, nada mais justo que a gente ter mulheres na liderança, se ela é capaz de fazer o trabalho dela no dia a dia, ela é capaz de gerir uma equipe. Então é gratificante, foi muito bom saber que eu era a primeira, porque eu acho que isso abriu portas para muitas outras, e não só dentro do grupo, mas eu acho que em si. Porque tu chegar para uma pessoa e dizer: “Hoje eu coordeno a engenharia da Ponte Rio-Niterói". Não tem como tu não te sentir privilegiada por isso, e não tem como tu não incentivar outras mulheres a pensarem: “se eu quero, eu sou capaz “, independente de ser dentro da engenharia, de ser medicina, de ser direito, independente da atividade que tu vai fazer. Eu acho que são oportunidades que acontecem e que fazem com que a gente impulsione outras pessoas a virem junto com a gente, outras mulheres a quererem, outras mulheres a acreditarem, porque muitas vezes a gente quer, só que a gente não acredita, e se a gente acreditar, a gente chega a qualquer lugar.
P - Muito bonito, obrigada por compartilhar essa reflexão com a gente, Patrícia. Vou voltar para o seu dia a dia da ponte, mas assim a gente observou que você é uma pessoa que continua sempre se capacitando, você faz cursos, você tem cursos na área de licenças e certificações, você fez um curso de como lidar com a síndrome de impostora no trabalho, oferecido por uma instituição chamada “Instituto Diversidade”. Por que você procurou um curso desses, Patrícia? E o que é síndrome de impostora?
R - Eu acho que no dia a dia a gente tem que estar sempre se desenvolvendo. E eu acho que o desenvolver, não é só o desenvolver tecnicamente. A gente precisa também ter o desenvolvimento da parte humana. Principalmente quando a gente faz gestão de pessoas. Porque a gente está lidando com o dia a dia, a gente está lidando com situações diferentes, com pessoas diferentes, com anseios diferentes, então não só na parte técnica, como eu fiz o MBA na área de pavimentação asfáltica, eu busquei fazer um MBA de gestão de pessoas, para entender na teoria o que eu estou aplicando na prática, para ver se está indo para o caminho certo ou não, o que eu tenho de desvio, o que eu preciso melhorar. E dentro disso, a gente teve, durante a semana da mulher, junto com essa empresa, uma palestra aqui, que foi o RH da unidade que trouxe. Passado essa palestra, eu fui ver na internet, e vi que tinha esse curso aí da síndrome da impostora. Eu acho que a síndrome da impostora está muito no nosso dia a dia como mulher, entendeu? Porque, por a gente ter que estar sempre comprovando a nossa capacidade, a gente muitas vezes se pega nessa questão: “Será que eu realmente estou sendo boa? Será que eu sou tecnicamente capaz? Será que a minha gestão é adequada? Será que eu sou mais ou menos do que o meu colega?”. E a síndrome da impostora nada mais é do que isso, muitas vezes a gente se boicota. Achando que a gente deveria ter feito melhor, que a gente deveria ser melhor, e por isso que às vezes as pessoas estão na frente da gente e a gente acha que não tem capacidade de chegar lá, e eu acho que isso é muito da mulher, de tudo que a gente percorreu ao longo desses anos, para gente chegar no lugar que a gente espera chegar, e por isso que eu fiz esse curso, porque embora eu tenha toda essa determinação, que eu fui passando ao longo da nossa conversa, tem momentos em que a gente se boicota, e que faz a gente pensar, e aí eu acho que a gente não pode deixar esse pensamento chegar, porque se a gente deixar, a gente vai estar perdendo para ele. Então a gente, além de comprovar no dia a dia a nossa capacidade e o nosso potencial, a gente internamente tem que ter certeza disso, porque daí sim a gente vai conseguir chegar onde a gente quer.
P - Me conta como é um dia no chão da ponte, como é que a sua equipe trabalha? Como você se veste para trabalhar, por favor? O nome da sua gerência, ou da sua coordenação, qual é exatamente?
R - Vamos lá, eu trabalho no setor de engenharia e sou coordenadora de engenharia, trabalhando em todas as disciplinas, desde o planejamento, do orçamento para a atividade, para a manutenção, toda a monitoração da rodovia, que a gente conversou um pouquinho, todos os elementos da rodovia são vistoriados, a condição do pavimento, a condição da obra de arte, em si, como um todo, da estrutura, bem como toda a parte de obra. Então eu faço uma coordenação 100% da área de engenharia, e com isso eu tenho uma equipe que subdivide essas atividades para me darem o suporte. O nosso dia a dia, é um dia a dia corrido, a gente tem as nossas atividades, vamos dizer, pré-determinadas, mas a rodovia é viva. Então, a qualquer momento alguém nos liga e diz: “Aconteceu alguma coisa, precisa fazer uma vistoria, precisa entregar um relatório diferente, precisa executar uma obra que não estava planejada". E a gente precisa estar ali, pronto, para que as coisas aconteçam. Como eu te falei, a gente faz muita atividade que não é vista. Então, para a gente poder cuidar de toda estrutura da ponte, a gente faz serviços pelo mar, que o pessoal não imagina que a gente está lá embaixo trabalhando enquanto eles estão aqui em cima correndo, sentido Rio ou sentido Niterói, a gente tem uma rotina muito grande de monitorações e de manutenções dentro da estrutura da ponte, e a gente tem uma rotina noturna, que são as atividades que a gente acaba fazendo dentro de uma janela de trabalho das 23h00 até às 5h00, que são aquelas que têm impacto direto com a rodovia. Então, literalmente a gente trabalha 24 horas por dia, e para gente poder trabalhar 24 horas por dia, eu preciso ter uma organização para que isso tudo aconteça. E preciso fazer a gestão para que a equipe consiga, muitas vezes, não estando aqui, observar e analisar tudo que está acontecendo, para que saia devidamente programado, e eu posso dizer que é algo surreal trabalhar na Ponte Rio-Niterói.
P - Por quê?
R - Vou dar um exemplo desse último final de semana, que a gente teve uma chuva muito forte aqui, vento, e aí tu está em casa, tu está no seu final de semana, só que a tua cabeça está lá na frente. Então, tu começa a fazer ligações para os terceiros, começa a fazer ligação para a equipe, tu começa a ver se está tudo dentro dos conformes, porque o vento, ele pode tirar uma placa do local, ela pode, com o vento, ter alagamento por conta da chuva, com o vento, pode ter uma árvore que cai, e tudo isso tu tem que ter mapeado no teu dia a dia. Nós temos equipes que fazem toda essa manutenção e essa conservação, que ficam de plantão, que a gente sabe que a rotina dela, que a rotina deles, que eles vão fazer isso. Só que ao mesmo tempo, tu fica preocupada. Então, quando começou aquela ventania e aquela chuvarada, a primeira coisa que eu fiz foi ligar para uma dessas empresas, e eu digo: “Pessoal, está tudo sob controle?”. “Não, pode ficar tranquila, eu já tenho uma equipe vendo nos acessos se por acaso caiu alguma árvore, já tenho uma equipe de tapa buraco na pista para fechar os buracos que eventualmente abriam por conta da chuva, e já tenho uma equipe de plantão para dar o suporte para o setor de operações se precisasse de alguma necessidade operacional”. Só que embora, tu saiba que tudo vai acontecer como deve, tu fica com aquela preocupação, parece que se tu não ligar, parece que tu não tem 100% de certeza. A gente trabalha em uma rotina que começa às 8h00 da manhã e termina às 18h00 da tarde, mas tendo que fazer essa dinâmica de muitas vezes estar à noite, para que a gente consiga estar de perto, vendo todas as atividades que estão acontecendo, e tendo que estar visualizando todas as atividades que acontecem. Então, tem vezes que a gente chega aqui 6h00 da manhã e a gente vai para o mar, faz vistoria pelo no mar junto com a empresa terceira que presta esse serviço para a gente, do mar a gente vai para dentro da ponte, para verificar a obra que a gente está realizando, de lá a gente vem para o escritório, então a minha rotina de trabalho literalmente é essa,né? Tenho que estar todo dia de calça jeans, com sapato e com uma botina do lado, porque a qualquer momento o sapato sai e entra a botina no lugar, com todos os EPIs necessários: capacete, colete, protetor auricular, para que a gente possa estar na frente de serviço atendendo. O serviço com qualidade, mas também de forma segura, né? Não só nós, mas também os nossos terceiros que trabalham com a gente,
P - Dentro dessas atividades todas que você é responsável e acompanha de perto, alguma que você goste mais? E uma que você, por exemplo, estar no mar, olhar, entrar dentro da ponte, isso foi uma experiência nova para você quando você veio trabalhar aqui?
R - Com certeza tudo foi novo. Porque, como eu falei, no sul era uma rodovia mesmo, plana. Então, tu chega aqui, tu te depara com a Ponte Rio-Niterói, tu não tem nem ideia do que é a estrutura da ponte por dentro, só houve falar. Para quem é leigo no assunto já é algo fantástico, então tu imagina para quem faz engenharia civil? Para mim, eu acho que não tenha parte ruim, eu só vejo a parte boa, porque trabalhar no mar é fantástico pela vista que tu tem. Então, tu olhar lá do Rio de Janeiro, tu olhar o lado Niterói, e tu poder ver um pôr do sol, ou um nascer do sol, é maravilhoso, é fantástico. Aí é o momento que tu junta o pessoal com o profissional, porque tu está fazendo o seu trabalho, mas também tu está prestigiando aquela imagem, aquela beleza que está ali à sua volta. E obviamente que trabalhar dentro da ponte, ela é mais cansativa. Porque tu está em um local ali confiando, em um local que é calor, mas que também tem o seu lado interessante de ver, porque é toda uma atividade de manutenção, é toda uma movimentação de pessoas, é toda um dia a dia ali dentro, que acaba que tu vai para lá e muitas vezes tu fica duas, 3 horas, 4 horas, e volta para o escritório e parece que tu te perdeu no tempo,sabe? E obviamente que tudo isso, tu tem que conciliar com atividade interna. Porque tu tem que fazer a gestão. Não só a gestão da equipe, mas também a gestão das suas atividades. Então vê toda a parte financeira, vê toda a parte burocrática de contrato, vê toda a parte de legislação. Como tu bem falou, eu tenho ali alguns cursos de ISO, e isso é muito importante, porque o grupo Ecorodovias traz isso muito forte. Então a gente tem que estar com o nosso dia a dia do trabalho lá no campo em conformidade com as normas e com as legislações, e isso a gente está vendo dentro do escritório. A gente tem que ter essa visão macro de tudo, de fazer um serviço com excelência, de entregar um serviço com qualidade para dar segurança ao nosso usuário, mas que ele respeite todas as legislações, e que sejam feitos de forma adequada, né?
P - Patrícia, muito interessante a sua trajetória. Dia 04 de março é a data em que se comemora os 50 anos da ponte. Eu vi no seu linkedin um textinho seu, onde você diz assim: “50 anos da Ponte Rio-Niterói, a senhora mais famosa do Brasil, orgulho de fazer parte desse time que administra, opera, cuida e conserva essa exuberante obra de arte especial #ecoponte #ecorodovia #orgulhodepertencer". O que é isso, orgulho de pertencer?
R - Eu acho que o orgulho de pertencer vem de toda essa trajetória, de ser mulher, de estar em um cargo de liderança, de estar em um cargo de visibilidade, onde eu tenho o meu lugar de fala, onde eu aprendo, mas eu ensino, e onde eu posso dizer com orgulho que meu trabalho nada mais é do que fazer a gestão de todo um serviço, de manutenção, e conservação dessa estrutura que é a Ponte Rio-Niterói, tendo uma equipe unida, capacitada, que está ali dia a dia comprando todas as minhas ideias e correndo atrás, para que a gente consiga juntos cumprir o objetivo que é fazer um trabalho com excelência e com qualidade, para que a gente consiga todos os dias saber que o usuário que trafega no sentido Rio e Niterói, vão chegar com segurança nas suas casas, vão chegar com segurança no seu trabalho, porque toda essa gestão que a gente faz desde o início da monitoração até a concretização do serviço, que é em si a manutenção da estrutura, foi feita com qualidade, foi entregue da melhor forma possível, e ela vai garantir o conforto e a segurança de todos. Eu acho que é isso.
P - Patrícia, como é que você prospecta a ponte daqui 50 anos? Agora ela está fazendo 50 anos, como você prospecta? O que você pensa? Como é que vai ser? Vai ter outra ponte, vai ter isso? Como você vê?
R - Outras pontes com certeza terão, em outros lugares, mas aqui a gente vai seguir trabalhando com toda essa questão de manutenção de conservação. Eu acho que a gente está em uma era que a parte tecnológica fala bastante, então eu acho que a gente já vem desenvolvendo, e a expectativa é desenvolver outras formas de estudo, outras formas de perspectiva, não só da manutenção como da conservação da estrutura por meio de sistemas digitais, que tu consiga ter a informação real diária da estrutura. Eu espero, não vou estar mais 50 anos, é muita coisa, mas eu espero acompanhar ao longo dos anos, dentro do possível, fazendo parte dessa história. Continuando a fazer o meu serviço, continuando a cuidar e zelar por essa estrutura. Eu acho que é isso.
P - E qual é o maior desafio, que você poderia citar, da sua gestão?
R - Eu acho que são dois desafios. Mas esses dois desafios andam juntos, que é o gerir pessoas, como eu falei, a gente está aqui todos os dias, a gente convive mais entre nós do que muitas vezes com a nossa família, a gente tem dias bons, a gente tem dias ruins, mas a gente precisa estar aqui, a gente precisa trabalhar, então eu acho que ter o conhecimento das pessoas que trabalham contigo, e ter a empatia pelo próximo é fundamental para que o trabalho aconteça da forma adequada, para que a gente possa respeitar os nossos limites, para que a gente possa respeitar os dias ruins e aproveitar os dias bons. E o desafio é hoje, a gente tendo passado aí, uma semana dos 50 anos da Ponte Rio-Niterói, conseguir manter e conseguir conservar essa estrutura para mais 50, 100, 200, a gente não vai estar aqui para ver, mas vão ter outras pessoas no nosso lugar, que vão estar fazendo esse mesmo serviço que a gente está fazendo, para que a gente possa manter a Ponte Rio-Niterói com uma saúde, para que esse trajeto Rio-Niterói possa permanecer e possa ter essa conexão entre as duas cidades.
P - Patrícia, qual seria o conselho que você daria a uma jovem engenheira, recém formada?
R - Eu acho que o conselho que eu daria é acreditar, em primeiro lugar, não desistir de primeira, porque não só a faculdade de engenharia é difícil, mas o vestir a camiseta de engenheira civil também é difícil, é uma atividade que demanda muito conhecimento técnico, então a gente tem que estar se desenvolvendo sempre, porque a tecnologia sempre traz coisas novas, mas eu acho que o fundamental é acreditar em ti, acreditar aonde tu quer chegar e correr atrás. A gente ainda está em uma crescente, eu acho que a gente tem muito ainda para crescer em questões de igualdade, mas eu acho que a gente tem que acreditar que tudo é capaz, desde que a gente se esforce para isso. Então eu diria o seguinte: acredite em ti, acredite no teu potencial, conheça os teus limites, mas jamais desista de chegar no teu objetivo.
P - Você já passou por alguma situação mais difícil, pelo fato de ter sido mulher?
R - Eu acho que não tem…
P - Em um cargo como esse, uma engenheira, né?
R - Não tem como não dizer não, né? Eu acho que pelo fato da gente ser mulher, a gente já tem alguns embates que a gente precisa passar. Eu acho que no momento em que tu faz uma gestão de equipe majoritariamente composta por homens, tu tem que estar preparada para alguns olhares do tipo: “Será que realmente ela sabe o que ela está fazendo?”. Só que isso não pode te abalar, entendeu? Pelo contrário, eu acho que com responsabilidade, com educação, a gente tem que demonstrar o porquê que a gente está aqui, qual é a nossa capacidade, e seguir. Eu posso dar um exemplo. Quando eu cheguei aqui, a gente executou uma das nossas maiores obras, a nossa maior entrega de obrigação contratual, que foi a alça de ligação da Ponte com a linha vermelha. A gente tinha em torno de 500, 600 homens trabalhando na frente de serviço, tinham pouquíssimas mulheres, eu acho que se a gente for contar, deveria ter de 500 homens, se chegassem a 100 mulheres era muito. Tu tinha que estar diariamente no canteiro de obras e em nenhum momento durante a execução dessa obra eu recebi nenhuma piadinha de homem, ou nenhum desrespeito, por quê? Porque eu cheguei de forma humilde, demonstrando qual era minha responsabilidade frente aquilo, passando as responsabilidades que eu precisava passar para ter a execução da forma adequada, mas também me deixando muito aberta para o diálogo, entendeu? Então, em nenhum momento eu cheguei de forma agressiva, exigindo alguma coisa, eu sempre tive ali para trocar conhecimento, para que a gente pudesse executar a obra da melhor forma possível. Eu acho que a gente como mulher precisa ter uma, não vou dizer uma força, a gente precisa demonstrar que a gente tem aquela postura, mas que a gente não precisa subir o tom e não precisa desrespeitar ninguém para conseguir ser escutado, ou para conseguir passar a mensagem. Eu acho que o principal é esse, é manter o respeito, e demonstrar que tu está ali, para fazer a gestão daquilo ali, e jamais para querer ou brigar, ou mandar em ninguém, tu está ali para trabalhar em equipe, para desenvolver o seu serviço e entregar com a melhor qualidade possível.
P - Bom, eu gostaria de te agradecer, perguntar se você gostaria de colocar mais alguma coisa? Te agradecer por esse compartilhar maravilhoso de história de vida e experiência profissional.
R - Eu acho que eu falei tudo, eu acho que falei até demais, não sei (risos)...
P - Não, foi muito bonito…
R - Mas, queria agradecer pela oportunidade, acho que foi muito legal reviver a nossa história, porque muitas vezes na correria do dia a dia a gente não traz essas lembranças que são legais. Gostei bastante e fico à disposição.
P - Já curtiu o Rio de Janeiro e Niterói?
R - Já curto o Rio de Janeiro e Niterói, daqui ninguém me tira.
P - Opa! Está bom, então. Muito obrigada, Patrícia.
R - Obrigada.
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