Projeto 50 anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista com Horácio de Souza Correa
Entrevistada por Paula Ribeiro
Niterói, 04 de abril de 2024
Código da entrevista: PRN_TM002
Revisão: Paula Ribeiro e Nataniel Torres
P - Bom dia, Horácio. Gostaria de te agradecer imensamente por ter aceitado participar dando um depoimento sobre a sua história de vida e trajetória aqui como socorrista na ponte Rio Niterói, tá bom? Então, muito obrigada, e vamos começar o depoimento do começo, o nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Eu me chamo Horácio de Souza Correa, nasci em 26/07/1968, sou de Estácio.
P - Nome dos pais?
R - Meu pai se chama Renato Corrêa, a minha mãe Ilda de Souza.
P - E a profissão do pai?
R - Meu pai ele trabalhou a vida inteira como serralheiro, se aposentou como, hoje está com 87 anos, não mora comigo, mas ainda, há 2 dias atrás eu até levei ele a uma consulta, ele continua muito bem, e se aposentou como serralheiro que foi a vida inteira, ainda continua forte, firme e forte muito feliz.
P - E os avós? Você conheceu os avós? Conviveu com os avós maternos e paternos?
R - Sim, eu tive a minha avó Rufina por parte de mãe, que era nossa, era tudo para gente,quando, neto. Por que ela tinha uma cultura, os nossos ancestrais, a comida deles, as medicações, os remédios, os tratamentos, era tudo muito do tempo deles, e assim, para gente como neto que foi, criança que cresceu, a nossa geração da década de 60 e 70, teve essa cultura muito produtivo isso, foi muito cultural, isso nos deu muita base para que a gente hoje se tornasse muito resiliente, aquela coisa de resistência, e crescer forte, porque veio dos avós, toda comida, todo o tratamento, toda a educação, isso foi muito bom. Tanto avô materno quanto paterno, que foi o qual, o mesmo eu adquiri o nome dele, Horácio Corrêa, que foi meu pai que teve essa ideia, eu disse para ele: “Por quê? Porque não Renato filho, Renato, por que Horácio?”....
Continuar leituraProjeto 50 anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista com Horácio de Souza Correa
Entrevistada por Paula Ribeiro
Niterói, 04 de abril de 2024
Código da entrevista: PRN_TM002
Revisão: Paula Ribeiro e Nataniel Torres
P - Bom dia, Horácio. Gostaria de te agradecer imensamente por ter aceitado participar dando um depoimento sobre a sua história de vida e trajetória aqui como socorrista na ponte Rio Niterói, tá bom? Então, muito obrigada, e vamos começar o depoimento do começo, o nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R - Eu me chamo Horácio de Souza Correa, nasci em 26/07/1968, sou de Estácio.
P - Nome dos pais?
R - Meu pai se chama Renato Corrêa, a minha mãe Ilda de Souza.
P - E a profissão do pai?
R - Meu pai ele trabalhou a vida inteira como serralheiro, se aposentou como, hoje está com 87 anos, não mora comigo, mas ainda, há 2 dias atrás eu até levei ele a uma consulta, ele continua muito bem, e se aposentou como serralheiro que foi a vida inteira, ainda continua forte, firme e forte muito feliz.
P - E os avós? Você conheceu os avós? Conviveu com os avós maternos e paternos?
R - Sim, eu tive a minha avó Rufina por parte de mãe, que era nossa, era tudo para gente,quando, neto. Por que ela tinha uma cultura, os nossos ancestrais, a comida deles, as medicações, os remédios, os tratamentos, era tudo muito do tempo deles, e assim, para gente como neto que foi, criança que cresceu, a nossa geração da década de 60 e 70, teve essa cultura muito produtivo isso, foi muito cultural, isso nos deu muita base para que a gente hoje se tornasse muito resiliente, aquela coisa de resistência, e crescer forte, porque veio dos avós, toda comida, todo o tratamento, toda a educação, isso foi muito bom. Tanto avô materno quanto paterno, que foi o qual, o mesmo eu adquiri o nome dele, Horácio Corrêa, que foi meu pai que teve essa ideia, eu disse para ele: “Por quê? Porque não Renato filho, Renato, por que Horácio?”. Ele disse: “Não, para homenagear o seu”. Achei muito bom, e foi e ficou, hoje eu me acostumei muito bem, faço parte dessa história.
P - E conta um pouquinho dessa infância lá no Estácio, como é que era? Onde é que vocês moravam? Que rua?
R - Morro Ambiré, Ambiré que chama, hoje não está mais tão fácil. Não está muito mais tranquilo, mas na minha época, época de garoto, de pipa, de subir e descer morro, nossa, era tudo, era uma escalada. Quase um crossfit hoje, porque se subia aquele morro, no topo, era bem no cume, e aí a gente teve essa infância de raiz, era no Largo do Estácio, aquilo ali era os bares populares, as marchinhas, os carnavais populares ali do Estácio, coisas culturais que tinha no nosso tempo lá atrás, muito lá atrás, Hoje a coisa está um pouquinho mais desenvolvida, aí, um pouquinho mais perigosa, mas na nossa época foi muito bom. Nossa, que coisa boa!
P - Você sabe a origem dos avós? Eles são cariocas ou vieram de outros estados? Você sabe?
R - A minha avó é pernambucana. A minha mãe, ela é de origem, no caso,só que ela mora para cá, conheceu meu pai no Estácio, né? Conheceu ele, se conheceram no Estácio, serralheria, fazer porta, portão, de uma porta portão, acabou um relacionamento. E aí me veio, e aí ficaram, até hoje, eu não tenho mais a minha mãe, mas meu pai ele, depois de um bom tempo, depois de eu já adolescente, ele se separou, ele tem uma outra família, eu tenho mais duas irmãs. Eu hoje às conheço, Cláudia e Ana, aonde a gente vive muito bem, tipo assim, se conhece, se dá muito bem, foi o maior prazer delas me conhecerem, anos depois elas saberem que tinham um irmão, independente da situação toda, e assim, foi muito satisfatório, hoje eu ter mais duas irmãs, deixei de ter uma outra, por parte de mãe, que era a Renata, que veio a morrer de câncer. Eu perdi ela muito nova, muito recente, e isso foi muito chato, mas por parte de pai ficam as duas irmãs, que hoje elas super, não mata a saudade que eu tenho da Renata, que é por parte de mãe, mas a gente, quando está junto apaga um pouco da história, acalenta um pouco, cobre um pouco, né? A gente consegue se agrupar e se dar bem.
P - Como é que era essa infância? Não sei se você cresceu com a Renata, como é que era brincadeira de rua, jogos? Relembrar um pouco, famoso no Estácio, a música, o carnaval.
R - A Renata é mais velha do que eu 3 anos. E assim, ela muito cedo, até quando novo a gente viveu um pouco junto, né? Até os 14 anos que eu lembre, 14 anos juntos, e era assunto de criança, de jovem, de irmãos. Aquela briga pela bisnaga, pelo bico do pão. A gente teve uma época dessa de bico do pão, eu queria o bico do pão era meu, e aí tinha briga por conta do bico do pão, muito engraçado isso, essa história. E assim, depois de 14 anos, aos 14 anos ela foi morar para São Paulo, e aí ela foi viver com a madrinha dela, que meu tio ele era engenheiro da CBTU na época, hoje é Flumitrens, é empresa de trens. E aí foi onde ela teve o futuro dela garantido, ela se tornou estatutária, se formou, lá ela só vinha de visita, e para curtir o carnaval do Rio, porque ela voltava ela tirava era onda, porque ela voltava preta, ela vinha branca, ia para as praias, e voltava negra, mas voltava com bolha, mas voltava, ela voltava branca de creme, de protetor, ela voltava igual um verdugo assim, não conseguia fechar o braço, mas voltava satisfeita de ter ficado um mês de praia, em um mês de sol para voltar negra. E aí essa história toda. Quando ela constituiu a vida dela profissional por completo ela voltou, voltou para se casar, ter dois filhos hoje que são o Juan e Darlan, eles têm a vida deles independente e ela viveu um bom tempo aqui ainda até ela ter o câncer e depois me deixar, me abandonar e foi uma coisa muito triste, porque eu ainda não tinha essa aproximação com as minhas irmãs por parte de pai, e isso foi muito marcante porque era eu e ela, a gente cresceu praticamente juntos e depois ela… Eu tive que enterrar minha irmã e isso não foi legal. Foi isso.
P - E essa infância de vocês dois, como é que era? Brincavam na rua? Que jogos?
R - Brigas, brigas como todo mundo, brincadeiras de tudo quanto é tipo, eu sou da época que a gente… Era bola de gude, era pau na lata, pique esconde, carniça, eram as brincadeiras antigas que só quem é da época sabe. Hoje em dia essa geração não vai saber nunca disso. Não vai jogar o que a gente jogou, não vai brincar do que a gente brincou. E assim, nós fomos crianças juntos, nós fomos moleques juntos, a gente teve infância. isso foi muito legal, isso foi muito cultural, isso foi muito bom para a gente, independente do que a gente fosse se formar, cada um na sua profissão, lá atrás a gente teve uma essência, e essa essência foi muito satisfatória, nossa! E brigávamos como qualquer irmão, eu lembro que uma vez ela saindo para escola as 7h00, e eu em casa ainda às 7h00, aí eu tinha aprontado, a minha mãe, ela tentando me pegar, e eu pulei o muro e passei o dia inteiro fora só comendo jamelão e amêndoa, coquinho de amêndoa, e eu lembro que minha mãe disse, a fala dela era muito cultural, ela disse: “Galinho de casa não se corre atrás, você volta”. Eu disse: “Não volto nada, vou ficar fora”. De tarde a minha irmã, ela saia da escola por volta de meio dia, ia para o curso técnico, só voltava tarde. Quando ela voltou a tarde eu disse: “Renata, olha, olha para ver se minha mãe está deitada”. Ela disse: “Entra que eu te dou cobertura, entra que eu vejo, entra quietinho que ela não vai te ver não”. Nossa, ela tinha 15 anos, eu disse: “Eu vou tomar um banho que eu não estou aguentando”. Eu tinha colar preto de cerol, pé preto, pé de rua, daí eu to tomando banho e a minha mãe para a Renata: “Ele está aí?” Ela disse: “Está aí, Renata?”. “Acho que está mãe, acho que está no banho”. Eu escutei os 3 toques mais longos da minha vida, aquele… “Abre agora.” Aí minha irmã: “Abre, abre, que ela quer falar contigo”. “Não vou abrir não”. “Abre..” E foi a última coça com 15 anos de idade, isso ficou mais marcado, e ela ria, eu tomando uma coça e ela rindo na porta: “Te falei, te falei”. E aí ficou, e aí a gente depois ria disso, porque era uma coisa cultural de bater, a gente era da época que a gente apanhava com vara de goiaba, apanhava de cinta, apanhava, isso aí hoje em dia dá processo, mas na nossa época era… Só quem apanhava era raiz, e o bom que a gente conta história, é isso.
P - E escola? Vocês frequentaram que escola? Era escola ali do bairro? Qual foi o colégio?
R - É, então, a gente depois de um certo tempo a gente se mudou, né? A gente ainda muito novo, a gente se mudou para Campo Grande, por conta da família da minha mãe. Próximo a família dela, as minhas tias mais próximas por parte de mãe, que a minha mãe, ela foi uma mulher muito guerreira, muito batalhadora, e ela precisou trabalhar muito e deixar a gente com alguém, alguns tios, precisava estar próximo de alguns parentes dela, no caso as minhas tias, e a gente conseguiu se formar, segundo grau, primeiro e segundo grau, tudo por Campo Grande, na República do Peru. Minto, Almirante Salgado da Gama, que é uma escola em Campo Grande, perto do cemitério, e ali a gente cresceu junto, foi se formando junto, tudo isso por conta da proximidade que a gente tinha que ter dos nossos tios. Aí foi, e aí nossa história começou. Cada um na sua, se formando de algum jeito, procurando um curso técnico para poder no futuro ter um futuro bem… Só que assim, um tempo atrás era muito mais complicado, os estudos eram bem menos, as ideias eram bem menos, mas dentro do que pode ser feito, dentro do que a gente conseguiu buscar, foi feito. O que a minha mãe pode nos oferecer de melhor, de nos orientar,ela fez. Até que a minha irmã com 14 anos, ela precisou viajar, foi para São Paulo, e aí eu não a vi mais, só vi nos finais de ano, que eu ia visitá-la, a gente todo ano era uma regra, ir para São Paulo visitar a Renata, era uma regra, todo ano, pegava, era na época, era o Tribus, da Itapemirim, um negócio assim, uma marca de ônibus tribus, todo ano ir para São Paulo, visitar a Renata, até ela crescer, se formar, e já com seus 50 anos de idade voltar para o Rio de Janeiro para acabar a história dela aqui, é isso.
P - Você em Campo Grande, você estudava, mas você trabalhava também? Como é que foi isso?
R - É, então, quando novo, ainda não, eu era mais moleque. Era mais garoto, a gente não tinha tanta ideia de curso, era mais estudar e brincar, estudar, estudar e brincar. O curso que na época era o bum da coisa era de datilografia. Hoje em dia não existe nem mais isso, eu ainda tinha até, até um tempo atrás eu tinha aquela máquina Remington, aquela que cor de abóbora, aquela que ficou marcada, e a gente era ruim, ruim de tudo, e o curso de datilografia que você tinha que ter, era um curso que dava uma margem para você conseguir um emprego fora em qualquer lugar, e eu muito cedo, muito cedo, eu precisei trabalhar porque a minha mãe ficou só, o meu pai se separou. Me deixou com ela, ela não tinha condições, porque ele já tinha outros compromissos, tinha outros vínculos. E aí era eu e a minha mãe, e aí eu com 18 anos, eu precisei, 14 a minha irmã foi embora, ficou eu e a minha mãe,e eu nessa luta, nessa luta de ter que trabalhar e me deixar com os meus tios, muito complicado, até eu chegar à maioridade, aos 18 anos e ter que trabalhar, ter que trabalhar, começa a estudar, um curso técnico e outro, para tentar conciliar, se capacitar, mas buscando o que eu pretendia lá na frente, que era o concurso público. Aonde eu consegui, e aí em 2000… Aos meus 19, 22 anos, eu consegui entrar, mas por questões contratuais, de fraude no sistema, ficou embargado esse concurso, e a gente teve que dar um tempo, que era o do bombeiro, um sonho meu ser bombeiro. Coisa que meu pai, ele na juventude dele, que eu inclusive até estive com ele anteontem e ele “eu ia ser bombeiro, guarda-vidas”, só que ele faltou, ele chegou atrasado pro teste, ficou reprovado, e ele era atlético, era forte, ele pedalava muito. E eu acho que isso, meio que uma origem de pais, e eu sou atleta, pratico esportes. Não sou mais garoto, prático dentro da modalidade que eu posso, prático uma corrida, corro às vezes, nado às vezes, remo às vezes. Por conta dessa minha correria, dessa escala apertada, mas eu tento fazer, e aí a origem toda vem de pai. Então, o que eu pude fazer dos meus 14 para frente, os meus 18 anos, foi tentando buscar um pouquinho mais de conhecimento para poder ter um futuro melhor.
P - Mas então, o curso de bombeiro não deu certo?
R - Eu fui ser guardião…
P - Você pode trabalhar com que?
R - Guardião de piscina. 2000, eu sou de 2002, da turma do CFAP bombeiro lá do Rio, eu era do Rio. Então a minha vida veio para Niterói em 2010, foi quando eu mudei a minha história de vida para cá. Então, em 2002 eu comecei a história de tentar ser bombeiro, de alguma forma ser guardião, comecei como guardião, que é um curso civil, mas que já começava e entrar no meio deles. E assim, eu lembro, eu tenho uma lembrança muito, muito vaga, mas é a única coisa que me ficou de uma lembrança de uma criança de, acho que de 8 anos, eu não tenho, você não consegue se lembrar de muita coisa, mas a única coisa que eu me lembro é de ter ganho do meu pai um carro de bombeiro, não sei se por conta… Era para ele ser bombeiro, guarda-vida, ele me deu um carro de bombeiro, eu me lembro de plástico com uma escada branca, e isso ficou para sempre na minha memória, não lembro de mais nada na minha vida, nada, nada, nada, de 8 anos, 9 anos? Não, somente desse presente do carro de bombeiro que isso ficou para mim, isso para mim, aí já vem com essa batida de tentar ser bombeiro, que é um sonho de trabalhar com resgate, gosto, amo isso, aí essa minha vida pregressa, essa pegada já vem.. Estar trabalhando com resgate.
P - Aquele carrinho bombeiro, idealizado…
R - Foi o start, foi o gatilho para eu poder avivar o que eu gosto, o que eu vivo, o que eu respiro hoje, que é o resgate.
P - Mas, em relação ao guardião de piscina, você nadava em piscina? Como é que era isso? Você ia para a praia? Como é que foi esse começo desse preparação física para se tornar um guardião?
R - É, é, para se tornar guardião, porque na época tinha um teste muito tenso, era muito rígido, só ficava quem era bom mesmo de natação, e eu mais novo, eu sempre fui atleta, então praticava esporte, nadava muito no Cassino Bangu, já tinha Acesso ao Cassino Bangu, não é? E aí eu praticando, passei, entre os, ficaram, eu acho que 30, ficamos. E aí o curso de um mês, foi de um mês o curso, todo dia de segunda a sexta, de 1h às 5h, lá no CFAP, e aí foi tenso, mas só que assim, era para piscina, para você ser guardião de piscina, de trabalhar em prédios, e clubes, enfim. Aí você saia de lá um monstro, querendo salvar todo mundo na praia,você vai para praia querendo que alguém se afogue para tu… Já sai com essa ideia de “nossa, estou capacitado”, e foi. Só que daí para cá eu vim buscando outros cursos dentro da área, dentro de outras especialidades, porque o guardião, ele é assim, consegue ser, tá? Mas, você não anda, você não deslancha, você para ali, são 7 dias em um prédio, sentado em uma cadeira, olhando para o nada, nada olhando para você, só o síndico que fica ali te vigiando, uma coisa assim e nada, você vai para água e tu não rende, tu não cresce, e se tu não buscar, eu não queria isso para minha vida, isso foi só um gatilho, foi só um pretexto para eu poder estar no meio deles, e buscar o que eu pretendia que era estar aqui, ali, na vida de resgate aqui fora, é isso.
P - Então, como é que foi essa sua preparação, você fala em Bangu por que? Você foi morar em Bangu depois de Campo Grande? Conta um pouquinho sobre Bangu antes da gente engrenar…
R - Fui, eu me casei. Eu vim a me casar e a minha esposa, a mãe da minha filha, ela era de Bangu, a família dela era de Bangu, ali de cima de perto do Rio da Prata, e eu comecei a morar por Bangu, a minha filha nasceu em Bangu, ela está com 26 anos, ela é dentista hoje, a Letícia, ela trabalha por Madureira, e assim, ela nasceu lá. Então, aí minha vida pregressa, lá de trás. Desde guardião, aí eu fui, comecei, e comecei a frequentar o clube, onde depois de formado fui trabalhar como guardião de piscina, fiquei 4 anos, tomando conta daquela piscina, aos finais de semana era um fervo, pensa em uma piscina de 25 metros, banho livre pago 7 reais, sem exame médico, imagina, Bangu 60 graus…
P - 60 graus (risos)
R - Não tinha como, o morro descia, o ponto de encontro? Bangu, a piscina de azul só via um ponto azulzinho que era o ralo, que não conseguiam chegar perto, o resto só cabeça, era para mais de 100 pessoas dentro de umas piscina, e eu tendo que tomar conta daquilo tudo, mas fazia com o maior prazer, porque eu era o responsável técnico, de estar lidando com aquilo, e eu gostava disso, e quando você trabalha naquilo que você gosta, era o maior prazer, fiquei preto, ficava negro, proteção e tal, mas não adiantava, o sol de Bangu ele é diferenciado, é do Saara, é tenso, não tinha protetor que desse certo, fiquei, fiquei, até eu me capacitar, até eu buscar outros meios, tudo foi indo de degrau em degrau, até eu chegar para o lado de cá.
P - Horácio, você pode me dar o nome completo da Letícia, e a data de nascimento, por favor?
R - A doutora Letícia que a gente chama ela, doutora Letícia, Letícia com muito orgulho, Letícia é a minha filha mais velha,né? Ela, com muito sacrifício ela fez uma faculdade na UFF de Friburgo, a onde até tem uma história bem legal para se contar, porque ela tinha feito o ENEM com muito sacrifício e se capacitou, e aí ela recebeu um email, avisando que ela tinha que comparecer em Friburgo na faculdade para apresentar um documento, mas sem nenhum… Tipo assim: “você está aprovada, está, tu vai ficar…”. E aí, um belo dia a Letícia me liga: “Pai, você conhece Friburgo?”. “Conheço”. “Como é que faz para chegar lá?”. “Tu vem para cá para ir para casa, quando é que tu tem que ir lá?”. “Sexta-feira”. “Então tu vem para casa quinta, e a gente avança, que eu estou de carro”. E aí Letícia veio, Letícia essa que veio com todo esforço que ela tinha, essa coisa de tentar a sorte lá na frente, estudou para isso, mérito dela. E a gente chegando em Friburgo, na faculdade, por conta de ter saído daqui já cedo, muito cedo 4h30, chega lá por volta de 7h00 horas, fechada ainda, ficamos esperando, tinha mais uma menina, e a gente: “O que eu tu veio fazer aqui, Letícia? Afinal de conta…”. “Não, me pediram para trazer um documento.” “Tá, mas para que seria?”. “Não sei pai, um documento”. “Tá, vamos lá”. Abriu a faculdade, a menina que estava na frente da gente, a gente já tinha feito uma amizade, contato. “ Oi, tudo bem?”, “tudo bem”. “ Você é para que?” “Não, estou reiniciando, estou voltando, tal, tinha trancado, estou voltando”. “Tudo bem”. Entramos, Letícia me entra, balcão, a menina, a atendente lá: “Fulano de tal, toma, toma toma. Seja bem-vindo, obrigada por ter vindo, segunda-feira você começa”. Ok, não, mas ela já era uma renovação, tipo assim, ela estava voltando, aí vem a Letícia: “Letícia Silva?”. “Sim”. “Ok Letícia, está com os documentos aí?”. “Estou, com os documentos eu estou”. “Vamos embora Letícia, que a gente já está longe de casa, tal, tal, tal”. Ela disse “Ok, Letícia. Seja bem-vinda à Faculdade de Friburgo, a UFF”. Eu disse: “Oi?”. Ela disse: “Oi?”. Tipo: “Como assim?”. Ela não sabia, incrível, não sei em que ponto teve esse ruído na informação que ela não foi com a ideia de ficar na faculdade. A Letícia é minha filha mais velha, ela é de 74.. 13 de maio, 13 de maio agora ela faz…
P - Não, ela é de 98…
R - 98…
P - 98 ou 97…
R - Perdão,é, e aí ela faz 27 anos agora, dia 13 de maio. E onde foi essa, esse choque de emoção, uma mistura, um misto de emoção, de alegria, de euforia…
P - Posso imaginar…
R - Assim, e eu tendo que me virar ao 47 em uma pousada, em algum lugar para ela ficar naquele dia, porque ela tinha que voltar na segunda-feira, ou no domingo já, para ficar e 4 anos em Friburgo, morando sozinha, coisa que ela nunca fez, ela morava com a mãe dela, sempre viveu debaixo do braço da mãe, mas correndo atrás, estudando, buscando, e eu sempre incentivando: “Não para, não para, se precisar…”. Sempre perto, mesmo não estando perto, sempre fui muito presente, sempre fui um pai muito presente, e no que precisava nunca faltou, e veio o resultado, hoje ela que cuida dos meus dentes…
P - Desse sorriso..
R - É, é, hoje em dia ela que cuida.
P - Então, Horácio, eu queria que você me contasse agora um pouquinho como é que foi, você hoje trabalha como socorrista. Como é que foi um pouco essa formação e o seu vínculo aqui com a Ponte Rio Niterói? Como é que se deu, por favor?
R - A minha vida começou com o SAMU Rio, que quando a gente diz metropolitana 1 é Rio de Janeiro, metropolitana 2 é Niterói. Metropolitana 1 é Rio, e eu comecei com o SAMU Rio em 2008, onde foi o último ano de gestão do governo em parceria com o SAMU, eu fiquei esse ano, só que através desse contato, eu fiz um contato, uma amizade com alguém que já era daqui, um amigo que ele era condutor lá, e trabalhava aqui. Até aqui na ponte, aqui nesse setor, que era uma outra empresa, e aí a gente: “Po, você lava meu currículo? Você entrega lá? Que é meu sonho ser… Trabalhar na Enseg no resgate”, que a Enseg não era daqui, era da BR 101, mas a BR 101 toda era dela, até a Bahia, uma gestão muito grande…
P - O que é a Enseg?
R - A Enseg é uma empresa, que ela tem hoje no ramo dela construções de edificações, ramo de camarão, criação de camarão, e o pré hospitalar, que é o APH, que é o atendimento pré hospitalar, que a gente faz externamente, nas rodovias do Brasil afora. Ela começou na BR 101, era dela, tem a rota, a rota que é pra quem vai para Cachoeiras de Macacu, Papucaia, aquele trecho ali todo é dela, a Lagos é dela, a Via Lagos é dela, Rio Santos até pouco tempo era dela, a Dutra era dela, mas por contratual, licitação, mas enfim, ela já não está mais lá, e a Via Rio é dela. Então, a Enseg hoje, ela administra, assim, na verdade ela é a matriarca no resgate APH desde muito, desde de 2005, se eu não me engano, se eu não tiver errado. Hoje eu sou um dos socorristas da Enseg em ascensão, em atividade, um dos mais antigos, se não o mais antigo, em atividade, em pista. Eu sou de 2009 dentro dela, então a minha vida começou em 2008 no SAMU Rio, e em 2008, no final de 2008, o amigo já tinha entregue esse currículo, e eu tive a oportunidade de fazer o curso que era para você entrar aqui, para ser socorrista dentro da empresa você tem que fazer o curso que é dado pela própria empresa, e o que ela faz ninguém, que é ela te capacitar para você trabalhar para ela, tipo que a gente vai ter até agora para mês que vem uma turma de formação para novos funcionários, onde a gente tem um CT, um centro de treinamento que é lá em Itaguaí, com tudo que a gente faz aqui a gente bota em prática lá, só que são 10 dias internos, internos, é um Big Brother, “tiro, porrada e bomba”, tipo assim, e lá a gente faz de tudo que a gente tem que pegar aqui, tudo isso que a gente faz aqui de resgate, de atendimento, de procedimento a gente treina lá, e a gente capacita os funcionários, que vão ser novos funcionários lá, 10 dias eles se formam. Eles saem, aí sai com certificado e com a possibilidade de ser funcionário. E aí começou a minha vida aqui, em 2009, foi onde eu vim trabalhar pela BR, na BR que era da BR, ela não era ponte ainda, era a CCR …
P - Era uma outra concessionária, era CCR?
R - Isso, isso, e aí lá eu conheci uma pessoa que se chama, que também não está entre a gente, mas que é muito meu amigo, o Luiz Cláudio, que era chefe de frota do SAMU de Niterói, onde eu rendia ele. E ele gostando do meu trabalho, ele: “Você não quer ser motorista?”, eer condutor socorrista que a gente chama. Porque o motorista é de táxi, é de ônibus, não menosprezando a categoria não, que todos os motoristas são profissionais dentro do que fazem, mas nós que somos do resgate, a gente é conceituado como condutor socorrista, porque a gente faz o que muitos não fazem, a gente atende, a gente remove, a gente corta, a gente apaga, a gente é diferenciado. E ele gostando do que eu já fazia. Ele me levou para o SAMU em 2009, foi quando aconteceu essa tragédia do Bumba, e onde começou todo o meu empenho em ficar, e aí ficava Enseg, SAMU Enseg, Enseg Samu, Enseg Samu, e a minha vida… Abandonei o Rio, larguei tudo que eu tinha lá, eu já estava meio que separado, e vim viver para cá, e aí onde eu conheci a Cristiana Marçal a enfermeira no SAMU que até hoje eu vivo com ela e é meu amor.
P - E você tem tanta história, vou separar aqui dois braços para a gente poder, para você poder contar um pouco. Você tem, pelo que eu estou entendo, você tem duas grandes atuações, você é um socorrista de prática de ação, mas você também… Tático, como a gente chama, mas você também é um capacitador. Você trabalha na área de educação. Então, vamos falar um pouquinho dos dois, quer dizer, como é que um dia seu, o que é ser um socorrista na ponte rio Niterói? Qual é o tipo de trabalho que você faz? Qual é o tipo de escala? E depois a gente fala capacitação…
R - Sim, sim. A escala aqui é 24h por 72h. Você trabalha um dia, folga 3, mas para a gente que tem dois, 3 vínculos a gente nunca folga, a gente sempre está ocupado, mas para a escala da empresa você folga 3 dias. E aí é assim, você trabalhar aqui, principalmente na Ponte, esquece não tem outro lugar assim que eu tenha ficado que é uma referência de local, de trabalho, aqui, a gestão que nós temos aqui hoje, que vem Júlio Amorim, Borges todo arcabouço que ele tem em volta deles, da chefia toda, da gerencia toda, que cria esse conceito onde a gente tem empatia, simpatia interpessoal que não falta aqui, né? Fica fácil você trabalhar com o pessoal assim, onde eles fazem essa engrenagem andar, desde o amigo da portaria, a tia do café, a menina daqui, a secretária, as tias da limpeza, os papas fila, os caixas, sabe? 24 horas, diuturnamente, fazendo essa máquina andar, não é fácil para ninguém, e hoje com muito orgulho eu digo: “eu trabalho na Ponte”. Nossa, não tem, quando eu estou em casa, ou de férias, ou de folga, e vejo uma notícia que aconteceu, ou que está acontecendo, a agonia que eu fico de tentar vir ajudar, que eu não posso. Não posso me meter no atendimento dos colegas, a não ser que eu esteja passando, que já aconteceu, e eu tentar ajudar de alguma forma, mas eu fico em cólicas, e eu tenho o maior orgulho hoje de para onde eu vou, para quem eu falo, eu digo para o cara: “Eu trabalho na Ponte”. “Você trabalha?”. “Trabalho, aquilo ali aconteceu assim, acontece isso, isso e isso”. E a população, ela em si não sabe da missa um terço o que se passa aqui, isso fica aqui, e vai ficar, daqui a pouco a gente não vai estar mais aqui, e isso vai ficar na história dos meus filhos que eu conto, dos meus netos que eu vou ter ainda. A Letícia daqui a pouco casa, e ela vai me dar um neto, neta, e aí isso vai ficar na memória de todo mundo, e um dia quando eu passar aqui só de transeunte eu vou relembrar cada momento e cada espaço que eu, e assim, muito legal.
P - Mas qual é o trabalho de um socorrista na Ponte Rio Niterói?
R - Lidar com vidas, não tem preço, lidar com vidas não tem preço, a gente tem fatos, que acontecem vários fatos, e são situações adversas, desde os mais tristes aos mais, até engraçados. Essa semana mesmo, muito engraçado, foi na semana, acho que foi no domingo, foi a Cristiana minha esposa, que ela estava de plantão aqui no domingo, aí um usuário, ele era um youtuber, ele com uma corrente amarrada ao pescoço, uma corda, tipo assim um gancho, um gancho com um pneu amarrado, cravado no pneu, ele queria fazer um crossfit, um crossfit, ele disse: “É o meu sonho passar na Ponte”. Mas avisaram para ele que ele não conseguiria, mas ele disse: “Eu vou, eu vou tentar”. Só que ele pegou um uber, ele desceu aqui, posto alfa que a gente chama, onde a gente bateu a rota ali, e aí a equipe de pronto, porque há câmaras para tudo quanto é lado. E aí pegaram ele, a equipe subiu para abordar ele, ele com um pneu, com a corrente, a corda, ele querendo passar correndo com isso. E assim, quando você pega essas coisas engraçada, a gente para para sentar, para para rir e diz: “Caramba, que coisa…”. Teve um outro fato, quando você, a gente vai aprendendo a lidar com o povo, com saúde, com gente, você vê que às vezes, a pessoa, ela sai de casa mal, a gente tem um fato aqui, que se você perguntar para qualquer funcionário, até dos guincheiros, do pessoal do guincho, “cara, é lenda ou é fato?”, a pessoa vem de Angra, enguiça na Ponte, engraçado! Vem de Araruama para ir para o Rio, passa mal na ponte, sai de Niterói, vai para o Rio, vai parir. Pari na Ponte, parto na ponte, existe parto na ponte, já teve parto na ponte, e assim, eu digo: “Mas, por que será? É uma lenda, é um mito, é um fato?”. Eu digo: “Não, é porque são bem tratados”. Eles sabem que o serviço é de excelência, o que a gente faz, o que minha equipe faz, eita… Desculpa aí…
P - Emociona, a história bonita de parceria, né?
R - É, o que a gente faz às vezes, muitas das vezes a gente nem recebe um obrigado. Mas a gente não faz por isso, a gente faz porque a gente gosta, a gente faz por amor, a gente faz com muito apreço isso. A gente teve em uma dessas ocorrências da vida, que a gente estava vindo de uma ocorrência, não tinha nada para acontecer, aí a gente se deparou com um carro, onde tinha escrito nele assim: “Meu irmão fez a última quimio, se você está feliz buzina”. E essa fala, que já tem uma coisa, as pessoas que fazem a última quimio eu sei porque a mãe do meu filho ela fez isso, meu filho fez isso por ela, ela perdeu as mamas, os seios, e ele fez isso quando ela fez a última quimio. E aqui no Posto 15, vindo, aconteceu a mesma coisa, e a gente estava voltando, a gente não fez, a gente não pesou, a gente não mensurou a ideia de fazer por aquela pessoa, fazer aquele buzinaço, uma sirene botar atrás, fazer um cortejo, ir com sirene, ir com buzinas, e as pessoas lá dentro agradecendo, e todo mundo passava, ia na mesma batida, e a gente via o agradecimento, o olhar de felicidade daquela pessoa que tinha feito a última quimio, que para ele, acho que o som da buzina, o som… Era como se fosse um acalanto, um ar de vida nova, e isso a gente, nossa, e isso nos emocionou muito.
P - Nossa, que iniciativa maravilhosa de vocês.
R - A gente lida com fato, eu falei, a gente às vezes tem os fatos engraçados, tem as coisas engraçadas que acontecem, que aqui entra de tudo, passa de tudo, a gente não tem como tem um bloquear, não tem um pedágio, eles acessam, e a nossa função é achar localizar e resgatar, né?
P - Pois é, o que o socorrista faz? Por exemplo, para o carro, é isso? Deu um problema com o carro o socorrista é chamado?
R - É, então, a Ponte, 13 km, ela é toda fiscalizada de ponta a ponta. Onde o carro enguiça ela fiscaliza, ela puxa, e chama o guincho para fazer o transporte dele, o reboque dele, o socorro dele, se for mecânico. Quando se trata de acidente, aí não, eles chamam não só o guincho, como uma parte de resgate, e a gente faz a nossa parte, a gente avança, e aí tem que ser feito, e aí entra a nossa parte, a gente em parceria com o guincho, que a função dele é sinalizar e rebocar aquele carro todo destruído, moto, seja lá o que for, e a nossa parte é a parte médica, que a gente faz, define assim, como sendo a parte de atendimentos às pessoas que de alguma forma se machucaram… Que tem umas que são mais graves, tem umas que são mais leves, alguns acidentes nem são tão graves assim, mas acontece de você se ver numa situação dessa é muito complicado, principalmente na Ponte, que é altura. Tem gente que passa aqui que tem pânico de altura, tem fobia e trava, e só o fato de ter que descer do carro já se sente mal. A gente foi atender um determinado acidente, onde um dos integrantes, um dos ocupantes do carro era surdo. E aí eu te pergunto, Paula, como é que você lida com alguém surdo? A gente, só que assim, através desse curso que a gente faz aqui de capacitação, isso me foi dada essa responsabilidade de aplicar esse tema para a população, no atendimento pré-hospitalar, esse que a gente faz, me libras. Como é que eu falo em libras?. Eu disse: “Não, vou buscar um profissional”, busquei um profissional que fala em libras, e através do curso dele que foi feito aqui me interessei, vai que eu precise disso. Parecia deja vu, foi meio que assim “vai que um dia eu precise disso”, olha e aconteceu o fato, e um dos integrantes que ele não estava machucado, quem se machucou foi o pessoal da frente, era um motorista e o outro acompanhante, mas nem tão grave assim, mais impacto, cinto e tals. E aí ele se viu no banco de trás, e a equipe tentando falar com ele, só que não entendia, ele estava falando muito rápido, porque ele é surdo. Surdo, ele não é surdo e mudo, muita gente acha que é surdo e mudo, e a gente fala que não é surdo e mudo, é surdo. E ali ele se vê em uma situação de tentar explicar o que está sentindo, o que está falando e fica muito agitado, e todo mundo tentando entender, leitura labial, vê, os sons, aquela coisa de “dói aonde?”, e gestos, até eu perceber o que estava acontecendo, como não tinha mais nada para ser feito externamente de minha parte, eu percebi que a situação ali era meio meticulosa, e aí eu disse “eu deixa eu ver o que está acontecendo”. “Horácio, ele é surdo e mudo”. Eu: “Não, ele é surdo, vamos ver o que está acontecendo”. Aí o pouco que eu aprendi, e to buscando, eu disse para ele “calma, calma, calma, eu estou aprendendo libras”. Quando eu falo que eu to absorvendo, estou aprendendo libras, pronto, é como se fosse o disjuntor dele, já entra em um mundo, tipo assim, alguém que realmente me entenda, eu: “Qual é o seu nome, o meu nome…”. E aí eu vou perguntando: “Dói aonde?”. Quando eu faço isso, esse gesto, eu pergunto a ele se ele está sentindo dor, aí ele: “Não”. Eu digo: “Toma remédio, remédio?”. Tipo assim, toma remédio? Realmente ele não tinha nada, a situação toda é que ele estava tenso por conta do movimento em si, aí quando ele me viu fazer o gesto de “calma, calma, eu aprendendo libras”. Aquela coisa que é o sinal clássico que você fala para ele, para o surdo que você está aprendendo, e ele fica calmo, e você pede calma, porque assim, eles falam muito rápido. É você tentar pegar o nome, você não vai acompanhar, ainda mais para quem está aprendendo, estou engatinhando hoje, estou engatinhando, não estou nossa… E assim, é muito satisfatório ter trocado isso com ele, então o fato, quando você me pergunta o que o socorrista faz, ele lida com vidas. E assim, é importante que a gente entenda que é melhor a gente aprender e não precisar usar, do que precisar usar e não saber como usar, isso que a gente faz hoje de se capacitar, de aprender, de estudar, de continuar vendo, trabalhando com temas, vários temas, e para poder dar o de melhor lá em cima, que você lidar com vidas, quem são as vidas com quem a gente vai lidar. São diversas pessoas de diversas origens, de diversos credos, diversas patologias, são diversas patologias, pode crer, são diversas patologias, e aí a gente tem que ser um pouco de psicólogo, um pouco de pai, um pouco de mãe. Rapidamente, se você me permitir, teve uma criança, que em um acidente, ele agarrou no meu pescoço, estava ele e o outro, o outro irmão dentro do carro, com ele não tinha acontecido nada, mais com pai, mas o pai não tinha, tinha que ir para a viatura, e ele ficou, e eu peguei ele no colo, e ele agarrava no meu pescoço: “tio, tio, tio”, quando ele falava “tio”, esse som, ele ecoa até hoje no meu ouvido de “tio, tio, salva meu pai, salva meu pai”. Nossa, é… A gente tenta, a gente tenta não levar isso para casa. Porque a gente, a gente tenta ser forte, por trás dessa carapaça existe alguém que tem filhos, que tem sentimentos, e que chora, que ri, que sofre, né?
P - Como é uma pessoa tão sensível trabalhando em uma profissão tão árdua e difícil, né?
R - É, mas às vezes a gente tenta ser forte, tem que ser forte para determinadas coisas, é fato, a gente tem que ser forte, mas quando você lida com vidas, principalmente com crianças quebram, quebra a nossa solda e a gente, graças a Deus ele ficou bem e eu só dizia “seu pai vai ficar bem, você, tu está bem, tu está bem, tu está forte, você gosta do homem aranha?”. “Gosto, gosto do Superman”. Comecei a conversar para tentar distraí-lo, tirar ali a atenção do que tinha acontecido, porque é muito forte, mas isso não tem preço. Quando a gente, a gente traz isso à tona, a gente, você me perguntou “o que o socorrista faz?”. É isso, é esse lado humano, esse lado, essa empatia que a gente tem com o interpessoal, com as pessoas, e mostra que isso aqui, o que a gente faz, de repente é uma troca. Olha como o mundo é pequeno, a gente tem aqui um hospital de referência que é o Azevedo Lima, onde ele recebe as nossas vítimas de trauma, aí quando tem qualquer acidente grave aqui a gente tem que levar para o Azevedo Lima, clínico é o CPN, Carlos Tortelly. Então, tem uma médica que se chama, eu falo o nome porque é do bem, e ela sempre causou bem a gente, a doutora Luciana, ela é do plantão de sábado, e ela sempre nos recebeu bem, sempre, sempre, sempre que a gente chegava lá, ou nossa equipe, ou o nosso plantão, ou de outro plantão sempre ouvia falar, e aí um belo sábado, foi sabádo há uns 4 sábados atrás, um mês atrás, a gente estava de plantão na Base Rio, onde bradou uma ocorrência na subida da Brasil para a Ponte, N2 que a gente chama, acidente auto x moto, a gente foi, fez a volta, quando retornou, se depara com o carro de frente, voltando para a Brasil, e a moto ao solo, com dois ocupantes ao solo. O uber, ele acessou errado, chegou lá em cima ele viu que estava errado, ele voltou, fez a manobra e voltou no contrafluxo, simples assim, fato, chegamos a moto destruída uma Harley grande, eles ao solo, a gente não sabia quem era, e a gente vai para a abordagem, quando a gente se depara quem era?
P - Doutora Luciana?
R - Doutora Luciana, eu digo “que prazer, Doutora Luciana”. Ela: “Meus meninos, como é que vai?”. A gente: “Bem, a gente está bem, mas a senhora não, a sua moto também não”. Mas, independente disso, aí a gente usa a imparcialidade, a neutralidade, a ética, de assim, ela foi muito ética de não se meter no nosso atendimento, que ela sabe do procedimento. Onde eu quero chegar com isso? É para dizer que assim, dessa vida, a gente é uma troca, a gente é atendido uma hora, a gente atende uma hora, a gente é acolhido uma hora, a gente acolhe, então quem passa pela gente aqui hoje, com certeza vai ser bem atendido, que é o de melhor que a gente faz, o que o socorrista faz, o que a enfermeira faz, o que o resgatista, socorrista, o que o condutor faz é lida com vidas, quem são essas vidas? São vidas, e enquanto há vida há esperança. Então, a gente tenta tratar todo mundo da melhor forma possível, com o maior zelo, com o maior apreço, sabendo que ninguém escolhe passar mal, passa mal porque é necessário, e é um acontecimento, e a gente tenta fazer a nossa parte muito bem feito, se for possível.
P - Horácio você tem uma outra, quer dizer, uma outra atividade, né? Que é muito importante, que é sobre capacitação, eu consultei o seu linkedin, você tem postagem de vídeo, os alunos fazendo treinamento com você. A gente fala dessa sensibilidade, dessa importância, tem toda uma capacitação técnica, e a tua profissão exige muita sensibilidade também, isso se ensina no curso?
R - É então, eu sou do SAMU de Niterói. Já desde 2009, onde eu venho, eu fui chefe de frota por 4 anos lá, mas por conta dessa minha pegada, dessa minha batida de 2, 3 vínculos, eu não consigo, eu não consegui dar sequência, ser atuante e presente para uma chefia de frota, onde você tem que ficar 24 horas por dia, meio que cedido ao local. E aí eu fui migrado, fui cedido ao centro de estudo, o núcleo NEP, o Núcleo de Ensino Pedagógico, que é onde a gente faz a parte de estudo, capacitação dos funcionários, e essa pegada eu trouxe para cá, hoje na Enseg eu faço parte do centro de estudo, onde a gente capacita os nossos funcionários para poder entrar. Paralelo a isso, na Ecoponte, a Ecoponte junto com a Enseg também tem essa pegada, essa batida de estar gerando link para a população estar se inscrevendo para cursos livres, onde a gente certifica e capacita. Vamos supor, a gente teve uma aula aqui muito legal de parto. Quem aqui já fez um parto em algum momento alguém já viu, ou já soube, ou vai se deparar com um parto, mas como é que você faz? E aí me foi dada essa responsabilidade de trazer um profissional, uma obstetra fera, braba, para que pudesse estar falando desse tema com tanta prioridade. E aí a gente tem essa pegada, então onde eu me sinto hoje na responsabilidade, eu sou o responsável técnico por capacitar, não só os nossos funcionários, que a gente já faz esse treinamento continuado, que chamam de reciclagem, a gente treina todo dia, a gente treina para não errar. Errar é humano, mas a gente treina para não errar. Então a gente tem aí toda semana, dia sim dia não a gente está em base de treinamento, a gente vem para cá, para dentro, ou ali para fora, bota um carro, bota fogo, bota uma vítima, treina, faz esse tipo de treinamento para que a gente possa dar o de melhor lá fora, e essa é a nossa pegada, de treinamento continuado para que tudo dê certo.
P - Quando entra nesse curso, rapidamente, uma curiosidade, quando ele entra, qual é a capacitação desse profissional que entra para trabalhar com você?
R - Então, a gente tenta triar ao máximo, a gente tenta buscar gente que já tenha expertise. Dentro de uma área técnica, seja um técnico de enfermagem, um enfermeiro, um condutor socorrista, que ele já tenha essa pegada lá fora, para facilitar o nosso trabalho. Porque assim, isso aqui não é para qualquer um, não pode ser de qualquer jeito. A gente lida com vidas, se eu te perguntar hoje, se você fosse ser atendida, por quem você gostaria de ser atendida? Claro que você vai me dizer que por um bom profissional, uma pessoa qualificada, é o que a gente tenta dar de melhor aqui, qualificando, educando, treinando esse profissional, e daí a nossa exigência. Tipo agora, a gente vai ter uma turma de formação, já tem uma pré seleção onde a gente faz uma triagem, seleciona os melhores, faz um teste, faz uma prática, para só quem realmente, quem vai participar é quem já tem essa pegada, para que possa vir, e vir com vontade de salvar vidas. Esse é o nosso intuito.
P - Horácio, você conheceu a sua companheira aqui, a Cristiana Marçal, conta então para gente como é que foi esse começo de namoro para a gente ir finalizando, por favor.
R - A Cris, eu chamo ela de Cris com muita propriedade, é o meu porto seguro. Foi desde 2009, que eu vim para Enseg em 2009, em 2010 eu entrei no SAMU, e é onde a gente foi se conhecendo, ela era de uma viatura, ela era da UTI já, e eu era da viatura básica que lá não tem resgate, lá tem uma ambulância básica e uma avançada, porque lá a gente não tem material de corte, de corte, de apagar fogo, igual é aqui. Lá então é uma viatura básica, com soro, oxigênio, com atadura, com álcool só, mas a avançada que é a do enfermeiro e do médico. E aí ela era de uma ambulância e eu era da outra, mas de qualquer forma a gente trabalhava junto na mesma base, em determinado momento, depois de um certo tempo, eu vim ser condutor dela, aí não teve jeito, tipo assim, a gente. Se conhecendo, a história de vida que ela tinha e tava se passando, e eu também já estava bem a vontade, bem tranquilo, e aí foi juntar a fome com a vontade de comer, e só tomar um capuccino uma determinada hora da madrugada, por volta de 2H30, voltando de uma ocorrência, bate uma fome, e a gente, eu “vamos tomar um café? Vamos tomar um café? Um capuccino eu gosto”. E esse capuccino já tem aí 14 anos (risos). Haja capuccino! E são 14 anos de história bem vivida, que assim, é um porto seguro, é uma mulher muito centrada, muito bem resolvida, e onde tudo é para ela, tudo é dela, e a gente vive juntos e temos o maior prazer de estar fazendo parte hoje da mesma empresa, no mesmo local de trabalho, que é trabalhar na Ecoponte aqui, onde, nossa, parece que assim, foi para finalizar o nosso conceito de socorrista, para fechar com chave de ouro, porque a gente sabe que, né Paula, que a gente daqui a pouco passa, essa história passa, a gente, a idade chega para todos, a aposentadoria chega para todos, uma hora, de repente a empresa muda, a gente não vai mais estar aqui, mas isso que está acontecendo hoje, esse aniversário, essa data marcante, esse encontro, essa realização, esse vídeo, fotos, isso vai ficar para sempre na nossa história, na nossa memória, e a gente espera bem velhinhos lá na frente, estar passando aqui e estar lembrando do que a gente está passando aqui agora, do que a gente viveu ali fora, e das histórias que a gente tem na vida aí, e o quanto a gente foi útil na vida de tantas pessoas, a gente sabe disso, a gente sabe da importância que a gente teve no nosso trabalho, isso é o mais importante.
P - Vocês têm uma vida corrida, se encontram quando e onde?
R - Tipo, a gente fica dois dias fora, às vezes 3 dias, e a gente tem o que a gente chama um filho de 4 patas. Um pet, é o Ayron, um chiuaua, que é o nosso filho de 4 patas, há quem não concorde, há quem não goste, há quem…Eu respeito tudo e digo, “cara, vocês não sabem o que estão perdendo”, ele é nosso amor, é quem espera a gente rindo, brincando, sem cobrar nada, sem pedir nada, ele só quer alegria, só quer carinho, e a gente retribui isso da melhor forma, com o maior apreço.
P - Horácio, qual conselho você daria para um jovem que está iniciando a vida, a carreira como socorrista da Ponte Rio-Niterói?
R - Que ame o que vai fazer, ser socorrista, trabalhar seja um bombeiro, um bombeiro civil, um bombeiro militar, seja um socorrista, um condutor socorrista, seja lá o que for, seja o que ele se proponha a estar fazendo, na vida dele como profissional, que faça com amor, que ele tenha esmero, tenha zelo, tenha empatia, tenha simpatia interpessoal, isso não pode faltar, e profissionalismo, ética profissional, e muito amor pelo que se faz, é o que a gente faz aqui, assim. Existem empregos que você mata um leão, você vai para o emprego você vai carregando um saco de cimento, quando você sai dele você sai carregando dois sacos de cimento, aqui não, a gente tem vontade de estar aqui, mas a gente sai daqui dá vontade de voltar, de nem ir embora, é sério, às vezes “ah não, é sério isso?”. É sério, porque é satisfatório, tanto essa empatia, esse interpessoal que a gente tem com as equipes, com a gestão como um todo, desde as meninas que nos servem muito bem, nos apoiam muito bem, dos porteiros, da tia da limpeza que nos abraçam, não tem essa coisa de dizer “eu sou mais, eu sou menos”, não é porque eu estou nessa função hoje aqui, que atuo ali fora e sou multiplicador aqui que eu me sinto mais do que ninguém, elas me respeitam, nos respeitam, todo mundo com segurança, desde as meninas ali, é muito satisfatório estar vivendo isso, esse momento, que é uma troca, estar aqui hoje, viver… Quem quer ser socorrista hoje tem que ter, ele tem que ter, tem que saber, se ele vai se propor a ser alguém, alguma coisa, que faça com amor, não pode faltar, isso não pode faltar mesmo, mesmo.
P - Horácio, para finalizar, você deu um depoimento, você está com uniforme. Você me parece muito à vontade no seu uniforme…
R - Eu gosto…
P - Que é Horácio O +, e o que isso significa para você?
R - É um sangue que corre na minha veia, ele tinha que estar escrito assim “APH”, tinha que estar “socorro médico” , porque é o que corre na minha veia, é o que eu gosto de fazer, eu poderia estar sendo, fazendo qualquer outra coisa, posso estar fazendo outra coisa, sou capaz, é só eu querer, mas não, eu busquei isso aqui, eu respiro o APH, respiro o resgate, essa é a minha vida, tanto no SAMU, quanto aqui, como qualquer outra rodovia que eu atuo, assim, eu faço com muito esmero, com apreço. Isso é o O+, é o sangue que corre na minha veia, é o amor que eu sinto, é isso.
P - Eu queria te agradecer, eu gostaria de saber, gostaria de colocar mais alguma coisa? O que achou de dar esse depoimento e contribuir para o nosso projeto?
R - É uma honra, uma honra ter sido escolhido pela equipe do Júlio Amorim, do Borges, de toda a gestão, de estar me escolhendo para estar aqui no 50 anos da ponte, para estar falando, que a gente sabe que isso vai perseverar, isso vai ficar, essa história vai ficar, o Horácio daqui a pouco não vai mais existir, vai passar, mas essa história vai ficar, os meus netos, de repente lá na frente vão ver, os meus amigos, os filhos deles vão saber, vão ver, e a gente, é um legado que a gente deixa. E o quanto é gratificante fazer parte dessa história, estar com vocês, estar vivendo esse momento, estar tendo essa oportunidade, não tem preço, não tem dinheiro que pague isso. O fato de nós estarmos, ter sido escolhido, ter sido citado, já é um grande, isso já paga o que a gente faz, sem cobrar nada a ninguém, digo muito obrigado, gratidão, gratidão por tudo.
P - Nós que agradecemos, muito obrigada por esse compartilhar de histórias e experiências, muito obrigada Horácio.
R - Amém, obrigado vocês.
Recolher