Projeto: 50 anos da Ponte Rio-Niterói
Entrevista de Alcyr Mesquita Cavalcanti
Entrevistado por Paula Ribeiro
Niterói, 21 de fevereiro de 2024
Código da entrevista: PRN_HV001
Revisada por: Nataniel Torres e Paula Ribeiro
P - Boa tarde, Alcyr! Eu agradeço imensamente sua participação no projeto comemorativo dos 50 anos da Ponte Rio-Niterói, agradeço você ter aceito prontamente o nosso convite para participar dando um depoimento das memórias que você tem, um pouco da cidade do Rio de Janeiro, de Niterói. E relembrar um pouco a sua trajetória como repórter fotográfico, fotojornalista que cobriu inclusive aspectos da construção da Ponte Rio-Niterói no começo dos anos 70. Então, vamos começar nosso depoimento. Eu começo pedindo que você, por favor, me dê o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R - Primeiro queria agradecer a você Paula, a equipe também de filmagem, os colegas e principalmente a Ecoponte. Agradecendo por esse projeto da preservação da memória, justamente porque o Brasil com alguns outros países, havia um apagamento da memória, às vezes, proposital. Como nós vimos em algumas situações. Agora se descobriu um interesse muito grande pela preservação, mais ou menos um fenômeno mundial, principalmente nos países que tem democracia, que preservam a história, pra não repetir… vendo os erros cometidos, as pessoas, as autoridades, não cometerem os mesmos erros. Aí a importância da história. Estudar a história, ver onde erramos, pra que não seja mais repetido. Sempre em busca de um mundo melhor. Então, eu queria agradecer a Ecoponte por esse projeto que é muito importante.
P - Muito obrigada! Você está certíssimo. E realmente essa é uma iniciativa muito importante, porque a Ponte Rio-Niterói faz parte da história, não apenas da cidade de Niterói e da cidade do Rio de Janeiro, mas faz parte da história do Brasil como um todo. Então, vamos lá! Seu nome completo, onde você nasceu, por favor?...
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Entrevista de Alcyr Mesquita Cavalcanti
Entrevistado por Paula Ribeiro
Niterói, 21 de fevereiro de 2024
Código da entrevista: PRN_HV001
Revisada por: Nataniel Torres e Paula Ribeiro
P - Boa tarde, Alcyr! Eu agradeço imensamente sua participação no projeto comemorativo dos 50 anos da Ponte Rio-Niterói, agradeço você ter aceito prontamente o nosso convite para participar dando um depoimento das memórias que você tem, um pouco da cidade do Rio de Janeiro, de Niterói. E relembrar um pouco a sua trajetória como repórter fotográfico, fotojornalista que cobriu inclusive aspectos da construção da Ponte Rio-Niterói no começo dos anos 70. Então, vamos começar nosso depoimento. Eu começo pedindo que você, por favor, me dê o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R - Primeiro queria agradecer a você Paula, a equipe também de filmagem, os colegas e principalmente a Ecoponte. Agradecendo por esse projeto da preservação da memória, justamente porque o Brasil com alguns outros países, havia um apagamento da memória, às vezes, proposital. Como nós vimos em algumas situações. Agora se descobriu um interesse muito grande pela preservação, mais ou menos um fenômeno mundial, principalmente nos países que tem democracia, que preservam a história, pra não repetir… vendo os erros cometidos, as pessoas, as autoridades, não cometerem os mesmos erros. Aí a importância da história. Estudar a história, ver onde erramos, pra que não seja mais repetido. Sempre em busca de um mundo melhor. Então, eu queria agradecer a Ecoponte por esse projeto que é muito importante.
P - Muito obrigada! Você está certíssimo. E realmente essa é uma iniciativa muito importante, porque a Ponte Rio-Niterói faz parte da história, não apenas da cidade de Niterói e da cidade do Rio de Janeiro, mas faz parte da história do Brasil como um todo. Então, vamos lá! Seu nome completo, onde você nasceu, por favor? A data de nascimento certinha.
R - 24/10/1941, no subúrbio de Marechal Hermes. Porque o meu pai era militar e trabalhava lá na base aérea que é justamente na… esqueço o nome, Campos dos Afonso, que é em Marechal Hermes. Então, nasci de parteira, ia tentar lembrar do hospital, mas não teve hospital, que era feito em casa, que eu me lembro, relatos, que eu fui reanimado com água fervendo, então até a pele descascou um pouco, mas eu sobrevivi, já foi uma luta. Se usava muito parteira, na época, mais que médico obstetra atualmente. Mas eu fiquei um tempo ainda no Rio, aí o meu pai foi transferido para Curitiba no Paraná, onde eu fui criado, entendeu? Aí voltamos pro Rio, se eu não me engano, porque eu fui o mais novo dos filhos, falava temporão. Então, o meu pai, ele foi para uma missão, chamada “Missão Brasil-Estados Unidos”, de guerra. O Brasil é um dos países que apoiou o governo dos Estados Unidos na guerra contra o chamado Eixo do Mal, que era Itália, Alemanha, o neofascismo e o Japão. Então os aliados, Rússia, Inglaterra, Estados Unidos. Enfim, o Brasil foi muito importante na questão da aviação, que meu pai era mecânico de avião.
P - Antes da gente continuar, de você falar um pouquinho do seu pai, vamos voltar e você contar um pouquinho da sua origem. Nome do pai, da mãe? Você conhece a origem familiar deles? Os seus avós, pode contar um pouquinho, por favor?
R - O meu pai é Francisco Cavalcante da Silva, ele era cearense, ele era aprendiz de Alfaiate, ele veio jovem para o Rio de Janeiro e entrou para Aeronáutica como soldado, fez curso de Cabo e logo ele se dedicou e ficou como sargento e era mecânico de motor de avião. E minha mãe, Maria da Glória Mesquita Cavalcante, foi criada, na época por um milionário, que ela tinha ficado órfã de pai e a mãe dela, minha avó, que era filha de índio, Maria de Assunção Mesquita, que era minha vó, que acho que morou na nossa casa durante um tempo. Então, minha mãe foi criada por um milionário, ela e outras moças, ele pagava o ensinamento delas e na época era em um dos melhores colégios da praia de Botafogo, colégio Imaculada Conceição, como o ensino antigo era diferente, era muito baseado na missão francesa, então uma das coisas básicas, as freiras, o ensino bilíngue, português, francês, aula de piano, era uma coisa assim… Hoje em dia só uma classe média muito alta, não se usa mais esse tipo de ensinamento. E eles casaram, foram vários filhos…
P - Você conheceu os seus avós?
R - Conheci a minha avó, o outro não, do Ceará não, porque não cheguei a ir lá. Conheci um irmão de criação que meu pai tinha, enviuvou jovem e ele veio no Rio, quando foi apresentado a família eu já um rapaz, aí depois perdemos o contato. Éramos ao todo quatro irmãos, três homens e uma mulher. Era Sebastião Élcio, o mais velho, Maria de Lourdes, minha irmã, na ordem, Hugo, que morreu com dois anos de idade. Eu tinha esquecido do Hugo, que eu não cheguei a conhecer, essas doenças infantis que na época não tinha vacina, e eu. E Homero, que morreu jovem num desastre, foi uma comoção pra família, um desastre de avião. Era recém-formado como Tenente da FAB, foi um golpe para a família, principalmente para o meu pai, nós custamos assimilar o golpe.
P - Que ano foi?
R - Ele morreu acho que em 1949, ou 1951, por aí. Quando voltei para o Rio…
P - Conta um pouquinho antes da sua casa, da sua infância, como que era um pouco a vida no bairro? Você cresceu em Marechal Hermes? Como era um pouco a vida da família?
R - Marechal Hermes eu vivi muito pouco, eu fui com meses para Curitiba do Paraná, que eu também tenho pouca memória, eu só me lembro que às vezes tinha os desfiles cívicos, que me impressionavam muito, que na época tinha muitos, acho que nos anos 40, época de guerra. Tenho pouca memória de Curitiba, eu me lembro que tinha isso. Na época o clima, que eu senti muita diferença quando eu voltei para o Rio, com 3 anos, se eu não me engano, um clima muito quente, porque Curitiba é uma cidade muito fria. E me recordo mais já de mudança para Rua Carvalho, na Tijuca, já com 5 anos, o meu pai já tinha vindo da missão dos Estados Unidos. Ele veio como um dos poucos técnicos de avião, aí já tava trabalhando como mecânico _________, que na época era muito difícil, porque tinha a escola de Cadetes e era justamente isso. E eu me recordo mais já da minha infância e da minha juventude, tanto no externato São José, que era na rua Barão de Mesquita, aí já no ginásio. Mas no primário, era num colégio público no Andaraí.
P - Como era o nome, você lembra?
R - Não me recordo agora do colégio do Andaraí. Eu me lembro que era na rua Carvalho Alvim, isso eu me recordo, que eu gostava de jogar futebol e o ídolo da época era o Zagallo, que era um rapaz. E às vezes ele vinha jogar lá, que era uma rua depois da nossa, Carvalho Alvim e a dele era… eu esqueço o nome da rua que ele morava, uma rua depois, que são próximas a rua Uruguai, que era na Zona Norte do Rio de Janeiro. Mas na época tinha o Clube da América do Rio, era um Clube muito forte de futebol. E eu tinha muita vontade de ser jogador do América e como não tinha campo na rua, nós jogávamos na rua mesmo, eram poucos carros, poucas pessoas tinham carro, então dava para jogar ali livremente, sem ter perigo nenhum. E uma das características que a gente fazia, que depois os jogadores de futebol fizeram, era tabela. Tabela era feita na parede, jogava bola na parede e se adiantava, como se fosse uma pessoa, a parede. Usava muito no futebol isso, uma passa para o outro, o outro se adianta e vai. Eu sempre fui aficionado no futebol, mas acabei não seguindo, mas aficionado como torcedor.
P - Qual é o seu time?
R - O meu tá um time perdedor, Botafogo, que não acerta de jeito nenhum. Mas foi muito influenciado, aí por um tio que eu tinha, influenciou em duas coisas_____
P - Conta um pouquinho esse ambiente do Externato naquela época, final dos anos 40, como era a escola? Vocês tinham uniforme?
R - Aí já era já nos anos 50, era masculino. Era um externato na Barão de Mesquita e um internato perto, acho que era rua Conde de Bonfim, perto da Usina da Tijuca, que era muito grande, enorme, uma área enorme. E era muito rígido, era Irmãos Maristas, uma educação religiosa e tudo. Na época eu era um pouco rebelde e tirava boas notas e tudo. Era interessante porque o futebol era dado tipo prêmio para quem tirasse boas notas, então me colocavam, que eu tinha a estatura muito baixa e era muito magro, muito fraquinho, entra em choque com os outros já era mais difícil. Mas me dava bem com os colegas, procurava me sobressair também nas brincadeiras e tudo. Jogava muito bem tênis de mesa, eu era da equipe mesmo do externato São José. E quando terminei o ginásio, com louvor, notas boas, mas por uma carga do destino, eu fui praticamente, como chamava, jubilado, que seria mais ou menos não matriculado, mas claramente, um quase expulso. Quando foi renovar meu pai teve um choque, porque não conseguiu renovar a matrícula, foi por um motivo, depois eu…. Porque no dia da comemoração, eu e dois colegas, eles conseguiram escapar, eu não! A gente descia pelo corrimão escorregando, brincadeira de criança, mas era um negócio rígido. E justamente… Já tinham avisado e como eu fui o terceiro ou quarto, o diretor que não gostava muito de mim, estava embaixo esperando, aí foi o golpe final. Ele disse que ia tomar providências, não sei o quê. Aí o meu pai foi lá, não me matricularam, ele foi saber o que tinha havido, ele explicou. Foi muito bom para a minha formação, o Instituto Lafayette, já ali na rua Haddock Lobo…
P - O São José é uma escola religiosa? A sua família era uma família religiosa?
R - Era! Era o seguinte: minha mãe, embora tenha se formado no colégio Imaculada Conceição, católico, bem ortodoxo, costumo rígidos das freiras, ela depois de um tempo… Aí eu já era já era rapazinho, adolescente, melhor, ela começou a frequentar o espiritismo. E nós tínhamos uma tia que tinha um altar na casa dela, nos fundos da casa dela, no subúrbio Oswaldo Cruz, era uma casa muito boa, que o marido era um dos diretores da Fábrica Bangu, mas imagina aquela coisa de morar mesmo no lugar, era benemérito da Escola da Portela, eles iam na casa dele, uma vez nós fomos para lá no carnaval para ele beijar a bandeira, aquelas coisas todas que hoje não sei se continua fazendo isso, assinava o livro da escola. Ela não era tia, nós tratávamos como tia, uma das moças que tinha estudado com ela, sido formada, melhor, pelo benemérito que era o fundador do_______ brasileiro, que era um armador naval, que tem até uma praça, não sei se o governo militar tirou, que o ______ foi fechado, que dizer, foi boicotado até fechar, era uma companhia sólida, Sérvulo Dourado, era uma praça com o nome dele. Ali onde tem mais ou menos, na altura do cais, um pouco pra cá, entre a Praça XV e o cais, naquela parte onde tem o mercado, por ali. Então, eu comecei a sentir essa diferença de educação no Instituto Lafayette, que era positivista, mas era uma formação livre, não era uma formação religiosa, era formação acadêmica muito vivenciada ainda pela missão francesa, justamente. Eu fiz o ginasial lá até o… Era primário, ginásio e científico, ou clássico, que era como era a divisão tradicional, na época. Eu fazia o chamado curso científico. Quando eu estava para me formar eu era bom aluno, embora eu gostasse de praia, nessa época já praticava exercícios e tudo, muito jovem, eu sempre arranjava um tempo para estudar e eu tinha facilidade também de aprendizado. Eu tive uma doença alérgica, que eu com o corpo todo, rosto, estourou a pele toda, ninguém dava diagnóstico certo, foi um mês e pouco. Aí eu fiquei um mês em casa, mas aí tinha que voltar, na época podia fazer segunda chamada, aí os professores permitiram, eu já estava me curando. Uma coisa que apareceu e com algum tratamento também regrediu e a houve cura. Não houve um diagnóstico exato do que que era. E deu pra mim me formar, terminar o curso científico. Aí eu resolvi…
P - Antes da gente falar do seu período, já depois do científico, conta um pouquinho sobre a sua juventude: você falou que você gostava de praia, você falou do carnaval. Conta um pouquinho quais eram os programas seus, da sua turma? Você tinha turma do bairro da Tijuca, era turma de escola? Qual era a praia que vocês iam? Como é que era?
R - Uma época eu tinha parente na praia do Flamengo, eu ia muito na praia do Flamengo, que a praia do Flamengo era limpa, não era poluída ainda. E eu fazia amizade pelo clube de remo, na rua Santa Luzia, não tinha, inclusive o Aterro ainda e às vezes, depois da ginástica, ia duas, três colegas, íamos tomar banho de mar ali nas pedras, depois…
P - Na [avenida] Beira Mar?
R - É, porque o Aterro eu acho que começou em 1953, ou 1954, por aí, mas nessa época, era bem adolescente, ali eram 3 clubes de regata.
P - A praia ia até ali, o mar?
R - Não! Ia até a embaixada, um pouquinho perto da embaixada Americana, acho que a Beira Mar mesmo. Depois que houve o aterro, eles tiraram o morro do Castelo, ali do lado da Carioca e fizeram o aterrado ali, com os caminhões. Não me lembro quanto tempo demorou. Ainda me recordo disso, que a praia do Flamengo foi toda mudada.
P - Como é que vocês iam da Tijuca para o Flamengo?
R - Ônibus, na época era ônibus, porque o metrô só veio, se eu não me engano, em 1979, ou 1980, por aí. Nós íamos de ônibus, Copacabana era mais longe, Ipanema nem se fala, Ipanema era um mato ainda. Barra, então, era só mato. Era um grupo de rua, era um grupo de rua. A gente ficava reunido ali por perto, entre a Haddock Lobo, por ali, vários grupos. E depois, com um pouco, as pessoas foram se mudando dali. Tinha rivalidade de rua, tinha brigas de rua, uma rua contra a outra, às vezes, no futebol, jogos, às vezes, mesmo rixas. Mas era diferente, eram brigas sem arma. Mas no final ficava tudo pacificado.
P - E o carnaval? Vocês brincavam o carnaval, tinha clube, era carnaval de rua, como era na tua juventude, você lembra disso?
R - Eu sempre gostei muito de carnaval. Passei a gostar mais como rapaz, já com 18 anos, 19 anos, aí eu ia para os bailes. E na época passei a conhecer muita gente, aí já frequentava Copacabana, passei a conhecer muita gente. E a gente ia em muitos bailes, se usava muito, um hábito carioca, um pequeno suborno aos seguranças, que os ingressos eram muito caros, ou então entrava com um ingresso gratuito, junto a conhecidos, entendeu?
P - Entrava onde?
R - Nos bailes da moda, que eram em vários lugares. Os famosos eram num clube que tinha na rua Santo Amaro, chamado High Life. Eram bailes famosos, que eram bailes, era mais mito, para nós seduzia muito, o jovem. Para ser exato, a liberação de costumes, entendeu? Na época tinha um baile, isso já como rapaz, nos clubes de regatas, aí entra o seguinte, aí que é interessante, no clube de regatas, eu conheci, só vim a saber disso depois, o Renê, que era segurança do Prestes. Tinha várias pessoas de esquerda que depois passaram pra direita, ao mesmo tempo era frequentado por vários policiais, depois ficaram notórios, inclusive me deu um conhecimento com muita gente. Frequentava lutadores, que tinha chamado Luta Livre, na época. Pessoal do Jiu Jitsu ia pra lá também, para se exercitar com outros tipos de luta. Tinha muitos policiais, engraçados que o seguinte: muitos policiais apoiavam o João Goulart, isso já puxando para os anos 60, início dos anos 60. E muitos deles passaram pra direita, inclusive trabalhando no DOPS, depois da repressão entraram para a Polícia mesmo. A Polícia era um bom emprego na época, dava um status, porque trabalhava junto com as forças armadas.
P- Já que você está falando dos anos 60. Então você pode contar, quando você acaba o científico, quais são suas expectativas do ponto de vista de estudo ou profissional? Você foi trabalhar, você tinha interesse de fazer uma faculdade, como é que foi isso?
R - Eu tava mais ou menos sem saber… Porque tinha na época uma… quase uma obrigação da classe média ter um diploma, ter uma diplomação e tinham umas carreiras mais importantes que outras. E na época o magistério ainda era bem valorizado. E talvez mais por comodidade e por influência de outros colegas também, eu resolvi fazer o ______ estadual do Guanabara, que era dentro do Instituto Lafayette, estava sendo formada lá. Ela tava criada a pouco tempo, tinha professores muito bons na época. Tinha professores muito bons na época.
P - Você foi fazer curso de quê? Filosofia?
R - Era amplo a questão, o curso era muito amplo, era Filosofia, Ciências e Letras. Antes disso, eu fui fazer exame para faculdade de Medicina, para ter mais status. Eu não passei, mas eu consegui ter amizade, por causa de influência, que eu frequentava a juventude comunista, mas meio, assim, mais como um modismo de alguns colegas, entendeu? Sem muita convicção na época. Fui ter convicção muito tempo depois.
P - Eram colegas ainda secundaristas?
R - Secundaristas. E me apresentaram a um professor ibérico de Radiologia. E estava sendo fundada a faculdade… era separado, a faculdade de odontologia, que era inclusive num anexo, ele lecionava nas duas. E eu fiquei, tipo um assessor dele, tipo um aprendiz por um tempão e ficava nas clínicas de raio X deles também, que ele trabalhava muito, atendendo umas ligações. Um médico famoso, famosíssimo, que era dirigente do PCB, partido comunista, chamado Campos da Paz, que na época era obstetra e também ginecologista, era famosíssimo na época. E tinha aquela questão também, como era muito famoso, ganhava muito dinheiro, mas atendia muita gente de graça também, porque era tipo tarefa. E o assistente dele… O titular era o professor______, era um professor suíço. Era o assistente dele que tomava conta que tinha sido indicado pelo partido. Eu fiquei trabalhando com ele, na clínica dele, um tempão. Que me dava, ganhava [inaudível]
P - Alcyr, você estava rememorando o período que trabalhou com esse médico suíço, essa tua experiência com esse médico que era Radiologista. E esse vínculo, um pouco, essa participação pequena no movimento político do qual ele fazia parte, é isso?
R - É! Era o Gilberto, era um médico Radiologista famoso. Fiquei um tempo, ganhava bem, mas eu queria, enfim, mais por comodidade, eu resolvi fazer… Estava sendo formado no próprio Instituto Lafayette a Universidade do Estado da Guanabara, eles usavam o prédio, acho que um outro horário e o grupo de professores era muito bom. Bem que a faculdade na época mais conhecida era a Universidade Federal, funcionava no centro da cidade, ficava ali perto de onde é o consulado da Itália e da França, era por ali, não me recordo. E no Largo São Francisco também, era ali! Tem uma outra que era, não me lembro qual delas, era naquela rua da, acho que é________ ,que tinha o restaurante do Fundão, onde aconteceram várias coisas, que tinha as colônias dos estudantes ali, os dormitórios, enfim. Na Universidade do Estado do Guanabara, que é a atual UERJ, Maracanã, fiz boas amizades, tinha o Carlos Magno Nazareth Cerqueira, que foi chefe de Polícia, da Polícia Militar, ele era discriminado, porque ele era negro, bem negro. E que eu me lembro, o Luís Alfredo Garcia Roza, ao mesmo tempo, para você ver… o psicólogo. Porque o curso era amplo, era Filosofia, Ciências e Letras. E tinha Psicologia em todos… eram três anos de… como é que eles chamavam? De Licenciatura e um ano de Bacharelado, aliás, ao contrário, três anos de Bacharelado e um ano de Licenciatura. E Psicologia era dado em todos os anos, era o professor Antonio Gomes Pena, que era o professor… era um mestre, enfim. Tinha outros também, o Celso, que eu não me recordo o sobrenome, tinha a professora Cilene também, que era muito boa professora. E o que eu me lembro na época é que o Luminar do curso, era uma pessoa… isso já… foi em 1963 que eu entrei, o Luminar era o…. como é que era nome dele? Luminar de extrema direita, intelectual sólido, que era muito conceituado e era muito protegido, porque ele era cria do ministro do trabalho, porque na época era famoso, vamos dizer, um fascista muito forte, chamado Júlio Barata, se não me engano. Era o José Guilherme Merquior, famoso intelectual. Para você ver que já tinham essas divisões de esquerda e direita. Ele era tido como um Luminar. Aí veio o Golpe Militar, um dos professores que eu mais gostava, os dois, tanto o Álvaro Oliveira Pinto, como o Celso, eles eram do ISEB, eu cheguei no ISEB, que era em Botafogo, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, que tinha uma série de intelectuais, não comunistas, mas intelectuais de esquerda, entendeu? Nessa altura eu estava quase casado, aliás, casei em 1964, casei novo, a minha mulher, que é companheira até hoje, era muito jovem na época.
P - Como é o nome dela?
R - Marlene.
P - Nome completo dela?
R - Marlene de Souza Cavalcanti. Na época era Marlene de Souza Barroso.
P - Vocês se conheceram onde?
R - Na praia. Em São Francisco. Dando uma volta para trás,_____ com Niterói. Aí minha irmã de criação, a Ivone, que era prima de sangue, ela casou jovem e veio morar, primeiro em Nilópolis, depois foi morar na praia das Flechas. Então, eu vinha muito a Niterói, ficava uns dias na casa dela, praia, gostava muito de praia. E conhecia uns amigos por ali, juventude, amigos, amigas e gostava, sempre tive muita afinidade com Niterói.
P - E como é que você vinha pra Niterói? Como era o trajeto?
R - Era barca, até 1974. Tomava um ônibus até a Praça XV e depois a barca, porque táxi não tinha, não tinha como. Então eu tinha mais ou menos o hábito de andar de barco, acabei não perdendo esse hábito.
P - Você lembra um pouco dessa barca? O nome das barcas? Como é que vocês se referiam a barca?
R - Acho que algumas por bairros, acho que tinha Canto do Rio, Caraguatá, eu não me recordo muito das outras não. Eu sei que o horário era um horário rígido nas barcas. A pessoa também tinha que ficar disciplinada em horário. E elas ficavam sempre muito cheias. E tinha uma característica nas barcas, que era isso já depois como fotógrafo, que era tentativa de suicídio, eu já como fotógrafo, eu fotografei umas quatro tentativas de suicídio, uma que bem-sucedida, vamos dizer assim, para ele. Ou malsucedida, sei lá o que seja. E mais duas… porque na questão do suicídio, os dois da fotografia deve saber, o Antonioni, Michelangelo tem um filme chamado, “(Amores na cidade) Tentativa de Suicídio”. Ele era… tinha saído dos estudos do cinema italiano, então ele fez entrevista com as pessoas que sobreviveram a suicídio. E as que sobreviveram era o seguinte: retratam que era… era o desespero, para chamar a atenção, para ser aceito no mundo. Ele fez, é lógico que ele não ia fazer com os mortos, então ele fez com os sobreviventes.
P - Na sua juventude você fotografava? Você tinha máquina?
R - Não!
P - A família tinha álbum fotográfico?
R - Tinha! O meu pai tinha câmera fotográfica.
P - Você lembra qual?
R - Aquelas de fole, eu não me lembro. Até eu não liguei muito, porque eu podia ter guardado. O meu irmão mais velho também. Eles estranharam muito quando eu fui trabalhar como profissional de fotografia, que eu fui trabalhar com fotografia, após ter feito um curso de cinema e ter trabalhado num grupo de cinema, que fez um longa-metragem, era o Grupo Câmara, que era um grupo de cinema alternativo, que alguns seguiram, outros… a maioria saiu. E na época o cinema era uma aventura, por exemplo, só para dizer, em uma das…. Era no Museu de Arte Moderna, foi um ano, isso já depois, eu já te era casado, foi em 1966, curso de Cinema. E como eram muitas perseguições, ainda mais no MAM, o professor, o responsável, depois de perseguição, ele foi embora para o Pantanal, que ele era um sueco, chamado Arne Sucksdorff. Ele deu duas aulas só, depois ele foi embora, ele deixou o assistente dele, que era fotógrafo profissional de estúdio. E fizeram uma… espertamente ele fez um ofício a região militar, o quartel, ali da Central, esqueço o nome da região militar, já estava em plena ditadura. Para fazer um documentário sobre o Monumento aos Mortos. Tecnicamente é o ideal. Eu, não quer dizer que não tinha dinheiro, tinha, mas o dinheiro ia ser para comprar o leite para as filhas recém-nascidas. Mas eu tinha uma câmera profissional, ______me devia um dinheiro, não queria pagar, eu fui em cima, em cima, em cima, ele foi me pagou com uma câmera de cinema chamada Paillard Bolex, que era uma câmera profissional de rolo, era uns rolos assim. Só que eu não sabia manejar, o que que eu vou fazer com um trambolho daquele? Aí eu aprendi! Aí no curso de direção cinematográfica, de cinema, como ele era o fotógrafo profissional, ele dava aula também de fotografia, aproveitava e embutia. E o MAM na época, estava com uma efervescência de fotografia, o Lauro Escorel. E tinha lá um laboratório lá. Vocês que são fotógrafos tem uma parte interessante do curso de fotografia do MAM, foi fechado porque tinha as banheiras para lavar as fotos grandonas, alguns se lavavam ali, virava uma zona o negócio, porque o grupo era todo… havia uma revolta contra o Regime Militar, então o escapismo era de tudo quanto era jeito. Então, o laboratório virava uma zorra. Fechou por um tempo, depois voltou, porque era uma bobagem e tudo.
P - Mas você trabalhava já como fotógrafo de cinema?
R - Não! Eu não sabia nada, nada. Não tinha câmera, não tinha nada, não tinha interesse nenhum, mas era cinéfilo.
P - Como é que foi esse começo do interesse pela fotografia?
R - Porque eu era fanático por cinema. Eu tinha um conhecido no Consulado da França, na época eles tinham um cineclube, que eles passavam filme em língua francesa. Eu gostava muito, desde o curso científico, eu me interessei muito pelo francês, também por causa da minha mãe também. E eu ia sempre nos filmes, que era gratuito, eu era um dos maiores frequentadores. E lá comecei a me interessar por cinema, por fotografia de cinema e tudo. Fiz o curso, eu vi que bom, eu tenho que aprender fotografia, senão não é possível. Porque as primeiras imagens que eu fiz com a câmera, foi na praia, porque era uma luz muito boa, com a beleza. Depois fui fazer uma interna, acho que não coloquei o filme direito, que era rolo, tinha que testar primeiro e não saiu nada. Aí comecei, bom, tem que fazer o negócio direito, a fundo, não é uma aventura. Aí comecei. Num dos ginásios de ginástica que eu frequentava em Copacabana, tinha várias pessoas em um lá e tinha uma pessoa que ia lá, que ele tinha sido um grande fotógrafo e milionário, só que ele era praticamente um mendigo. Ele ia lá para dar aula de inglês, que ele bebia, pagavam ele em conhaque, em dinheiro que ele torrava logo, que a família dele bloqueou o dinheiro dele, que ele torrou o dinheiro todo.
P - Como era o nome dele?
R - Jorge de Castro. Tem uma pesquisadora que cita ele como o melhor fotógrafo do grupo Mário de Andrade, como era o nome? Esqueço o nome do grupo dele. O Mário de Andrade, o Oswald Andrade, da Tarsila, sei lá, esqueço. Ele é citado pela pesquisadora Flora, professora da UniRio, eu acho, que cita ele. Mas ele era… dormia na barca, porque não tinha lugar para dormir. Ele me abriu os olhos sobre muitas coisas. Ao mesmo tempo eu já tava me iniciando, eu gostava muito que eu tinha acesso ao Teatro Municipal, porque eu conhecia os porteiros todos, porque era R$10,00, R$15,00, não sei se continua assim, espero que não. Eu passei a conhecer todo mundo lá. Eu gostava muito também de carnaval e fui aos bailes como folião. Aí já recém-casado, minha mulher não quis ir, tava com filho pequeno, grávida já de outra, tal. Eu fui sozinho, quando eu vi uma coisa inusitada, o Kirk Douglas, isso foi no baile de carnaval, acho que 1971, por aí, 1969. Ele entrou plantando bananeira, vestido de Gladiador, que ele tinha vindo lançar o filme Spartacus, que é um filme famoso.
P - E você estava com a sua máquina fotográfica?
R - Não! Eu não sabia fotografar ainda, mas já tava… Mas anos depois eu fiz uma filmagem pequena, mas amadora, eu não sei nem onde tá esse filme, até deve ter mofado, que eu perdi muito filme numa mudança, quando mudei para o Rio.
P - Mas quando é que você considera o seu começo da vida profissional como fotógrafo?
R - Não, o Grupo Câmara era uma cooperativa, porque o nosso grupo não tinha acesso ao grupo Cinema Novo, que era um grupo fechado e tinha os outros, vamos dizer, independentes, que também não, era cada um na sua praia. Então, foi formado um grupo, tinha uns três já profissionais, um deles depois filmou, fez direção, fez tudo. Tinha dois, o Paulo Veríssimo e o Alberto Salvá, a Valquíria Salvá, acho que é sobrenome dela, ela até hoje trabalha em produção. Então no Grupo Câmara eu era assistente de câmera e Steel, a câmera era rolo, era câmera profissional alugada, a Reflex, a Reflex de 16 mm, que tinha na época… Isso uns anos depois de ter feito o curso de cinema.
P - Você já tinha se formado na universidade?
R - Não! Já tinha me formado sim. Estava me formando na faculdade sim, 1966, 1967, sim. Que o Grupo Câmara foi em 1967, o curso de cinema em 1966. Então, já no Grupo Câmara, que era um grupo já profissional, o filme foi um filme em episódios, chamado, “Como vai, vai bem? ”. Paulo José, na época Dina Sfat, que era mulher dele e alguns atores famosos, Flávio Migliaccio, que se suicidou há pouco tempo, enfim, era um grupo forte. Inclusive, o Paulo José praticamente co-dirigiu, adiantou alguma coisa e ajudava também no financiamento. O filme deu, um dos motivos foi o seguinte: o grupo se reunia no bar Jangadeiros, que era mais uma comemoração. E o dinheiro, da primeira vez não saiu, a segunda vez não saiu o dinheiro, na terceira vez não saiu o dinheiro. Aí eu resolvi não ir mais, por que era sempre de noite, ia até de madrugada, a volta para Niterói era um problemaço.
P - Você morou aqui em Niterói?
R - Morei em Niterói quando me casei, em 1964, em São Francisco.
P - E essa ida e vinda sempre de barca?
R - É, sempre de barca. Eu falei, não sei se para você ou para a outra colega, que tinha sempre um jeitinho, que quando perdia a barca, que depois da meia-noite, a última barca era meia-noite, mas quando perdia, por exemplo, no Jangadeiros ia até de manhã, havia um jeito de vir na barca de carga, arrumava algum jeito com as pessoas que tomavam conta, os marinheiros, algum trocado. E ia depois, como se tivesse no meio dos carros, ninguém sabia, que era todo mundo em pé, fora dos carros, que demorava um pouco mais, depois na hora, ao invés de sair de carro, tinha que sair rápido a pé. Era um jeitinho. Mas eu convenci pelo seguinte, não ia ganhar dinheiro, tava me sacrificando muito, não só a mim, mas também pessoas que dependiam de mim. E eu resolvi ir pelo lado da fotografia. O maquiador do Grupo Câmara, maquiador profissional… Eu mal sabia fotografar, mas deu certo, que eu fui orientado pelo Jorge de Castro, era uma agência de publicidade, chamada Haroldo Araújo, ia no festival de cinema de 1966 ou 1967, a ideia era fazer uma rosácea, o diretor de arte bolou isso, depois ele modificou, com o rosto das várias atrizes que para a Elizabeth Arden, que era internacional de cosmético. Então, ia a atriz vencedora no meio. Foi montado um pequeno estúdio na entrada do banheiro das mulheres.
P - Onde isso?
R - No Hotel Copacabana Palace. Na entrada do banheiro das mulheres. Eu ficava ali numa situação meio constrangedora, mas já tava íntimo das atrizes, umas relutaram um pouco, outras tal. Atrizes do mundo todo. Na época os festivais de cinema eram famosos, vinha muita gente de fora. E acabou dando certo, ele me orientou. Eu tinha uma câmera caixote, chamada Rolleiflex, usava um filme, filme de doze poses, quer dizer, tinha acabado de pôr, botava com cuidado de novo, mas doze, tal, luz certa, tudo, assim era montado um pequeno estúdio, deu certinho, tinha umas lâmpadas que botava, botava tipo um véu e tudo, para suavizar a luz, deu certo!
P - Quem revelava as fotos?
R - Um laboratório em Niterói, no centro de Niterói. De início eu tentei revelar, mas era um apartamento pequeno, os apartamentos era banheiro de empregada e um cubículo que seria quarto de empregada, bem pequeninho, apartamento pequeno, mas bem, quase na praia, em São Francisco. Revelei aí, mas era muita sujeira, uma era pequenininha, depois de um tempo a mulher já tava grávida, já não dava para tomar conta, ela pequenininha ia lá e queria abrir a porta.
P - Como é o nome da filha?
R - Cláudia, a mais velha, e Regina Lúcia, a mais nova. Elas têm um ano de diferença, quase um ano, nem um ano. E abria a porta e revelava as coisas, aí eu fui desistindo, que sujava tudo também, a química suja muito, era todo um processo químico. Eu também, pra ser franco, não gostava muito, gostava muito da rua, de fotografar tudo.
P - Como era o nome do laboratório aqui de Niterói que você mandava revelar, você lembra?
R - Era um outro, eu me lembro depois já do M. Alves, era no largo do______, perto da rua ali que hoje em dia vai para o morro, uma daquelas ruas que sobe assim. Tinha poucos, era estúdio, vendia filmes, vendia câmeras pequenas, acho que óculos também e fazia revelação de filmes. Então revelava com eles. Aos poucos eu fui, vamos dizer, gostando de fotografia, fui sobrevivendo. Essa mesma pessoa, esse mesmo maquiador, me arranjou um outro serviço, na Mesbla, é que ficava o núcleo grande da Elizabeth Arden, tinha uns stands grandes e tinha uma moça muito bonita ali, ela seria uma modelo para algumas fotos, mas houve um contratempo, devido a minha desorganização, porque eu tinha feito umas fotos de um modelo, com pouca roupa e por essas cismas do destino, elas eram um pouco parecidas, então na revelação… Depois fazia as cópias pra mostrar e numa dessas confusões foi tudo junto, o noivo viu, foi uma confusão danada. Aí esse serviço meu parou, para Elizabeth Arden, comecei a vender foto para o Fluminense e Niterói, para o Jornal Fluminense.
P - Alcyr, retomando então, eu gostaria de te perguntar, no começo dos anos 70, marca a sua entrada no Jornal Fluminense, então gostaria que você contasse um pouquinho, você entra já na categoria fotojornalista, repórter-fotográfico, como é que foi então esse comecinho desse seu primeiro trabalho no jornal? Ele era no Rio, você morava em Niterói, ia de barca para lá, como é que era, por favor?
R - Foi um pouco antes, em 1969. Eu tinha uns amigos que tentaram fazer fotografia comercial, para casamento, formaturas e coisas, tinha um grupo grande. E um dos rapazes que fazia isso, ele trabalhava numa agência internacional americana muito forte, na época, que acabou, chamada UPI, United Press International, que era na Rio Branco, junto com o Jornal do Brasil, ficava no mesmo prédio do Jornal do Brasil, onde eu conheci no corredor, o Fernando Gabeira, que ele era chefe da pesquisa e arquivo. Então eu ia lá, ficava meio assim, tinha um aprendiz informal, ficava lá vendo o trabalho dele, eles usavam muito as fotos da equipe do Jornal do Brasil, que era muito forte e eles reproduziam a foto com um critério muito perfeito de reprodução, que ela ficava numa chapa assim, a câmera ficava num trilho, então era medido, então o foco era perfeitíssimo, que era foco manual, não existia foco automático como agora, medição, nada. Então, a luz era a mesma, já sabia, botava ela no trilho, a foto ficava assim e reproduziam. E a patente, eram só duas agências que tinham, de transmissão de foto, que era por telefones, era telefoto, usava linha telefônica, que caia muito conforme a precariedade ou a eficiência da linha telefônica. Então, dali ia para o estrangeiro. Eu conheci… negócio de frequentar bar, o diretor da agência France Presse, então eu tinha pensado em entrar numa agência internacional, que era um sonho, tinha que ter um largo aprendizado e ser um dos melhores, dos melhores, inclusive o salário. A Agência France Presse era em cima do Amarelinho. E essas curiosidades, o diretor, era herói de Guerra, francês, com Medalha da Legião de Honra. Ele tinha quase perdido a perna com combatente, ele veio para cá e disse: “Alcyr, isso aqui para mim é um paraíso, que eu vim do Vietnã, onde eu quase perdi minha perna. Isso aqui pra mim é um paraíso”. Só que o paraíso pra ele acabou, ele foi expulso do Brasil pelo Regime Militar, quando houve aquele negócio daquela carta, que o Gabeira botou em vários lugares, negócio do sequestro do embaixador americano. Enfim, eu fotografei a chamada Passeata dos Cem Mil, que tava os atores todos. Tenho poucas fotos, que eu não fotografava bem, porque o pessoal do cinema tava lá, eu fui também, mas com uma câmera precária, já não tinha objetiva grandes para fazer aquilo com precisão e era muito de tardinha pra de noite, mas tenho duas ou três fotos, talvez disso, boas. E o negativo vai perdendo com o tempo, ele estraga se não for bem revelado, a cópia também. Então, eu fazia as coisas no Rio, na UPI, eu tentava entrar, mas com aquele aprendizado eu ia, tinha acesso também, que eles me davam tipo uma carta, eu fotografava, tinha muito festival de cinema, Festival da Canção, festival da música, carnaval, eu fotografava aquilo, com a carta da UPI, pra UPI não interessava, mas eu trazia e vendia para o Fluminense, não diariamente, claro, mas às vezes vendia sete, oito fotos, numa sexta-feira, numa quinta-feira, conforme fosse. Assim fui indo. Até que um dia, eles chegaram, “Senhor Alcyr, você não quer trabalhar como contratado? A gente pode pagar só isso e tal”. Eu queria, para ter uma coisa fixa, por causa da responsabilidade de ter o salário fixo. Comecei no Fluminense, era muito pouco, ao mesmo tempo fui deixando, que já estava em decadência, os dois tinham sido presos, o laboratório de raio x, que nós tínhamos, geralmente era a grande face que era especialidade nossa.
P - Mas a sua carteira de trabalho no Fluminense, qual era a profissão?
R - Repórter Fotográfico. Inclusive, o seguinte: precisava do registro, registro profissional, Ministério do Trabalho, que era feito no Sindicato dos Jornalistas, mas o Fluminense fez uma carta pedindo, que eu já estava trabalhando lá, já tinha experiência da UPI e tudo. Porque estava começando a aparecer em 1969, 1970, a exigência da diplomação, já estava com essa exigência. Aí eu consegui o registro, aí fui em frente. Fui contratado no final de 1970 pelo Fluminense, em 1971, fiz um serviço e outro para o Correio da Manhã e no início de 1972 eles me chamaram de fato para trabalhar lá, no Correio da Manhã, cobrindo férias, mas como eram doze fotógrafos, todo mês tinha férias. Aí fui ficando, me contrataram depois, logo depois. E hoje a decadência, o fechamento do Correio da Manhã, que já tava com problemas financeiros muito grande, que era na Gomes Freire, em frente a TV Brasil, que era a antiga a TVE. E a Última Hora, era junto também, de início duas equipes, depois uma equipe só. Aí a metade foi para o Última Hora, eu fui junto, mas isso em 1974, que dizer, essas fotos foram feitas, reveladas ainda no laboratório do Correio da Manhã, que era um laboratório muito bom.
P - Você pode então contar como é que seu, que dizer, você tem um conjunto de fotografias do final de 1973, começo de 1974, que é ainda de um período da construção da Ponte Rio-Niterói. Como é que foi, você foi chamado, era uma pauta determinada para essas fotografias? Você fotografou do barco? Que barco era esse?
R - Era uma lancha pequena, lancha cedida pela Marinha, emprestada lá devido facilitar para o jornal, porque seria uma imagem positiva. Enfim, de uma mega construção, que seria a segunda maior ponte do mundo, a primeira, na época, não sei bem, financiada pelo governo Inglês, tinha muita importância.
P - Você como morador de Niterói, como é que você via a construção de uma ponte que ligaria Niterói ao Rio de Janeiro?
R - Eu via como… e de fato a finalidade era… dois estados que eram separados pelo mar e que a ponte ia acabar de unir, os dois estados foram transformados em um, ia solidificar isso e facilitar também o acesso, porque a barca era horário determinado, em princípio a ponte, qualquer horário a pessoa poderia atravessar e chegar no Rio. De início, devido também o fluxo de veículos, era um fomento também para o interior do estado do Rio, houve também um crescimento populacional muito grande, não tanto em Niterói, mas muito acho que em São Gonçalo, Itaboraí, por aí, muito devido a construção da ponte, um aumento populacional muito grande, um incremento também. E também da facilidade, isso voltando para uns anos atrás, principalmente essa equipe de filmagem sueca, para o longa-metragem, eles tinham muita dificuldade de chegar, porque o diretor e os atores estavam no Copacabana Palace, que seria o melhor hotel e vinham filmar na ponta da areia, então determinados dias eles ficavam, dormiam, conseguiam pequenas residências, hotéis, aqui mesmo em Niterói. Os atores eram muito famosos, a equipe técnica era famosíssima, o diretor nem tanto, mas ele conseguiu um bom financiamento. E essa parte, vamos dizer, do mar, também para os suecos, era uma coisa muito atraente, até o próprio nome, Palmeiras Negras, “Black Palm Trees". Tem também… fica para ressaltar Niterói, o Milton Nascimento morou aqui durante muito tempo, a música dele Ponta da Areia, tudo, ele morou aqui muito tempo, ele gostava muito de Niterói. Fora outros também, artistas famosos, que moraram em Niterói.
P - Mas conta então das suas fotografias, como é que foi esse momento? Você veio então pelo jornal, pra registrar esses últimos momentos de construção da ponte, foi isso?
R - É! Eles faziam… não era uma rotina diária, mas pelo menos uma vez por semana, acho que no final até duas vezes por semana ia a equipe. Na época que eu fui, eu peguei dias escuros, nublados, tanto que as fotos, se vocês verem bem, que eram feitas com filme também, porque trabalhava quase qualquer situação, mas trabalhava com HB com pouca luminosidade. E como o mar também ajuda, dá um reflexo, por causa do mar branco, mas você vê que algumas o mar tá com aquela onda escura na foto, dá aquele contraste nas colunas, aquilo tudo. E eu me lembro que não podia fazer muita coisa, porque era o tempo da luz cair, que eu me lembro que uma das vezes já era cinco horas, cinco e pouco, e como era lancha cedida, tinha um tempo limitado também pra se fazer as fotos, não podia ficar indefinidamente. E era um pouco amarrado, por exemplo, ele não passava por baixo da ponte, mesmo que eu pedisse para fazer do outro lado, mas foi negado, tinha que seguir mais ou menos um tempo e uma ordenação, entendeu? Um planejamento.
P - Mas dado por quem, esse planejamento?
R - Certamente devia ser dado pela Marinha, que cedia os barcos, era o tempo contado, não era ficar o tempo que quisesse, como, por exemplo, se o jornal tivesse lancha, ficar o tempo que quisesse, ou se os donos cedessem uma lancha. Era um tempo mais ou menos limitado.
P - Mas qual era o foco, era fotografar as etapas da construção? Era fotografar essa grande e impactante obra?
R - Era… devido a importância da obra, era para fotografar… É diferente um pouco do que eu sei que alguns engenheiros fizeram, devem ter contratado para isso, orientado, para os segmentos da ponte. Do nosso, sempre era, por causa também da perspectiva… Um dos lemas da boa fotografia é o efeito da perspectiva, que perspectiva que vai dar uma… Que o cinema tem 3D, mas o cinema tradicional é duas dimensões, como a fotografia também. Transformar um universo que tem vários planos, numa folha lisa, é um problema, então a perspectiva era uma. Então, se usava muito com um tipo de objetiva, que era grande angular, que pegasse a ponte, no caso a bandeira [comentando uma fotografia que levou]. A bandeira ela está um pouco, aí tecnicamente fora de foco, porque eu optei para o foco mais na construção da ponte, quer dizer, o principal, objetivo, ou objeto, não era a bandeira do Brasil, no meu olhar, era a Ponte Rio-Niterói, no qual está sendo construída numa nação chamada Brasil, simbolizada pela bandeira. Para você ver que ela tá fora de foco, o foco está nítido na ponte. Aí tinha aqui, tinha quer ser um foco caprichado que era tudo manual, mas eu já tinha alguma experiência e também era ao ar livre, o filme compensava, deu uma sequência de boas fotografias. Aliás, todos que fizeram profissionais, muito carimbados, eu era um dos mais novos lá da equipe. Que o jornal, ele como todos os jornais, eles trabalhavam com um agrado ao governo para não ter problemas, havia uma censura muito forte e a Última Hora, tradicional, foi incendiada, né. Se não me engano em 1964 mesmo, logo no primeiro de abril, acho que ela foi incendiada no primeiro de abril e ela funciona em outro lugar, depois com o tempo, por intermédio dos irmãos Alencar, eles ficaram numa parte do Correio da Manhã e depois eles uniram, uma firme uniu os dois Correios da Manhã, já estavam em muita decadência, por causa de atritos com o governo e acabou fechando por causa disso. E enfim, era procurar fazer a foto mais bonita possível. Você vê que dentro da perspectiva fotográfica são fotos bonitas. Pena eu não ter encontrado a que foi um banner, abertura de uma exposição que eu fiz de umas fotos minhas, tinha uma retrospectiva, dos anos 90 ainda.
P - Mas voltando então as fotografias…
R - Essa fotografia, ela foi feita mais ou menos no raciocínio da hora, porque no fotojornalismo a gente faz o raciocínio muito na hora, porque a gente vai para rua, ou ia para a rua, não tem orientação, o fotógrafo que se vire. Inclusive, eu tenho duas fotos anteriores, que a bandeira tá virada, porque se fosse planejado, arranjava uma maneira qualquer dela ficar durinha, porque o vento vai e tudo, então ela [a bandeira] tá virada, a foto é boa, mas ela tá virada. Então, ela tinha que ficar, eu tinha que esperar o vento o tal… Eu não sei se eu puxei com a mão, porque estava enrolada, ou pedi a um marinheiro, talvez, para fazer isso. Porque eu me lembro que ia sem repórter, ia só o fotógrafo. E o marinheiro, o assistente, auxiliar dele, sei lá, que amarra talvez o barco, ele falava: “A lancha é pequena”. Então, tinha que esperar, com vento e tudo, porque a lancha tem uma determinada velocidade, pedia para diminuir um pouco a velocidade e de um ângulo também que pegasse… Foi tentada mais de uma vez, no fim deu um bom resultado. Como a luz já estava, já era uma luz meio de fim de tarde, não deu. Se fosse com aquele sol magnífico dava para aparecer a bandeira mais nítida. Mas ela é boa assim mesmo, porque eu optei pela ponte, nitidez maior da ponte, que a ponte que estava sendo construída, a bandeira simbólica tudo, simboliza uma nação, mas a ponte estava sendo construída.
P - E a outra fotografia?
R - A outra foi feita em época diferente já, que eu fui duas vezes que eu me lembre, outros colegas foram mais vezes. Aqui já tem essa viga do vão central, já bem alta e tudo. Porque é diferente também de um cronograma, vamos dizer, feito por engenheiros. Eu sei porque eu já fiz cronograma de obra, é diferente, tem que ser passo por passo, tem a coisa intermediária, ver o detalhe. Para o jornal tinha que se resolver tudo numa coisa e num momento só, naquela ocasião e olhe lá e voltar com a foto boa, era uma exigência. Então, foi separada essas duas fotos, que vocês mesmo separaram, mas tem uma série de outras também muito boas, mostrando já com a viga pronta e a ponte quase pronta. A Última Hora não fez e nem O Correio da Manhã, não sei se o… O Jornal do Brasil deve ter feito, o Hugo, talvez mais o Jornal do Brasil, que era mais forte na época, de helicóptero, que seria uma uma interessante. Anos depois, já dando um salto bem grande, para o final dos anos 80, mas nos anos 90, da janela do Jornal do Brasil, onde eu entro agora, avenida Brasil, 500. Tem a janela do sexto andar, dá perfeito, mas pode fazer do heliponto também, com aquela objetiva grande, faz um engarrafamento [na ponte] , porque a objetiva aperta os planos, achata os planos. Pegando uma boa parte da ponte é aquela curva que tem. É uma foto que eu cansei de fazer, todas elas davam primeira página, tinha até uma briga pra fazer, que tinha um determinado ângulo que dava certinho com a lente, que dava certinho.
P - Essas fotos foram publicadas? Como era esse processo de seleção das fotos da Ponte Rio-Niterói?
R - O processo de escolha? O processo de escolha era feito mas por… no meu caso, pouco experiente, era feito pelo editor de fotografia, o chefe de fotografia. A gente tinha pouca participação. Às vezes, o laboratório experiente, quando a foto era muito boa, ele fazia uma ampliação grande para impressionar, porque a gráfica do Correio da Manhã e da Última Hora era no mesmo andar, bastava sair de um corredor pro outro, de uma sala para outra. Então, essas fotos foram feitas ainda onde funcionava provisoriamente o Última Hora, que era no prédio do Correio da Manhã.
P - Mas alguma delas foi publicada?
R - Correio da Manhã deve ter sido, mas no Última Hora certamente foi, porque eles acompanhavam tipo umas duas três vezes por semana a construção, mesmo nos momentos finais, nos meses finais. Que eu não me lembro se tinha uma previsão certa, ou se atrasou um pouco, não me lembro, francamente não me lembro. Dessa construção eu também fui designado para cobrir a inauguração da ponte, mas teve um porém, foi no início de março, o carnaval é em fevereiro. Eu tinha sido agredido numa briga no Baile do Havaí, que eu tinha fissurado a clavícula e eu tava com isso aqui tudo imobilizado. Mas como as credenciais eram escassas e o chefe era muito amigo, mas era muito rígido e testava, gostava de testar as pessoas, ele me botou para trabalhar no carnaval assim mesmo. Eu dizia: “Como é que eu vou trabalhar assim? Vou ser espancado com qualquer coisa que eu fizer.” Que a polícia aproveitava e batia nos jornalistas sem parar. Então, ainda era na Presidente Vargas. Eles botavam uma torre, “Você fica lá em cima, ninguém vai te fazer mal.” Mas aí por tentar ser elegante, que a minha mulher estava lá, vendo da arquibancada, eu fui descer para comprar umas coisas e dar para ela. Quando eu voltei, eu quase ia sendo agredido de novo. Eu tive que pedir “pelo amor de Deus” e mostrar que estava imobilizado aqui. Quer dizer, dava para trabalhar fixo com um tripé. E na inauguração da Ponte Rio-Niterói, eu tive o seguinte problema, como era credenciado pelo Primeiro Exército, Presidência da República, que era autocontrole, podia ter algum fotógrafo infiltrado, fotógrafo terrorista, sei lá, como tinha alguns jornalistas contra o regime, terrorismo para eles, que fizesse algum atentado, então, eu fui assim mesmo, e eu falei: “Pô, vai ser ruim pra mim trabalhar lá! ”, “Não, vai lá! Faz o que você puder”. Eu consegui fazer uma ótima foto. O Delfim Neto quase caiu pra passar por cima lá de uma barreira. Eu consegui fazer sozinho, mas eles não deram a foto, porque acharam que ia agredir o regime. E eu tive muita dificuldade de fato de fazer a cobertura, porque era muita gente empurrando, segurança, teve um repórter que era desafeto do Andreazza e gritou lá um negócio, o Andrezza foi em cima dele e aí veio toda a segurança que tava, que era polícia, Exército, tudo em cima dos fotógrafos e tudo. Eu não consegui fotografar direito, eu tinha também que me proteger. Enfim, foi um sacrifício muito grande pra mim trabalhar na cobertura da Ponte Rio-Niterói. Fiz fotos sim, foram utilizadas por dentro. Acho que também por causa da… Quem entrava não saía.
P - Não saia de onde?
R - Quem entrava para cobertura não saia. Não é como agora, que faz alguma coisa e vai embora, para passar, transmitir, não. Quem entrava, ficava lá dentro. Eu fui um dos últimos a sair, como a estrutura era muito pouca, já era quase de noite e já foram fechando com várias coisas que eles já tinham.
P - Era do lado mais Niterói ou do Rio? Onde é que foi a inauguração, você lembra?
R - Eu não me lembro direito, mas eu acho que era do lado de Niterói.
P - Você lembra se os operários estavam presentes na inauguração?
R - Não me recordo direito, acho que alguns, escolheram alguns para participar da inauguração. A figura era Andreazza, que era o Ministro dos Transportes. E o Presidente da República. Aí estava o Ministro da Fazenda, que era muito importante na época e fora uma série de coisas. Tinha os senadores também, um dos senadores, ele veio falecer pouco tempo depois, eu acho que ainda em março, que ele era o mais repressivo, que ele era da polícia política, se não me engano ele tava como senador, ele tinha sido ministro, Filinto Muller, desde o tempo do Getúlio, ele era da repressão. Eu acho que foi pouco tempo depois. Eu lembro que vieram os políticos todos, eu fiz a cobertura para o Rio de Janeiro. Eu acho que foi pouco tempo depois, acho que ainda em março, talvez em abril.
P - E depois da inauguração você veio outras vezes naquele ano de 1974 fotografar?
R - Não, não.
P - Eu acho interessante que você era um repórter fotográfico, fotojornalista de um jornal, mas você guardou essas fotografias no seu acervo. Por quê?
R - É porque o seguinte também, os fotógrafos mais antigos, eles não se interessavam muito por isso não, mas os fotógrafos mais novos, eu me lembro que tinha um que guardava tudo e tinha um outro que acabou sendo chefe de fotografia, acabou sendo assassinado, que era um fotógrafo excelente. Todas as fotos melhores, eu me lembro que um fazia isso, fazia uma ampliação grande, trinta por quarenta centímetros, que era o papel maior que os jornais tinham. Eu mesmo, uma ou outra foto, eu guardei assim, porque logo de início, embora eu não gostasse muito de laboratório, até talvez por esse motivo, eu sempre fiquei amigo dos laboratoristas, até porque eles iam cuidar do meu filme, eles iam cuidar dos meus filmes com todo carinho. E muitos deles chegavam, “Alcyr, quer que faça uma trinta quarenta?”, “Faz, faz aí!”. Era o papel do jornal. E a gente quando podia, em princípio era… no Correio da Manhã e na Última Hora já tava correndo frouxo isso, a Última Hora fazia um pouco mais, cortar o negativo e levar. Que em princípio seria propriedade do jornal, em princípio, até isso deu muita polêmica judicial. Depois de muitos anos que alguns juízes consideravam que metade pro jornal, metade pro autor, intelectual, é cerebral a questão, sempre opta por fazer a foto assim ou assado, do ângulo tal, do ângulo tal. Então, a gente cortava o negativo. No O Globo, era um inferno, porque às vezes eles não permitiam, tirava dois, três negativos.
P - Você hoje acha que em relação a Ponte Rio-Niterói, esse período que você cobriu, você tem quantos negativos? Você tem um acervo organizado?
R - Não, não. Eu tenho, acho, que 17 ou 18 negativos só, talvez, não mais que isso. Vinte talvez, em negativos, mas não organizados. Tá separado, tá separado.
P - Qual era a máquina que você usava, usou para fotografar?
R - Na época era usado um tipo de Nikon, era totalmente mecânica. Eu com muito esforço, comprei uma para mim, que o Fluminense tinha outras marcas, que elas já estavam muito precárias, então eu usava a câmera Nikon, que na época era a melhor de todas.
P - E filme? O filme era dado pelo jornal?
R - Era! O filme era fornecido pelo jornal. Era filme da Kodak, chamado Tri-X, que era o melhor filme feito para reportagem, que ele trabalha em qualquer situação, se você planejasse bem, relevasse bem, você podia fazer foto na praia, no mesmo horário eles podiam dizer: “Sai da praia e vai na delegacia tal que tem um cara lá que matou uns 20, fotografa ele.” Delegacia era totalmente outra luz, a gente andava já com o flash na bolsa, que tinha que graduar a luz para fazer. Mas o Tri-X tinha uma latitude muito grande, ele comportava isso.
P - Quando você fotografou, quando você observava a ponte Rio-Niterói, você pensava sobre a dimensão dessa obra, sobre o tamanho? Porque a obra foi uma obra diferenciada, nova, pioneira no Brasil e em muitas partes do mundo. Que dizer, era impactante ver essa obra?
R - Era porque as pessoas, de uma maneira geral, não estavam acostumadas com uma mega construção daquelas. E uma das coisas que se falava na época, “Vai cair!”, “quando encher de carro vai cair”. Mas não, ela foi muito bem construída, muito bem. Você vê que até hoje falam “Balançou, não sei o que, tal, tal, tal”, mas ela é uma obra muito bem construída. E na época, tem um viaduto, não sei se vocês conhecem o Rio bem? Na Leopoldina, que a estrutura é metálica. Na Leopoldina, que vai sair na Presidente Vargas, perto da Praça da Bandeira, por ali, vai sair na Presidente Vargas, ali na frente da Francisco Bicalho. Dizem, não sei se é uma lenda, que o engenheiro se matou, que ele mesmo achou que ia cair, e não caiu, tá lá firme até hoje. É construção metálica, muito bem… porque na ponte é elemento metálico, mas é concreto, as pilastras de concreto. Eu não sei como é a estrutura por dentro, mas ela é muito bem construída, tem acomodação conforme a maré, não sei!
P - Nesse período que a ponte estava sendo construída você morava ainda em Niterói ou já morava no Rio?
R - Morava em Niterói. Eu vim para o Rio um ano depois.
P - Como é que era essa ida para Niterói, na barca, observando a obra?
R - Para ser franco as pessoas… Talvez o morador, mas eu como repórter fotográfico, como eu falei, eu ficava muito de olho se tivesse suicida, porque tinha que chegar até a proa da barca, que justamente ali que eles se jogavam. Os marinheiros mais ou menos sabiam. Eu cheguei a ver vários casos, porque eu passei a andar com câmera e fotografar… Presenciei um suicida e não tinha fotografado, eu fiquei muito frustrado. Acho que esse foi foi fatal, acredito. E na barca tinha a questão do horário, que dificultava muito. A ponte Rio-Niterói veio resolver esse problema. Eu justamente passei a morar no Rio, porque era mais fácil, porque todos os jornais e revistas eram no Rio; a sede, geralmente, ou na cidade, no centro da cidade, ou próximo ao centro da cidade. Por exemplo, a Última Hora que separou do Correio da Manhã, era ali perto da rodoviária, na rua do Equador, onde eu trabalhei uns meses lá. O Diário de Notícias era na rua Riachuelo, perto da Lapa. E O Globo, ali perto da rua Santana, na rua Irineu Marinho, era próximo a rua Santana, que é também ainda parte do centro do Rio. O Lance, onde eu trabalhei também, já nos anos 90, na Avenida Brasil, no início era na Rio Branco, mas depois passou para a Avenida Brasil, 500. Quer dizer, era muito por isso. Trabalhei na revista IstoÉ, trabalhei quase um ano na revista IstoÉ e depois fiz freelancer para eles, várias vezes, era na Presidente Vargas, depois na Almirante Barroso, pegava o metrô, chegava lá em minutos. O Estado de São Paulo, onde eu trabalhei também, na Almirante Barroso. Folha de São Paulo, que era na rua Santa Luzia. Tudo isso ali onde eu moro, nas proximidades, o metrô deu uma grande mobilidade. Niterói teria essa parte também de locomoção, ficava longe também, de quilometragem, ficava mais cansativo também.
P - Dia 4 de março deste ano, a ponte vai fazer 50 anos. O que você prospecta para daqui 50 anos de ponte?
R - Acho que teria que construir outra, talvez, eu não sei bem. Eles pensam em construir um túnel, eu não sei se pensa em construir ou alargar a ponte, não sei se pode, né? Com duas pistas laterais, só um engenheiro que pode dizer isso. Mas ele de fato, com o aumento do… Que houve um estímulo aí da indústria automobilística, agora eles estão desestimulando. E ônibus também. E em horário de pico… Uma das minhas filhas mora em Niterói, às vezes ela sai, leva quase duas horas, às vezes ela tem que acordar mais cedo para fugir do engarrafamento. Ela já não dá mais conta. Falaram que na época, eu não sei se é verdade, esses só os técnicos vão dizer e vocês, né? Que teria um monotrilho pelo meio, um trenzinho, que ia levar passageiro em dois terminais. Eu não sei, não sei se reza a lenda. Eu sei também, isso é não acompanhei não, outros colegas vieram. A rainha da Inglaterra, ela veio na construção e na… eu não sei, francamente eu não me lembro dela na inauguração, deve ter vindo mais cedo.
P - Eu acho que ela veio em 1968, ou 1969, no começo.
R - É, aí eu já não estava fotografando profissionalmente.
P - Alcyr, a gente vai devagarzinho encerrando a entrevista que é maravilhosa, acho que você tem tantas histórias para contar e deixar registrado, acho que é uma observação, você observa como morador da cidade, como fotógrafo, observou Niterói, Rio de Janeiro. Para terminar, eu gostaria de fazer algumas perguntas que eu gostaria que você me respondesse. Uma é sobre que mensagem você deixaria hoje para jovens fotógrafos?
R - O mercado tá muito competitivo, mas ainda é uma… a fotografia é muito atraente. Eu entrei também para fotografia, eu entrei gostando muito de cinema, talvez fosse um pouco por praticidade, como gosto ainda, mas no início eu não falava de fotografia, eu ia a praia, levava a câmera, agora tá um pouco impraticável isso. Tudo quanto é lugar eu levava a câmera, então eu fazia muito flagrante na rua. Eu comecei a trabalhar na Isto É, que eu tinha um horário grande no O Globo, então eu fazia os serviços por minha conta de manhã e levava na IstoÉ, às vezes na France Press. E no O Globo pegava duas, três horas, por mais que eu pegasse quatro horas da tarde, então eu ficava praticamente o dia inteiro fotografando pra mais de um lugar.
P - Mas qual é o conselho para um jovem fotógrafo hoje?
R - Primeira coisa, ele tem que ter uma formação, uma escola de fotografia. E o aprendizado só vem fotografando muito, vem com a prática, mas para a prática ele tem que ter o embasamento da teoria. E para se tornar de fato um grande fotógrafo, eu vejo muito os conselhos do Sebastião Salgado, que eu cheguei a conhecer pessoalmente a uns anos atrás, por intermédio de um amigo que é praticamente compadre dele, um outro fotógrafo. Ele dizendo que as fotos que ele fez foram muitas escolhas dele influenciado por ele ter feito mestrado ou doutorado de Economia, que ele trabalhava no Instituto Brasileiro do Café, como economista. Então, o olhar dele e tudo… Vai também que o fotojornalismo, a pessoa tem que ter uma cultura, tem que ter cultura, tem que ter… No O Globo, era rígido, eles chegavam e diziam para o fotógrafo: “Vocês não sabem ler? Vocês têm que ter pelo menos o jornal que vocês trabalham, para saber pelo menos a linha do jornal”. Hoje em dia, embora o mercado seja competitivo, tem muitos projetos que a pessoa pode trabalhar, o campo é muito vasto, tem muitos projetos, muitos projetos de financiamento. Uma única coisa que eu acho que pode dificultar é que as câmeras são muito caras, aí a pessoa diz: “Ah, mas usa celular”. Eu acho que o celular nunca vai substituir totalmente a câmera fotográfica. O caso ai deles dois usando, são câmeras mesmo. Com o celular se consegue fazer sim, mas não tão boa quanto com uma câmera fotográfica. E eu acho que as câmeras fotográficas estão cada vez melhores, tanto as fotográficas, quanto as de cinema, que as duas são mais ou menos a mesma coisa. E além de procurar estudar, ver influência de grandes fotógrafos, se dedicar bastante. Que eu vejo também que além de uma profissão, tem um lado também de ter uma arte, no fotojornalismo ela contribui também para a história da humanidade, sendo preservado o negativo. Eles vão ter que ver uma maneira de preservar mais o sistema digital, fala-se da nuvem, não sei o que, mas a nuvem é uma coisa abstrata. Não sei como, acho que o processo que muita gente tá fazendo do digital, transformando em papel, para poder olhar, observar, ver melhor, ver mais detalhes. Então, o conselho é esse. E batalhar sempre.
P - Você tem uma fotografia sua que você considere, “a fotografia”, uma das mais importantes, que tenha mexido mais com você? Uma fotografia, nesse período todo que você trabalhou como fotojornalista, que tenha te marcado mais?
R - A gente vai gostando de várias. Por exemplo, eu entrei em poucos concursos de fotografia. O primeiro foi um concurso internacional, A Casa de Las Américas, em Havana, que fizeram uma exposição Mundial, na época os pais socialista, foi em 1982, eu acho, que era uma remoção de favelados no Jacarezinho, perto, próximo ao Jacarezinho. Ganhei também com a Violência Urbana, quando o Silvio Teles me conheceu, em 1988, num concurso patrocinado pela Kodak. E essas fotos me marcaram muito. Uma que me marcou, pela utilização dela, porque é muito dela ser original, que no fotojornalismo, é difícil, mas tem um momento ou outro que é original. Um, embora eu não tenha feito sozinho, sozinho, embora tivesse mais de cem fotógrafos, só um cinegrafista conseguiu fazer, porque ele tava filmando arquibancada. Porque essa foi muito usada e muito marcante. Tem outras também, da minha temporada na Rocinha, que deu fotos muito boas, fiz duas Exposições na França, várias aqui no Rio. A última foi no Congresso Mundial de Arquitetura, que por causa da pandemia foi passada de 2019 para 2020, acho que eu fiz também… Na realidade era de 2020 para 2021. Eu fiz em 2021, foi a única exposição dentro do congresso, física, porque o resto foi tudo online.
P - Se você não fosse fotógrafo qual a profissão que você gostaria de ter seguido?
R - Uma época eu respondi que eu queria ser, isso a uns quinze anos atrás, que eu queria ser guitarrista de uma boa banda de rock. Mas depois, com o tempo, eu me realizei muito estudando antropologia, conhecer os costumes, mesmo na época, disseram: “Alcyr, faz etnias, povos indígenas”. Eu falei: “Não, eu vou fazer na cidade, a minha selva vai ser aqui, favela.” Eu centralizei na Rocinha, morei lá, a serviço do Jornal do Brasil. Depois ia lá quando cismava e fiz a minha dissertação do mestrado em cima disso. A fundação da escola de samba deles lá, que foi meio uma grande guerra lá.
P - E sonhos? Algum sonho? Desejos a serem realizados?
R - Não, acho que o que eu tinha que realizar eu realizei. Agora eu penso no bem estar das minhas filhas, da minha esposa, se bem que ela também está com idade. E que as novas gerações tenham mais sorte, consigam sobreviver esses anos que já foram piores, mas que também já foram melhores.
P - Tá bom Alcyr, o que que você achou de compartilhar um pouco da sua trajetória, experiência de vida com a gente? Gostou de contar a sua história?
R - Agradeço de novo a vocês. Agradeço também pela paciência, eu sei que é uma tarefa de vocês, mas também pela paciência, vocês têm trabalhado… Uma coisa que eu nunca consegui foi trabalhar em estúdio, porque eu não conseguia… Um dos melhores fotógrafos de estúdio perguntou: “Alcyr, você me ensina a fotografar futebol, que eu te ensino a fazer estúdio, pra você ficar melhor. ” Eu falei: “Não! Quer fazer futebol eu faço; estúdio não.” Fiz pouquíssimas vezes por necessidade. Porque ficava confinado, talvez por causa do laboratório de raio x, lugar fechado me dava trauma, que na rua você vê muita coisa. Agora com a confusão de celulares, da telefonia fixa, os flagrantes são muitos feitos por pessoas comuns, às vezes sem nenhum aprendizado, assim, de técnica nenhuma. Mas eu andava sempre com câmera, fotografia de rua.
P - Você veio para a entrevista, você mora na Tijuca, no Rio e veio para Niterói de barca. Por quê?
R - Com medo de engarrafamento, de me atrasar mais ainda.
P - Tá bom! Então, muito obrigada! Gostaria de agradecer profundamente o seu compartilhar…
R - E também por um motivo, a barca é mais prosaica, ver o mar, as pessoas. Camelô na barca, sei lá, é meio exótico. Foge um da cidade, cidade violenta do trânsito. Acho que não tá mais gravando.
P - Ainda tá.
R - Ainda tá? Encerrou?
P - Então, eu te agradeço. Obrigada por esse compartilhar de experiências e histórias, Alcyr. Muito obrigada!
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