Projeto Vidas Indígenas Maranhão
Entrevista de Claudio Guajajara Alves
Entrevistado por Milson Guajajara e Jocy Guajajara
Terra Indígena Caru , 4 de março de 2022
Entrevista Número VIM_HV038
Revisado por Nataniel Torres
P – Queria que você começasse se apresentando, falando seu nome, a idade e o povo, o nome da sua terra.
R – Bom dia pra todos! Meu nome é Claudio Guajajara Alves, sou daqui da Terra Indígena Caru e meu povo é Guajajara.
P – [inaudível]
R – _______ (00:58) da organização nossa, que a gente trabalha, convive no dia a dia, o povo dos guardiões, que a gente, há mais de sete anos, vai fazer oito anos que a gente está nessa luta. _______ (01:13) dizer, pra mim, é um prazer muito grande estar nessa luta, com os guardiões, protegendo o que é nosso, o que deixaram pra nós, os mais velhos, nossos avós, pais e a gente vem dando continuidade ao trabalho que eles deixaram pra gente. Eu vejo que nunca nós abaixaremos a cabeça por essa luta, porque o território é nosso, se nós abaixarmos a cabeça, os karaiw tomam conta, nós vamos ficar sem nada. Nós, indígenas, sem a natureza, um pedacinho de terra que nós estamos tendo agora, não somos ninguém, porque de lá que a gente tira nossa sobrevivência do dia a dia, de alimentação, caça, de tudo que a gente... de peixe também. Tem as nossas brincadeiras, dos nossos filhos e das nossas filhas, sempre também da natureza que a gente tira, que é a brincadeira do moqueado, da menina moça, dos meninos, das criancinhas. Isso, pra mim, é o importante, esse trabalho que a gente vai fazendo, que a gente faz. Nós sabemos que é um risco pra nós, mas nós temos que correr esse risco, porque é nossa terra, nosso território que está pedindo ajuda pra nós porque, se não for, como eu acabei de dizer, não somos ninguém sem ela.
P – E o que te motivou a fazer esse trabalho?
R – É como eu acabei de dizer: a gente vive nos tempos antepassados, porque eu vi, não cheguei a ver meus avós lutando, mas meus pais lutando por esse território, me deixou eu vendo aquela situação deles lutando pra deixar pra nós e aquilo ficou, entrou na minha cabeça e também fiquei pensando: “Rapaz, um dia também vou continuar o trabalho do meu pai”. Hoje nós estamos dando continuidade nele. Ele já morreu, minha mãe também morreu, mas eu nunca deixei de lutar por isso. Desde pequeno, de uns 13 a 14 anos, que já comecei essa luta. E eu, pra mim, enquanto eu estiver vida, é essa luta, ensinando os meus filhos também, minha filha, que está pequena, mas daqui uns dias ela está grande, lutando, porque é o seu território. Nunca deixar os karaiw tomar conta disso.
P – Você vivenciou o tempo da demarcação desse território?
R – Cara, no começo, só no tempo dos meus pais, que chegaram a ajudar a demarcar, mas a limpar o limite, como já estava demarcado, eu cheguei a ajudar a limpar o limite, mas só que estava demarcado. Mas eu cheguei a ajudar a fazer a limpeza dos ramais do limite, marcar os quilômetros também, de quilômetro a quilômetro a gente botou um marco de pedra, carregamos peso de 15 quilos nas costas, ladeira descendo, mas nós conseguimos.
P – Queria que você falasse um pouquinho dos seus pais, como eles eram.
R - Sim. Meu pai era um karaiw, chegou novo, que já os mais velhos me contaram, que eu não cheguei mesmo, né? Mas ele chegou um cara novo pra esse lado aqui, essa terra indígena. Minha mãe também era daqui, mas ele se amigou com a minha mãe, já era novo. Então, ele lutou também, quando chegou, viu essa causa e chegou também e foi ajudar... como é que se diz?... combater, esse tipo de coisa. Mas sempre ele dizia: “Meu filho, eu estou ficando, sou velho agora, vou morrer, mas vai ficar de vocês, aqui vocês são donos, nasceram e se criaram aqui, vocês vão tomar conta”. Por isso que às vezes eu fico sentido, imaginando e dizendo aquilo que meu pai falou, eu nunca vou deixar de lutar por essa causa, que é o nosso território. Jamais vou deixar. Então, eu estou aqui pra contribuir com os parentes, o que precisar nós estamos aqui, pra contribuir com eles.
P – Você lembra quando você era criança, como era aquela época?
R – Quando eu era criança, sabe como é criança, sabe só mesmo de brincar, banhar no rio, essas coisas, mas quando eu era criança pra mim era bom porque, como eu acabei de dizer, criança não tem aquela imaginação de... era só banhar, chegava em casa, almoçava, dormia, ia banhar de novo, mas pra mim era bom. Quando eu era criança era muito bom demais, a gente brincava, mas agora que nós estamos mais já adultos, ficando mais velho, tem muita coisa pra gente fazer agora. Já mudou a diferença da criança pro adulto, né? É muita preocupação, grande demais.
P – Naquela época vocês tinham uma brincadeira que vocês mais gostavam?
R – Sim. Da minha parte, a brincadeira mais que eu gostava mesmo, agora eu não estou podendo mais, é de brincar de bola, a gente jogava muita bola com os meninos aí, que hoje é o cacique, a gente brincava muito, mas já hoje não dá mais tempo, tempo dá, mas às vezes eu não consigo jogar mais bola.
P – Conta aí uma história de um jogo que te marcou.
R - Um jogo que me marcou, uma brincadeira muito, foi o final de um campeonato ali em Auzilândia, a gente foi. Me marcou muito, porque às vezes a gente não tinha transporte, a gente ia de pé, saía de manhã, passava o dia, era um torneio, às vezes os caras lá já faziam o almoço, pra gente almoçar e ficava lá e a gente ia jogar naquele torneio, mas aí eu fiquei muito assim... porque o esforço, o cara ia daqui pra jogar, já hoje não, hoje tem transporte pra pôr as crianças e jogar, as vans, os _____ (07:54) Alto Alegre, não é mais no tempo nosso, que a gente saía de pé pra ir jogar bola, já mudou.
P – Você tem uma lembrança de quando a linha de ferro passou por aqui, no território? Uma lembrança forte, que te marcou.
R - Quando eu já entendi, já tinha acontecido a primeira linha de ferro. Não tenho lembrança de como foi, mas quando eu entendi, já tinha acontecido. Agora, nessa outra, a próxima, a segunda linha de ferro, a gente viu quando passou, se não me engano acho que foi 2022, agora, ____ (08:53), mas 2020 a gente está ainda pra emendar as linhas. Eu sei que essa eu consegui ver, mas essa primeira eu não consegui chegar a ver. Só quem viu foram meus pais, meu avós. Eu não sei como foi essa linha de ferro, a primeira.
P – Os seus avós te contaram a história como era antes, aqui?
R - Não. Eles não chegaram a contar as histórias como era antigamente aqui na aldeia, não. As vezes que ainda me contaram era os mais velhos daqui mesmo, como ‘seu’ Manoel, ‘seu’ Tonizinho, padrinho Pedro, as vezes meu pai também contava, mas os meus avós mesmo não chegaram a me contar isso.
P – E quais eram os relatos que eles falavam pra ti?
R - Sobre essa linha de trem as vezes ele me contava: “Meu filho, quando ia passar essa linha de trem sempre os karaiw falavam que ia passar um bicho aqui, muito grande, uma época aí, que ia ser muito grande, destruidor”. Aí, com o tempo diz que eles viram os karaí demarcando, já, uns demarcando, outros roçando, desmatando, vieram uns tratores, maquinários limpando, fazendo a estrada, mais atrás já vinham puxando as linhas de trem, botando aquelas pedras, aqueles dormentes, tudo. Isso que eles me falavam. A gente conversava com eles, então eles contavam isso pra gente.
P – Eles relataram também das doenças?
R – Sim. Relataram que eles vinham, traziam muitas doenças também: malária, esse tal de sezão, que antigamente tinha, mas agora já não tem mais. Várias doenças que eles vinham trazendo, os karaiw. Diziam também que muitos vieram morar aqui, perto da nossa aldeia, nosso território que ______ (10:52), disse que era muito funcionário desse pessoal, antigamente.
P – Você chegou a presenciar alguma dessas doenças na comunidade dos guajajaras?
R – Rapaz, nesse tempo ainda não cheguei a ver, mas ainda hoje tem esse negócio de tosse, febre, dor de cabeça e quem sabe se não é através dessas poluições do trem, da zuada também, que muitas crianças hoje dói a cabeça, ficam com febre, gripados. As vezes eu fico imaginando que é através disso também, porque se não fosse nós estávamos as crianças mais sadias, a população estava toda sadia. A gente vê na enfermaria ali, que é muita gente atrás de remédio pra criança e eu fico imaginando que é esse trem que está fazendo isso tudo.
P – Só voltando quando você era criança, naquela época da sua infância já tinha escola aqui na comunidade?
R – Sim. Já tinha escola. A gente estudava. Mas não é como hoje, hoje aqui na aldeia já tem até o terceiro ano.
P – Como era, antes disso?
R – Naquele tempo era mais... como se diz?... fraco. Só tinha a quarta, né? Por aí, assim. A gente saía fora: Auzilândia, ______ (12:28), pra fazer terceiro ano, quarto ano, quinto, até terminar os estudos, mas já hoje, aqui, melhorou muito, né? Porque os filhos da gente ficam aqui na aldeia, só saem pra rua pra fazer faculdade, só isso mesmo. Aqui, pra nós, hoje, está bom, através do colégio, mas antigamente não era assim.
P – Você chegou a estudar lá fora também?
R - Não, eu não cheguei a estudar, porque contando lá atrás meu foco, mais, naquele tempo, eu queria ser tipo vigiar a proteção da nossa terra indígena. Aquilo entrou na minha cabeça que ainda hoje não consegue sair, porque eu gosto de trabalhar mesmo na proteção territorial, porque é uma coisa que é de futuro muito grande, como eu falo pra você, sincero mesmo, eu fico muito sentido no negócio da proteção territorial, aí eu larguei meus estudos pra ficar com isso, combatendo esse negócio territorial, mas pra mim valeu a pena também, a natureza desse jeito valeu a pena.
P – Como começou a organização dos guardiões?
R - Rapaz, deixa eu falar bem assim: esse ano vai fazer oito anos. Começou assim, porque antes de começar os guardiões, já tinha, fazia fiscalização, sem ser esse negócio dos guardiões, na comunidade a gente ia, andava muito a pé, descarregava alimentação nas costas, depois surgiu uma... como se diz?... história. Diz que lá na Araribóia tinha um grupo de guardiões, se juntou aqui um grupo, de umas dez a 15 pessoas: “Agora vamos ver como é esse grupo de guardiões na Arariboia”. Aí a gente foi. Passamos uma semana pegando experiência lá, até o cacique, ‘seu’ Cláudio, a gente foi. Aí a gente viu lá como era o movimento do grupo de guardiões deles. “Vamos embora voltar pra aldeia”. Voltar pra aldeia. A gente chegou, se reuniu, a gente falou que ia criar um grupo de guardiões, mas só que ia ser pra isso também, pra proteger a natureza. Aí, quando a gente fez a reunião, muitas pessoas, parentes, perguntaram se a gente não queria participar desse grupo de guardiões, então poucos quiseram. A gente começou com 15 guardiões, na época, para dar continuidade. Correram atrás de um projeto, que nesse tempo não era nem as guerreiras que se chamava, que eram as conselheiras dos guardiões, correram atrás de um projeto, aquele projeto trouxeram para os guardiões, daí começou, aí a gente deu continuidade no projeto de 15 guardiões. Depois foram vários guardiões, que não eram guardiões: “Eu vou participar”. Daí começou. Hoje nós estamos com quarenta, quarenta e poucos guardiões. Pra mim aquele projeto foi uma alegria, que trouxe mais uma união pra nós, mais também experiência e mais a visão da comunidade, com nós todos aqui da aldeia, que vive. Porque se nós não botarmos, lutarmos mesmo o que é nosso, ninguém vai lutar. O governo não está nem aí pra nós, ainda mais esse agora, novo presidente aí, que não está nem aí pra causa indígena, quer destruir, pra mim foi muito importante isso que a gente fez e eu nunca me esqueço disso que a gente correu atrás. Não vou me esquecer, não porque, pra mim foi uma coisa muito boa.
P – Conte pra nós como foi a sua primeira missão.
R – Rapaz, a minha primeira missão, voltando atrás, de novo, uns 13, 14 anos, foi numa viagem que a gente foi no Caru II, que eles chamam ali, de lancha, por aqui, até num povoado que se chama Conceição do Caru, lá a gente largou a lancha, viajou, dois dias inteiros por dentro da mata, até chegar no Caru II. Por que nós fomos por lá? Porque não tinha transporte. Mas pra mim foi uma coisa também muito boa, que eu não conhecia meu território, mas aí de pouquinho fui conhecendo, hoje eu conheço os quatro cantos dela. Mas pra mim foi uma coisa boa, porque... foi boa e foi ruim, nós fomos, tudo nós fomos capazes, mas de volta a gente passou na aldeia dos guajás e eles falaram pra nós que ali mesmo a gente ia ficar tipo presos, porque nós teimamos, porque não era pra nós irmos, que passasse por ali, mas não voltava mais por ali, mas nós teimamos e voltamos e eles falaram pra nós: “Então, vocês estão presos”. Aí a gente passou um bocado de hora lá, mas também a gente não teve agressão nenhuma com eles, só mesmo lá, eles também conosco, não, graças a Deus, mas a gente foi, foi, foi conversando, conversando, até que ele: “Está bom, vocês estão liberados”. Então, isso também marcou essa ida. Foi marcante pra mim também.
P – Vocês usam a tecnologia?
R – Faz, a gente usa. A gente tem uns aparelhos que é com câmera, máquina fotográfica, drone, GPS, mais umas outras coisas aí, mas a gente usa, porque é importante pro nosso grupo de guardiões também, marcar os pontos onde a invasão está maior, pra gente correr atrás dos parceiros, pra poder ajudar a gente também. É muito importante isso que a gente tem no grupo de guardiões.
P – Teve alguma missão que vocês tiveram que usar esses materiais como prova de ameaças, coisas assim?
R – Rapaz, teve. Agora, proximamente, mesmo, que a gente teve uns negócios de uns gados aí que foi tomado, apreendido e de repente eles fizeram a gente devolver, aí como estava filmando, ficou tudo filmado, a gente teve prova, como comprovar que os caras estavam ameaçando a gente, se a gente não liberasse aqueles materiais deles, os gados, que eram de carregar madeira. Então, isso foi importante pra nós também, essa... como é que se diz?... filmagem. Comprovou que eles estavam tipo ameaçando a gente, aí a gente teve que liberar esses gados, pra não ter conflito com ninguém, porque a primeira coisa importante é essa: a gente não teve conflito com o cara, com o pessoal, karaiw.
P – Só voltando lá atrás de novo, quando você era adolescente já, você chegou a brincar a Festa do Moqueado?
R – Sim. A gente teve uma brincadeira, brincou, teve alguém, no tempo da Cleidimar, de algumas pessoas, acho que da Marcilene, por aí, a gente sempre brincou todo mundo junto. Teve cantoria, sim, a gente brincou, que até eu falo pros meus filhos também, que é pra eles brincarem, porque é da cultura deles, nossa, quer dizer, porque é muito importante a gente brincar essa brincadeira.
P – Durante esse tempo que você presenciou essas festas culturais que estão tendo aí, de antes até agora, qual foi a que mais te marcou?
R – Teve umas que me marcaram aí, porque tem umas que me marcam, que tem parente que querem que os filhos dele brincam e tem alguns alguém que não querem que brinquem, então isso, pra mim, é uma marcação muito grande, porque não está contribuindo conosco, porque se ele não deixar o filho dele brincar, que é... como se diz?... a nossa cultura aquilo. É muito triste ver o parente da gente não brincar, né? Mas me marcou muito também uma brincadeira aí de umas criancinhas, há tempo já, que a Ciça faz, porque vem muita gente da Januária brincar, eles brincaram naquele dia e tal. Aquilo, pra mim, foi importante, porque a brincadeira nossa é aquela, mas valeu a pena saber que a nossa cultura indígena também não está... como se diz? 100%, não, mas estamos 10%, 20%, por aí, mas na linha certa.
P – Você lembra como eram as festas de antigamente?
R – Rapaz, quando eu brinquei, no meu tempo, era alegre. Todo mundo, os mais velhos, os tamoios agora que poucos tem uns aí, poucos já se foram, mas era bom demais, a noite todinha, até o dia amanhecer. Começava sexta-feira, sábado e domingo e não faltava ninguém. Já hoje, não. Até, às vezes, quando eu presto atenção, de meia-noite em diante já vai todo mundo saindo, vão ficando só os tamoios mesmo, mas eu não sei o que acontece, que não era pra ser assim, era pra ser a noite todinha, até quando terminasse. Não sei por que está acontecendo isso, não era pra acontecer.
P – Você lembra da primeira caçada que você fez?
R – Sim, ainda lembro. A primeira caçada que eu fui era sozinho, mesmo, na primeira vez meu pai ainda era vivo. Há poucos dias estava até pensando nisso. Eu tinha morado com uma mulher ali, que hoje eu estou morando mais ela, minha esposa, me deu vontade de ir pro mato caçar e eu fui caçar sozinho. Esse dia tinha até um cachorro, eu fui, eu andei, uma cotia eu matei, a primeira caçada da minha vida foi essa, que eu tinha ido no mato mais os guardiões, fazer a fiscalização, mas caçar mesmo eu não tinha ido, foi a primeira vez, matei a cotia, viemos pra casa, de volta o cachorrinho achou um jabuti. Então, aquilo pra mim foi importante, porque dali tirei a alimentação pra mim e pra minha esposa. Pra mim foi importante também, que é a primeira vez que eu tinha ido. Depois, daí pra frente, quase todo dia queria ir, mas sempre ele dizia: “Não, a caça tem dono. Não mata muito bicho, não, que a caça tem dono. Todo sobrevivente tem seu dono, então aqui também”. Eu falei: “Espera aí, vamos devagar”. Ia, matava um, dois, que tem muita gente que quer matar muito e a gente mata só um, porque depende lá da família, mas está bom, parei mais, acalmei mais, de vez em quando a gente vai. É difícil, mas foi importante também a primeira vez.
P – Você falou que tinha matado a primeira caça. Queria saber qual foi a sensação de ter matado aquela primeira caça.
R – Rapaz, a sensação foi muito grande, porque a primeira caça que eu matei o dia da minha vida foi pra minha família, aquela sensação de alegria grande, porque _______ (25:03) eu comprei uma carne lá do outro lado, já tinha levado do mato. O dinheiro que eu ia comprar aquela carne, já ia comprar outra coisa. Pra mim a sensação foi grande demais, entende? De achar o jabuti também, importante, muito grande. Quando chegou, que a mulher pegou, cortou, cozinhamos, comemos, então foi um prazer grande, que nós enchemos nosso buchinho, foi muito grande.
P – Teve uma caçada que mais te marcou?
R – Rapaz, foi acho que uma moqueada, que a gente foi fazer, que ali também foi pro Caru II, se eu não me engano, não sei se era lá da filha do Pedro, foi muita gente, foi rápido, então aquilo ali pra mim foi uma alegria que foi muita gente e foi rápido, logo matamos as caças, era pra passarmos uns dez dias, passamos menos de dez dias, a gente retornou, pra mim foi uma alegria grande essa sensação ______ (26:05), teve aquele moqueado todo foi embora. Por isso quando eu falo assim: quando for na caçada, se for muita gente mesmo, porque mata uma caça mais rápido e vem embora mais rápido também. Então, a gente não pode passar muito dia. Então, é bom demais uma caçada.
P - Você já se deparou com algum encantado na selva?
R- Não, nessas caçadas, não. Agora, uma vez que eu estava sozinho no mato, eu escutei só assim tipo uma pessoa conversando no caminho, estava no mato, aí eu fui ver, sabe como é caçador, a gente fuma, eu tinha um fumo, mas não tinha isqueiro. Aquela pessoa ali talvez vai dar o isqueiro. Então eu fui pedir um isqueiro pra fumar, então eu fui caminhando, caminhando, quando chegou no caminho eu não vi ninguém, não vi rastro. Então, aquilo, pra mim, eu fiquei com medo e na hora eu não fiquei, porque eu disse: “Não, isso aí é coisa da mata, mesmo”. Sempre meu pai dizia: “No mato tem os seus encantados”. Aí aquilo entrou na minha cabeça, que não era pessoa. Então, é encantado. Que eu olhei no chão, não vi rastro de ninguém, nem mais conversando, nem nada, também não fiquei com medo, não, voltei pra casa, cheguei e contei pra mulher, a polícia, eles pensando que era uma pessoa e não era ninguém, no caminho não vi rastro, não vi nada. Aí não sei o que era, também. Mas de ver, assuntar, eu assuntei.
P – Você ainda entra na mata, com seus amigos?
R – Rapaz, desde quando eu comecei a andar no mato sempre eu não gostei de andar com muita gente, só andava de um ou dois, porque andar com muita gente é muita preocupação, porque um se espalha, o outro se espalha. Quando for pra vir, a gente fica naquela preocupação, não sabe se o parceiro da gente já veio, se ainda está no mato. Agora, a gente sozinho, não, sabe entrar e sabe sair. Mas eu nunca gostei de andar com muita gente, não. Só de dois, a uma pessoa.
P - Conta uma história de caçada que você teve com seus amigos.
R – Rapaz, teve uma vez que a gente foi no mato. Foi eu, o compadre Fernando, o Moreira, os irmãos do Moreira, lá da Piçarra, a gente fez uma varrida ali no mato, quando viu começar bicho a andar: paca, tatu, esse dia, se eu não me engano, a gente matou uns dez bichos, mas a gente já estava logo com medo, porque tem o dono da caça, eu fiquei com medo que a gente sabe das histórias do nosso parente, que já foi amarrado, acontecido isso, aí eu fiquei com medo, mas essa caçada lá, pra mim, também foi boa. Eu gostei demais, a gente matou, veio embora, trazendo os bichos, umas sete pacas, por aí, se não me engano, tatu, mas foi boa essa caçada, eu gostei, também foi marcante essa.
P – Você falou que ouviu uma história que um caçador foi amarrado. Podia falar um pouco dessa história pra gente?
R – Rapaz, essa história acho que é assim: eu não sei bem falar, não, mas que eles me contaram que é um pássaro que passou aqui na hora _____ (29:46) gosta de cantar, aquele de camisa azul. Diz que o cara que era o caçador lá matou não sei quantos mateiros, atirou em rã, não sei como é que foi lá, aí o dono da caçada acho que não gostou, pegou o cara, amarrou, aí os caras foram atrás, acharam o cara lá e ele cortou o cipó, atirou num cara, que era o dono da mata. Ele mesmo que sabe contar a história, mas a gente só vê esses boatos, que ele fica comentando, mas ele mesmo que sabe. Eu só sei o que eles contaram, disse que foi verdade, ele que sabe lá, ouvi dizer que foi verdade, mesmo.
P – Que o caçador estava amarrado?
R – O caçador estava amarrado.
P – Queria que você falasse qual a sua experiência com as plantas medicinais.
R – Rapaz, as experiências, às vezes, tenho pouca experiência, mas hoje em dia agora é só negócio de medicina, remédio de karaí, não tem mais natural mesmo, que antigamente tinha, os mais velhos faziam. Aquelas experiências que eles deixaram pra nós são poucas. O que eu mesmo sei é pouco, só sei mesmo de algumas, que é caniço que a gente tira a casca, pra dor de barriga. Tem mais outras aí que a gente tira casca de jatobá, pra alguma inflamação, copaíba, essas outras coisas. Também era até importante pra nós, que essa medicina natural nossa mesmo é bom, porque é melhor do que essa dos karaí, porque nós aqui na mata temos muita medicina. Nós não vamos comprar, chega lá, pega. A do karaiw, não, a gente tem que comprar, mas é importante pra nós também, hoje em dia.
P – Qual foi a doença mais difícil que você já curou com as plantas?
R – Pra mim mesmo não sei bem dizer, não, mas porque eu já prestei atenção e tiro de mim mesmo, às vezes, quando a gente vai no mato, quando está com uma diarreia, a gente vai lá tirar aquela caniço ____ (32:19), a gente bota na água e toma, aí melhora, quando tiver no mato e chegar até na aldeia, pra tomar outros remédios, mas ali, primeiro, no mato a gente faz isso. Pra mim.
P – Voltando lá atrás, de novo, lá, na conversa, na história, queria que você falasse um pouco de como você conheceu sua esposa na adolescência.
R – Rapaz, a conheci - ela mesmo não é daqui, é da Januária, em outra aldeia, ali embaixo – aqui mesmo, na Aldeia Maçaranduba. Eles moravam aqui e eu a conheci aqui, que ela era uma estudante também, estudávamos lá, aí a gente começou a conversar, a gente ficou se gostando, se gostando, até quando a gente chegou um dia da gente ficar junto e até hoje nós estamos, vai fazer acho que uns vinte anos, já, que a gente já está. Aí a gente até no final da vida da gente, até quando Deus quiser.
P – Poderia falar pra mim a história qual era a relação entre você e seu pai?
R – Rapaz, a relação entre eu e meu pai era uma coisa boa, porque tudo que hoje eu sei, ele me ensinou. Por exemplo: trabalhar na roça, essas coisas, foi tudo ele que me ensinou. Ele sempre dizia pra mim: “Meu filho, nunca mexa nas coisas alheias, na hora que você ver as coisas alheias, deixa lá, porque lá tem dono, então você pega, deixa na sua casa, se o dono aparecer devolve, porque não é seu, é dele, devolve. Sempre, também, quando você tiver seu filho, fale pra ele não mexer nas coisas alheias, porque tem dono. É melhor pedir, do que roubar. Roubar é muito feio. Se você está precisando de alguma coisa, peça, que vai ter alguém que vai ter um coração ‘mole’ e vai arranjar, mas não faça isso, pegar as coisas alheias. Eu não concordo com isso”. Ele sempre dizia pra mim: “Eu não concordo, eu quero que você nunca faça isso”. Aquilo entrou na minha cabeça e hoje nunca mexi com as coisas alheias e nem tenho vontade de mexer nas coisas de ninguém, porque é feio mexer nas coisas alheias. É uma coisa que ele me deixou e nunca vai sair da minha mente.
P – Você falou um pouco da relação com seu pai. Você poderia falar um pouco da relação que você tinha com a sua mãe?
R – Minha mãe, pra mim, foi uma guerreira boa também, não tenho nada de dizer dela, foi uma mulher que sempre também batalhou muito pra criar nós. No momento que meu pai não estava, estava pra roça, ela ia se virar, ia pescar, fazer alguma coisa pra nós. Às vezes eu ficava até com pena dela. Nesse tempo não tinha forno, então a farinha, naquelas panelas, pra dar. Assim, pra nós não pedirmos, não ficar nas casas alheias, sempre ela fez isso. Eu sempre, também, quando ela esteve doente, eu nunca a larguei. Eu sempre fiquei no pé dela, até a última hora antes dela morrer, eu estava no pé dela, porque eu vi o esforço dela, que ela fez pra criar nós, então pra eu deixá-la na hora que ela precisava, eu nunca deixei, até no dia que ela chegou a falecer. Eu gostei muito dela também, foi uma mulher que me marcou muito, uma guerreira. Pra mim, assim, uma guerreira grande.
P – Agora eu queria que você contasse um pouco da sua história quando você estava no hospital.
R – Rapaz, essa história que eu estava no hospital foi triste, porque a gente, como eu sempre disse: foi uma bactéria ______ (36:56), pode dar o que der, mas nunca eu saio do grupo de fiscalização, porque pra mim é uma coisa muito boa. Essa coisa que eu tive, eu peguei essa doença foi no mato, eu dei uma aulas e peguei uma bactéria muito forte, quase que eu morro e sempre a galera aqui da aldeia comigo, mas aí Deus estava comigo todo esse tempo, não deixou acontecer. Pra mim, assim, foi uma experiência que teve, também, que eu passei quase cinco anos sem andar no meio dos caras, as vistas minhas ficavam muito pensativas. Nossa vista que a gente gosta mais, é mais que a gente adoece. Mas aí eu passei três meses ____ (37:51) me recuperando, fazendo exame, mas depois eu descobri que era umas bactérias que eu tinha pegado dentro da mata. Agora não sabe do que foi, se foi de carne, se foi de água, mas aí disse que era uma bactéria que eu tinha. Aí me passaram um remédio tão forte, as vezes, quando eu comecei a tomá-lo, me deu uma febre de quarenta graus, estive quase pra morrer, mas Deus estava junto comigo e não deixou eu morrer. Mas aí eu me recuperei de novo, estou de novo aqui na luta, com os guardiões, porque o trabalho que eu mais gosto é esse, de proteger o nosso território. Mas foi triste pra mim, foi sofrido, sofri muito. Eu agradeço muito à minha esposa, que não me deixou em momento nenhum nesses três meses lá em Teresina, ela também junto. Às vezes ainda ela fala pra mim: “Rapaz, você é muito teimoso, não sei o quê”, mas é porque é o serviço que a gente gosta, a gente não vai deixar de fazer, não, porque a gente ama. Eu mesmo amo de coração aberto vestir essas camisas, andar por aí, protegendo o que é nosso. Eu gosto, eu falo pra ela: “Não, eu não vou largar esse negócio, não, porque eu gosto demais”. Mas ela fala, mas eu posso dizer: “Se não fosse por ela, também”. Está muito me apoiando, meu sogro, minha sogra, meu pai, nesse tempo minha mãe tinha falecido. Algumas pessoas da comunidade me apoiando também. Meu cunhado, minha irmã, agradeço muito eles também. O cacique também, o Cacique Pistola, foi um dia me apoiar, mas hoje estamos na luta de novo, estamos juntos, não é só porque aconteceu aquilo que eu não vou largar, dizer: “Não vou mais, não”. Não, jamais. Estamos na luta.
P – Tem alguma história que tu não contou pra nós, que gostaria de contar?
R – Rapaz, até agora, todas que eu sei eu estou contando, não tem história mais que eu não sei que eu ainda não contei, não, mas só essas, mesmo, que eu sei.
P – Voltando lá atrás, de novo, na questão da escola, você lembra as dificuldades que tinha, na época? Você falou que o pessoal estudava até quarta série, estudava lá fora. Queria que você falasse um pouco quais foram as dificuldades naquela época, de estudar lá fora.
R – Qual foi? Porque não tinha os professores suficientes pra fazer aquela série, então muitos saíam pra estudar em Auzilândia, até alguns que foram como a Rosilene, a Marcilene, tinha muito assim... como se chama? Nesse tempo não tinha estrada boa, enfrentava muito lama... como é que se diz? Água nos igarapés. Estrada ruim. Às vezes ia de pé, não tinha transporte. Então, isso, pra mim, foi uma coisa muito complicada pra eles, que ainda deram continuidade aos estudos deles. O povo hoje também já está, alguns, formados. A Rosilene, a Marcilene também sabe, mas pra hoje nós estamos de parabéns, porque antigamente não tinha isso na nossa aldeia, mas agora sim, já tem. Então, até o terceiro ano é muito bom demais estudar na aldeia, muita gente estudando, é bom mesmo.
P – Vendo as dificuldades daquele tempo pra agora, teve alguma mudança em relação às dificuldades? Teve alguma conquista que vocês conseguiram em relação à educação, escola na comunidade?
R – Lá atrás, antigamente, não tinha o que hoje a gente tem: uma diretora, um colégio mesmo já... como se diz? Vários professores que tem ali, segundo ano, terceiro ano, quarto ano, até o ensino médio. Antigamente não tinha, mas hoje tem. Pra mim melhorou bastante, muito mesmo, porque nossos filhos não têm mais aquela preocupação de ficar... muitas vezes ia, saía sete horas, chegava onze horas. Já hoje não, os filhos da gente ficam aqui, até estuda o dia todinho, não tem mais aquela preocupação de chegar de noite, ficar esperando na beira do rio. Hoje não tem mais. Pra nós hoje está bom, através do colégio. Só que os filhos da gente, a gente mesmo tem que bater naquela tecla e dizer: “Rapaz, embora pro colégio, que mais tarde vai servir pra tu, pra nós, os parentes também”, mas nós estamos aí, pra botar nossos filhos pra estudar mesmo, né?
P – Você lembra qual era a escola? Fala um pouco como era.
R – Rapaz, antigamente a escola era fraquinha, só tinha duas salas. Agora, hoje em dia, não. Se eu não me engano tem umas duas, três ou quatro salas, já. Também é importante. Naquele tempo também era pouca criança, agora não, já está... como se diz? Aumentou mais criança, muito. Então, cada ano que passa vai aumentando também. Pra mim essa foi uma gratidão muito grande, que a gente tem, pros filhos da gente estudar. E eu digo que cada vez mais, cada hora que passa, o colégio também tende a aumentar mais, que tem pouca sala pras crianças. Pra mim é muito importante. Hoje nós estamos de parabéns mesmo, que antigamente não tinha isso daí. Como eu acabei de dizer: nós temos que botar nossos filhos aprender mesmo a estudar.
P – Em relação a proteção territorial, que nem você falou que não passou pela primeira demarcação, mas participou aqui do aumento da ________ (45:21). E quando vocês foram fazer o aumento da _______ (45:25), vocês sofreram algum risco?
R – Sim. A gente sofreu muito, porque naquela época tinha alguns karaíw ainda morando dentro do nosso território, fazendeiro ainda, que deram uma dor de cabeça grande pra gente, mas a gente conseguiu fazer a delimitação do limite. Quem fazia era o Gilberto, finado Gilberto, que agora morreu. Tinha muito gado, então uma dor de cabeça muito grande, porque cacique velho esse tempo aí, que era o ‘seu’ Manoel foi até na Justiça com ele, a gente ganhou a questão, porque estava dentro do nosso território. Eles sempre diziam pra nós que não era, não estava dentro do território indígena, mas sempre nós dizíamos assim: “Está, sim”, que a gente tinha o mapa, a gente conhecia. Aí sempre o ‘seu’ Manoel dizia: “Não, mas está no nosso território”. Eu sei que foi _______ (46:28) na Justiça, na Polícia Federal, eles querendo ganhar a questão dele e nós também fomos. Na hora que ele olhou, que ele perdeu a questão, nós ganhamos, teve que dividir o gado que estava bem no meio conosco, aí nos embolamos ainda, a Justiça fez ele dividir, aí o nosso nós trouxemos pra aldeia e o dele que ele ficou se retirou ainda, mas nós sofremos, mas nós conseguimos e hoje nós cumprimos aquela nossa tarefa, que era pra fazer, da delimitação do limite, botar os marcos, nós conseguimos, com luta, mas nós conseguimos.
P – Teve conflito quando foi pra tirar os posseiros do território?
R – Rapaz, às vezes... teve um que se chamava _____ (47:14) Gameleira, nós fomos pra lá numa galera boa, com a Polícia Federal, às vezes a Polícia Federal estava pensando que a gente estava mentindo pra eles, disseram: “Não tem nada disso, não tem nada daquilo, posseiro, não tem nada”, aí veio o cacique e disse: “Tem, sim” “Onde? Então, vamos embora”. Foram de manhã, eles saíram, que estavam nesse povoado da Gameleira, quando chegou lá tinha muitos posseiros, estavam tudo de motoca. Teve um policial da Polícia Federal que levou um pegou um tiro no olho dele, só pra ele ver, por isso que não presta a gente ficar debochando dos outros. Só que nós não fomos, só fomos dois ou três pra lá e os outros ficaram, que era muito perigoso, aí a gente ficou, de repente nós estávamos lá a gente viu um helicóptero passar, voar por cima de nós, ali a gente já sabia que tinha sido alguma coisa que tinha dado lá onde o pessoal foi com a polícia. Aí, de repente, de tarde eles chegaram e foram logo contando: “Rapaz, lá teve tiroteio, teve um parente que pegou um tiro assim, mas foi devagar, não chegou...”. Aí ele foi contando: “Um policial pegou um tiro no olho, foi de helicóptero, mas aí eles tomaram as coisas lá, tocaram fogo nas casas. A polícia mesmo tocou, polícia federal. Mas nós estamos aqui, não aconteceu nada conosco, _____ (48:48) mesmo lá, nós estávamos dentro do carro”. Aí falou pra nós: “A polícia não estava acreditando em nós, pensaram que nós estávamos mentindo, mas nós não somos caras de mentir, não. Quando nós falamos uma coisa é porque nós temos certeza que está acontecendo”. Quando ele chegou foi também falando tudo. No outro dia viemos embora, mas aí é aquela causa, que nunca eles deixaram de apoiar a gente, na hora que a gente precisa deles, eles estão apoiando a gente, a polícia. Teve essa aliança com eles, questão de alguma coisa a gente informa pra eles, se eles puderem ajudar, vêm ajudar a gente. Mais essa questão, teve esse conflito com eles, sim, lá.
P2 – Teve alguma história de pesca, de rio, de barco, alguma coisa que aconteceu que marcou também nesses caminhos de rio?
R – Só uma coisa que me marcou que, às vezes, todos os anos que tem e que me marca, que é uma _______ (49:57) que se chama... desse tamanho, assim, uma branquinha, que todos anos acontece, se eu não me engano no mês de junho, julho, por aí, dá muito peixe. Então, aqui pega muito peixe. Chama as branquinhas. Às vezes, quando pega muito, tem parceiro, parente que distribui pra alguns que estão na beira do rio, então aquilo é marcante. Antigamente era isso, guajá do mesmo jeito é isso também, porque quando guajá vai pro mato, ele não vai só caçar pra ele. Quando mata muita caça, chega na aldeia, eles partem. Aí aquilo também, pra mim, é tipo uma ‘marcância’, quando vê um parente pegando muito peixe e fica distribuindo pros que estão lá na beira, com as suas vasilhinhas, então aquilo pra mim é marcante, todos os anos.
P – Vendo essa vivência que você passou do passado, até agora, você poderia falar um pouco qual é o seu maior sonho?
R – O sonho mesmo que a gente tem é de nunca deixar, da minha parte, essa natureza se acabar, entende? Pra mim esse é meu sonho, de nós podermos mesmo ficar firme e forte e bater mesmo contra os karaí, os invasores, que quando é nosso território, jamais deixar tomar conta o que é nosso, que isso lá atrás eu falei: isso foi o que nossos avós, pais, deixaram pra nós e se nós deixarmos acontecer isso, nós não estamos valorizando as pessoas que já se foram: nossos avós, pais. Então, esse é meu sonho. Um dia, nunca vou deixar acontecer isso: deixar os invasores tomarem o que é nosso.
P – Desde já a gente agradece aí a sua atenção pela história que você falou pra gente e é isso. Você vai falar um pouco?
P/2 – Eu só tenho a agradecer agora, por esse momento, fazer esse registro até porque não vai ficar só pra nós, mas pros filhos, netos, bisnetos, mais lá na frente e é isso. Fico até um pouco emocionado por fazer parte dessa luta. É isso.
P – Queria só saber o que você achou de falar essa história pra nós.
R – Pra mim, agradecer vocês, porque pra mim é importante tirar um pouco de dentro de mim o que eu sinto, não ficar só comigo também, deixar guardado, de lembrança, algumas vezes fazer reunião com nossos filhos, netos, como ele falou aí, acabou de falar. Pra mim foi importante isso, que um dia também eu sei que eu vou chegar a falecer, mas alguma coisa vai ficar de lembrança pros meus filhos, pros nossos netos. Então, vai ficar: “Meu pai chegou a falecer, mas ele lutou, batalhou por essa terra e nunca nós vamos deixar acontecer isso”. E pra mim é importante, também, muito. Muito, mesmo.
P – A gente agradece.
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