P - Bom, Johnson primeiro a gente queria agradecer por você vir aqui dar a sua entrevista, conversar um pouco com a gente. Bom, primeiro fale, por favor, o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Sou Manoel Johnson Sales, nasci em Itapajé no Ceará em 1975.
P - Ok, antes de entrar na sua vida mesmo, você poderia contar um pouco das suas origens: seus pais, o nome deles, o que eles faziam?
R - Sim, claro. A minha mãe o nome é Raimunda de Sales Souza, né, minha mãe é funcionária pública da Educação, foi professora, lecionava, passou a trabalhar na Saúde como ACD na odontologia e atualmente ela desempenha um cargo de direção numa unidade de saúde em Fortaleza. E meu pai era um agricultor, né, chamado Manuel Rodrigues de Souza que faleceu muito jovem, meu pai faleceu com pouco mais de 30 anos lá em Itapajé ainda.
P - O que mais lhe marcou na educação familiar, você tinha irmãos, como que eram os exemplos, o dia-a-dia, o que mais lhe marcou?
R - Acho que o exemplo mais forte, que tem pra mim e pra minha família, é o da minha mãe, né? Minha mãe que perdeu o meu pai logo cedo, ainda com a gente tudo muito jovem: ela dedicou-se, né, a criação da gente, a orientação, a educação, criou os cinco filhos. E eu acho que o grande exemplo dela, o exemplo de luta, de trabalhar de estudar, de, por exemplo, concluir o ensino médio com a gente já grande, acho que a trajetória da minha mãe é uma trajetória de conduzir uma família democraticamente, discutindo, ensinando, conversando, né, dando a liberdade pra gente encontrar os caminhos na vida, apoiando esses caminhos que eu acho que é o mais interessante. Acho que assim o grande exemplo de vida na família é o dela, né? Acho que ela foi muito importante nesse processo todo.
P - Você podia contar um pouquinho mais de como era a sua infância, do que vocês brincavam? Dá uma explanada.
R - Minha infância foi muito boa, né, porque diferente de muita...
Continuar leituraP - Bom, Johnson primeiro a gente queria agradecer por você vir aqui dar a sua entrevista, conversar um pouco com a gente. Bom, primeiro fale, por favor, o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Sou Manoel Johnson Sales, nasci em Itapajé no Ceará em 1975.
P - Ok, antes de entrar na sua vida mesmo, você poderia contar um pouco das suas origens: seus pais, o nome deles, o que eles faziam?
R - Sim, claro. A minha mãe o nome é Raimunda de Sales Souza, né, minha mãe é funcionária pública da Educação, foi professora, lecionava, passou a trabalhar na Saúde como ACD na odontologia e atualmente ela desempenha um cargo de direção numa unidade de saúde em Fortaleza. E meu pai era um agricultor, né, chamado Manuel Rodrigues de Souza que faleceu muito jovem, meu pai faleceu com pouco mais de 30 anos lá em Itapajé ainda.
P - O que mais lhe marcou na educação familiar, você tinha irmãos, como que eram os exemplos, o dia-a-dia, o que mais lhe marcou?
R - Acho que o exemplo mais forte, que tem pra mim e pra minha família, é o da minha mãe, né? Minha mãe que perdeu o meu pai logo cedo, ainda com a gente tudo muito jovem: ela dedicou-se, né, a criação da gente, a orientação, a educação, criou os cinco filhos. E eu acho que o grande exemplo dela, o exemplo de luta, de trabalhar de estudar, de, por exemplo, concluir o ensino médio com a gente já grande, acho que a trajetória da minha mãe é uma trajetória de conduzir uma família democraticamente, discutindo, ensinando, conversando, né, dando a liberdade pra gente encontrar os caminhos na vida, apoiando esses caminhos que eu acho que é o mais interessante. Acho que assim o grande exemplo de vida na família é o dela, né? Acho que ela foi muito importante nesse processo todo.
P - Você podia contar um pouquinho mais de como era a sua infância, do que vocês brincavam? Dá uma explanada.
R - Minha infância foi muito boa, né, porque diferente de muita gente hoje em dia, minha infância foi no interior, então, é o contato com a natureza, é a coisa de estudar na sede do município e no final de semana poder subir a serra e ir para o sítio ver a natureza, é das brincadeiras de peão, de bila – pra nós lá é bila bola de gude, a raia, que aqui pra vocês acho que é pipa – então é o momento de viver a escola, de viver os amigos e viver numa cidade menor aonde todo mundo se conhece aonde as pessoas ainda se cumprimentam na rua, aonde você tem uma vida ainda com uma certa qualidade de vida. Então a minha infância foi muito boa porque eu tive essa oportunidade, né, oportunidade de viver um pouco a natureza e viver amigos, todo o processo que tem hoje nas grandes cidades a gente não vê mais, não tem. Então, foi no interior lá do Ceará e foi muito legal até porque foi na Serra do Ceará que é mais legal ainda porque todo mundo pensa no Ceará ou como praia, ou como uma grande seca, né, no agreste o Ceará é litoral, serra e sertão, e eu venho da parte menos conhecida que é a serra, então foi legal também por isso; vivi num ambiente de clima muito agradável e no meio da natureza.
P - Ok, e dando um pulo assim, qual foi o seu primeiro contato com o esporte?
R - Eh, quando eu era criança, né, a gente que mora no interior tem uma relação muito forte principalmente com o esporte porque não tem muita alternativa no interior, ainda mais no interior do Ceará – um estado pobre, um estado com menos de 3% do PIB do Brasil – então a gente inventa de tudo lá, de futebol a vôlei, enfim tudo improvisado e a gente têm que ter alguma atividade, a gente tem até que criar para ter essa atividade. Mas a minha relação mais forte com o esporte em si se deu na época de escola, que evidentemente nos jogos de futebol e tudo que eu era goleiro e depois eu volto a conviver com o esporte com os esportes de rua. Agora, já depois que a gente cria o Movimento Hip Hop Organizado do Ceará, nós temos uma interpretação do break dance, a dança de rua, como também uma atividade esportiva, a gente compreende a dança de rua como uma cultura e esporte, a gente compreende como uma capoeira – porque tem a parte competição da dança de rua – então a gente começou a investir muito nisso, trabalhar o Circuito Cearense de Dança de Rua, hoje a gente trabalha o Circuito Nacional incentivando as competições de dança de rua e pra quem já viu tem uma força muito grande visual, as competições de coreografia, o Free Style no Break Dance, e a gente trabalha isso há muito tempo no Hip Hop, e também passou a diversificar esse trabalho como mais dois esportes de rua: o Basquete de Rua e o Futebol de Rua. Porque pra nós lá no Ceará é o futebol de travinha, aquelas travinhas pequenas que em alguns casos dois chinelos enterrados na areia, ou dois tijolos um em cima do outro fazem as balizas, fazem as traves, né, até porque é uma tradição nas ruas do Ceará, do Brasil todo, é uma tradição improvisar esses campinhos de futebol em qualquer lugar. E a gente acabou aliando essa coisa do futebol de rua com o combate ao crack, ao avanço do crack no país, a gente criou uma tecnologia chamada Craques versus Crack: então a gente faz competições nas comunidades com o futebol de rua, o basquete de rua e dança de rua e isso aliado às rodas de conversa sobre o que que é o crack, como tá o crack no Brasil, o que fazer pra prevenir e tal, e essa tecnologia chamada Craques versus Crack ela é assim a relação mais forte nossa hoje do movimento, não só minha – minha também – do movimento com o mundo dos esportes e, além disso, a gente também trabalha a cadeia produtiva do esporte, ou seja, a gente trabalha a geração de emprego e renda e empreendedorismo com o esporte. Nós criamos uma produtora de eventos esportivos pra fazer essa cadeia e tanto o Circuito Cearense de Dança de Rua quanto os Craques versus Crack são dois projetos organizados pela MH2O mais que são produzidos pela produtora de eventos esportivos. Então a minha relação com o esporte ela se dá muito mais na clareza de que o esporte é um instrumento de mobilização comunitária e de que o esporte quando encarado como vetor de desenvolvimento social ele pode promover fortes transformações, então a minha relação com ele, com o esporte está lincada à força e a efetividade do esporte enquanto elemento de mudança social.
P - Você poderia nos descrever uma ação que teve resultado, algum contexto, você poderia descrever pra gente?
R - Sim, nós realizamos só na Campanha Craques versus Crack... nós temos coisas de 185 torneios realizados em incentivo ao esporte em comunidades e nessa trajetória tanto do Craques versus Crack quanto do Circuito Cearense de Break, a gente consegue manter uma equipe de jovens profissionalizada promovendo esportes, você tem desde o árbitro que facilita – na verdade é um facilitador, que facilita os esportes de rua – até a equipe que trabalha na produtora, não é, e os profissionais, os atletas que disputam e que também são remunerados pra isso, concorrem a prêmios, então a gente tem conseguido perenizar um evento esportivo, dois eventos que é (Ceará contra...?) o Craques versus Crack e o Circuito Cearense de Dança de Rua, a gente tem conseguido perenizar isso o ano todo, então a gente tem conseguido manter uma galera remunerada e participando, se profissionalizando nessas coisa isso é o resultado efetivo. O outro, com a Campanha Craques versus Crack nós já visitamos mais de 50 comunidades, mobilizando essas comunidades, então você tem aí coisa de 25 mil, seguramente, 25 mil jovens mobilizados no estado, refletindo sobre uma das maiores e piores epidemias que a juventude já enfrentou, e o Brasil já enfrentou, que é a epidemia do crack no país, então são resultados efetivos.
P - Você poderia nos contar uma vez, por exemplo, que você foi num lugar, descrever como é que foi a cena de chegar e propor um trabalho, os jovens desconfiados, como que é?
R - Olha, a gente tem dezenas, centenas até de experiências dessas visitas...
P - Conte uma pra gente.
R - E desses trabalhos. A gente geralmente não enfrenta a desconfiança dos jovens em si por conta da ação ser feita no âmbito do Movimento Hip Hop. E o Movimento Hip Hop funciona como um embaixador pra nós, ele dá pra nós um salvo conduto nas comunidades e, inclusive, diante do jovem. Eu tenho inúmeras experiências, mas uma assim marcante, uma legal assim, eu falaria de uma aqui de São Paulo. Eu estive aqui em São Paulo alguns meses atrás, e como nós estamos desenhando uma política pública para o estado do Ceará em parceria com o Governador do Estado contra o crack e nós estamos conduzindo essa Campanha Craques versus Crack que é uma campanha nossa, do MH2O, eu vim fazer um laboratório na Cracolândia, né? Então, eu tava num evento da REMS, a gente tava ali em Pinheiros – num hotel em Pinheiros – e eu fui passar uma noite na Cracolândia. E apesar de lidar com a temática há muito tempo essa foi uma das coisas que mais me sensibilizou: que é você ver 200, 300 jovens na rua, nas diversas ruas ali que se circundam a Estação da Luz e você conversar com as pessoas na madrugada, e você vê que são jovens, e você vê que tem uma menina de vinte e poucos anos, né, formada em Direito e que tá lá no meio dos meninos na mesma condição, você vê que é uma geração inteira que está fadada àquilo ali, está fadada a morrer naquilo. Hoje o país não tem políticas públicas capazes de resgatar essa geração. Essa geração do crack, infelizmente, hoje, a nosso ver, ela é uma geração perdida, é uma geração que o Estado e que a sociedade abandonou, porque mesmo que o Governo acordasse agora, e nós, sociedade civil por mais que nós nos esforcemos, nós não temos como dar conta disso, isso é grande demais pra nós, isso é uma epidemia, isso impacta sobre o Serviço de Saúde Pública, isso impacta sobre a Segurança Pública, isso impacta sobre a Rede Social do Estado, isso é uma epidemia que tá fora de controle, se expande muito rápido, então isso, tem todas as características de uma epidemia. E nós, sociedade civil, sozinhos não temos como dar conta, nós precisamos da escala do Estado para poder aprender. E mesmo que o Estado acordasse hoje – o Governo Federal, Estadual, Municipal – e pensasse uma ação efetiva, né, pra isso, não daria mais pra salvar boa parte dessa geração, não tem mais como. Esse povo precisa de desintoxicação, de reinserção social, é necessário refazer o tecido social das comunidades de onde essas pessoas vêm é política pública pra dois três governos. Então, isso me chocou muito porque eu tive muita clareza, naquela noite na Estação da Luz, de que essas pessoas estão por conta própria, essas pessoas estão fragilizadas e estão por conta própria. Então foi assim um dos momentos que mais me sensibilizou nessa trajetória contra o crack, né?
P - Mas você foi com uma equipe, foi sozinho? Foi de carro?
R - Não, eu fui sozinho, eu peguei o ônibus era madrugada...
P - Você não ficou preocupado com segurança? Você pegou o ônibus de madrugada?
R - Não, porque a minha trajetória é muito... Eu sou de comunidades periféricas, eu me mudei do interior do Ceará e mudei para a periferia de Fortaleza, eu tô no Movimento Hip Hop há 20 anos, então a minha trajetória é na favela com a galera e a gente conhece muito bem o pessoal do crack, evidente, há riscos sempre, sempre, porque a droga é uma coisa que tá pra além da vontade, da percepção e da racionalidade da vítima, né, do usuário, há sempre riscos. Mas tem uma frase muito interessante de um cara que o mundo conhece como guerrilheiro e tal, e o era, mas é uma da figuras humanas mais fantásticas da história da humanidade que é o Ernesto Guevara, é um argentino, Che Guevara, o Che tem uma frase muito forte que ele diz: “Muitos me chamaram de aventureiro e o sou, mas sou um tipo de aventureiro diferente: aquele que entrega a própria pele para provar as suas verdades”. Então, eu acho que no trabalho social, no que a gente faz, eu acho que às vezes a gente tem que entregar a própria pele, ou pelo menos disponibilizá-la, porque essa coisa de ir in locu de visitar, de ir onde às pessoas estão, né, ir como um deles e não ir com um aparato de segurança, ou ir num momento que é tranquilo, eu acho que você tem que ir no momento que você se entregue mais pro processo, que as pessoas que estão ali entendam que você tá ali de igual pra igual, ou pelo menos, o mais parecido possível. Então fui lá, fui de madrugada conversar com o pessoal, conversei com muitos deles e tomei um ônibus, lá é o fim da linha do ônibus, dessa linha que eu peguei, fui era muito tarde, a primeira abordagem que eu tive lá foi da polícia, que eu cheguei e o policial me abordou ele disse: “Você sabe aonde você está?” eu disse: “Sei, estou na Estação da Luz.” ele disse: “Não, você está na Cracolândia” eu disse: “Ah, tá eu sei”, ele disse: “Não, porque aqui é muito perigoso. Isso aqui é muito perigoso e tal”, eu disse: Não, eu tô ciente”, daí ele disse; “Você quer que eu vá com você em algum lugar? O que é que você está procurando?”eu disse: “Não, eu tô procurando um hotel, um lugar pra dormir”, então ele disse: “Você quer que lhe acompanhe até lá nos hotéis?”eu disse: “Não, tranquilo. “Não precisa.” Aí fui olhei alguns ambientes e foi interessante porque eu pedi um quarto lá pra guardar minha mochila, porque eu ia ficar na rua conversando com o pessoal, aí eu pedi o quarto – desses bem popular, 30 reais a diária pra você ter uma idéia – aí fui lá pedi para guardar a mochila, aí quando entro e guardo a mochila, fecho a porta e guardo a mochila, o tempo que eu entro --uns três minutos cinco minutos -- o rapaz que me recebeu ele bate na porta e diz: “O senhor vai querer mulher?” aí eu disse: “Não, não vou querer mulher não. Muito Obrigado” ele vai saindo eu disse:” Me diga uma coisa, mas se eu quisesse quanto seria?” ele disse: “cinco reais”, então pra mim ficou claro que essa mulher era a garota viciada. Então isso, são coisas que pra mim foram muito importantes na montagem dessas ações todas que nós estamos fazendo porque, por exemplo, essa coisa tão perversa que em Minas Gerais, Belo Horizonte, na região de Minas já foram apreendidas pedras de crack na cor e no aroma do chocolate e do tutti-frutti, ou seja, uma estratégia de marketing voltada para as crianças e para os jovens. Então, perceber as nuances dessa coisa toda é muito importante pra mim enquanto profissional e enquanto ser humano, como empreendedor social, pra gente se preparar melhor pra viver tudo isso, então a minha passagem pela Cracolândia ela foi extremamente importante pra eu tentar entender a urgência de ações e de que nós do movimento social temos que levantar mais a voz e sermos mais firmes do ponto de vista da cobrança de uma política pública, de uma intervenção do Estado mais rápida possível e de que continuar com muitos esforços mesmo sabendo que é uma coisa que só vamos resolver todo mundo junto. Então essa foi uma das coisas que mais me marcou aqui em São Paulo, foi essa passagem pela Cracolândia.
P - E Johnson, feito esse contato, as conversar, visto esse perfil, digamos qual foi o próximo passo, assim? Como entra o esporte nisso?
R - Olha, esse levantamento todo nosso hoje que é o seguinte: existe um grande interesse nosso hoje, primeiro o esporte é muito estratégico nesse processo todo: primeiro, pra agregar pessoas e dar um sentido pra vida de muito jovem que sonha com o esporte – muitos desses meninos entram nessa coisa toda, às vezes, por incrível que pareça, por destaque, pra se enturmar, pra ficar o cara descolado, outros entram por necessidade, por exemplo, no Nordeste, ainda a maioria dos traficantes do crack, por exemplo, são pessoas que estão fazendo isso por conta do desemprego, não tem outra opção e vende o crack pra obter grana pra viver, não são bandidos, são pessoas que não tem outra opção e entraram nessa história; então, o esporte ele é importante também pra oferecer uma perspectiva de vida, né, oferecer outros caminhos, seja pelo rendimento – alguém pode se tornar um atleta e fizer carreira – seja pela questão da força do esporte educacional pra ir disseminando valores e protegendo a juventude, pela questão da renda mesmo da cadeia produtiva que nós podemos desenvolver a partir do esporte e pelo exemplo, pela simbologia, né, seja esporte e drogas são incompatíveis, deu? Não dá, não dá, se você não consegue raciocinar direito você não está em condição, se o intelecto não tá perfeito – ou pelo menos inteiro – no processo, seu corpo está debilitado você não tem como ter um bom desempenho no esporte. Então, você contrapor essas duas coisas já é um papel muito importante que o esporte pode cumprir -- isso é coisa de contrapor de dizer: “Olha, tá aqui o caminho do esporte é um caminho saudável, é um caminho legal, tá aqui esse outro caminho que é incompatível, é ruim”, então o esporte tem ajudado a trabalhar isso. E no nosso caso, que instrumentalizamos o esporte numa campanha pra mobilizar a juventude, então, é primordial, né, que o esporte, que a gente reflita sobre isso e que esse contexto todo que a gente consiga e certa forma trazer para um ambiente esportivo e que o esporte nos ajude a comunicar isso.
P - Você disse que já está há muitos anos no Hip Hop. Começou pelo Hip Hop o seu envolvimento com o esporte?
R - Sim, sim.
P - Pelo que eu entendi é o Hip Hop como esporte, né?
R - É...
P - Um pouco mais do que isso?
R - O Hip Hop nos trouxe duas compreensões: uma a compreensão da parte esportiva do break dance, na dança de rua, ele nos deu essa compreensão: de que algo ali de esporte. A dança de rua ela é muito interessante, né, porque a origem dela ela bebe na fonte do Kung Fu – vários passos são do Kung Fu – ela bebe na fonte da Ginástica Olímpica se você observar vários movimentos do Power Move, que é a parte de força da dança de rua, parte de chão principalmente vários movimentos que são do esporte olímpico – você tem o cavalo com alça, na Olimpíada, e no Break você tem ele sem alças, só no chão, mas é o mesmo cavalo, né? O pião da dança de rua, o giro de cabeça que é bem mais trabalhado na dança de rua, mas é praticamente o mesmo da capoeira, né, alguns movimentos de friso, de locke, né, por exemplo, são baseados nos movimentos do tchaco. Então, tem vários movimentos na dança de rua que tem muita semelhança e vem do mundo do esporte. E quando você pega tudo isso e você organiza do ponto de vista de uma competição, de um processo, de evento, de mobilização que puxa uma cadeia de geração de renda, de uma cadeia produtiva, então, você tem um sistema que envolve o esporte e o Hip Hop. Então ele nos deu a possibilidade de pensar, de organizar e propor, a partir disso, e ele também nos trouxe a proximidade do Hip Hop com os esportes de rua, né, com o futebol de rua e com o basquete de rua, então o Hip Hop fez essa conexão. Então, pra mim, a lida, o lidar com o esporte tá intimamente ligado a lidar com o Hip Hop. As coisas aconteceram aí, por exemplo, quando a MH2O foi convidado a participar da Rede Esporte pela Mudança Social, então, esse negócio consolidou, que a gente veio pra Rede muito mais como uma experiência de desenvolvimento econômico – de empreendedorismo, de geração de emprego e renda no mundo social – a gente chegou muito mais como organização que trabalha com o desenvolvimento econômico, não é nem pra Rede estava claro essa nossa vocação no mundo do esporte, então quando a gente chegou consolidou e tem sido uma experiência muito rica pra nós.
P - Johnson, como você aprendeu o Hip Hop?
R - Olha, a gente lá... O Hip Hop é um fenômeno interessante, porque o Hip Hop, ele surge no Brasil ao mesmo tempo praticamente, né? O próprio Michael Jackson – que vocês decoraram aqui o cenário com a jaqueta dele – ele cumpriu um papel muito forte do ponto de vista da disseminação do Hip Hop, né, por exemplo, MoonWalker o passo mais famoso do Michael Jackson ele tirou das ruas, ele viu lá nas ruas, pegou e fez na frente de uma câmera de televisão e popularizou isso pro mundo todo. O Michael Jackson, a coreografia dele é muito baseada no break dance, na dança de rua, né, então ele bebe muito nessa fonte e serviu muito pra disseminar no Brasil todo. E também teve até novela que teve esse papel no Ceará, por exemplo, a primeira cena popularizada no Brasil todo de dança de rua, de break dance, foi numa novela da Rede Globo que a abertura da novela inclusive era um sambinha, que é o Partido Alto, primeira novela que era o Nelsão, Nelson Triunfo, nordestino fantástico lá de Triunfo – Triunfo, Pernambuco, né? – pernambucano e que dançava aqui na rua e convidaram ele para fazer a abertura dessa novela e isso também popularizou o break no Brasil. E nós, lá no Nordeste, principalmente, a parte do rap – originariamente sou rapper, cantava rap – então, nós temos a nossa fonte de inspiração primeira, no ponto de vista do rap, é a galera daqui: Thaide que é o primeiro que a gente... eu lembro de Thaide cantando Homens da Lei, né, que a primeira música dele que chegou lá, que a gente gostava mais, então foram as primeiras inspirações. E eu morava no interior, outro interior na época que era Paraipaba, em Itapajé eu tinha uma equipe de som, porque eu fazia som, fazia festas, né, grupo de jovens que saia fazendo festa – eu era moleque 16 anos – a gente fazia festas, eu fazia jingle pras festas, e eu fazia jingle em cima de bases de rap, então fazia jingle pra cidade, fazia jingle pra equipe de som, cantava rap em forma de jingle. E quando eu vim pra Fortaleza e fui pra escola, estava cursando o ensino médio na época e fui pra uma escola secundarista e nessa escola, entrei para o grêmio da escola, né, eu nem sabia o que era grêmio, não sabia o que era Movimento Estudantil, nada. Na semana que eu cheguei em Fortaleza do interior, muito pressionado porque minha mãe queria que eu fosse pra Capital, eu não gostava da capital, porque eu achava Fortaleza um lugar muito, um ambiente muito ruim assim: você tinha um vizinho o via num dia, você passava por ele na rua outro dia você dava bom dia e ele não respondia, eu achava aquilo muito desagregador, pra mim que era do interior, eu não gostava de Fortaleza, muita bagunça, muito agitado, olha que é Fortaleza não é nem São Paulo, é Fortaleza, mas me convenceram a ir. Fui passar uma semana em Fortaleza, nessa uma semana minha mãe me convenceu a me matricular nessa escola, e quando me matriculo na escola era na semana de eleição para o grêmio, e quando entra um rapaz na minha sala criticando o governo, falando de mudanças, que a gente tinha que se organizar tal, tal ... foi a primeira vez que eu vi alguém fazendo um discurso político, né? Esse cara é um grande amigo até hoje, que é o Giovane – Giovane Ferreira – ele faz um discurso, eu olho para aquilo e digo: “É isso que eu quero pra mim. Eu me identifico com isso”, disse: “Vou participar desse negócio” – não sabia nem o que era. Aí a gente pra juntar pessoas pra formar uma chapa, a gente foi procurar os que estavam mais próximos, né, os que tinham mais a ver com a gente, aí tinha rappers de Fortaleza como o (Kaô?), o Cachorrão, o Titi, que são dançarinos de rua como (Sátiro?), (Fliper?) que são grupo de dança de rua, a gente chamou e botamos na chapa junto com skatista, tinha pichadores, tinha membro de gang de rua, uma galera que a gente se conhecia, formamos uma chapa e fomos disputar o grêmio – a gente nem sabia o que era grêmio, mas foi. E nessa história, quando a gente entra ... na eleição a outra chapa que ia disputar conosco que era a galera do Giovane acho que perceberam que a gente podia ganhar a eleição – a gente era muito inexperiente – chegaram pra gente e propuseram um acordo, então a gente fez um acordo: montamos uma chapa única, evidentemente, com a gente em minoria dentro da chapa – eles eram mais espertos do que a gente – e aí entramos para o grêmio. Então, quando a gente entra para o grêmio e a gente começa a viver uma outra angústia, que é a angústia de que a juventude, principalmente, a juventude de periferia, não aguentava os discursos de esquerda, os discursos quando tentavam agregá-los a alguma luta – os ismos, né, o marxismo, o islamismo, essas coisas – e a gente começou a viver uma angústia porque a gente era um outro público, uma outra galera que falava de outro jeito, que se comportava de outro jeito, e aí a gente disse: “Não, a gente tem que fazer um trabalho social. Falar para o povo se não aguenta ouvir discurso, nós temos que falar do jeito que ele sabe”. Então, nós começamos a pegar os discursos do Movimento Estudantil e botar nas letras de rap, na época criamos um grupo, que é o MH2O, pra popularizar esses discursos porque a gente acreditava no seguinte: se o garoto não aguenta ouvir três minutos de tu falando, mas se tu botar uma batida de rap, na época num cassetizinho, ele leva pra casa e passa o dia ouvindo porque ele gosta de rap. Então a gente pegava coisas – faz muito tempo – tinham músicas, as primeiras eram bem ingênuas até, tinha música do tipo era “Arroz, feijão, saúde e educação é o grito de guerra que sai da voz do povão. Essa minha rebeldia é tão grande quanto a tua, então por que razão você não sai pra rua, não conta pra galera o que está sentindo, não fala que o sistema está te oprimindo, quero te ver esperto, topando qualquer parada porque ser alienado não está com nada, então vê se acorda e vem ver de perto que do spray do grafiteiro sai a frase em protesto: quero te ver lutar, vem cá gritar comigo, o povo unido jamais será vencido”, né, então a gente pegava as frases de ordem e colocava em forma de rap numa batida, não é, e aí popularizava. Então o Hip Hop ele veio pra nós como instrumento de mobilização da juventude, né, então a minha chegada no Hip Hop a forma que eu conheci, nós criamos o Hip Hop do Ceará, porque na época já tinha gente que dançava, gente que cantava, mas não tinha compreensão de que tudo isso junto formava um movimento que era o Movimento Hip Hop. Então em 1989 a gente fundou o MH2O – M, movimento; H2, Hip Hop; O, organizada – então, Movimento Hip Hop Organizado, MH2O do Ceará, chegamos nele dessa forma.
P - Bom, então só pra finalizar aqui (risos), hoje qual seria o seu maior sonho?
R - É complicado porque são tantos, né? Eu acho que estamos vivendo um momento no Brasil muito interessante, eu era muito... eu passei muito tempo angustiado porque eu pensava assim: nós tivemos uma geração, a dos nossos pais, da década de 60, que eram pessoas que tinham um horizonte utópico, as pessoas acreditavam numa sociedade sem classes, as pessoas acreditavam numa sociedade igualitária e imaginavam, sonhavam, com modelos sociais, elas tinham a utopia. A nossa geração chega, entra no cenário político numa época em que a gente ouvia, teve um japonês doido aí que teve a ousadia de falar do fim da História, né, que tinha acabado a História com o advento do neoliberalismo, disse que tinha acabado a História. Isso jogou a gente numa angústia muito profunda, você não tinha mais a utopia da década de 60 e nem tinha mais nada pela frente, você perdeu a utopia da década de 60, né, a contra cultura, a liberdade sexual, a conquista de direitos, do movimento feminista, movimento pelos direitos civis, você perdeu tudo aquilo. Aí você vem numa época, numa lacuna de tempo que também não tem mais futuro, você nem tem mais aquilo, que se destruiu com a quebra dos muros e com as decepções com o Socialismo real enfim, e tinha um futuro sem nada, não tem mais História, a História é isso. Eu vivia muito...passei muito tempo enclausurado. A minha entrada pra (Choca Empreendedores Sociais?) em 2004, ela me deu uma outra perspectiva de acreditar, de até ter utopia novamente, porque na década de 60, pelo que a gente sabe, era muito fácil ver o que a juventude tava fazendo e o que estava mudando no mundo: você via homem de cabelo grande; você via os caras com vida alternativa, como hippie; você via as passeatas de protestos, os muros pichados, né; você via até experiências no Araguaia de resistência e tal, Revolução Russa... Revolução Cubana – perdão – então você via, era material estava na sua frente, tinha cor, era colorido, tava lá você via tudo aquilo, as bandeiras, os cartazes e tal. Na nossa época acontece uma coisa muito interessante: nós estamos num processo de transformação, muito mais forte do que o que nós vivemos na década de 60, com muito conteúdo, com muita gente operando tudo isso, mas isso não tem o colorido e o barulho que tinha o movimento na década de 60, o que faz com que a maioria de nós não perceba. Quando eu entrei na (Choca?), eu costumo comparar com a alegoria da caverna, do Platão, o elemento estava aqui só olhando a sombra passar na parede da caverna e achando que o mundo é feito de vultos, de sombras, três figuras, até que uma quebra a corrente e foge pra fora e quando foge e conhece o mundo de verdade, né? Acho que a minha entrada para o (Choca?) significou, guardada as suas proporções, um pouco isso. Quando entro para (Choca?), uma Rede Mundial começa a conhecer o Brasil, começa a conhecer inclusive figuras como Karen e a experiência do Museu da Pessoa e junto com ela inúmeras outras experiências de pessoas que estão colocando a vida, colocando a profissão, colocando a técnica, colocando o que aprende, o que aprendeu na vida, na academia, a serviço de tecnologias capazes de mudar a vida de pessoas, de modificar cultura de um país, de gerar transformações que vão impactar para o futuro, e igual a essa, são milhares de experiências no mundo, e a (Choca?) me ajudou a ver isso. Então, eu fui vendo Joaquim construindo um banco comunitário, né, similar ao banco, ou inspirado lá em Bangladesh no Green Banc, e aí você vê um outro dando aula dentro de casa de farinha no interior do Nordeste e botando um amontoado de gente na faculdade, então você vai vendo as coisas acontecendo, às vezes “pô, tudo isso tá acontecendo no mundo?” “Está”, e ao mesmo tempo, ou seja, dentro de 10, 20 anos o efeito de tudo isso vai vir a tona. Então isso deu pra mim uma certa clareza de que há uma transformação, um custo em curso, e que ela é muito forte, então, acho que hoje o meu maior... se eu pudesse dizer de um grande sonho seria poder ver, acompanhar o resultado do que nós estamos fazendo hoje, daqui a algumas décadas , né, do ponto de vista social.
P - Puxa, maravilha (risos). Então, Johnson queria agradecer.
R - Estouramos o seu tempo aí.
P - É, mas foi muito legal. É bom ouvir isso também, a gente se renova também.
FINAL DA ENTREVISTA
(Kaô?),(Sátiro?), (Fliper?), (Choca?)
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