IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Eliane Dias de Franco Trigo, nasci no Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1958. FAMÍLIA Os meus pais são vivos até hoje, graças a Deus. Meu pai é aposentado e o nome dele é Antonio de Franco. Minha mãe é Maria da Glória Dias de Franco, ela trabalhou um tempo, mas, depois que as filhas nasceram, virou só dona-de-casa. Os avós paternos vieram da Itália para cá. Acho que se casaram na Itália e vieram para o Brasil antes da guerra – antes ou durante a Primeira Guerra Mundial – e tiveram os filhos aqui. Os meus avós maternos eram mineiros. Meu pai e minha mãe nasceram no Rio de Janeiro, quer dizer, a família ficou carioca a partir dos meus pais. PAIS Meus pais se conheceram – eles trabalhavam no centro da cidade – num bonde e ficaram paquerando um ao outro durante um ano. Pegavam sempre o mesmo bonde. Ficaram um ano olhando um para o outro, os dois tímidos, até que meu pai teve coragem de pagar a passagem da minha mãe. Então, começaram a namorar. Ela me teve – eu sou a filha mais velha – com 24 anos, acho que casou com 22. Quando eu nasci, ela tinha 24 e o meu pai tinha 30 anos. Quando minha mãe conheceu o meu pai, ela trabalhava na Sloper, se não me engano. Ele trabalhava no extinto IAPC – não me lembro mais o significado da sigla, sei que o IAPC se fundiu a outros institutos formando o INPS. Foi o primeiro e único emprego dele. Ele se aposentou pelo INPS. Ele conseguiu que minha mãe fosse trabalhar no IAPC também, mas na época em que eu e minha irmã nascemos, dois anos e meio depois, ela foi transferida para São João de Meriti. E, os transportes eram difíceis, a gente não tinha a facilidade que tem hoje de andar pela cidade. Então, ela optou por abandonar o emprego e ficou tomando conta e criando a gente em casa. AVÓS Os meus pais ficaram órfãos, ambos de pai, muito cedo. O meu avô paterno morreu quando meu pai tinha um ano, ele...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Eliane Dias de Franco Trigo, nasci no Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1958. FAMÍLIA Os meus pais são vivos até hoje, graças a Deus. Meu pai é aposentado e o nome dele é Antonio de Franco. Minha mãe é Maria da Glória Dias de Franco, ela trabalhou um tempo, mas, depois que as filhas nasceram, virou só dona-de-casa. Os avós paternos vieram da Itália para cá. Acho que se casaram na Itália e vieram para o Brasil antes da guerra – antes ou durante a Primeira Guerra Mundial – e tiveram os filhos aqui. Os meus avós maternos eram mineiros. Meu pai e minha mãe nasceram no Rio de Janeiro, quer dizer, a família ficou carioca a partir dos meus pais. PAIS Meus pais se conheceram – eles trabalhavam no centro da cidade – num bonde e ficaram paquerando um ao outro durante um ano. Pegavam sempre o mesmo bonde. Ficaram um ano olhando um para o outro, os dois tímidos, até que meu pai teve coragem de pagar a passagem da minha mãe. Então, começaram a namorar. Ela me teve – eu sou a filha mais velha – com 24 anos, acho que casou com 22. Quando eu nasci, ela tinha 24 e o meu pai tinha 30 anos. Quando minha mãe conheceu o meu pai, ela trabalhava na Sloper, se não me engano. Ele trabalhava no extinto IAPC – não me lembro mais o significado da sigla, sei que o IAPC se fundiu a outros institutos formando o INPS. Foi o primeiro e único emprego dele. Ele se aposentou pelo INPS. Ele conseguiu que minha mãe fosse trabalhar no IAPC também, mas na época em que eu e minha irmã nascemos, dois anos e meio depois, ela foi transferida para São João de Meriti. E, os transportes eram difíceis, a gente não tinha a facilidade que tem hoje de andar pela cidade. Então, ela optou por abandonar o emprego e ficou tomando conta e criando a gente em casa. AVÓS Os meus pais ficaram órfãos, ambos de pai, muito cedo. O meu avô paterno morreu quando meu pai tinha um ano, ele morreu cedo, de enfisema pulmonar. Parece que ele fumava muito, morreu com 31 anos. Eu não sei bem o que ele era, acho que nem meu pai sabe. Eu sei que minha avó criou quatro filhos. Quando o meu avô morreu, a minha avó estava grávida, então ela perdeu o marido cedo e, um ano depois, perdeu essa menina que ela gerou. No ano seguinte, perdeu ainda um outro filho. Quer dizer, foi uma família bem sacrificada nesse sentido, ela criou os quatro filhos. O filho mais velho, o irmão mais velho do meu pai, virou arrimo de família. Ele era bem mais velho que o meu pai e aí eu acho que ele começou a trabalhar com 12 anos numa padaria que a minha avó tinha. Meu pai também começou cedo, com 10 anos, a ajudar na padaria, até que ele foi para o INPS, se eu não me engano, com 16 anos. Começou a trabalhar cedo. E a minha mãe perdeu o pai com oito anos. O meu avô era carteiro, trabalhava nos Correios, ele era bem mais velho que a minha avó. Eu sei que ele morreu com 60 e poucos anos e a minha avó tinha 30. Então, ela também ficou viúva cedo. Eram quatro filhas, ela criou as quatro filhas. E a minha mãe também começou a trabalhar cedo, com 14 anos. Eu convivi com as minhas avós, com os avôs não, só com as avós. A minha avó paterna, quando ela morreu, eu tinha oito anos. Foi uma convivência só de infância, mas eu me lembro muito bem dela, tenho doces lembranças. Ela, quando eu me entendi por gente, já era diabética e cega, mas me lembro muito bem dela. E da minha avó materna me lembro melhor ainda, porque, quando eu fiz oito anos, fui morar no terreno da minha avó, no Estácio. Fui com meus pais. Nós morávamos numa casa nos fundos e a minha avó morava na casa da frente. Eu fui criada nesse terreno, fui com oito anos para lá. Não, com seis anos eu fui para lá. Minha avó morreu quando eu já era casada, tinha filhos até. INFÂNCIA Eu morei no Estácio até me casar, não saí do Estácio. Foi uma infância pobre, bastante pobre, mas bem alegre. Meus pais trabalhavam fora, mas a gente brincava muito. Estudava de manhã – passei um tempo estudando só de manhã – e à tarde eu ficava com a minha avó e com a minha irmã, brincava à tarde. Até que eu, quando fiz sete ou oito anos, fui para um colégio de freiras e fiquei semi-interna nesse colégio, para a minha mãe poder trabalhar, durante uns dois anos, mais ou menos. Era no Estácio também. Não existe mais porque, quando o metrô foi construído, uma boa parte do bairro foi demolida para a construção do metrô. Fiquei semi-interna uns dois anos. Depois voltei ao externato, fiquei estudando só de manhã e à tarde eu ia para casa. Eu sempre estudei muito, eu gosto muito de estudar, então isso é uma coisa que desde pequena eu fiz. Morei nessa casa onde minha avó morava também, na Rua São Roberto, no Estácio. Era uma ladeira bem alta. Talvez seja por isso – pelo menos é o que meu pai diz – que a minha perna é grossa, de tanto subir e descer a escada. PRIMEIRA CASA NO ESTÁCIO Antes de morar nessa casa da Rua São Roberto, no terreno da avó materna, eu morei em outra casa no Estácio, que foi da minha avó paterna. E a casa onde a gente morava, nessa minha primeira infância, era muito antiga, numa rua que se chamava Pereira Franco. Ela ia dar na Praça da Bandeira ou na Presidente Vargas. Eu sei que ela cruzava o Estácio até a Presidente Vargas. E eram casas geminadas, bem antigas. Os dois banheiros eram do lado de fora da casa, tinha um quintal. Eu me lembro que o quintal era grande, mas como eu era criança – eu saí de lá com seis, sete anos – a gente tem a impressão de que as coisas são muito grandes, então pode ser que não tenha sido tão grande assim. E essa casa tinha o pé direito bem alto e o corredor muito longo. Primeiro, era a sala, depois tinha esse longo corredor e os quartos iam saindo desse corredor. E o meu pai também foi criado nessa casa. Quer dizer, ele foi para lá com 10, 11 anos de idade, foi uma casa que abrigou o meu pai com a família. Eram quatro irmãos, mais a mãe – minha avó – e a minha tia, irmã do meu pai. Meu pai era o mais novinho. Sem essa irmãzinha que ele teria tido – ela morreu logo depois de nascer –, meu pai ficou sendo o filho mais novo. Todos foram criados ali, naquela casa. Minha tia casou e foi morar nessa casa também. Eu acho que família de italianos gosta sempre de agregar as pessoas, ninguém vai para a sua própria casa depois de casado, fica ali. Então, a minha tia, que era a única filha – a minha avó teve três filhos homens e ela –, ficou morando com o marido. Depois teve a filha, minha prima, também nessa casa. Depois eles se mudaram dessa casa e continuaram no Estácio. O meu pai se casou e ficou morando nessa casa. Eu não nasci ali, mas depois eu fui para lá. Quer dizer, ele morou no Estácio um tempinho, mas logo depois ele foi para essa casa, quando eu já era nascida. Então, eu fui mesmo criada praticamente nessa casa, porque eu fui com um ou dois anos para lá. SEGUNDA CASA NO ESTÁCIO A minha segunda casa no Estácio [a da avó materna] era como eu falei, numa ladeira, numa grande ladeira. Havia três casas no mesmo terreno: a casa da frente, a casa do meio, que foi construída para meu pai, minha mãe, eu e minha irmã morarmos, e a casa dos fundos. Eu falei que minha avó morava na casa da frente. Não, na verdade, quando eu fui para lá – porque tem um bom tempo isso –, minha avó morava na casa dos fundos e uma tia minha, irmã da minha mãe, morava com a família dela na casa da frente. Então, o terreno era da minha avó materna. Minha avó morava na casa dos fundos e nós ficamos um tempo morando com ela na casa dos fundos, porque nossa casa foi desapropriada por causa do metrô também. As obras do metrô demoraram muito tempo para serem construídas. Demorou muito, muito, porque eu me lembro que, quando comecei a andar de metrô, quando ficou pronto, eu já estava na faculdade. O metrô ficou pronto em 1974? Acho que não, em 1974 eu ainda estava no Colégio de Aplicação. Porque, senão, eu teria andado de metrô até o Colégio de Aplicação, porque o Colégio é na Tijuca e tem um ponto de metrô que vai até a Praça Afonso Pena. Bom, eu sei que foi uma obra muito longa. INFÂNCIA Na minha primeira infância, minhas lembranças são dessa primeira casa [da Rua Pereira Franco]. A gente brincava muito na casa, no quintal, tinha uma parte de cimento e o restante era de terra. Então, eu me lembro de brincar muito de fazer comidinha de terra. Tinha um porão muito grande e lá nessa casa tinha muita lacraia. Minha irmã uma vez foi mordida por uma lacraia enorme e ficou 24 horas chorando de dor. Lembro que o meu pai matou a lacraia e botou ela no vidro – ele matava todas as lacraias e botava nesse vidro com álcool. Então, ficou uma coleção de lacraias e o papai mostrava sempre para as visitas aquele pote cheio de lacraias enormes lá dentro. Parecia uma centopéia de dois dedos de largura, uma coisa enorme de grande, e a minha irmã era muito pequenininha quando aconteceu isso. Eu tenho também uma lembrança que, na verdade, traumatizou a mim e a minha irmã. Meu pai e minha mãe trabalhavam e a gente tinha uma empregada nessa época. Eu estudava no Colégio Vitória, que existe até hoje, é a primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, fica bem no Estácio, em frente ao hospital da Polícia Militar. Eu fiz do jardim de infância até a primeira série nesse colégio. E a gente estudava de tarde, eu e a minha irmã. Então, pela manhã, a gente ficava brincando. Um dia, a empregada estava dando almoço para a gente – as casas eram geminadas, mas do lado da nossa casa havia um terreno, que não era baldio, era uma garagem, não sei bem do quê, mas era uma garagem de carros e o dono dessa garagem criava um chimpanzé. A gente estava na sala comendo, vendo televisão e o tal do chimpanzé foi solto, pulou o muro e correu para dentro da casa da gente. Eu só me lembro daquele macacão – porque para a gente era um baita de um gorilão – correndo naquele corredor, vindo na nossa direção. Eu e minha irmã estávamos numa poltrona e a empregada estava dando comida para a gente na boca. Aí eu olhei para o corredor e vi aquele macaco correndo na nossa direção. A empregada olhou o macaco, soltou um berro e deixou a gente sozinha, abriu a porta e saiu correndo. Eu tinha seis anos e a minha irmã tinha quatro. O macaco não fez mal para a gente, não atacou a gente, mas resolveu quebrar a casa toda. A minha mãe tinha cristaleira, tinha tudo, o macaco se pendurou no lustre, ficou se balançando no lustre, pegou as coisas da cristaleira da minha mãe e quebrou tudo. Eu e a minha irmã ficamos apavoradas. Eu lembro de pegar minha irmã forte, ela berrando de tanto chorar e eu também chorando, as duas ficaram abraçadas ali e o macaco quebrando a casa toda. Depois, eu me lembro do meu pai e da minha mãe chegando em casa. A gente ficou traumatizada mesmo. Tanto que a minha irmã, quando ela ficava com a empregada, fingia que estava dormindo o tempo todo dentro do berço. Até o meu pai chegar, ela não levantava daquele berço. Toda vez que chovia, ela passava mal, vomitava, e eu, de vê-la vomitando, passava mal também. Então, até hoje eu não posso ver ninguém vomitando. Eu sou bióloga, mas se alguém vomita perto de mim eu começo a passar mal também. Não é de nojo não, eu fico transtornada mesmo. Tanto que, se filho meu começa a vomitar, eu entrego para o pai e me tranco em algum lugar rezando para ele parar. É uma coisa de criança mesmo. Eu acho que deve ser por causa disso, de tanto ver a minha irmã apavorada, vomitando. Se trovejava de madrugada – eu dormia no mesmo quarto que ela –, ela vinha e dormia em cima de mim, montava em cima de mim e ficava lá. Aí ficava aquela coisa em cima de mim até a trovoada passar. Ela ficava apavorada. Não sei o que ela imaginava. Então, eu acho que foi por causa desse incidente do tal do macaco que pulou lá para casa. Meus pais até pediram indenização e acho que conseguiram. EDUCAÇÃO RELIGIOSA Eu tive educação religiosa na minha infância. Engraçado que eu nunca pensei nisso como eu estou pensando agora. A minha primeira infância foi numa escola Batista, então eu tinha aula de religião, dentro da religião protestante, Batista. Eu me lembro bem de ir para um auditório, as aulas de religião aconteciam nesse auditório e eu gostava dessas aulas. Depois eu fui para o colégio de freiras e tive uma educação católica. Aí fiz primeira comunhão nesse colégio. Eu adorava, porque lá tinha uma clausura, era uma coisa misteriosa e eu sempre gostei muito de mistério. As freiras tinham o lugar onde elas moravam e dormiam e ali era proibido para os alunos. Então, eu ficava imaginando o que devia ter lá atrás daquela porta de madeira preta. O colégio era muito bonito, era num prédio muito bonito, muito antigo, tinha uma escadaria de madeira, muito longa, bonita mesmo, em espiral, larga e eu fiz primeira comunhão. Quando eu era pequena – imagina-h , queria ser freira. Aí, em casa, eu botava véu comprido, aqueles vestidos da minha mãe, ficava imitando freira, achava lindo, maravilhoso. Era Escola da Sagrada Família. As freiras usavam hábitos bem longos, eram de manga comprida, fizesse frio, fizesse sol, calor, era aquela mesma indumentária. Era uma bata comprida, com mangas compridas e um véu comprido, branco. A roupa era cinza, o véu era branco e era numa armação. Elas ficavam só com o rosto aparecendo, o pescoço era coberto. E tinha uma armação de papelão, forrada com aquele véu. Eu achava aquilo a coisa mais linda. Nunca mostravam os cabelos, os cabelos ficavam todos recobertos. Aí, quando dava um vento, a gente via a parte de trás, aquilo era mesmo um capuz que mostrava só o rosto delas. Elas deviam ser carecas, não é possível, porque onde é que elas escondiam o cabelo? Aquilo era um negócio bem rente à cabeça, então elas deviam cortar bem rente o cabelo. Eu achava lindo aquilo. E eu tive formação católica. EDUCAÇÃO Eu fiz o antigo primário nesse colégio de freira, depois fiz concurso para o Cap da Uerj e passei. Fiz o antigo ginásio – o fundamental – no Cap da Uerj e também o que, na época, era o científico – agora é ensino médio. Quando eu estava no Cap da Uerj, voltei a estudar o dia inteiro. Entrava sete da manhã, saia às cinco da tarde, praticamente todos os dias. E foi um colégio muito importante para mim, porque ele me deu oportunidade de estudar, de ter uma excelente formação. Então, se tem uma coisa em que a minha mãe acertou mesmo – ela acertou em muitas coisas – foi proporcionar para mim e para minha irmã, que foi aluna do colégio Pedro II, os dois colégios públicos e de boa qualidade no Rio de Janeiro. Então, ela não teve oportunidade de estudar muito porque ela e o meu pai tiveram que trabalhar muito cedo, mas a gente, mesmo apertando o orçamento, teve uma boa formação básica. Apesar de ambos serem colégios públicos, os livros eram sempre muito caros e, enfim, para tudo o que a gente tinha que fazer que dependesse de dinheiro, eles se apertavam bastante. COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UERJ Eu fui católica até entrar no Colégio de Aplicação. Aí a coisa complicou, porque esse colégio me marcou muito. O Cap da Uerj me marcou demais, demais mesmo. Foi marcante na minha juventude, porque, até então, eu era a filhinha exemplar, estudiosa, obediente, tudo de bom. Aí eu entrei para o Colégio de Aplicação da Uerj, que agora é chamado Cap da Uerj, e lá a gente ficava o dia inteiro. Além das disciplinas que todo mundo tem, eu tinha teatro, artes, inglês, francês, obrigatório. Tinha uma semana comunitária no primeiro semestre e outra no segundo semestre, em que a gente, naquela semana, não estudava e ficava fazendo visitas a museus. Enfim, tinha uma atividade cultural muito extensa, muito rica. E eu tive, no momento em que entrei para o Colégio de Aplicação, oportunidade de vivenciar um mundo cultural que os meus pais jamais poderiam me oferecer. E ter a convivência também com os colegas, porque, apesar de ser um lugar em que a gente entrava por concurso, a maior parte das pessoas que entravam eram oriundas da classe média, no mínimo. Então, eu me sentia uma pessoa diferente, porque eu não pertencia àquele mesmo grupo sócio-econômico e, ao mesmo tempo, eu tive oportunidade de ter a mesma educação formal que os meus colegas tiveram. Então, isso me marcou. Aí eu fiquei muito crítica de tudo. Eu também estava na adolescência, que é um período turbulento. Em História a gente tinha que ler muito. Em Português, eu só aprendi as regras de acentuação, as regras de gramática, no pré-vestibular. Eu passei o tempo todo estudando literatura, lia muito, muito mesmo, a gente era cobrado. Eu não sei se isso é assim até hoje lá, mas eu lia muito, a gente tinha obrigação de ler – eu não me lembro direito, mas eu acho que a cada quinzena – um livro, ou a cada mês um livro. Eu gostava muito. Eu aprendi muita coisa nesse colégio. Eu aprendi a ler e nunca mais larguei, eu não sei viver sem um livro, sempre tem que ter um. Hoje em dia eu leio mais de um livro de cada vez. Mas, naquele momento eu aprendi, no Colégio de Aplicação, a gostar de ler. Eu vivia na biblioteca do colégio e eu tive acesso a muitas coisas que, se eu fosse estudar em outro colégio, talvez eu não tivesse essa mesma oportunidade. Isso tudo, a vida nesse colégio, me marcou muito, porque eu vivia lá o dia inteiro. Tanto que alguns amigos que eu tenho até hoje, melhores amigos, são amigos de infância. De infância não, de juventude, dessa época. Porque a gente vivia o tempo todo junto. Então, era dia de semana estudando no colégio e final de semana saindo, a gente saía muito. DITADURA MILITAR A minha juventude foi em plena época da ditadura militar. Então, nós éramos muito engajados, eu até não era tanto, eu ia mais na onda das pessoas, eu achava aquilo muito chique. Mas já tinha noção do que estava acontecendo, já discutíamos. Quer dizer, clara noção eu só tive mesmo na universidade, na faculdade. Mas ali eu sentia que tinha alguma coisa acontecendo. E o colégio, naquela época, era muito durão com a gente, ele reprimia, não existia grêmio. Mas a gente fazia jornalzinho. Eu me lembro, uma época – eu já estava no científico – que a gente fez um jornal. O jornal nem era tão comprometido politicamente não, mas foi proibido. Eu lembro que eu fiz até uma crônica, uma coisa despretensiosa, e o jornal foi proibido. A gente ficou revoltado. Depois, tinha um grupo de teatro lá dentro, armou-se um grupo de teatro, e aí sim, era um pessoal bem politicamente engajado. Eu lia. Eu não era tão engajada, não era tão politizada, porque talvez eu fosse mais romântica. Também por causa da minha criação, meus pais não tinham muito hábito de leitura, até porque a gente não tinha dinheiro para comprar jornal todos os dias, comprava só final de semana. Os meus pais viam muita televisão, então eu tive mesmo essa formação familiar – vamos dizer assim – não muito ligada à participação política. A minha educação formal é que me abriu espaço, lá no Aplicação, para essas leituras, para uma reflexão sobre a vida, sobre as coisas da vida. E isso também abarcava um posicionamento político, uma discussão política. Claro, não tanto por parte da instituição, mas se você começa a discutir o que aconteceu, por exemplo, na idade média, o que aconteceu [em outros períodos], então alguma coisa de história a gente discutia, literatura. Mas lógico que a gente não teve oportunidade de estudar ali o regime militar, não é? E a literatura também é uma revisão histórica, porque ela é uma arte que acontece acompanhando os fatos históricos. Então, aí deu para ter noção mesmo das coisas que aconteceram e como mais ou menos estavam acontecendo. MOVIMENTO ESTUDANTIL Eu fiquei sabendo que a escola nos anos 60 teve uma participação no movimento estudantil muito forte e que alguns alunos foram perseguidos. Talvez até por isso a gente ficava meio com medo. E a minha juventude foi nos anos 70, então foi aquela época de chumbo mesmo, em que tudo era muito reprimido, muito silenciado. Na escola esse movimento estudantil estava abafado nos anos 70. Quando eu passei para a faculdade é que começou a abertura política, aí já foi diferente. DIVERSÃO No Colégio de Aplicação, eu saía muito com os meus colegas no final de semana. Aí eu passei, para minha mãe, de menina modelo a adolescente rebelde. Nossa Senhora A minha mãe brigava muito comigo e eu com ela também. Porque ela queria que eu obedecesse e nessas alturas eu não obedecia mais, de jeito nenhum. Se eu queria sair, eu saía. Sempre para fazer coisas muito saudáveis. Mas eu entendo, hoje em dia eu sou mãe, eu entendo. Era saudável, mas era perigoso. Por quê? Eu gostava muito de natureza. Havia grupinhos na escola, então eu me identificava mais com o grupinho que era mais despojado, que não era muito de ficar se vestindo muito arrumadinho, coisa e tal, e que gostava mais de natureza. Então a gente, no final de semana, ia muito para o Alto da Boa Vista, ficávamos andando a pé por lá, por aquelas estradas. A gente ia até Pedra Bonita a pé, passava o dia inteiro assim, caminhando na ida e na volta. Era muito bom. Pedra Bonita, Floresta da Tijuca, íamos muito lá para esses lugares. E era perigoso por quê? Porque era um bando de adolescentes, sempre tinha um ou dois que diziam que conheciam o caminho, mas eu me lembro da gente se perder. Uma vez a gente foi na Floresta da Tijuca e lá a mata é muito fechada e tem umas trilhas, então a gente, lógico, resolvia ir pelas trilhas. Eu ia atrás da galera, não é? Eu não resolvia nada, mas “neguinho” resolveu, eu ia atrás deles. Aí teve uma vez que a gente se perdeu no meio da floresta. A gente começou uma trilha e, quando fomos ver, a trilha dava em lugar nenhum. E em floresta tudo era igual, a gente andava em círculos, foi um negócio meio apavorante. Mas, graças a Deus, nós não somamos a estatística de pessoas que se perdem na Floresta da Tijuca. A gente acabava se encontrando. FAMÍLIA Quem tinha autoridade na minha casa era a minha mãe. Meu pai é uma pessoa muito doce. Então, ela falava: “Você não vai, você está me desobedecendo, você tem que fazer as coisas em casa, tem que me ajudar.” Mas eu arrumava sempre um jeito. Coisas de casa nunca foram o meu forte, nunca gostei de arrumar casa, fazer faxina. A minha irmã gostava mais desse tipo de coisa. Eu nunca gostei. Eu, quando ajudava, era assim: limpar um banheiro – sempre gostava de coisa com água, para fazer farra – mas arrumar, limpar, não. E como eu estudava muito – porque eu estudava o dia inteiro e ainda chegava em casa e tinha que estudar mais, porque o Aplicação era brabo mesmo, tinha prova e eu sempre fui “CDF” – aí eu chegava em casa e estudava. E acho que minha mãe via isso, ficava com pena e não me obrigava muito a fazer as coisas em casa. Mas, no final de semana, que ela queria que fizesse faxina, eu me arrancava. PAQUERAS Desde que eu me entendo por gente, eu me apaixonava. Então, quando criança, eu me lembro que no jardim de infância eu tinha dois namorados, um de mentirinha e um de verdade. E eu falava para eles: “Você é de mentirinha e você é de verdade.” Coisa de criança. E aí, quando eu fui para o Aplicação, eu tinha as minhas paixões sempre platônicas, sempre curtia aquela coisa dolorida, muito de longe, eu era muito tímida, demais, sempre reservada. Namorar mesmo, eu comecei a namorar com 15 anos. Eu era do Aplicação, mas o menino não era. Era colega de um grande amigo meu. Então, tudo girava muito em torno do Colégio de Aplicação da Uerj, já que a minha vida era toda lá. Então as minhas paqueras eram lá, o meu primeiro namorado tinha relação com o colégio porque era amigo de um amigo. E por aí foi. MODA Minha moda era calça Lee para o dia-a-dia, de boca larga, bem larga, boca-de-sino. O sapato era uma bota, aquele sapato fechado, de couro, de nobuck, e as blusas eram blusas de malha, normalmente. Naquela época, a gente não ligava para cabelo, penteava e estava ótimo. Sempre andava com um brinco, sempre gostei de me arrumar. Só depois, quando eu fui para a faculdade, é que veio uma época neo-hippie, aí mudou. Mas, enquanto eu estive no Aplicação, eu gostava de me arrumar direitinho. Como eu nunca tive muitas condições de comprar, de ter muitas roupas, então a minha mãe fazia sempre uma roupa de festa, uma ou duas roupas de festa. Ela mandava uma amiga que era costureira fazer. Tinha os “arrastas”. O “arrasta” era uma – como é que a galera chama hoje? – balada. Balada é mais paulista, mas é tipo isso. É “arrasta”, de “arrasta pé”. Falavam: “Ah, hoje tem um arrasta na casa do fulano.” “Essa semana tem um arrasta na casa do fulano.” “Opa, que beleza” Aí a gente ia. Era geralmente na casa do Samir. Eu acho até que ele é da Petrobras também. Ele fazia lá na área de serviço, era muito bom, muito bom Ficava tudo escuro e a gente dançava colado, era muito legal. MÚSICA A gente ouvia aquelas músicas dos anos 70, que até hoje estão na moda. Ah, era muito bom A gente dançava a noite toda, aí tinha aquelas músicas mais românticas que a gente guardava para o paquera. E tinha as músicas de dançar separado. Eu gosto muito de dançar, adoro dançar. Até hoje, apesar de tudo, apesar da correria do dia-a-dia, eu gosto muito de dançar. E também só gostava de homem que dançasse. Podia ser preto, branco, os olhos a cor que tivesse, a boca como fosse, para isso eu não ligava. Mas eu tinha que experimentar ele na pista de dança. Se o cara dançasse, então está legal, estava aprovado. Era o meu crivo. OPÇÃO PROFISSIONAL Primeiro, minha mãe cismou que eu tinha que ser atriz. Eu tinha que ser atriz porque eu gostava de teatro mesmo, gostava muito, me desempenhava bem até. Mas era coisa de mãe. Cismou que eu tinha que ser atriz e sempre foi muito difícil, quanto mais naquela época. Eu cheguei a ir na Rede Globo fazer um testezinho, mas não passou disso. Depois, quando eu fui para o segundo grau – para o ensino médio –, a minha mãe achou que eu ia ser médica. Quer dizer, minha mãe não achou, não vamos botar a culpa nela. Eu quis fazer medicina, acho que me encantei com a medicina. Eu passei isso para ela, aí ela ficou encantada com a medicina. E eu tenho uma tia que é enfermeira. Aí, a família toda ficou: “Ela vai ser médica.” E criou-se toda essa expectativa. Tanto que no pré-vestibular – eu fiz o pré-vestibular lá mesmo no Cap da Uerj – eu me preparei para medicina. Porque no segundo ano do ensino médio – para vocês verem como o colégio era bom – eu e vários colegas fizemos, só para experimentar, o vestibular, que na época era Cesgranrio, era unificado. Eu passei para a medicina de Teresópolis. Mas não pude cursar porque não tinha terminado o ensino médio. Aí, na terceira série, eu falei: “Se eu passei na segunda, eu vou passar na terceira, não é? Então, vamos lá, vamos fazer.” Mas, no meio do ano, eu pensei assim: “Eu quero obstetrícia. Então, eu vou visitar algum hospital, para ver como é, se é legal.” E uma amiga minha tinha uma irmã mais velha, que tinha um amigo que, por sua vez, fazia residência no Hospital Maternidade Carmela Dutra. Aí ela conseguiu que eu e uma outra amiga minha fôssemos passar o dia na maternidade. Foi lá que eu nasci, no Carmela Dutra. Aí eu vi todo tipo de parto, foi muito bacana, muito legal. Parto normal, parto cesariana, parto de gêmeos – e o segundo nasceu de traseiro, um parto difícil –, parto em que a parturiente não conseguiu ir para a mesa de parto, então o bebê nasceu na cama do hospital. Eu fiquei encantada. Só que eu saí de lá sabendo que não era aquilo que eu queria, porque eu fiquei pensando: “E se o neném nasce morto? E se o neném nasce com alguma doença, como é que eu vou falar com a mãe sobre isso? E se a mulher morre nas minhas mãos? Ah, não quero nada disso.” BIOLOGIA Aí, como eu gostava muito de biologia, eu optei por fazer biologia. Minha mãe não se conformou. Até hoje ela não se conforma. Ela diz que queria ter uma filha médica. Agora está em cima dos netos, porque os netos estão na época do vestibular, então ela fica: “Poxa, eu pensei que eu ia ter um neto médico, um neto advogado, mas esse pessoal só quer essas carreiras que não dão dinheiro.” Coitado dos médicos, também não é fácil. ENSINO SUPERIOR Fui para o Fundão, para a UFRJ, fiz o meu curso lá e fiz a licenciatura. Eu não caí na pesquisa, porque pesquisa naquela época era algo muito difícil, você tinha que ter respaldo em casa, porque você ficaria, inicialmente, vivendo só de bolsas e as bolsas são muito baixas. E era difícil de entrar. Hoje em dia, por exemplo, a minha filha está fazendo jornalismo, está no terceiro período e conseguiu agora um estágio remunerado. Era a coisa mais difícil naquela época, na faculdade, ter estágio assim, dando sopa para as pessoas. Não, não era assim. E eu fui me encaminhando para o magistério primeiro porque eu gostava. Na verdade, o que eu mais gostava de fazer, desde pequena, era ser professora. Eu tinha boneca, mas não para ser mãe da boneca, era para ser professora das bonecas. Eu era professora da minha irmã mais nova, coitadinha, eu fui professora das minhas vizinhas, eu alfabetizei até uma das meninas lá, vizinhas minhas, menor do que eu. Então, eu tinha isso sempre muito forte dentro de mim. Alguns professores me marcaram muito também, então eu queria aquilo para mim, eu queria ser assim, eu queria ensinar. Aí acabei indo para o magistério mesmo. CONCURSO DO BANCO DO BRASIL Antes de terminar a faculdade, eu comecei a trabalhar, não trabalhei no magistério não. Eu fui bancária durante um bom tempo. Essa decisão foi da minha mãe, mas ela tinha toda razão. Se me deixassem, queria só estudar, levar a vida estudando, eu ia seguir a pesquisa mesmo, ia batalhar por lá. Mas acontece que a vida tinha outras necessidades e a minha mãe sabia que, se ela me inscrevesse nos concursos, talvez por orgulho ou porque eu gostasse de estudar, eu ia atrás e conseguiria passar. Então, abriu o concurso primeiro para o Banco do Brasil, aí ela me inscreveu. Eu falei: “Poxa, mãe, mas que isso? Banco do Brasil? Mãe, por favor, eu não quero ser bancária, não tem nada a ver comigo.” Aí ela me inscreveu no concurso do Banco do Brasil. Eu passei e falei: “Não vou entrar, mãe” Aí, minha mãe: “Por favor, você entre porque lá é uma carreira segura, você vai estar bem.” Só que eles não me chamaram, demoraram dois anos para me chamar – não tenho certeza se foram só dois anos, não. Eu sei que eu estava na faculdade quando passei. Eu me formei e eles ainda não tinham me chamado. CAIXA ECONÔMICA Quando eu me formei, eu já estava trabalhando na Caixa Econômica. Porque foi assim: eu primeiro fiz concurso para o Banco do Brasil, passei, mas não fui chamada. E, logo depois, surgiu o concurso para a Caixa Econômica. Minha mãe me inscreveu, eu passei e fui logo chamada. Eu fui chamada concomitantemente ao último ano de faculdade e então foi uma coisa que encaixou, uma coisa muito engraçada. Acaso ou não, eu sei que eu estudava no Fundão, mas no último ano eram as disciplinas pedagógicas. Então, eu não tinha mais aula no Fundão, eu tinha aula na Praia Vermelha e no Cap da UFRJ, na Lagoa. As aulas eram só pela manhã. O curso todo de biologia foi manhã e tarde, era o dia inteiro, mas no último ano era só na parte da manhã. E para onde eu fui chamada? Não fui nem eu que escolhi. Eu fui chamada para um posto de serviço da Caixa Econômica que eles estavam abrindo na Praia Vermelha. Então, eu saía da faculdade e chegava em cinco minutos andando. Eu lembro que saía um pouquinho antes de terminar a aula, porque a aula terminava meio dia, eu saía 11 e 10, para chegar 11 e 15 no meu trabalho. Então, era só questão de andar a pé. Aí eu fiquei um ano e três meses na Caixa Econômica. Quando eu estava na Caixa Econômica, o Banco do Brasil me chamou. Nessas alturas, eu já estava formada e preferi ir para o Banco do Brasil, porque era mais vantajoso. Mas eu gostei muito de trabalhar na Caixa Econômica, primeiro porque ali fiz boas amizades, era um posto pequeno, então eu fazia tudo lá dentro, desde abrir conta até fazer depois a contabilidade no final do dia. Porque comecei trabalhando só das 11 e 15 até o final da tarde, até às 18 horas, mas depois eu passei a trabalhar o dia inteiro. Eu fiz de tudo lá dentro, secretariei o gerente. BUSCA POR INDEPENDÊNCIA Quando passei para o Banco do Brasil, quando eles me chamaram, eu fui chamada para ir para São Paulo, até adorei. Por quê? Porque eu estava com dor de cotovelo de um namorado, estava querendo sair do Rio de qualquer maneira, porque eu trombava com ele sempre. Ele morava perto e era meu amigo também, anteriormente ao namoro. Então, eu queria sair do Rio e também queria independência em relação à minha família, principalmente em relação às rédeas que a minha mãe queria me impor. Nessa época, eu já tinha 21 anos, então digo: “Eu vou para São Paulo, eu vou para Campinas.” Mas o santo da minha mãe foi tão forte que, quando eu fui pegar a carta de apresentação para ir para Campinas, eles falaram: “Não, você está nessa leva dos 17 que vieram para o Rio, você vai para a agência Centro do Rio.” Puxa vida, mas que coisa Minha mãe amou: “Ai, que maravilha, minha filha vai ficar no Rio mesmo” E eu: “Ai, que saco Puxa vida, já tenho 21 anos e a minha mãe quer saber para onde eu vou, para onde eu não vou, o que eu vou fazer com o dinheiro.” Ela queria gerenciar o meu dinheiro, eu achava que não estava mais na idade disso. Aí eu fui para o Banco do Brasil. CONFLITO DE GERAÇÔES Na época da faculdade, eu era uma pessoa que, realmente, não tinha compromisso com a vida, era mais despojada ainda, nessa época é que eu andava largada mesmo. Minha mãe – acho que eu fiz de propósito – fez um curso de depilação e virou depiladora. E eu, na faculdade, entrei em contato com o pessoal neo-hippie, as meninas deixavam o cabelo do braço crescer, ficava aquela floresta amazônica, o cabelo das pernas também. Era bacana, os meninos achavam bonito, aqueles “bichos-grilos” da biologia da UFRJ, até hoje tem uma galera meio assim lá. Eu sei que tem, porque até o ano passado eu fiz curso lá, fiz mestrado. Então, eu passava pelo mesmo corredor e dava até nervoso. Depois eu acostumei, mas a princípio eu dizia: “Gente, não mudou nada disso aqui Fui eu que envelheci, mas está tudo igual.” Então, eu deixei crescer. Minha mãe morreu, coitada. “Ai, minha filha, pelo amor de Deus, está horrível isso Olha só, dá para fazer trancinha.” Umas partes eu pintei de louro, mas na axila não. Eu me lembro que eu comprei camisetas Hering bem cavadas e eu fazia questão de dar tchau, mostrando. É coisa que a gente diz: “Meu Deus, eu fui assim.” E chinelo havaiana. O meu pai seguia a minha mãe, mas também não me desagradava, ele não falava nada. Ele ficava em cima do muro para não me desagradar e assim também não desagradava a mamãe. Até me lembro que a mamãe ficava assim: “Mas você, Antonio, não impõe as coisas aqui em casa, eu que tenho que falar, por isso que elas acham você uma gracinha, bonzinho, eu é que sou a megera da casa.” A minha mãe penou, porque aí eu não penteava mais o cabelo. O cabelo eu lavava, tomava banho, botava desodorante, não era o “bicho-grilo” radical. Mas o cabelo eu deixava como estava no vento e meu cabelo é ondulado, quer dizer, é liso até uma certa parte, depois ele começa a ficar ondulado. Então, ficava aquela coisa meio assim. NAMOROS Me apaixonava pelos meninos, quanto mais cabeludo melhor. Minha mãe olhava: “Meu Deus do céu” E tinha um rapaz, um amigo meu, que foi do Colégio de Aplicação, que a mãe dele cismava que eu tinha que namorar com ele. Nós éramos amicíssimos, não tinha nada a ver com namoro, ali não ia dar namoro nunca. E a mulher cismava que eu tinha que namorar com ele. Aí ele foi para Campinas, foi fazer o curso dele lá. E veio uma vez de férias e trouxe um “bicho-grilo” lindo de São Paulo, um paulista lindo, um paulistano, não sei. Mas, enfim, um rapaz com cabelo grande – do jeito que eu gostava – todo moreno, bonitinho. Aí eu comecei a namorar ele. Essa senhora, mãe do meu amigo, fez o favor de ligar para a minha mãe e dizer horrores desse rapaz: “A senhora não sabe com quem a sua filha está lidando. Esse rapaz é um andarilho, ele não tem paragem, ele veio para cá com uma mochila nas costas.” A minha mãe tomou ojeriza pelo garoto. Quando ele ia me visitar lá em casa, no tempo que ele ficou aqui no Rio, minha mãe nem fazia almoço, eu passava a maior vergonha. Aí ele não comia, eu era obrigada a sair. Mas, enfim, namorei com ele, depois eu fui a São Paulo visitar ele. Minha mãe falou: “Eu não vou te dar dinheiro, não vou, não tenho dinheiro.” Aí eu dei aula particular de matemática e peguei a grana, comprei a passagem e fui, fiquei lá na república de estudantes, onde ele morava. E foi assim. FESTA DE DESPEDIDA Então, voltando à questão dos concursos, fui para o Banco do Brasil, agência Centro, era na Rua Primeiro de Março, onde é o CCBB hoje, um prédio muito bonito até. Engraçado que eu saí da Caixa Econômica – não sei quanto tempo depois, não sei se tive férias ou emendei, não me lembro – e aí fui trabalhar no banco, só que eu resolvi dar uma festa de despedida da Caixa Econômica. Chamei os amigos da Caixa, porque eu gostava muito de trabalhar lá. Então chamei os amigos de lá, chamei outras pessoas também e falei: “Gente, olha só, vai ser na casa de uma amiga minha, em Copacabana, ela me emprestou a casa dela, eu não tenho dinheiro para comprar nada de bebida, de comida, então cada um vai ter que trazer alguma coisa. Os rapazes vão trazer aquilo que bebem, aquilo que forem consumir e as meninas tragam alguma coisa para comer. Não tragam penetras, por favor.” Lembro que entrei para o Banco do Brasil no dia nove de agosto de 1982 e essa festa foi dia 14 de agosto. Foi no sábado posterior à minha entrada, eu tinha uma semana de Banco quando eu dei essa festa. A festa foi muito legal, só que um colega meu, que trabalhava na Caixa comigo, resolveu levar um monte de penetra junto com ele, um monte de colegas dele. Nem sei se levaram alguma coisa para comer, para beber, eu sei que levaram um monte de boca lá para comer. Entre esses penetras, havia um rapaz que eu acho que ficou sem graça, não sei direito. Sei que eu olhei para ele, não o conhecia, era amigo desse meu amigo, ele estava com a cabeça um pouco baixa e eu disse: “Mas que homem esquisito, que cara esquisito, meio careca, está aí num canto.” DANÇA Aí esse meu amigo me apresentou e eu disse: “Oi, tudo bem?” E eu fui para a pista dançar, porque o meu negócio era dançar e comemorar. Eu fui criada numa época que não tinha essa coisa bacana que tem hoje, que as meninas chamam os rapazes para dançar, se as meninas querem ficar com alguém, elas dão o toque, “eu quero beijar você”, coisa e tal. Naquela época, não se tomava iniciativa. Eu nunca chamei ninguém para dançar, quanto mais pessoas desconhecidas, de jeito nenhum, isso não estava nos meus registros. Mas eu estava dançando e esse mesmo rapaz que estava com a cabeça meio baixa, eu lembro de ele estar num canto olhando para mim. Aí eu dançava e, de vez em quando, dava de cara com ele. Eu acho que estava no meu lugar dançando, quando olhei para ele e fiz assim para ele. Eu nem achei ele grandes coisas. Eu acho que fiz aquele sinal para convidar a galera para vir dançar. Eu me lembro de ter feito assim para ele, aí ele veio satisfeito, dançou o tempo todo. Eu juro que não tinha segundas intenções. Ele dançou o tempo todo comigo e, lá pelas tantas, me deu o nome dele e aí eu dei o meu. Ele confundiu astrologia com astronomia, o que eu achei péssimo, porque na época eu estava fazendo um curso de astrologia, eu adorava – adoro, acho maior barato astrologia –, fazia curso. Pensei: “Que cara desinformado, astronomia, astrologia, coisas tão diferentes.” Não achei grande coisa, mas ele sabia dançar. Eu digo: “Pô, o cara dança” Subiu no conceito exatamente porque ele sabia dançar e estava com disposição de dançar o tempo todo comigo. Então, falei: “Arrumei um par para dançar e, pelo jeito, ele é colega do meu amigo, ele não vai ficar enchendo o saco, não vai querer ficar me agarrando nem nada, vai dançar, fazer aquilo que eu estou a fim de fazer também.” Enfim, acabou a festa e esse homem hoje em dia é o meu marido. Hoje em dia não, há 21 anos. Um ano depois a gente casou. NOIVADO Foi tão engraçado, foi uma coisa tão diferente daquilo tudo que eu já tinha vivido anteriormente. Primeiro que antes eu não namorei ninguém que não tivesse conhecido previamente, porque eu era tímida, então eu tinha que conhecer o rapaz. Tinha que saber qual era a dele, tinha que ver se tinha papo, se não tinha. E o Ricardo eu conheci naquele momento, dançamos juntos, ele me respeitou para caramba – e tinha mais é que me respeitar mesmo, porque ele estava de penetra na minha festa, ele tinha mais é que se comportar. Conversou comigo, deu lá a mancada da astronomia, astrologia, mas tudo bem, ele sabia dançar, achei ótimo. E dali a gente se despediu, ele ainda me perguntou – porque estava uma bagunça na casa da minha amiga – se eu queria ajuda, até falei: “ah, quero sim” Cadê a ajuda? Estou esperando a ajuda até hoje, não voltou para me ajudar. Mas na semana seguinte a gente já saiu como namorado. Vai explicar essas coisas, não é? Se eu fosse planejar, não seria nada assim. Apesar dele ser uma pessoa superatraente, do contrário eu não tinha casado, ele confundiu astrologia com astronomia. Mas é uma pessoa muito querida, muito meu amigo, ele é dez. Mas, se eu fosse, naquele momento, planejar ou então adivinhar com quem eu iria casar, provavelmente eu pensaria que seria com um amigo mesmo, ou então com uma pessoa que eu conhecesse, nunca assim de cara já. Quatro meses depois que a gente começou a namorar, ele - foi ele, se ele disser que não foi, está mentindo - cismou de ficar noivo. Eu achava uma cafonice esse negócio de ficar noivo, não era da minha geração, vamos dizer assim. Mas ele cismou: “não, vamos ficar noivos”, quatro meses depois de começarmos o namoro. Um ano depois a gente casou. PRIMEIRO DESENTENDIMENTO Teve noivado. A minha mãe tinha que aprovar, porque senão não dava. Maria da Glória não podia deixar de aprovar. Mas ele pisou na bola no início. Por quê? A gente saiu na semana seguinte. Eu nunca fui muito de ficar enchendo a bola de homem não. Ficava sempre na minha – essa lição eu aprendi direitinho com a minha mãe. Então, eu não era de ficar ligando para ele, eu queria que ele ligasse se ele quisesse e tivesse interesse. E ele ligou para mim na segunda semana de namoro, para combinarmos de sair. “Tudo bem, vamos sair a tal hora, no sábado.” “Está bom.” Aí eu me vesti no fim da tarde de sábado e fiquei esperando. Eu acho que ele ia passar umas sete horas na minha casa. Sete, oito, nove, 10 e eu feito uma pateta lá na sala arrumada. Pronto, fechou o tempo Minha mãe: “Esse cara não presta, hein Olha, não me traga mais este homem aqui, porque este rapaz não está bem intencionado com você. Pode descartar.” Me encheu o saco. Falei: “Pelo amor de Deus, eu é que não quero mais saber desse garoto. O que é isso? Que falta de consideração” Aí, larguei para lá, fui levando a minha semana e não liguei para ele. Aí eu combinei com uma amiga de no final da semana seguinte fazer alguma coisa na casa dela, um churrasco, e risquei mesmo ele do meu caderno. Ele, na quarta ou na quinta-feira, ligou para mim, todo triste: “Por que você não ligou para mim? Puxa vida” Aí eu dei a maior bronca, foi aquela bronca para colocar os pingos nos “is” logo de cara. Aí eu falei: “Olha, assim não dá não, comigo não dá, meu filho. Se quiser ficar comigo, eu sou filha de Maria da Glória, ela me chateou e ela tem toda razão, porque você marcou para vir me pegar aqui na minha casa e eu fiquei prontinha e você não apareceu. Então, para mim, você não tem um pingo de interesse e você fica na tua que eu fico na minha, eu tenho outra coisa para fazer.” Ele ficou super chateado, porque eu botei outro compromisso. Enfim, depois disso nunca mais aconteceu, ele praticamente morava na minha casa. Porque ele morava, na verdade, com os pais em Vista Alegre, que era longe do centro da Cidade. A Braspetro existia nessa época e era bem próxima da Rua Primeiro de Março, que era onde eu trabalhava. Ele pegava ônibus bem cheio para ir para casa dele, então a gente fazia o seguinte: a gente se via de segunda a segunda, de domingo a domingo, a gente nunca mais parou de se ver. MARIDO E A SOGRA Talvez por isso a coisa tenha andado tão rápido, porque – não sei por que cargas d’água – ele caiu nas graças da minha mãe. Não sei se foi o sorriso, porque a minha mãe acha o sorriso dele muito bonito, e realmente é, mas ela fica encantada. Na verdade, o que aconteceu? Ele virou o filho mais velho da minha mãe, a minha mãe é apaixonada pelo meu marido. Ai de mim se um dia eu quisesse me separar desse homem, eu acho que eu perdia a mãe junto. Eu digo até que eu tenho duas sogras, a mãe dele e a minha mãe. Eu acho até bacana isso, eu finjo para ela que estou com ciúmes, que ela gosta mais dele do que de mim, mas eu acho muito bonito isso, quer dizer, ele merece esse tipo de carinho, porque ele é um genro muito bacana para os meus pais. É muito atencioso e me ajuda a cuidar dos meus pais, apesar dos meus pais, graças a Deus, terem saúde, estarem bem inteiros e não quererem nem que eu me meta muito na vida deles. Mas a gente está sempre por perto e o meu marido me ajuda muito, a minha mãe é apaixonada por ele. Mas, voltando à questão do quanto a gente se via, a gente fazia assim: um dia ele ia dormir na minha casa – ele dormia na sala, com o cachorro – e eu dormia no meu quarto. E no dia seguinte a gente ia até Vista Alegre, eu dormia com o irmãozinho dele de oito anos. Quer dizer, não tinha essa coisa de dentro de casa dormirem juntos, nada disso. Não foi há muito tempo não, mas não tinha isso. PROFISSÃO DO RICARDO O Ricardo já era funcionário da Braspetro. Ele tinha se formado no mesmo ano que eu, no final de 1981, em contabilidade. Ele já estava trabalhando na Petrobras, em uma subsidiária, a Braspetro. CASAMENTO Quatro meses depois de nos conhecermos, ele cismou que queria botar uma aliança no meu dedo, aí ele foi me dobrando e conseguiu. Um ano depois, a gente se casou. Você tem que conhecer a minha mãe. Meu Deus Nessa época, eu era a primeira filha casando. Mas foi ela que casou. Ela ficou em estado de graça. O Ricardo até me falou. Porque, na época, eu já não era mais católica. Como eu falei, eu deixei de ser católica durante o período em que eu estive no Colégio de Aplicação, por causa de tudo que eu aprendi, de tudo que eu questionei. Com 21 anos, eu comecei a ler livros espíritas, me encantei pelo espiritismo e aí, quando eu o conheci, eu já era espírita. De qualquer forma, para mim tanto fazia, eu queria ficar com ele. Se fosse juntando, se fosse casando, não importava, eu queria era ficar com ele. Ele até me falou: “Olha, fica nas suas mãos escolher: ou a gente pode morar junto, e eu serei o seu marido e você minha esposa do mesmo jeito, ou a gente pode casar só no civil ou casar no civil e no religioso, você é que sabe.” Aí eu pensei, olhei para as expectativas da minha mãe e falei: “Não, vamos casar na igreja, uma coisa não pomposa, uma coisa simples, como a gente pode fazer, mas eu acho que ela vai ficar contente.” E realmente ela ficou. Eu acho que ela merecia isso. Ela ensaiava, pegava um molho de couve ou qualquer coisa e ficava ensaiando na sala, aí botava uma música. “Olha, você vai entrar assim na igreja.” Ela curtiu demais, ficou em estado de graça durante um mês. A gente casou na Capela do Palácio Guanabara. É pequenininha, com 50 pessoas já enche o lugar. E foi muito legal o casamento. Por quê? Foi à tarde, quatro horas da tarde. A fotógrafa foi uma grande amiga minha, uma das melhores amigas que eu tenho, a Denise. Quem fez o meu buquê foi a amiga que me emprestou a casa em que eu conheci o Ricardo. Então, foi tudo muito informal. O padre foi recomendado por uma amiga, uma outra amiga que foi madrinha do casamento. Ela freqüentava a paróquia onde ele era padre, então ele foi especialmente para celebrar o nosso casamento. Então, foi um casamento muito alegre. Foi muito bacana. VIDA DE CASADA A gente foi morar seis meses com a minha sogra, porque o apartamento que a gente comprou não ficou pronto. Eu o conheci em 1982 e a gente casou em novembro de 1983. O apartamento não estava pronto ainda, apesar de a gente ter comprado. A gente fez uma prestação e comprou, juntou lá os contracheques e conseguimos comprar. Então, morei seis meses com a minha sogra. Minha sogra me tratava assim: melhor impossível. Com bandejinha no quarto. No quarto que foi dele, a gente botou uma cama de casal e ficamos seis meses lá. O nosso apartamento era no Estácio, perto da casa da minha mãe, porque eu não era boba de ficar longe da minha mãe. Ela me ajudou muito mesmo. Para falar a verdade, eu não sei se foi uma coisa premeditada, pensada, eu não sou pessoa de ficar pensando muito, as coisas vão acontecendo. E, geralmente, quando eu penso muito não acontece nada do jeito que planejei. Até que é bom que não aconteça mesmo, porque tem muitas coisas que acontecem repentinamente que são excelentes para mim e que eu jamais pensaria daquela maneira e acontecem de forma positiva. Então, fui morar no Estácio, a gente se mudou seis meses depois para esse apartamento. É o apartamento onde hoje os meus pais moram. Era um apartamento para um casal: uma sala, dois quartos, cozinha, apartamento novinho. Eu trabalhava, o Ricardo também trabalhava fora, e a gente foi comprando as coisas aos poucos: telefone, eletrodomésticos, alguns eu comprei antes do casamento, mas nem tudo deu para comprar antes do casamento. Aí a gente foi montando a casa aos poucos e a casa a gente monta até hoje, é uma coisa impressionante. Eu acho muito legal as pessoas que, com pouco dinheiro, fazem milagre. Não é o meu caso. Eu não sei fazer milagre com dinheiro. Não sei administrar. Sorte do meu marido, porque essas coisas ficam mais na mão dele. E tem um amigo dele que fala – ele vai ficar chateado comigo por causa disso, mas eu acho bacana que ele seja mais controlado – que ele, se entrar dentro de uma piscina com um sonrisal na mão, o sonrisal vai ficar intacto dentro da mão dele. ESTABILIDADE Eu realmente sou uma destrambelhada. Pensando bem, eu nunca fui de pensar muito nessa coisa financeira. Não que a gente não precise, a gente precisa pensar sempre. Quem tem e quem não tem deve sempre pensar em administrar bem o que tem. Eu nunca pensei. Eu gostava que o meu emprego fosse seguro, para dar uma segurança para a família, mas nunca pensei que seria ótimo estar no Banco do Brasil e ter casado com uma pessoa que estivesse trabalhando na Braspetro. Isso nunca me passou pela cabeça. Mas o Ricardo, nesse ponto, é muito diferente de mim. Ele é contador, não é à toa, é uma pessoa que tem uma noção da realidade impressionante, é uma pessoa pragmática, ele vê o lado prático da vida, ele dá soluções bem rápidas para as coisas, para as questões. Então, logo de cara, nós entramos num financiamento ainda noivos, e essa parte administrativa das finanças do casal ficou sempre na mão dele por puro desinteresse da minha parte. Realmente, não é a minha praia. FILHOS O primeiro filho foi muito engraçado. Eu tenho duas tabelinhas na minha casa, uma se chama Leonardo, outra se chama Natália. Não estavam nos nossos planos, mas foram duas alegrias, eu fiquei muito contente, nós dois, nas duas vezes e fomos muito rápidos. Por quê? Eu o conheci em 1982, em 1983 a gente casou, em 1984 eu fiquei grávida, em 1985 eu tive o primeiro filho, em 1986 eu tive minha filha. Então, de 1983 para 1986, nós já tínhamos a nossa família montada. Nesse ponto, a gente não planejou. Eu tenho um cunhado que casou, aí primeiro ele morou num apartamento pequenininho, terminou de estudar, ela terminou de estudar, eles foram para um apartamento maior, aí eles ficaram grávidos. Quer dizer, foi uma coisa super planejada. Eu acho bacana isso. Mas com a gente nunca funcionou assim, foi indo, foi indo. Então, assim que a gente pôs os pés no nosso apartamento, saídos da casa da minha sogra, no mês seguinte eu engravidei do meu filho. E quando eu fiquei grávida, eu sabia que estava grávida. Mas não me pergunta como, por qu, de que maneira. Eu fui trabalhar, comecei a me sentir mal, fiquei tonta no trabalho, aí desmaiei. E como o Ricardo trabalhava lá na esquina, chamaram ele. Me levaram no departamento médico do Banco do Brasil, eu me lembro do médico me falar assim: “Vou te dar uma injeção de glicose.” Eu falei: “Não, porque eu posso estar grávida.” Aí ele falou assim: “Há quanto tempo você não menstrua?” Eu falei: “Não, eu estou esperando a menstruação para domingo agora.” Ele disse: “Como? Você está esperando a menstruação para esse domingo agora, não tem nenhum atraso e você diz que pode estar grávida?“ Falei: “Eu posso estar grávida.” Aí ele disse: “Vou te dar a injeção, de qualquer forma não teria problema nenhum, mas eu vou te dar a injeção porque grávida você não está.” Aí me deu a injeção e não é que eu estava grávida mesmo Um mês depois, sei lá quanto tempo depois, vi que estava grávida do meu primeiro filho, que nasceu dia 18 de março de 1985. O Leonardo vai fazer 20 anos agora, no dia 18 de março, acabou de passar para a UFRJ, Artes Plásticas. A Natália tem 18, vai fazer 19 esse ano, ela está na Uerj, fazendo jornalismo. PARTO Aí nasceu o Leonardo. Para o Leonardo, eu me preparei. Eu não comia carne, passei mais de 15 anos sem colocar uma carne vermelha na boca. Comia arroz integral – é uma boa influência daquela época de “hipponga”, lá da faculdade. Eu era toda “natureba” e filha de Maria da Glória também domina dentro de casa. Então, na minha casa tem que ser arroz integral, tem que ser panela de barro ou panela de ferro, tem que ser assado. Eu enchia o Ricardo de complementos vitamínicos para ele ficar forte. O parto foi normal. Eu sou muito apavorada com negócio de dor, muito. Mas, para vocês verem como a coisa era séria, como eu tinha boa intenção e era uma coisa filosófica mesmo, filosofia de vida, eu me preparei para um parto normal, mesmo sabendo que o parto normal – todo mundo diz – é de arrancar os cabelos. Eu me preparei com uma pessoa que me ensinou aquelas respirações todas, os exercícios, e ele nasceu de parto normal. Eu tomei peridural, anestesia e a sensação que eu tive era como uma cólica menstrual um pouco mais forte. Eu fiquei com até sete centímetros de dilatação sentindo cólicas. Claro, doeu, mas não era aquela coisa que me contaram. Achei super válido, gostei da experiência, achei bacana. Eu me lembro de estar no hospital ainda e não sei para quem eu falei isso: “Ano que vem, eu vou ter filho de novo.” Mas não é assim: ano que vem quero ter filho. Eu falei: “Ano que vem eu vou ter filho.” Era uma sensação que saía não sei de onde: “Eu sei que eu vou voltar aqui”. TRANSFERÊNCIA PARA ANGOLA Se fosse hoje, eu não iria de jeito nenhum. Mas eu tinha 26 anos, eu era realmente uma criança, não sabia de nada. Não sabia cozinhar, brincava de casinha com meu filho, porque eu adorei ser mãe, ele era um bebezinho muito doce, lourinho, dormia para caramba, sabia mamar direitinho, não me dava trabalho nenhum. Quando eu comecei o trabalho de parto, eu sabia que o Ricardo estava tendo a entrevista para Angola. Quando o Leonardo fez um mês, menos de um mês, o Ricardo foi para Angola trabalhar e eu fiquei sabendo que eu iria para Angola também. Nessa época, eu trabalhava no banco e já era professora, já exercia a profissão de professora à noite. Eu estava dando aula longe, em Guadalupe; aula de biologia, para o Ensino Médio. Então, ele foi. Eu esperei que o Leonardo tomasse todas as vacinas. Foi há tanto tempo, parece que foi em outra encarnação isso, foi há muito tempo. Eu não sei se ele veio nesse meio tempo, entre o tempo que ele foi e até os seis meses do meu filho, se ele veio no meio do caminho para cá. Eu sei que quando eu fui, o Leonardo, meu filho, tinha seis meses. E aí eu cheguei lá sem saber cozinhar, só sabia fazer arroz, e fui cheia de receitinha. Eu levei uma parte da minha casa para lá. Talvez seja por isso também que eu fui, senão não iria. Levei um monte de livros que eu nem li, tive que trazer de volta, mas levei muita coisa, levei para lá uma parte do que era importante para mim. Pedi licença do meu trabalho aqui e fui para lá. Em Angola, eu fiquei muito em casa porque meu filho era um bebê. Eu fui para Luanda. Uma cidade arrasada pela guerra de anos e anos, ainda tinha a ocupação dos rebeldes, tinha o governo socialista e a direita estava na clandestinidade. Então, eles tinham toque de recolher às 11 horas e você não podia mais sair de casa. A gente foi morar num prédio de vários andares. No andar onde a gente morava, havia outras famílias de funcionários da Petrobras. Então, eu convivi, desde que eu cheguei lá, com pessoas, com famílias de funcionários. Eu não as conhecia antes. Eu só conhecia uma família, que era a família do Silveira, a esposa e, na época, ela tinha duas filhas. A filha mais velha foi minha dama de casamento. Então, a gente conhecia bem essa família, são nossos amigos até hoje. Mas fiquei conhecendo os outros lá. TRABALHO EM ANGOLA Lá o Ricardo continuou trabalhando na parte de contabilidade. O Ricardo não é muito de conversar essas coisas comigo, porque ele sabe o que eu penso, eu sempre digo não, eu sempre falo: “Não quero ir, não vou, não tem nada a ver comigo.” E aí ele vai fazendo as coisas na surdina e, quando eu vejo, já está lá. Ele foi trabalhar lá na Braspetro – tinha Braspetro e Brasoil –, no setor de contabilidade da Braspetro. Trabalhava muito lá. E eu ficava basicamente dentro de casa, cuidando do meu filho, cuidando da casa. CONVÍVIO COM AS PESSOAS As mulheres, na época, tinham filhos mais velhos do que o meu, então elas tinham mais oportunidade de saírem juntas, de terem uma vida comunitária mais chegada. Elas eram bem chegadas. Só tinha uma a quem eu fiquei muito chegada, ela era minha vizinha de parede e ela ficou grávida quando eu também fiquei grávida. E ela era mais ou menos da minha idade, mais nova um pouco do que eu. Só que ela ficou lá muito pouco tempo, eu acredito que a gente teria se dado muito bem, eu teria gostado muito se ficasse mais tempo lá. Eu fiquei muito isolada no período de Angola. Mas não foi ruim, porque eu estava com um bebezinho, eu pude curtir o meu filho. Se eu continuasse no Brasil, na verdade, eu estaria trabalhando, deixaria ele na creche, eu não teria tanta influência sobre ele, sobre a educação dele, não teria curtido tanto quanto aconteceu, porque eu fiquei lá só por conta da casa, dele e do meu marido. SEGUNDA GRAVIDEZ Quando o meu filho estava com oito meses, eu engravidei de novo. Quer dizer, eu tinha dois meses de Angola. Acho que foi a saudade, então eu engravidei. Eu não enjoei do meu filho, mas da minha filha eu enjoei, enjoei bastante da angolaninha. Bastante não, para falar a verdade, fiquei enjoadinha. Naquela época, eu não me assustava com nada. Hoje eu sou uma pessoa mais assustada, mas naquela época as coisas aconteciam e pronto. Fiquei grávida lá, não fiz pré-natal simplesmente e, quando vim, eu já tinha oito meses de gravidez. É até proibido viajar com oito meses de gravidez. Mas eu dei um jeitinho de ficar o máximo possível lá, porque sabia que vinha para cá e que tinha que ficar longe do Ricardo. Eu vim com o meu neném e grávida, sozinha. Quer dizer, eu vim com uma família, com ele pequenininho e com uma família de funcionários da Braspetro, que também vivia lá. Cheguei aqui no Rio, fui procurar um médico, eu estava 20 quilos mais gorda, porque lá eu só mandava ver. Não me pesava, não tive pré-natal nenhum. COMIDA A comida quem fazia era eu. Eu estranhei a minha comida a princípio, porque não era igual à comida da minha mãe de jeito nenhum, mas eu aprendi a cozinhar lá. Era muito difícil achar as coisas que eu queria. Havia os mercados para estrangeiros. O povo em si era muito pobre, não tinha acesso às coisas que a gente tinha. Mas, mesmo nos supermercados que a gente ia, a gente não encontrava as coisas todas que estávamos acostumados. Então, de vez em quando, vinham uns malotezinhos com feijão de presente, feijão preto, porque já viu carioca viver sem feijão preto? Pelos menos lá em casa, eu fui criada com feijão preto, o Ricardo também e feijão quebra um galho danado. A gente faz arroz, feijão, uma carne qualquer, um legume, pronto. Já fez a refeição, não precisa se preocupar com mais nada. Então, vinha o feijão e eu acho que o café também. Mas eu não gostava muito de café. Aprendi a cozinhar mesmo lá. MALÁRIA Lá, o mosquito da malária é um habitante da cidade tal qual o homem, o ser humano. Então, é muito fácil a pessoa pegar malária lá, é só ser picado pelo mosquito. O meu filho, com um ano e um mês, teve malária. Eu já estava grávida, foi o maior sufoco. Até porque a febre dele piorava à noite e a gente não podia sair porque tinha o toque de recolher. Então, de noite, o médico brasileiro – meu marido me falou que ele está lá até hoje – foi lá em casa atender. Eu me lembro que foi um sufoco mesmo. Eu e Ricardo nos revezávamos para colocar compressas de álcool para a febre baixar e ele tomou quinino. Mas, quando eu cheguei aqui, antes da minha filha nascer, eu fui fazer uma série de exames com ele e o fígado dele estava bom, não tinha dado nenhuma seqüela, ele resistiu bem, graças a Deus. SEGUNDO PARTO Eu tive a Natália aqui. Fiquei na casa da minha sogra. A minha sogra é uma pessoa mais calma que a minha mãe – minha mãe é mais agitadinha. Então, eu achava que eu ia ficar melhor lá, porque estava com uma criança pequenininha. Eu fiquei algumas vezes na casa da minha mãe, mas também a minha mãe cuidava da mãe dela, da minha avó, que na época ficava só na cama, fazia tudo na cama, minha mãe dava banho nela na cama, era um trabalho muito grande que a minha mãe tinha. Então, eu achei melhor ficar na casa da minha sogra. Aí, quando estava para nascer, o Ricardo veio, assistiu ao nascimento, passou as férias aqui de um mês, logo depois ele foi embora. Aí eu também fiquei aqui, da mesma forma que a primeira vez, para ela tomar as primeiras vacinas e depois voltei com os dois. VOLTA PARA ANGOLA Acho que fiquei mais um ano em Angola depois que minha filha nasceu, foram dois anos no total. Eu sei que voltei em 1987, o meu filho tinha dois anos e a minha filha estava com um aninho. Foi muito bom nesse sentido, a despeito de todos os sufocos que a gente passou lá – essa coisa do embargo, da malária do Leonardo, a gente tinha que trancar as janelas e as portas por causa dos mosquitos, de eu ter ficado muito em casa. Eu quase não tinha muito contato com as pessoas, eles se mudaram, aquelas famílias que estavam no andar se mudaram para uma vila residencial. Nós não nos mudamos, não houve casa para a gente lá, a gente ficou nesse apartamento. Aí fiquei mais sozinha ainda, porque só tinha estrangeiros ali, não havia mais gente brasileira e eu fiquei muito em casa. Mas para mim não seria diferente mesmo, porque eu estava com dois bebês. E eu não me lembro de nenhum sufoco, de ter passado com eles, os dois pequenos, nenhuma situação. Houve um dia em que eu estava grávida ainda e tinha uma moça que passava minha roupa duas vezes por semana. Ela era uma senhora angolana, forte para caramba, tinha muitos filhos e carregava as crianças com um lençol amarrado. Então, ela carregou o Leonardo, botou meu filho amarrado e, depois que a minha filha nasceu, ela carregou também. Eu tenho até fotos da Natália pequenininha, parecendo uma trouxinha, toda encolhidinha. E ficava o dia inteiro ali, ela fazendo as coisas e a menina ali. Teve um dia que houve uma ameaça de incêndio no prédio e o elevador parou. Eu estava dormindo com meu filho, ela me acordou. Ela o pegou no colo e saímos descendo as escadas a pé, porque houve um boato de que o prédio estava sendo incendiado. Na verdade, foi uma pessoa que deixou uma panela de pressão funcionando e esqueceu lá no fogo. A panela de pressão estourou, deu aquele estrondo e as pessoas pensaram que o prédio estava em chamas. Graças a Deus, não foi nada demais. MUDANÇA PARA LÍBIA Moramos também na Líbia. Lá foi mais difícil, muito mais difícil para eu ir, porque aí eu já estava com meus filhos aqui, tinha voltado a trabalhar, tinha deixado de trabalhar no Banco do Brasil, fiz demissão voluntária e estava só no magistério. Eu tinha duas matrículas no Estado, dava aula em duas escolas da rede estadual de educação. Aí o Ricardo veio com essa história da gente ir para a Líbia. E eu estava querendo estudar, estava querendo fazer mestrado e falei: “Ah, não vou, não vou mesmo. Você vai indo.” Primeiro, eu lutei muito para a gente não ir, eu nunca queria sair do país. Porque é complicado para a mulher que tem objetivos profissionais, além de ser dona de casa e de ter uma família. Então, eu tinha os meus sonhos, os meus objetivos. E tinha meu trabalho, claro, apesar de ter direito de pedir licença. Eu sabia que não ia perder o meu lugar. Mas o que eu queria era continuar com a vida do jeito que estava, estava tudo bom, tudo ótimo, meus filhos estavam aqui, pequenos ainda. Então, eu falei: “Não vou de jeito nenhum” Eu me lembro que foram discussões sérias. Ele até foi meio chateado comigo e eu com ele também. “Poxa, ele vai me levar lá para a Líbia. Não quero ir.” Aí ele foi e eu fiquei. Até porque eu tinha feito concurso para o Colégio Pedro II, que era uma coisa que eu queria. Eu queria muito dar aula lá no Colégio Pedro II e passei, fiquei esperando ser chamada. Fiquei doida: “Ah, meu Deus, se eu for chamada, aí é mais uma desculpa para eu não ir. Eu vou dizer para ele: olha, eu fui chamada para esse emprego, é um emprego melhor, é um emprego federal, funcionário público, é um emprego seguro, é no magistério, é o que eu quero. Eu vou ficar.” Mas não consegui ser chamada a tempo. Do tempo em que ele foi até eu ir para a Líbia, se passaram oito meses. Ele veio duas vezes aqui me buscar, mas eu: “Não, ainda não vou.” Eu acho que ele se sentiu sozinho lá, eu senti falta dele aqui, claro. Mas eu estava bem, meu pai, minha mãe, minha sogra, meu sogro, a família toda dando suporte, eu trabalhando e dando atenção aos meninos, então enquanto eu pude ficar aqui, eu fiquei. Mas aí chegou uma hora que a gente tinha que decidir mesmo, porque senão não tinha sentido, os meninos ficarem longe do pai. A gente estava casado e ele estava lá longe e sem contato com os meninos. Aí eu acabei indo, pedi licença dos empregos e fui embora com ele. DIFERENÇAS CULTURAIS A Líbia foi muito diferente de Angola. Angola é parecido com a gente, a língua é a mesma, os costumes são os mesmos, parecia que eu estava em bairros do Rio de Janeiro. Eles, os angolanos, adoram os brasileiros, a gente falava que era brasileiro e eles adoravam saber, gostavam de futebol e até passavam novelas, uma atrás da outra, nas televisões de lá. Estava passando Roque Santeiro na época em que eu estava lá em Angola. Na Líbia, era outra cultura, bem diferente da nossa. A princípio, quando eu cheguei lá, tudo era festa. Eu sou muito interessada pelos aspectos culturais e achei tudo muito bacana, aquelas mulheres todas cobertas, vestidas. Aí, dá um mês, dois meses, no terceiro mês eu já ficava nervosa. Se eu fechasse o olho, eu me sentia como aquela pantera negra, no Jardim Zoológico aqui do Rio de Janeiro, que fica para lá e para cá, se batendo na jaula. Mas a casa era muito boa, era uma vila residencial muito grande, eu estava bem instalada, os meus filhos adoravam. EDUCAÇÃO DOS FILHOS Eles estudavam na Escola Canadense, minha filha foi alfabetizada em inglês e português. Eu alfabetizei ela em casa e ela foi alfabetizada em inglês na escola. Tanto que ela não tem sotaque, tem fluência em inglês, mais até do que o meu filho, que é um ano mais velho que ela. Mas ele já é mais retraído, não era muito de falar. Então, eles estudavam na Escola Canadense. Aí eu tive mais contato com as mulheres dos funcionários, as esposas, até porque os nossos filhos tinham mais ou menos a mesma idade. E eu, apesar de dirigir aqui no Brasil, lá na Líbia eu não dirigia, tinha pavor de dirigir lá. Porque os líbios eram “tantãs” para dirigir, não tinham nenhum senso de perigo, de nada, abriam a porta de repente, se o carro passasse e levasse a porta, tudo bem. Faziam o que a gente chama de “barbeiragem”. Então, eu tinha medo e não ia. Eu sempre ia fazer compras com outras duas. Eu fiquei muito chegada, muito amiga de duas esposas de funcionários. EXPERIÊNCIAS NO EXTERIOR Foram muito importantes as experiências na Líbia e em Angola, principalmente para estreitar os laços familiares. Se eu tenho um casamento, do qual a gente gosta muito e que nos satisfaz, eu acho que foi muito em função dessas vivências no exterior, em países em que a gente acaba dependendo um do outro, porque são países que têm uma cultura muito diversa da nossa e dificuldades materiais muito grandes também. E a comunidade brasileira é muito chegada também nesses lugares. Mas ainda assim, o núcleo familiar acaba estreitando os laços. Foi muito bacana a gente conviver lá. Passamos três anos e meio. Quer dizer, na verdade, o Ricardo passou três anos e meio, eu passei três anos. O Ricardo diz que não foram três anos, porque de seis em seis meses a gente tinha férias. Mas, no quarto mês, eu já não estava mais agüentando. Na verdade, a gente não vinha de seis em seis meses, porque a gente aproveitava para viajar. Mas acho que eu acabava vindo de seis em seis meses, confesso. Porque, no final da viagem, eu sempre passava por aqui. Mas a gente viajou muito, conhecemos alguns lugares da Europa. Nesse sentido, foi uma experiência inesquecível. NOVOS PLANOS Possibilidades novas sempre tem, ele vem sempre com umas histórias lá para casa. Mas eu voltei da Líbia em 1995 e, dali para cá, eu não parei de estudar. Vocês estão gravando, vai ficar até chato para eu dizer isso. Eu gosto muito de estudar, mas eu falei: “Não, vou ter que estudar para ter uma desculpa muito forte para ficar aqui no Brasil. Agora é minha vez.” Então, em 1995, eu vim seis meses antes dele, porque era o período de matrícula dos meninos aqui no Brasil, eu não queria prejudicá-los. Porque, se eu viesse junto com ele, ia ser no meio do ano, ia prejudicar a escolaridade dos meus filhos. Então, vim em janeiro, os matriculei na escola, fiquei com eles seis meses aqui sozinha, depois o Ricardo voltou. A partir de 1996, eu primeiro fiz docência superior, lato sensu, numa faculdade particular. Dois anos depois, eu fiz especialização em ensino de ciências na UFF, por dois anos também. Escrevi uma monografia, defendi e, no ano seguinte à defesa da monografia, eu fiz concurso para mestrado na UFRJ e passei. Terminei agora, defendi dia primeiro de fevereiro. Por enquanto, não penso em doutorado. Meus pais – eu falo isso para o Ricardo e é uma coisa séria – me ajudaram muito, muito mesmo, me ajudam até hoje. Aqui no Rio, de família, eles só têm a nós. Meu pai está com 75 para 76 anos, minha mãe tem 70 anos. Eles estão ótimos, fazem de tudo, só não fazem o que não querem fazer. Mas eu fico preocupada, não é igual. Com os filhos, é quase como se a gente botasse eles embaixo do braço, na asa da gente, e quando eles são pequenos a gente vai com eles, faz qualquer coisa. A gente pensa que vai ser onipresente e vai ser poderoso, que vai impedir que todos os males aconteçam com eles. Mas, em relação aos meus pais, eu não gostaria de sair agora do Brasil, só se fosse para levar eles também. E que fosse para um lugar em que a assistência médica fosse boa. Aí talvez eu fosse. Mas eu teria que ter alguma coisa lá para eu fazer. Porque eu não tenho mais filho pequeno. TRABALHO NO EDISE O Ricardo hoje está trabalhando no Edise, mas na Petrobras Internacional. Ele gosta, tem uma asinha, doido para viajar de novo. E as coisas sempre acontecem, eu já posso dizer, já posso generalizar que, quando ele está lá fora, embola todo o meio de campo aqui. PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS É muito agradável a gente relembrar dessa trajetória. A minha trajetória de vida já se confunde muito com a do Ricardo, porque a gente tem um casamento de mais de 20 anos e estamos sempre muito juntos. Apesar de sermos muito diferentes, de ele ter o trabalho dele e eu ter o meu, a gente interpenetra a vida um do outro. Então, eu gostei muito de lembrar de tudo isso, porque mesmo as coisas mais difíceis já foram ultrapassadas. E se eu tenho um casamento, que é uma coisa muito importante – eu não vejo a vida sem ele, sem a família que a gente constituiu –, é muito em função da própria realidade do trabalho da Petrobras Internacional, pela possibilidade da gente ter saído e de ter se virado sozinho lá fora. Foi uma prova de fogo. Tanto foi que, da segunda vez, eu já fiquei bastante reticente de ir embora, de ir para lá, porque a gente lá se vê no inesperado, completamente inesperado em todos os sentidos. Mas foi muito bom. Foi muito, muito bom. Não me arrependo não. Apesar de ter sido difícil essa decisão de ir para lá, não me arrependo mesmo. E foi bom estar aqui também, vocês são muito simpáticos, são muito agradáveis. Bacana, depois eu quero ver como é que ficou o negócio.
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