Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Carolina Pacheco dos Santos
Entrevistada por Rosana Miziaria e Julia Pereira
Rio de Janeiro, 22 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código: MEC_HV032
Transcrito por Francisco Ribeiro Ruiz / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Carolina, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Bom, meu nome é Carolina Pacheco dos Santos, tenho trinta e dois anos, nasci no dia 15 de fevereiro de 1979.
P/1 – Em que lugar?
R – Ilhéus, Bahia.
P/1 – Seus pais são de Ilhéus, Bahia?
R – Não, minha mãe é de São Paulo e meu pai é da Bahia.
P/1 – E como é que você foi nascer em Ilhéus?
R – É, assim, meu pai é da minha família, meu pai é meu primo. Então eu acho mesmo é negócio de família, minha mãe ficou com o meu pai, aí como a minha família é baiana também, nós íamos muito para lá, a família toda frequenta muito. Então a minha mãe devia estar lá, conheceu meu pai, e lá ficou no período só de dois anos e, ela veio morar aqui no Rio. Ela teve o meu irmão e o segundo filho, e depois abandonou meu pai e veio morar aqui.
P/1 – Mas aí você nasceu lá e veio para cá com dois anos?
R – Com um aninho.
P/1 – Com um aninho?
R – Meu irmão tinha meses quando nós viemos para cá.
P/1 – Ela abandonou seu pai?
R – Ela que abandonou meu pai.
P/1 – Você sabe por quê?
R – Porque meu pai é uma pessoa muito, como é que eu posso dizer, matuta. Ele é uma pessoa muito ignorante, ele é estivador, sem poder assim… é aposentado há muitos e muitos anos e, minha mãe era economista, então tinha um grau bem grande entre os dois, aí não deve ter dado certo. Porque nem eu dei certo com ele, que eu fui morar lá com quinze anos, eu me formei lá, na Bahia também.
P/1 – A sua mãe era formada em Economia?
R – Isso, em Economia.
P/1 – Fez faculdade?
R – Fez faculdade.
P/1 – Ela trabalhava fora lá?
R – Ela lá, bom, pelo que eu, assim, da história da minha mãe, que eu sei, ela era uma pessoa muito conceituada, ela já tinha viajado pra fora, ela sabia Informática, coisa que naquela época era muito difícil. Então assim, o prefeito, as pessoas, ela era muito procurada por causa da inteligência, pelas coisas que ela sabia, entendeu. Uma pessoa muito...
P/1 – Aí vocês mudaram para o Rio?
R – É, aí meus avós moravam aqui, no Rio de Janeiro, aqui já na Providência, meus avós, e tenho três tios que moram aqui também e nós viemos para cá, minha mãe retornou para cá, para a casa dos pais.
P/1 – E aí? Aí vocês cresceram aqui na Providência?
R – Não, assim, nós moramos, minha mãe casou, eu devo ter ficado uns dois, três anos aqui, a minha mãe teve um segundo casamento e nós moramos no Flamengo e no Catete. No Catete, a minha mãe faleceu, aí eu retornei para cá.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Com oito anos.
P/1 – Oito anos?
R – Com oito anos eu retornei para cá.
P/1 – Você foi, foi morar com quem?
R – O meu avô, com os meus avós. Ele pegou a tutela, que no caso, como éramos menores, teríamos que voltar para o meu pai. Mas o meu avô pegou a tutela e ficou responsável por nós.
P/1 – E que imagem que você tem, que lembrança você tem da sua mãe?
R – Assim, uma pessoa fraca, que abandonou três filhos, mas, assim, tenho certeza que o tempo lembra muito bem uma vivência com ela e, uma pessoa muito boa, muito inteligente, mas acho que ela não soube valorizar.
P/1 – Mas fraca, por que é que ela abandonou?
R – Porque a minha mãe se matou, entendeu, a gente morava na cobertura de um prédio no Catete e ela pulou o gradeado que era no décimo primeiro andar. E ela se jogou da janela da lavanderia da casa, onde só tinha um quartinho da empregada e, ela abandonou três filhos. Eu cresci muito assim, homem comigo não tem vez e, daí em diante eu lembro, sempre lembrei muito de toda a minha vida. Porque foi uma coisa que aconteceu que desestruturou a família, entendeu, porque ela era um ponto muito importante na família e, tinha três filhos para criar. Era eu de oito anos, eu de oito, meu irmão que faleceu também há uns anos atrás, de sete anos, ele cresceu com essa revolta dentro dele, então muita coisa ele não fazia certo na vida e, um irmão de um aninho, que hoje está se formando também advogado, graças a Deus, tem vinte e cinco anos. Então estamos aí.
P/1 – Aí você veio morar com seu avô aqui?
R – Aqui na Providência.
P/1 – E como é que era a Providência nessa época que você veio morar, é muito diferente de hoje?
R – Era, eu lembro que eu era uma frescura para descer, era muito barro, era tudo asfaltado aqui, entendeu, mas era muito barro. Era assim, tinha encanação, tudo direitinho, mas eu descia sempre fresca com medo de cair, mas era tranquilo.
P/1 – Que impressão você teve, de você sair de um apartamento e vir morar aqui? Qual foi a sua primeira impressão?
R – É, a diferença eu acho assim, ela fez toda a diferença nas nossas vidas porque ela que proporcionou talvez isso, entendeu, porque o meu pai lá na Bahia também é superbem de vida. E ela trouxe, nós começamos a ter que lutar por uma vida tão pequenos, entendeu, meu avô também é uma pessoa muito matuta, mas assim, ele sempre lutou pela família e criou. Só que meu avô chegou a certo ponto que, com quinze anos, ele não estava me aguentando mais, porque eu sempre fui muito faladeira, muito revoltada, não sei nem a palavra a lhe dizer. Hoje eu trabalho mais isso e, com quinze anos me mandou para a Bahia, ou seja, ele também mudou tudo o que eu já tinha sonhado, estava lutando pela minha vida, ele naquele momento, ele fez com que eu atrasasse, porque eu queria fazer Psicologia, eu já estudava aqui, eu já estava na oitava série, já ia para o primeiro ano. Eu, em nenhum momento, eu tinha pensado em entrar para ser professora, entendeu, eu me transformei, eu estudei o Magistério, no Segundo Grau porque eu cheguei à Bahia e minha madrasta era professora, aí ela me colocou no Magistério e aqui a fazer o técnico mesmo. Já estava com tudo esquematizado, o Segundo Grau, já tinha escolhido o que eu ia fazer e a atitude do meu avô, ele mandou eu e o meu irmão para lá, para a casa do meu pai, com uma pessoa que ele não deixou nos criar pelo fato dele ser uma pessoa ignorante, nunca estudou, meu pai mal fez a terceira série, entendeu, ele bebe muito. E ele mandou a gente, mas já, quinze anos você já tem toda uma desenvoltura, muitos procuram já saber o que querem fazer, ou vão fazer um curso, ou estão na escola normalmente e ele mandou eu e o meu irmão para lá, porque não estava me aguentando.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Com quatro.
P/1 – Já com quatro anos?
R – Quatro anos. Que eu faço aniversário em fevereiro, entrei no início. Realmente, quem faz em março, abril, maio entra com cinco, né.
P/1 – Que lembranças você tem do seu período escolar, assim, descreve ele?
R – Bom, eu lembro das escolas que eu estudei, em colégios particulares, aqui no Rio de Janeiro, na Mabe. Ah, eu lembro que eu sempre fui muito dinâmica, meio serelepe, eu vejo as fotos também, eu estou sempre rindo, fazendo alguma gracinha na sala. Fui uma ótima aluna, eu lembro que no CA, aqui no Francisco da Motta, no Adro, onde eu estudei o Primário, a grande parte do Primário, aqui no CA ia uma de cada vez com a diretora ler uma reportagem de jornal e, aquilo ali era a sua avaliação para você passar o CA, tanto que meu irmão repetiu, que benção ele. Aí, eu lembro que eu li a reportagem todinha e a diretora ficou assim, um de cada vez com a diretora, imagina, é a mesma coisa de hoje você passar de frente com uma pessoa, acho que você é uma postura diferente, a diretora da escola e você ler uma reportagem de jornal para você passar de ano. Tinha seis anos, entendeu, e eu passei, aí todo mundo falou porra, e sem gaguejar nada, eu lembro que ela ficou super assim, todo mundo, as freiras lá da escola, eu lembro que elas sempre falavam da minha saia que eu sempre encurtava. Só que é assim, é uma lembrança muito boa, eu sempre fui uma pessoa muito dinâmica, sempre estudei, eu sempre fui a melhor aluna da sala, em todos os exames da minha vida. Sempre falei com todo mundo, nunca tive confusão na escola, no Segundo Grau eu fiz três anos de representante de turma, a minha professora de História, ela me deixava na sala tomando conta da turma e passando o dever, essas coisas. Sempre fui muito bem na escola, assim, tanto em amizades, e vejo hoje e reencontro pessoas até hoje, elas falam: “Ah, tu não mudou nada, está com a mesma carinha de sempre, não sei o quê”. Pessoas amigas da minha mãe, que foram amigas da minha mãe, me encontram: “Ah, você parece muito com a sua mãe”. Ah, encontro aí pela ladeira afora, assim, graças a Deus a imagem escolar muito boa. Estou tentando passar isso para os meus filhos agora.
P/1 – E essas brincadeiras de infância, do que você brincava?
R – Aí, tudo, adorava amarelinha, pular elástico, todas, casinha. Eu brinquei até quinze anos, dentro de casa, as minhas amigas pararam com treze, que a gente fazia aquelas casinhas, várias casinhas na porta, cortava, fazia roupinha de boneca. Assim, aproveitei muito, nós brincamos de tudo, acho que eu brinquei de tudo, pular corda, toda a molecagem assim, de brincadeira de criança eu brinquei.
P/1 – Aqui, você já morava aqui?
R – Eu já morava aqui. As minhas colegas pararam de brincar com treze anos, já estava com vergonha, negócio de paquera, aquela coisa toda e, aí eu comecei a brincar em casa sozinha.
P/1 – E lá em Ilhéus, quais eram as brincadeiras? Você foi pra lá com quinze, o que mudou?
R – Com quinze. É, lá em Ilhéus nós brincamos de queimada, brinquei muito, assim, eu passei o primeiro ano em Ilhéus mais chorona, eu chorava muito porque eu não queria ir para lá, entendeu, então, assim, ficou difícil eu me abrir para a amizade, entendeu. Ensinei muito os meus irmãos, porque eu tenho dois irmãos na Bahia, eu estudava muito com eles, a minha madrasta também foi uma pessoa muito importante na minha vida, ela é uma pessoa maravilhosa, me ajudou muito para até eu tentar ter uma convivência com o meu pai. Meu irmão não ficou lá meses, meu irmão foi expulso de cinco escolas na Bahia , e voltou para cá, ninguém aguentou em lugar nenhum. E assim eu tive que fazer todo aquele trabalho, que ninguém deixava eu voltar, tinha que me trabalhar muito para fazer amizade lá, trabalhar muito para acostumar na escola, entendeu, porque eu não queria ter saído daqui, eu já estava acostumada a viver aqui. Aí lá, quando eu fiz – lá eu fiz amizade na escola, que graças a Deus eu vivi lá sete anos e, as mesmas pessoas hoje, nos falamos pela internet, é o mesmo grupo de amigas que eu fiz amizade, foi o mesmo no período de sete anos e graças a Deus é até hoje. Aí nós brincávamos muito de queimado, adedonha, este tipo de brinquedo, máscara de caderno e, era mais estudo mesmo, estudava muito, muita festa.
P/1 – Voltando aqui um pouquinho, como é que era esse pedaço aqui nessa época? É muito diferente de hoje?
R – Não, sempre foi aberto, eu acho que, antigamente, era melhor do que hoje, porque as crianças tinham mais espaço para brincar, hoje eles colocaram escadas no Largo, que não tinha e ainda colocaram essas plantas aí não sei para quê, porque não tem manutenção, não tem nada e, era um espaço aberto que as crianças brincavam, devia ter feito uma quadra, uma coisa mais ampla. Não, deve ser a mesma coisa sim, as escadas são as mesmas.
P/1 – E a questão da violência, essa...
R – Ah, isso mudou muito, graças a Deus. Acho que a única coisa que é plausível nessa UPP é a questão da violência.
P/1 – Como é que era antes?
R – Era, você, apesar que eu não sei nada deles, acho que você via demais e tiro demais, e eu ainda acho esse morro um dos mais tranquilos das notícias que a gente sabe por aí afora. Mas era muito tiro, e era só em horário, sete horas da manhã e cinco da tarde, eu lembro que eu, as crianças estavam vindo da escola, você estava vindo da creche com seu bebê, vindo do trabalho, sempre nesses horários você tinha que estar correndo, se escondendo. Uma vez, eu estava subindo com cinco crianças, um tiro que não sabia de onde, você escutava barulho, você fica nervosa, com cinco crianças na rua, sem saber o que fazer. É assim, acho que tenho que agradecer a Deus todos os dias que a gente é vivo, quando a gente escuta uma coisinha, que isso é fogos. Assim, as pessoas até acostumaram, porque a pior coisa é essa. Era essa violência toda da arma mesmo de fogo.
P/1 – Você via as armas?
R – Com certeza, muitas armas.
P/1 – As casas das pessoas, as pessoas andando, como é que é?
R – Não, as pessoas andando na rua mesmo. Várias pessoas de passagem, mesmo assim, você subia as escadas; tinha morte, você vira em um beco e dava de cara com um, entendeu, não tinha nem para onde correr.
P/1 – E seus avós davam algum tipo de orientação para você em relação a isso?
R – Sempre, dentro de casa sempre.
P/1 – O que é que eles falavam?
R – Também assim, uma pessoa também muito fechada, tradicional, entendeu, e rua para ele nem pensar. E mal eu ficava até às nove horas sentada com as minhas amigas, no máximo, e ele o tempo todo na porta falando para eu entrar. E eu sempre brinquei aqui no Largo mesmo, passei a minha infância, os anos que eu vivi aqui eu só brinquei aqui no Largo, nem lá para trás eu ia. Só mesmo para dar uma voltinha e voltar rapidinho, aí eu e as minhas amigas tinham mania de cinco horas da tarde dar uma volta na rua e voltar para o lugar de origem, ficar lá, né. Mas ele falava muito, meu avô era muito chato com isso.
P/1 – Você teve algum tipo de formação religiosa?
R – Sou católica, desde criança.
P/1 – Mas, seus avós rezavam, vocês iam à missa?
R – Todos os domingos. Até hoje.
P/1 – Seu colégio era religioso?
R – É, colégio de freiras e de padres, Padre Francisco, acho que da Motta, aqui na Praça Mauá. Eu estudei ali.
P/1 – Na igreja? Perto da igreja?
R – Isso.
P/1 – Da Prainha.
R – Aqui embaixo?
P/1 – É.
R – Na Praça Mauá? É.
P/1 – É.
R – Isso mesmo. Eu fiz Primeira Comunhão ali.
P/1 – E como é que foi a sua Primeira Comunhão?
R – É, eu fazia Catecismo aqui, na igreja daqui, mas como tinha o ensino religioso também na escola, aí, não, na época eu morava no Catete, só que aí a empregada me trazia todos os dias para a escola. Aí eu fiz o ensino religioso lá na escola e fiz a Primeira na escola também. Eu fiz muito nova, eu era tão, na família tão ali na igreja ali, meu tio mora na igreja, foi criado aqui nessa igreja, na Igreja Nossa Senhora da Penha. Eu vim morar direto aqui, para cá.
P/1 – Como assim ele mora na igreja?
R – Ele é administrador ou zelador? Zelador. Meu avô foi zelador da igreja. É, uns mais que quarenta anos que a família mora aqui, minha família é que toma conta da igreja. Aí, como o meu avô faleceu, o meu tio que assumiu a igreja. Mora ele e o filho dele aqui. Essa igreja aqui do Largo, eu fui criada aí, minha família toda, minha tia morava aqui, minha tia nasceu aqui, minha tia tem o quê, trinta e oito anos. Ela nasceu aqui nessa igreja. E antes de morar, a casa do meu avô era ali naquele reservatório ali onde vai ser o Museu Aberto, aquele primeiro lugar que eu levei vocês. Ele morava ali, ele morava numa família de surdos na igreja, aí teve uma época, um raio caiu na cruz e derrubou, aí eles ficaram assustados e foram embora. Aí o padre pediu [para] meu avô para tomar conta da igreja, que não tinha ninguém.
P/1 – Tinha missa todos os dias?
R – Todos os domingos.
P/1 – Mas você ia na missa todos os domingos?
R – Vou até hoje.
P/1 – Você cantava, fazia alguma coisa especial?
R – Eu fiz coral na Bahia, na igreja de lá.
P/1 – Quando você foi para lá?
R – Eu ia também à missa todos os domingos. A minha irmã também, todo mundo é religioso.
P/1 – E aí você entrou para o coral?
R – Entrei para o coral lá. Tem foto minha lá no coral.
P/1 – Ah é, depois você mostra para a gente?
R – Não. É lá em cima lá com a santa, ah, bom, eu sempre gostei muito de, sempre me envolvi em muita, assim, eu confesso que aqui eu fazia da igreja um refúgio, porque tinha grupo jovem, eu cheguei a dar aula de Catecismo para criança aqui, eu era novinha. Eu fiz Crisma com doze anos, é, com quinze anos que se faz Crisma. Eu fiz com doze, de tão envolvida que eu era, eu gostava e, assim, aqui eu fazia mais de refúgio, eu devia ter falado para meu avô que eu ia para a igreja e eu fui ver o Raça Negra lá no Botafogo. Eu fui ver Fábio Júnior, no Botafogo, na Enseada, e eu falei para o meu avô que ia para a igreja. Ele não deixava a gente ir para lugar nenhum. Tinha que fazer umas mentirazinhas, só maldade.
P/1 – E você lembra, o que você cantava no coral da Bahia? Que músicas?
R – Ah, assim, eu não lembro das músicas não, Hosana, para ser sincera eu lembro das músicas que cantavam antigamente, as de hoje eu não sei quase nenhuma.
P/1 – O que é que cantavam antigamente?
R – Ah, Hosana, as músicas de Nossa Senhora, sempre são legais, eu lembro até hoje.
P/1 – Qual que você gostava mais?
R – Aí, assim, não tá vindo nenhuma na mente não, preciso parar mesmo para pensar. Aquela assim: “Hosana hei, Hosana ha, Hosana hei, Hosana”. Quanto mais pudesse aumentar a minha voz, assim, eu gostava.
P/1 – Canta um trecho para a gente?
R – Da Hosana? Acho que só o refrão, que é “Hosana hei, Hosana ha, Hosana hei, Hosana hei, Hosana ha”. Ah, mas tem muita coisa ainda, quando começa assim eu disparo. Assim, eu gosto muito de música, mas eu sou muito ruim para cantar, quando a música está indo, ou que só vem aquele som instrumental das pessoas, eu consigo acompanhar. É, assim pensando, eu, “poxa Carol, tu gostavas de tanta música, adora MPB, anos oitenta, anos sessenta”, mas, cara, adoro Fábio Júnior, Hosana, antigamente.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá em Ilhéus com o seu pai?
R – Com o meu pai eu morei três anos. Quando eu completei, a maioridade eu abandonei ele.
P/1 – Além do coral, o que você fazia lá?
R – É, como eu fiz o Magistério na Bahia, eu fazia estágio, eu fiz três anos de Informática, e eu tenho aqueles cursos, o Salto para o Futuro, que são televisionados. Então lá na Bahia tem, lá no MEC lá tem, era as aulas à noite, então eu fazia esses cursos também. Fiz quase todos no período de três anos, todos os cursos, terminava um, eu começava outro. Só chegava em casa dez horas, saía de manhã e só chegava às dez, para ficar bem longe do meu pai. E ele falava que eu estava aprontando, por causa que ele mal sabia que eu passava o dia inteiro estudando. É, sempre reunida de amigos, pessoas interessantes, aprendendo coisa legal, e ele falava o tempo todo que eu estava fazendo besteira na rua, mas eu nem ligava. Aí, com dezoito anos, eu saí de casa.
P/1 – Como é que você saiu?
R – Sim, tive apoio do meu avô, meu avô morava aqui e eu recebi a pensão da minha mãe, então, e lá tem a minha casa, eu tenho uma casa, minha não, agora é da família, não é mais minha. Lá, minha mãe construiu uma casa na Bahia.
P/1 – Ilhéus?
R – Isso, e nós vivemos lá, aí quando eu cheguei, quando eu morei com o meu pai, essa casa era alugada. Eu pedi para o meu avô desalugar, para que eu fosse morar lá. Aí meu avô me atendeu, que não tinha condições de eu viver com o meu pai, aí meu avô me atendeu, me ajudou a comprar, mobiliar e, eu fui morar sozinha.
P/1 – Com dezoito anos?
R – Com dezoito anos.
P/1 – Você levou o seu irmão ou não?
R – Meu irmão já tinha retornado para cá, aí mandaram ele para lá de novo, só que ele viveu também seis meses comigo, voltou de novo. Porque, até comigo, ele não dava certo. Assim, era muita encrenca, ele sempre trabalhou, sempre foi direitinho, mas ele era muito nervoso, vivia reclamando e, ele era usuário de drogas, e eu nem cigarro eu fumava, gente tem noção. Eu detestava cigarro, hoje eu fumo. Eu não falava um palavrão, eu era muito fresca, e conviver com o meu irmão todo, ele bebia, mano, beber eu nunca reclamei, eu sempre bebi também, mas eu acho que você sempre tem que respeitar as pessoas, respeitar o espaço, o local, onde você viver, a postura do que você está vivendo e, meu irmão era todo, levava os amigos dele lá para casa, fazia maior bagunça. Eu trabalhava o dia inteiro no orfanato, meu primeiro emprego foi no orfanato de menores infratores, já falei, “meu Deus, eu acabei de pegar o diploma na mão e vou eu encarar crianças”, que, graças a Deus, eu trabalhei dois anos nesse orfanato e, assim, era muito atribulado, que eram crianças carentes que vinham de todas as cidades da Bahia, que ficavam lá internados, usuários, crianças que usavam drogas, tinha crianças que tinham matado, assaltantes, tinha tudo e, tinha crianças carentes, tudo misturado. E eram só meninos lá.
P/1 – Esse foi o seu primeiro trabalho?
R – Foi, meu primeiro emprego. Professora de Primeiro Grau.
P/1 – Foi com dezoito anos?
R – Uhum. Primeiro emprego, carteira assinada, tudo bonitinho. Fiquei dois anos lá e saí, eu estava grávida, daí eu passei a gestação no trabalho.
P/1 – Mas você já estava morando com alguém ou não?
R – Não. Vivi dois anos sozinha, engravidei com vinte e, assim, tinha os processos da minha mãe na justiça, o advogado estava me ligando, porque o meu padrasto tem um advogado pilantra, aí estava me ligando para que eu tinha que estar aqui, comparecer aqui no Rio de Janeiro para resolver, eu comecei, acabei atribulando, atropelando minha própria vida. Porque, da minha primeira filha, veio uma segunda logo atrás e, eu viajei com sete meses da segunda filha, para cá, para resolver esse problema de justiça. Vim grávida, quase não deixaram eu viajar, mas eu assinei um termo de responsabilidade, porque eu já estava com sete meses, risco de qualquer parto e, mesmo assim eu vim, aí eu vim para cá para resolver esse problema. Acabou chegando aqui, o juiz havia adiado, nesse meio tempo que eu tive que esperar minha filha nascer, a minha casa na Bahia foi assaltada e levaram tudo, tudo mesmo, de arrancar a grade, os azulejos, o vaso, tudo. E eu havia deixado tudo lá, só vim mesmo com as coisas de bebê, nada, pensei em fazer período rápido, porque já estava acostumada a viver na Bahia, era lá que eu queria ter criado as minhas filhas, já tinha criado uma raiz, queria vir para cá, já tinha mudado a minha mente, para cá seria só visita mesmo, e acabei mudando tudo. Por causa desse assalto que houve lá, minha irmã só conseguiu salvar fotos minhas jogadas pelo chão. Roupa, tudo, levaram tudo. Não tinha condições de morar. Hoje, a minha casa virou uma delegacia, que fizeram lá, que eu estive lá em 2008, está alugada, ainda é patrimônio da família, do meu avô a casa, que está agora no inventário e, está lá, ainda virou delegacia. Porque, assim, na rua que eu morava, tem uma escola particular do outro lado da rua, um posto de saúde, coisa assim, só casas grandes. Então estava muito visada já em assaltos e outras coisas mais.
P/1 – E seu pai, ainda é vivo lá?
R – É.
P/1 – Você tem contato com ele?
R – Tenho, sempre. Falei com ele essa semana, as minhas filhas estão sempre ligando para ele. Acham que ele é um homem, o tal. Ele passa essa imagem de bom vovô. Quando a minha filha nasceu, ele nem olhou para ela lá na Bahia. Mas tenho sim, ele, fazer o quê, família, oh lá. A gente fala, deixar as mágoas para trás e trato bem. Família para mim é bom só em fotografia.
P/1 – Você lembra quando você teve seu primeiro namorado?
R – Lembro, eu tive meu namorado com onze anos, não posso contar essa história para as minhas filhas, que eu tenho uma filha de doze. Com onze anos, foi um namorado dividido, eu dividia ele com a minha melhor amiga na época, era assim: cinco minutos você, depois cinco minutos eu, porque tinha que olhar a irmãzinha dela de cinco anos para ela não falar nada para ninguém. Ele morava até aqui na esquina, hoje é o UPP, essa casa. Ele morava aqui. E, assim, a gente ficou um bom tempo assim, talvez um ano, nessa brincadeirinha, de namorado dividido. E acabou o relacionamento porque ele trocou nós duas por uma mais escurinhazinha, não discriminando. Trocou nós duas por uma só, estava aí andando por aqui. Eu falei: “Cadê a Shenia?”, nós duas, ela chegou a, uma época, brigar comigo, aí a tia dela que já sabia da história: “Vocês vão brigar por causa de uma pessoa, vocês estão tantos anos, cresceram juntos, brincaram”, não sei o quê. É muito legal assim, que ela é muito fechada, a Shenia, então assim, e a amizade maior dela aqui fui eu. Hoje, ela é enfermeira federal, a gente se encontra, ela tem duas filhas, a gente seguiu rumos diferentes. E a gente sempre falava que não ia ser enfermeira, falei para ela: “Medicina eu não sirvo, porque eu vou discutir com todo mundo no hospital”, porque o médico faz lá o juramento e não cumpre. E ela acabou virando enfermeira, acabou entrando na área, tal, mas ela está bem graças a Deus e, passou. Foi meu primeiro namorado.
P/1 – Aí você teve esse primeiro filho, primeira filha?
R – É, foi primeira filha, primeiro rapaz. Ele ficou comigo pouco tempo, só que é o que eu falei, homem comigo não tem vez, sou superfeminista, eu sempre debati com meu avô, com o meu tio, com o meu pai. Não escuta as coisas, eu falo “Amém”, nem pensar, eu acho que a mulher tem que se fazer, por ela sempre ser sustentada por eles, nem pensar porque, de certa maneira, o homem vai jogar na cara, entendeu, a sociedade é machista. E esse rapaz, ele assim, eu ainda fui morar em São Paulo com ele, depois que a casa lá foi assaltada, ele chegou a viver uns meses comigo antes de eu viajar. Eu deixei ele na casa para ele tomar conta, entendeu, tem um moço que disse que ele estava até envolvido talvez, de repente deu até minha própria casa para os assaltantes, deu confiança, ou deu sei lá. Mas eu não estava lá, eu acho que as pessoas lá falam. E mesmo assim, depois que a minha filha nasceu, a segunda, as duas eram dele, ele veio aqui, me buscou, e me levou para morar em São Paulo, onde a família dele morava. Eu vivi em São Paulo sete meses, detestei a cidade, ele morava em Embu das Flores, e trabalhava no Morumbi, só chegava atrasado em casa todos os dias, eu estava virando Amélia, que eu morava na casa da minha sogra, cuidava dos irmãos dele e das minhas duas filhas, um frio lá insuportável, que eu chorei de frio, tipo com duas calças, três casacos, meia, luva, touca e eu estava chorando sentindo frio na espinha. As minhas filhas viviam todas empacotadas, um já ia fazer um ano e a outra estava com meses e, aí eu sentei com ele, conversei, falei que ali não era o meu lugar, que eu não estava conseguindo. Eu tenho carimbos de São Paulo lá procurando emprego, esperando vaga em creche para elas, até tentei começar uma vida ao lado dele, mas eu não consegui. Eu falei que iniciei minha vida na Bahia, que eu conheço tudo lá praticamente, conheço muita gente, os locais, sei caminhar. E recomeço a vida no Rio de Janeiro, mas lá em São Paulo, não era, ali não estava bem localizada. Aí fui embora, peguei minhas duas filhas, a mãe dele até queria ficar com a minha filha mais velha, que eu voltasse a recomeçar a minha vida, eu não deixei, quem teve sou eu, então quem tem que criar sou eu, jamais ficaria longe de qualquer filho meu. Quero que Deus me permita que no dia que eu for, eles estejam encaminhados, e retornei para cá. Liguei para o meu avô, conversei com o meu tio, que ele é sempre quem comandou a família, e falei o que eu estava passando, que eu não queria viver lá, e ele deixou eu retornar para cá com as meninas. Voltei para o Rio de Janeiro, para a Providência, comecei tudo de novo.
P/1 – Você mora na casa dele?
R – Morei na casa dos meus avós. Voltei para a casa dos meus avós.
P/1 – É, quantos anos estavam as meninas?
R – Uma tinha um ano e a outra tinha sete meses quando eu retornei para cá.
P/1 – E aí ele ficou?
R – Quem? Ele ficou. Ele trabalhava, a família dele morava lá, meu avô não queria ver ele nem pintado de ouro, aliás, o meu avô nunca gostou que ninguém casasse, que ninguém saísse de casa, para ele ninguém namorava. Devido ao problema da minha mãe, ele achasse eu ou a minha tia arrumasse um namorado, ali o mundo ia se acabar. Tanto que a minha tia é casada há quinze anos e ele nunca aceitou o marido dela. Nunca assim, de falar, de sentar junto para almoçar. Não podia reunir a família mais. E eu retornei para cá, aí eu recomecei minha vida, graças a Deus, logo eu voltei, cheguei antes do Natal aqui, para passar o Natal já com a minha família. Quando foi em março, eu voltei a trabalhar lá na Mangueira, na creche Mestre Tiguinha. Comecei lá trabalhar. Lá eu fiz faculdade na Mangueira também.
P/1 – Você fez faculdade do quê?
R – Pedagogia, UniverCidade. Tudo lá na Mangueira.
P/1 – Aí você estava dando aula, que ano que é isso? Você estava na creche.
R – É isso foi em 2002, trabalhei na creche. Eu voltei para cá em 2001, dezembro de 2000, não, eu voltei em 2002.
P/2 – Você estava com quantos anos?
R – Vinte e três para vinte e quatro. Novinha, vinte e quatro anos.
P/1 – Aí, mas o marido, o pai das meninas te ajudava a criar?
R – Nunca, não briguei com ele, combinamos dele todo mês que ele trabalhava, normalmente ele está mandando para as filhas, mas nenhum telefonema. Nenhum, até hoje.
P/1 – Você nunca quis pôr ele na justiça?
R – Eu já coloquei, há uns dois anos. Eu coloquei como eu me colocava antes, só meu avô nunca aceitou, falou: “Quem ia criar era ele”, que não sei o quê e, esquecesse ele. Então assim, eu não procurei, até porque, graças a Deus, sempre trabalhei. Como eu vou falar, eu vou criar, mas quem sustentava não era eu, somente as coisas de criança, farmácia, roupa, sempre fui eu. Meu avô sempre me ajudou na escola e na comida diária, mesmo que ele que fazia a compra para dentro de casa, mas, graças a Deus, fui levando. Eu cheguei até, procurei o meu padrasto, ele chegou até a abrir uma cautela, aquela coisa toda, mas o meu avô nunca deixou eu ir adiante. Quando meu avô faleceu, em 2008, aí eu coloquei novamente, vamos procurar, vamos ver se acha esse indivíduo lá agora. Ele apareceu aqui em 2007, estava trabalhando no shopping de Botafogo, veio aqui. Eu comprei minha casa, graças a Deus, consegui comprar uma casa para mim. Não ia ficar vivendo dentro de casa de parente. E eu estava em casa e minhas filhas, tinha chegado do trabalho, eu estava lavando roupa, minha filha mais nova chegou em casa e falou: “Mãe, meu pai está aí”. “Ah, está bom.” Nem dei atenção. “Meu pai está aí.” “Que pai?” Até pensei “está chegando o meu segundo casamento”, que eu já tinha casado de novo e já tinha tido outra, a terceira filha.
P/1 – É mesmo?
R – É. Ah, eu tenho uma filha de seis anos. As duas grandes, da Bahia, a de seis e tenho um bebê.
P/1 – Então você tem quatro?
R – Tenho quatro filhos. Não tinha o que falar, não tinha televisão em casa? E eu já era inteligente, me formei com dezessete anos, já tinha toda (suspiro), a vida. Aí, meu irmão foi me buscar em casa: “Que é que é Carolina? O Isaac está lá em casa”. Tipo, foi direto para a casa, não sabia que eu tinha uma casa já, uma outra estrutura de vida. Aí chorou lá com as filhas dele, foi um mela calcinha lá, mela cueca lá, falando um monte de besteiras, que tinha se transformado em um novo homem, estava arrependido e tal. Só passou disso mesmo. Aí falou que estava trabalhando com um arquiteto no shopping de Botafogo, tinha vindo aqui, aí veio ver as filhas. Até hoje.
P/1 – Nunca mandou dinheiro?
R – Nada. Voltou tudo de novo, passei outro número de conta, falou que todo dia 20 ia mandar o dinheiro, que era o dia que ele recebia. Até hoje de novo, de 2007 para cá. Aí, assim, entra na mente de uma pessoa dessa. Aí eu coloquei na justiça, depois que o meu avô faleceu e, fui até uma amiga minha colocar, ela colocou também o ex-marido dela. Ela, nos próximos dois meses tudo sendo resolvido, e eles lá me chamando, a Defensoria me chamando. Colocaram tanta burocracia, querendo que eu colocasse tudo, comprovasse, por exemplo, eu gasto com o transporte escolar, gasto com farmácia, mercado, roupa. A roupa e o mercado ainda dá para comprovar, agora, o transporte escolar é daqui da própria comunidade, como é que eu vou… não tem nenhum boleto justificando “paga a passagem todos os dias da escola para casa”. E ela queria tudo isso, uma planilha, não sei o quê, não sei o quê, aí eu não voltei mais. Até porque eu não tenho nem tempo para isso, de ficar indo lá, de aguentar aquele pessoal todo, aquela fila, nem burocracia, nem nada. Não está devendo? A hora que ela falou: “Poxa, nove anos, é muita coisa, não sei o quê”. Eu falei: “Pois é, nove anos sem um real”, entendeu, e então depois começou, aí eu queria planilha, queria isso. Não está escrito? Descreve, cobra e pronto. E aí deixei ir adiante, está lá em aberto, não retomei lá, e nem sei quando vou, se vale a pena.
P/1 – E você continua o seu trabalho na creche?
R – Eu trabalhei na creche até 2009, eu saí da Mangueira, da Mangueira eu vim para cá. Quando inaugurou a creche aqui, a creche Tia Dora, aqui na Gamboa, trabalhei aqui quatro anos, continuei a trabalhar na creche. Aí veio os concursados, eu fiz o concurso também, passei, mas estou na lista de espera, não quero mais, porque o prefeito só fez besteira, porque abriu um concurso para trabalhar com criança, onde puderam se fazer gatos e cachorros, porque eu ainda tive que ensinar o trabalho para pessoas que trabalhavam em telemarketing, no comércio e tudo mais. Tanto que as creches estão tudo evasivas, porque as pessoas não aguentam, porque, se você entra em uma atividade para trabalhar com criança, você tem que fazer por amor. E, realmente, é vocação, você tem que viver aquele momento ali, você tem que saber respeitar a criança. A pessoa que trabalha no comércio, com roupa, trabalhou Lojas Americanas, foram as pessoas que entraram na creche e, a diretora ainda queria que eu ficasse para ensinar. Ensinei a primeira turma de concursados e, ainda ensinei o trabalho, mas, na segunda remessa, eu pulei fora, é muito abuso. Ele querendo arrecadar dinheiro, porque eles fazem o concurso para isso, para tampar os próprios buracos que eles fazem, e saem desestruturando a vida das pessoas. Aí eu saí da creche, então até o pessoal já está voltando, até as minhas amigas já me ligaram para retornar, uma pra trabalhar no Chapéu Mangueira e outra no Rio Comprido. Mas aí, como eu estou no Favela Point, dou minha aula, meu jeito, sem regras, a minha regra, e do que eu gosto de fazer à noite, estou indo levando a vida.
P/1 – Você começou a dar aula naquela época, 2009?
R – À noite? Não, eu comecei ano passado dar aula, porque o meu tio também dava, então ele estava com muito serviço, então parou. Então as pessoas começaram a me procurar, as mães. Eu falei, vou começar para ver o que vai ser, até porque eu trabalhei na Oi, trabalhei em telemarketing também à noite e, assim, eu não tinha tempo para dar aula.
P/1 – Mas você dá aula do quê?
R – Reforço escolar, entendeu, então não tinha como ficar. Sempre procurei estar em dois empregos, fazer duas atividades. Aí, ano passado, quando eu saí da Oi, meu tio falando, houve a necessidade de ter um professor aqui, aí eu fui, aí eu comecei, esse ano eu até comecei a trabalhar na Claro também e aí vem as mães em cima de mim, aí eu fui e saí da Claro, e comecei a dar aula de novo.
P/1 – E nesse Projeto, como você ficou sabendo? O Favela Point?
R – O Favela Point eu fui levar o meu filho na creche, minha filha, não, fui levar a minha filha na escola, meu filho entrou na creche agora esse ano. Ano passado, eu estava passando pela praça, passei para comprar pão, aí na padaria me falaram que havia esse projeto, como eu participava também do Projeto Mulheres da Paz, nossa coordenadora que estava passando os recados. A primeira reunião foi aqui na casa amarela, aí eu vim saber, e entrei. Nem sei por quê, o momento que me fez entrar, tinha tanta gente aqui sentada, aí eu fiz a ficha e entrei. Eu achei interessante naquele momento, e foi interessante, ou depois não estaria aqui para contar a história. Foram tantas mulheres que entraram.
P/1 – Era um grupo de várias mulheres? Onde vocês se reuniam?
R – Nos reuníamos aqui no início.
P/1 – Aqui na casa amarela.
R – Aqui na casa amarela. No início, eram trinta mulheres, nas reuniões que estavam sendo marcadas, explicando o fundamento, o objetivo, tal, deram um grupo de mulheres grande. Aí foi reduzido para vinte e cinco, para vinte e duas e acabou fazendo o curso de Empreendedorismo só dezessete mulheres, quando começou o curso.
P/1 – O que vocês aprendiam nesse curso?
R – Ah, nós aprendemos Marketing, a trabalhar com as finanças, Recursos Humanos, o poder da mulher no negócio, no empreendimento. Acho que foi um curso muito bom e, todas que participaram, passaram muito bem cada tempo.
P/1 – Mas, e depois, como é que foi? Vocês escolheram com o que vocês iam trabalhar? Como é que se escolheu?
R – É, nós escolhemos. Ali eles passavam todas as instruções e, davam a oportunidade de escolher e pensar em várias, a oportunidade não, em vários negócios. O que daria certo, o porquê, a necessidade, entendeu, do local, onde abrir. Aí sempre visou muito que aqui em cima, que não tinha nada, entendeu, porque as pessoas daqui que estavam precisando de alguma coisa. Porque você vai na praça, tem pão, tem um lanche, tem um não sei o quê. Você desce um pouco o Barroso, também tem. E aqui em cima não, nós tínhamos sempre que descer para fazer alguma coisa, entendeu, e tem pessoas idosas, e até crianças mesmo, tudo para ficar descendo e subindo, não dá. Aí nós passamos por tudo isso, escolhemos várias coisas, fizemos orçamento, tudo, botávamos os prós e os contras até chegar no Favela Point.
P/2 – Qual foi a coisa mais diferente que passou pela cabeça de vocês?
R – Assim, o diferente foi, eu pensei em um Lan House, pensamos em uma loja de artesanato, na padaria e na pastelaria. Foi os quatro mais visados, a gente sentou e quebrou a cabeça para ver como, a pastelaria foi o primeiro. Mas aí fornecer, ou pensar em um produto só, entendeu, tem todo aquele orçamento do fazer o pastel, todas aquelas máquinas, o maquinário, ia sair muito, um custo muito alto, que mais.
P/1 – Em quantas vocês estavam nesse momento?
R – Nesse momento, quinze.
P/1 – E como é que era a relação entre vocês para fazer esse trabalho?
R – Diversificada, as opiniões, nada assim, eu acho que o curso e o que sentamos, foi muito bem estruturado. A pessoa que estava de frente, cada professora ou instrutora, ela soube conduzir bem o grupo em todos os dias de aula. Tinha as opiniões eram diferentes, sentávamos e víamos os dois lados, por isso acho que deu certo naquele planejamento todo anotado hoje, acho deu muito certo.
P/1 – Aí de quinze, vocês ficaram em sete. Como é que foi saindo?
R – Isso, das quinze, terminamos o curso em quinze, entendeu, foram saindo por causa das dificuldades que foram aparecendo no caminho. Eu sempre falei no curso, que o nosso desafio maior seria encontrar o local, porque tudo aqui é para sair, entendeu, tanto é assim, a minha vontade era ter feito ali no Cruzeiro, Favela Point ali, mas tudo marcado para sair. E nós nos comunicamos com a Prefeitura, e na Secretaria de Habitação falaram que, como poderia sair daqui seis meses a dois anos, mas não tinha nada certo. “Daqui a seis meses pode sair ou daqui a dois anos, vamos ficar à mercê deles e começar um trabalho que, daqui a seis meses, vão derrubar e pôr outro ponto”, não ia ser legal. Aí que foi uma luta, víamos casas para alugar, víamos outras opções, um corre-corre. E aí assim, as pessoas foram desistindo nessa fase, da procura do local. Só nesse início, muitas saíram e já estava achando que não ia dar certo; outra, que os maridos são umas malas sem alça mesmo, entendeu, então ao invés de ajudar, ainda atrapalhava. Teve uma que fez o curso inteiro, com um bebê no colo, ele desceu todas as noites com o bebê no colo, porque ele não podia ficar, nem um diazinho, uma semana inteira, até no sábado. No sábado, ela ainda levava os três, é um absurdo, em um pé eu pego um homem desse e jogo longe.
P/2 – Mas e o resto da vizinhança, incentivava, ajudava vocês, como é que...
R – É, eu mesma fui uma que precisei de ajuda, quatro para olhar, se trazer o pai do meu bebê.
P/1 – Você mora com ele?
R – Moro com ele. Ele sempre me ajudou e ajuda muito com o filho dele e meu tio tomava conta das três menininhas, que são uma benção também.
P/2 – Qual o nome delas?
R – Paloma, Ingrid e Nicole. E a Nicole é especial.
P/2 – E do menino?
R – Maicon. Uma tem doze, outra faz onze, semana que vem dia 31, uma tem seis e ele tem um aninho.
P/1 – E aí você mora com ele?
R – Moro, meu terceiro casamento.
P/1 – E você, ele te apoiava, para ir nessas...
R – É, ele me apoiava. Ele tem boca, ele fala. Por isso que ainda está dando certo. Ele fala muito baixinho, eu falo: “Fala mais alto para eu te ouvir, escuto nada que tu fala”. Ele fica lá, ele fala dentro de casa e eu: “Hã? Quê?”.
P/1 – E aí como que foi? Como vocês acharam esse lugar agora?
R – E, as pessoas, a gente procurou tanto, que as pessoas começaram já a oferecer, entendeu, tanto aquele lá do Cruzeiro, aquele barzinho mais afastado, ele: “Poxa, por que vocês não me falaram, que eu ia alugar para vocês?”. Aí, de repente, começou aparecer, entendeu, aí o proprietário desse local nos procurou e falou que estava com intenção de descer mais um pouco, se estávamos interessadas em alugar. E aí que apareceu o local. A gente já estava vendo uma casa mais abaixo, mas o custo da reforma, que é até do lado daquela ali, onde é uma escolinha, que funciona à noite, o custo da obra saiu muito alto e, nesse meio tempo que a gente estava indo ver a outra casa, ele falou da intenção dele, que ele estava se mudando, então a gente aceitou, a gente tinha que começar, estava meses procurando, esperando o local, descendo. Até vimos aos arredores também, você vai começar em cima, vamos começar embaixo, quando a gente sobe e, apareceu esse local. Apareceu um outro também que seria aquele abaixo da minha casa, que eu mostrei, ali era um bar, está fechado. Eu, por mim, seria lá, mas não foi aceito, então estamos aqui. Porque ela ia ser comprada, ia ser nossa, eu acho que é bem mais gratificante isso e menos dor de cabeça, quando a gente compra uma coisa que é nossa, mas não foi.
P/1 – E como é que foi o preparativo, assim, para a inauguração? Como foram os preparativos?
R – Uma correria só. Uma correria muito grande, muita coisa para comprar, ficar assim, como estava em obra, fizemos a obra no estabelecimento, era obra, eram detalhes, era tudo para comprar, a gente deixou assim tudo para cima da hora, todo o maquinário, tudo o que a gente ia utilizar, pelo menos ali para começar, então tudo ficou para março. Ali em março a gente se descascou mesmo para fazer tudo. Foi uma correria muito grande, perdemos noite de sono. Foi muito...
P/2 – Quando que foi inaugurada?
R – 15 de março.
P/1 – Vocês escolheram essa data por algum motivo?
R – Não, ainda foi adiada duas vezes. Seria no dia seis de março. Aí, estávamos nós mesmos achando que não ia dar tempo, era muita coisa para comprar e a obra, sempre acontecia alguma coisa na obra, e não terminava a obra. Então estava sempre toda hora consertando alguma coisa ali. Aí ficou muito corriqueiro, nós adiamos. Foi para o dia 13 de março, só que as pessoas da Chevron, os convidados não poderiam estar nessa data, aí foi colocado para o dia 15. Graças a Deus, tudo certo.
P/1 – Como é que foi o dia?
R – Aí, muito nervosismo, uma emoção ali muito grande e, eu não saí em foto nenhuma, porque os repórteres não me deixaram, me seguraram aqui fora. Eu só entrei mesmo para tirar foto só na hora que estava dando o diploma lá, os papéis. E eles me seguraram aqui fora, eu fiquei falando e nem saí no jornal, mas graças a Deus deu tudo certo, as pessoas foram, aparentemente, bem-recebidas.
P/1 – Como é que vocês escolheram o nome Favela Point? Quem que escolheu?
R – Bom, Favela Point, nós fomos em um encontro, primeiro encontro nosso foi em um hotel, passamos um domingo, no Hotel São Francisco, aqui no centro. Muito bonito por sinal, nós tivemos o primeiro encontro com a Chevron lá, encontrei elas lá. E, lá, tinha essas trinta mulheres, tinha muitas mulheres e foram feito grupos, fizeram um trabalho lá em grupo e foram divididos os grupos. E assim, a proposta era cada grupo fazer um empreendimento e passar as suas ideias, opiniões para as pessoas. E no meu grupo, tinha até as meninas que fizeram o curso junto com a gente, nós fizemos o planejamento da pastelaria lá mesmo e ficamos pensando em um nome. Então: “Vamos botar morro”, “Vamos botar Providência”, “Vamos botar não sei o quê”. Aí: “Vamos botar favela”, foi a Milena que falou: “Vamos botar favela”. Eu falei: “É isso mesmo, vamos botar favela, porque favela faz parte da história”. O Morro da Providência era chamado o Morro da Favela, foi a primeira favela da América Latina, do Rio de Janeiro. Então assim, aí eu achei interessante ali naquele momento a gente até ter passado isso, entendeu, a gente já tinha uma, não ampla, mas já tinha uma explicação do porquê favela. Porque assim, favela é um nome feio, favela é relacionado a pobre, favela é relacionado a quê? Entendeu, e favela faz parte da história, está na história de Canudos, está na história do Brasil, quem for a fundo tem um sentido, tem todo um processo, tem uma planta chamada favela na época, uma planta cheia de raminho, vermelho.
P/1 – Que dava nesse morro?
R – Que dava aqui nesse morro. Aí eu falei: “Então, tem toda uma história, tem como explicar o porquê favela”. Lá, nós tivemos essa ideia, e eu fui mantendo. Depois, tanto no curso, em todas as escolhas do empreendimento nós fomos mantendo essa opinião do Favela, entendeu, que seria interessante e diferente. Só acrescentou o Point, entendeu? Mudou para Providência devido, acho que se falava muito em Providência, porque era muita guerra que acontecia aqui, dá muita confusão, o porto, aquela coisa toda, os escravos que eram escravizados, todo um processo de trabalho. Eu acho que era por isso que deve ter mudado para Providência, as providências que eles tinham que tomar aqui. Disse que teve uma explosão, tiro também, nessas pedras aí.
P/1 – É mesmo? E qual que foi?
R – O que é que teve aqui na frente, uma explosão muito grande, por isso que fez essa cratera, aí esse buraco todo. Isso muitos anos, muita gente morreu aqui, muitos anos.
P/1 – Mas você já estava aqui ou não?
R – Não.
P/1 – Coisa antiga?
R – Coisa antiga. Quando eu cheguei, o morro já tinha esses trezentos metros de altura. As pessoas antigas é que contam que teve esse processo todo, teve uma explosão muito grande nessa pedreira, que ergueu muitos corpos enterrados, não sei o quê, que as pessoas falam. Falei: “Se só tem pedra aí, vai enterrar o que nas pedras?”. Graças a Deus que só tem pedra, senão a gente descia com esse barro. Aqui eu tenho medo só dos ventos, não da chuva. Medo de vento, vento leva tudo, vem igual furacão. Agora, já água, não, a água que desce, vai descendo tudo, igual cachoeira. Vira igual cachoeira essa escada, tá. Essa queda d’água.
P/1 – Carol, teve algum momento que você falasse assim, pensou em desistir? Por dificuldades?
R – Agora, uns dias atrás. Do Favela Point? Eu desistiria agora, para ser sincera. Eu não sei, tem hora que eu me pergunto, eu não sei onde eu me meti. Eu ainda quero fazer Administração, para mudar de ramo. Não sei, o que é que eu quero agora. Tem hora que dá vontade de sair correndo. Mas eu ainda estou voltando.
P/1 – Você desistiu por quê?
R – Porque, sei lá, eu não estou tendo retorno, o retorno eu acho que eu vejo, que eu trabalho para isso, para ter retorno. E tudo que, a gente não faz nada se você não tiver um retorno. Tudo você faz, seja errado, eu não tive quatro filhos? Eu crio meus quatro filhos. Eu, que eu fiz? Eu tenho que arcar com as minhas consequências. Mas tudo na vida que a gente faz, a gente tem que arcar com as nossas consequências. Certo, seja uma maneira que você fala com uma pessoa, você não pode tratar as pessoas mal, porque senão você vai ter o retorno dali. Então assim, eu sempre, sei lá, eu não sei se eu sou, às vezes, eu não consigo nem descrever a minha própria personalidade. Mas eu acho que eu lutei por uma coisa, eu encarei uma coisa que hoje eu não vejo retorno, não estou tendo respaldo. Base eu tenho, sei lá, eu não estou tendo o que eu aprendi, sabe, você passar dia após dia aprendendo uma coisa, tentando mudar. O meu rumo era totalmente criança, entendeu, e todos os dias que eu dou aula, eu me sinto bem ali, ali me alivia. E olha que criança, são quinze crianças, só Jesus Cristo, cada um de uma sala diferente. E eu me sinto bem quando estou ali. E eu, quando eu vou para o Favela Point, eu não me sinto, continuo lutando, não desisti. Há umas semanas, eu falei com uma das minhas professoras, e ela falou que eu estava tendo um comportamento infantil (pausa). E eu escutei, claro, atendi o pedido dela, mudei meu comportamento infantil e continuei encarando o trabalho. Só que eu não estou, vou falar por mim, mas falo por sentir isso em outras colegas, entendeu, e o que nós aprendemos é que nós somos uma só. São sete por um, é sete pelo Favela Point. E, para ser sincera, a coordenação está fazendo um trabalho inverso. A coordenação no dia 16 de madrugada, 16 de março, na noite da inauguração. Dia 15 foi a inauguração, rolou até o outro dia, os clientes, convidados e tal. E no dia 16, eu fazendo o primeiro orçamento, a minha coordenação chegou para mim e falou: “Pede para sair”. Desde esse dia eu não sou mais a mesma pessoa.
P/1 – Eu não entendi, você pode voltar? Por que ela pediu? Quem pediu?
R – A minha coordenadora.
P/1 – Ela pediu para sair?
R – Ela me pediu para sair. Ela falou: “Carol, pede para sair”.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu não concordei com o orçamento que ela fez no momento, e ela falou que não, que teve um probleminha em outro local e ela falou que não confiava mais nas pessoas. Simplesmente, virei para ela e falei: “Se você não confia na gente, que é o grupo que está começando agora, eu também não confio em você”, porque o ser humano, nesse ponto, ele é igual, todo ser humano tem problema, todo mundo tem qualidades, todo mundo tem defeito. Ah, mas se houver desfalque, problema de dinheiro? Isso são coisas que nós vamos ter que resolver. Só que nós estamos trabalhando, estamos começando a trabalhar, para o bem próprio. O que sair lucro daqui, é nosso. Tanto para o bar, quanto para as pessoas. Ninguém aqui é voluntariado, nós lutamos para ela ter uma coisa para a gente. E nós vamos trabalhar para ter para a gente. Todo mundo aqui está pensando em criar seus filhos, em se sustentar. Tudo bem, não é agora no início, mas vai ser um dia. Ou mal vai ser, quem sabe, o dia de amanhã ninguém sabe. A gente tem que fazer todos os dias, para os dias acontecerem. Aí ela foi e falou: “Pede para sair”. Falei: “Quê? Depois de tudo o que eu fiz?”. A minha outra amiga, a minha outra colega de trabalho que estava do lado, ela ficou assim. E eu nunca tive papas na língua, já sai rebatendo na mesma hora, e ela não gostou. Então, desse dia para cá, sempre tem um probleminha ou outro, as ordens que vêm eu faço tudo ao contrário. Não deixo jamais de passar para todas as minhas sócias, tudo o que eu faço ou deixo de fazer. Sempre fazemos reuniões e eu passo tudo nas reuniões, sempre dou minha opinião e escuto a delas também, mas tem algumas que não me escutam. Hoje mesmo, eu vi vocês chegando lá na praça, eu tive que descer para resolver, que elas iam fazer outra besteira. Elas pagam o contador, pagaram a Associação Comercial, pagaram não sei o quê, eu falei para não pagar nada, a gente não sabe o que é que está pagando. O contador nunca fez uma conta para mim, eu vou pagar o quê? A gente vai criar uma dívida com um projeto que está começando, é um projeto social, a gente não tem benefício nenhum. Só estou vendo a gente, oh, trabalhar. E o retorno? Que a gente ainda não teve?
P/1 – Vocês tiveram nenhuma retirada?
R – Só uma, que foi desigual. Tem noção isso? Ela pagou todo mundo diferente, sócia tem que ter ganho igual. Todo mundo trabalha, todo mundo vem nos seus horários trabalhar. Ela pagou desigual, primeiro que não era para ela ter feito pagamento nenhum, quem tem que fazer somos nós. E fez errado. Eu fiz e consertei a besteira que ela fez. E desde então ela não me procura, ela não fala nada e ela vai fazendo as coisas que tem que fazer.
P/1 – A Duelas
R – É. E eu fico nessa tentando segurar, levar adiante o Favela Point, nesse meio termo.
P/1 – Quem, a Verônica?
R – Não, Verônica trabalha com a parte de marketing. Adoro a Verônica. É sério, até sincera, eu gosto de todas elas. Desde o dia 16, a Eliana não desce mais na minha garganta. Eu não sei qual o objetivo dela, o que é que ela quer. Ela passa uma coisa e faz outra por trás. Desde então, foi ela quem me pediu para sair, se ela acompanhou todo o trabalho, ela jamais deveria ter feito isso, entendeu, e ela sabe que eu estou ali para o der e vier. Sempre fiz tudo o que era para fazer. Uma vez ela designou coisas para outras sócias fazerem, que as meninas não faziam: “Carol resolve, Carol vai, Carol faz”. Saía até do trabalho à noite, porque era o dia inteiro a gente resolvendo as coisas antes da inauguração. E, na inauguração, ela falou: “Carol, pede para sair”. E tem rumores, tem coisas assim, ela falou lá dentro também, quem ia dar trabalho seria eu. Eu vou dar trabalho, por quê? Se eu vou todos os dias fazer o meu trabalho? Eu que resolvo, eu que sento para fazer conta. A única que senta para fazer conta sou eu. E já vi vários erros dela e, eu falei em reunião, falei para ela, não deixo de falar nada. E anoto tudo que nós falamos, e tudo anotado. E ela falou que eu que tenho que descobrir mesmo. Mas ela, em nenhum momento, sentou para me ensinar. Não é minha área, fazer conta. E ainda detesto Matemática, minha mãe morreu no dia que eu fui fazer prova de Matemática. Detesto Matemática, aprendi, fui boa aluna, vou dizer que fui ótima aluna, adoro fazer conta, detesto. Que eu fui de baby doll fazer prova, a empregada me levou de baby doll para a escola, porque eu não queria ir fazer prova e minha mãe de manhã falando que eu tinha que ir fazer prova, que era prova de Matemática. Adiantou nada, passei o resto sem fazer a toda prova. Porque eu fiz a prova sozinha depois do enterro dela. Aí eu fiquei com esse trauma de Matemática. E aí vai, isso que eu estou vivendo no Favela Point hoje, estou encarando o trabalho, mas é problema atrás de problema. A gente está resolvendo tudo, estamos trabalhando, aí vem a nossa coordenadora, ao invés de dar um apoio certo para as sete sócias, nós somos iguais, a gente aprendeu isso. Nós aprendemos isso, sociedade. Eu abri um comércio? Sabe, o que ela passou para a gente, o que ela está fazendo, fica parecendo que eles estão trabalhando em uma lojinha de esquina, e quem vender mais, vai ganhar mais. É isso que se transformou o Favela Point. Então eu escrevi em pauta de reunião, entendeu, que ela não veio fazer a reunião, que eu estou desde a semana passada, ela não atende meus telefonemas. Estou desde a semana passada tentando falar com ela, que eu quero saber o que está acontecendo. Se eu entrei em um projeto para ser a dona, ou a sócia, com as minhas outras seis colegas, ou eu entrei em uma loja e vou vender para ganhar uma comissãozinha a mais. Apesar que, tem loja que ganha um salário, você vai ganhar ainda mais em cima do que você vende. Tanto que eu detesto entrar em loja que fica um monte de gente em cima de mim, isso me mata. Deixa eu escolher, se eu escolher, eu procuro. Tem umas que vêm, assim, toda em cima de você. Tem outras, não: “Qualquer coisa, se precisar de ajuda”. “Não, tudo bem, eu te chamo”. Tem outra que fica ali. Isso é horrível, é um saco. Eu nunca gostei de trabalhar em comércio por causa disso. Aí a gente aposta em uma coisa diferente, estou ali, fiz o curso, não ia desistir pela metade, entendeu. Mas hoje eu penso em sair sim. Não agora, a própria Eliana falou para mim, falou para mim não, que ela não fala nada para mim. Falou para as meninas no bar que nós tínhamos que engolir ela. Eu falei: “É por isso que ela não fala nada na minha frente porque, primeiramente, não é postura de uma coordenadora falar uma coisa dessas”. E, eu acho que hoje, quem vai ter que me engolir vai ser ela, até o momento que eu decidir sair. Porque ela falou isso e sumiu do bar, aparece aqui no horário da noite só, que é onde ela tem apoio, não passa nada para a gente. Me ligava direto, era uma pessoa maravilhosa, era o tempo todo no telefone. E, hoje, ela nos abandonou, entendeu, ela só vem aqui à noite e só fala com a meninas da noite pelo telefone.
P/1 – Carol, o que é que você acha que o Favela Point, ele mudou alguma coisa aqui na comunidade, na região, o fato dele existir?
R – Com certeza.
P/1 – O que é que você acha que mudou?
R – Ah, mudou o próprio estabelecimento, porque não havia, realmente, aqui, para ter um lanche e ficou um ambiente legal, não é qualquer birosca. Mas não é qualquer birosquinha de esquina, entendeu, foi um ambiente preparado, planejado, acho que as pessoas aceitaram isso, assim, legal. Eu já tinha uma desenvoltura na comunidade, porque eu sempre trabalhei na creche, então eu sempre conheci muita gente. E, hoje, eles falam: “Poxa Carol, hoje o trabalho está lá no Favela Point”, não sei o quê, tal. A gente tem outro, as pessoas chamam de casa das sete mulheres, tem outros apelidozinhos. É muito legal, principalmente, a comida também; a procura não está muito grande, é o que eu falei, está precisando de mais divulgação, mas, graças a Deus, nossos clientes que são fixos, tem gente que procura, às vezes, comida à noite. Então assim, às vezes, é muito legal, pô, tem, a gente dá um jeito, porque a gente tem que ir para a cozinha pela manhã, sou eu e Galega que cozinhamos. E assim, mas é muito legal porque não tinha isso e a procura e as pessoas podem entrar no local, tem uma sobremesa, tem uma comida. Muitas pessoas, às vezes, não fazem em casa, aí procuram, assim, eu acho que fez a diferença. É isso que é legal. A gente manter isso e ampliar, tentar sempre melhorar, com todos os problemas que acontecem, que acontecem mesmo, dificuldades todo mundo passa, principalmente em comércio, tem seus altos e baixos. Problemas estruturais também aparecem, mas eu falo para as meninas, a gente vai sempre procurar cada uma fazer a sua parte e fazer o melhor. E o que sair daqui é nosso. Fez a diferença. E eu acho que a gente vai fazer cada vez mais, porque a tendência é crescer. A tendência agora é os trabalhadores, já estão começando a furar aqui, essas casas todas da escada vão ser derrubadas, entendeu, então, a tendência é aumentar. A gente trabalhou para caramba, teve um pagode aqui, tudo, no dia das mães.
P/1 – Como foi?
R – Aí, você não tem noção. Muito cheio, a gente trabalhou para caramba. Acredita que eu, que adoro uma cozinha, eu terminei a noite, duas e pouco da manhã fazendo miojo para as pessoas comerem. Tem noção de um negócio desse? As pessoas cheias de fome, vindo comer. E aí só se eu der miojo, porque o bar acabou todo, não tinha nada mais, todo. Olha, eu fiz mocotó, eu fiz sopa de ervilha, fiz bolo, fiz pavê. Foi mais de cem açaís, cachorro-quente, mais de oitenta x-tudo. Batata frita eu não aguento nem ver até hoje, de domingo para cá, eu não saía da fritadeira de batata. Eu não aguentava mais batata. E as pessoas no final: “Mas eu quero”. Não tinha mais bebida, não tinha mais nada, tudo vazio, eu vou fazer miojo. Aí eu tive que fazer para eles comerem. Eu detesto miojo, eu não compro miojo para a minha casa, eu não dou miojo para os meus filhos. Eu prefiro fazer uma macarronada, mas não dou miojo. Aí as minhas filhas: “Poxa mãe, você não compra nem um miojinho”. E miojo é comida de gente? Miojo é coisa de urgência, eu não como, eu fico com fome, como um salgado, melhor que eu engordo mesmo. E não como miojo, porque não alimenta nada. Foi legal, foi uma trabalheira. Foi satisfatório, entendeu, muito legal. Eu e a Galega demos um show de cozinha, a gente trabalhou nesse dia.
P/1 – É, quais são as suas perspectivas futuras? Seus sonhos futuros?
R – É o que eu falo, eu quero fazer Administração, mudar um pouco o ramo. Eu fiz Pedagogia Empresarial, mas que queria fazer outra faculdade, queria não, pretendo fazer, nem que seja dentro de casa. Meu tio é biólogo, então ele é inteligente para caramba, nem que ele me dê um apoio nas aulas. Assim para estudar em casa, porque tem isso, não tem? A distância? Faculdade? Porque quatro filhos é uma correria danada. Eu assim, a minha filha chega da escola, a especial, ela não anda e não fala, então ela sempre puxa mais o meu tempo, não é nem o bebê. Bebê tem o pai dele e tem creche o dia todo. E ela também foi da creche, mas ela que puxa mais o meu tempo. E assim, eu estou nesse ramo não sei até quando, chega no Favela Point, vamos ver até onde eu vou durar, até onde eu estiver, eu vou fazer por onde. E tenho certeza também que, quando eu sair, vão ouvir falar de mim, que eu não vou ser qualquer desistência. Eu vou ser a desistência. Eu estou me sentindo pressionada nesse momento, sinceramente, não sei o que eu penso na vida, o que eu quero, desde esse início do Favela Point, as coisas na minha mente atribularam um pouquinho, eu estou muito, me sentindo esmagada. Mas, assim, o que eu peço a Deus é força, saúde, disposição para que eu continue trabalhando seja no que for. Que eu esteja me satisfazendo para que eu possa criar meus filhos. Eu acho que essa é a minha maior perspectiva na minha vida, é criar os meus quatro amores. Que sem mim, vai cada um para cada canto, vai acabar a minha família segurando a onda, e Deus me livre, nem pensar. Eu quero criar, estar aqui, ver o desenvolvimento, passar, eu falo sempre para elas, não queiram a vida da mamãe. Queira a minha luta, a minha força; mas não quero a vida que eu tive para vocês. Eu ganhei uma bolsa para a França, por melhor aluna da escola, tanto do técnico, quanto do Magistério Científico na Bahia. Meu pai não assinou para eu ir, estou louca para ir. Eu sei o hino da França até hoje, eu sei cantar o hino da França. E o meu pai não assinou.
P/1 – Você aprendeu Francês?
R – Aprendi. E o meu pai não assinou para que eu viajasse. Uma raiva tão grande, eu precisava da assinatura dele, de responsável.
P/1 – Canta o hino da França pra gente?
R – Vocês querem que eu cante de qualquer jeito.
P/1 – Eu quero.
R – Eu aprendi aqui no Rio, comecei Francês aqui no Rio. Aí lá na Bahia que surgiu a oportunidade. É, deixa eu ver. França. Só um pouquinho. “Allons enfants de la Patrie, Le jour de gloire est arrivé!, Contre nous de la tyrannie, L'étendard sanglant est levé, L'étendard sanglant est levé.” Está bom. “Entendez-vous dans nos campagnes, Mugir ces féroces soldats.” Mais ou menos assim. Muitos anos, acho que foi quando eu entrei no Ginásio.
P/1 – Aí você ganhou essa bolsa?
R – É, só que o meu pai não assinou. Para estudar na França. Aí meu pai não deixou, falou que era coisa de sacana, não sei o quê, várias coisas horrorosas que ele fala até hoje. E aí eu não fui. Perdi uma grande oportunidade, quem sabe eu nem estaria aqui, cheio de filho, cheio de nada. Outra coisa que ele bloqueou na minha vida, foi que eu fiz teatro amador, participei de várias peças lá na Bahia também. Fiz Iracema, ainda fui o homem de Iracema, eu fui o William, o português que a índia Iracema se apaixonou. Eu lembro que o meu professor de teatro falava assim: “Carol, tu falas muito fino”. Eu tinha o sotaque do Rio de Janeiro, misturado com o da Bahia, imagine que pessoa essa para falar. Vai fazer papel de homem em uma peça? É porque eu era a única branca, a mais clara da sala, da turma. Aí eu fiz o papel do português que a índia se apaixonou. Muito legal também, fiz várias peças na Bahia muito interessantes. Tenho foto também, eu tenho muita foto, adoro foto. Tudo para a gente era clicado. Aí eu ganhei a bolsa para fazer o profissional, eu pintava até maluco da vida, e meu pai também não deixou eu fazer. Foi outra coisa também que, com certeza, qualquer pessoa, com apoio e com sã consciência, ia largar um homem desse. É isso.
P/1 – O que você achou da experiência de contar o seu depoimento para esse projeto?
R – Ah, achei muito interessante. A Gina falou: “Ah, Carol, vai você, que você fala mais”. Eu falei assim: “Nada, eu fui convidada porque eu tenho mais filho”. Eu sei que, eu gosto de conversar, e eu achei muito interessante. Eu acho que a gente quando valoriza o ser humano, a pessoa, e saber um pouco de cada um, é bom porque todo mundo tem uma história. Todo mundo tem raízes, todo mundo tem uma base. E se a gente não valorizar isso, por mais que você encontre mil buracos no seu caminho, você não é ninguém. É Deus lá em cima e nós aqui na Terra, lutando pela sobrevivência. Acho que a vida é isso aí, sobreviver. E ser feliz. Importante. Que mais tu queres que eu fale?
P/1 – Queria agradecer. É lindo o seu depoimento.
R – É um monte de coisa.
P/1 – Nossa.
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada.
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