Santa Cruz do Rio Pardo Todo lugar tem uma história para contar
Depoente: Alzira de Oliveira
Entrevistador: Juliana Renóvio e Márcia Trezza
18/10/2018
SCRPHV 009
P/1 - Dona Alzira, se apresente para a gente. Fale seu nome, idade.
P/2 - Onde nasceu...
R - Eu nasci nas Três Barras, aqui no Santa Cruz, e sou nascida em 18/12/1945.
P/2 - E seu nome completo?
R - Alzira de Oliveira.
P/1 - Conta um pouco para a gente como foi sua infância.
R - A minha infância foi essa, nós morávamos no sítio, meu pai era empreiteiro, então nós trabalhávamos tudo para a roça. Até nove anos eu fui para a escola, depois da escola ia trabalhar no café com meu pai e minha mãe. Nós somos em 15 irmãos, então nós trabalhávamos tudo perto um do outro.
P/2 - Tinha brincadeiras também, nessa época?
R - Tinha na escola, negócio de São João, Santo Antônio, essas coisas. Nós morávamos no sítio e essas brincadeiras que nós tínhamos.
P/1 - A senhora se recorda de alguma professora?
R - Recordo, mas já não existe mais. Já faleceu, mas eu me recordo dela, é a dona Florinda (Colhato) [00:01:47] e a dona (Menaíde) [00:01:50] Isaias. Essas eu recordo. A (Menaíde) [00:01:53] foi do sítio, e a Florinda (Colhato) [00:01:56] foi aqui perto da igreja, na escola perto da paroquial.
P/2 - Por que elas marcaram a senhora? No que a senhora lembra delas?
R - Eram muito boas, não é? O que a gente aprendeu foi com elas. Foram muito boas.
P/1 - Quais eram as brincadeiras favoritas de vocês lá no sítio? Como era, do que vocês brincavam?
R - O sítio nunca teve uma força. Agora está tendo, mas antigamente não tinha, então eu brincava de roda, brincava de pique, essas coisas. E ia para a escola e trabalhar depois do almoço. Eu ia cedo, 7:00, até meio dia, meio dia e meia eu estava em casa, tirava o uniforme e subia para o cafezal, apanhar café, (inint) [00:02:47] a vida.
P/2 - Teve algum dia que aconteceu alguma coisa e a senhora lembra até hoje? De arte, de brincadeira?
R - Tem. Meu pai, quando vinha para a cidade, sempre fazia assim. A mãe falava: “precisa comprar (inint) [00:03:06] para essas crianças. Está chegando dia de não sei o quê, São João, Santo Antônio”. Para cá da ponte tinha uma venda, o dono chamava (Júlio Escodeler) [00:03:15] e meu pai chegou lá e achou umas bonecas de papelão, grande. Nossa, nós ficamos todas cheias, ele levou cinco, cada uma ficou com a sua. Fomos inventar de dar banho nessas bonecas. Chega lá, vai dar banho e a boneca derreteu toda. Eu chorei. Eu pus a minha, minha irmã pôs a dela e o resto não pôs. Quer dizer, eu fiquei sem a boneca o mês inteiro e ainda levei essa, porque o pai pagou caro e acabar com a boneca daquele jeito. Foi um dia só, menina. Enfiei lá no ribeirãozinho, a (inint) [00:03:54] saiu. Pronto, já era. Apanhei bastante, as outras todas ficaram. O pai falou: “o dia que eu for na cidade, se tiver mais, eu trago para você”. Não tinha mais, já tinha acabado. Aí levou uma da cabeça pela para mim, mas era preta. Boneca bem preta, aí eu não quis não. A mãe falou: “vai ficar com essa”. “Eu não quero, não quero mesmo”. Até há pouco tempo minha irmã falou para mim um negócio dessa boneca. Eu falei: “nunca mais vi e não quero ver”. Ai meu Deus. Ah, não dá. Nós moramos muito além do (inint) [00:04:34].
P/2 - Não precisa seguir o roteiro não.
P/1 - Estou só olhando para ver se não tem alguma que puxe, sabe?
P/2 - Porque a partir do que ela for falando...
P/1 - ...a gente já vai, não é? Até que idade a senhora ficou lá no sítio? Moto, barulho.
R - Eu vim com 14 anos para a cidade. Quando saiu a vila popular lá em cima, a primeira vila da Estação que saiu, meu pai comprou uma casinha ali e viemos morar, viemos direto para a Estação. Só saí da Estação para mudar para cá. Aí deixei meu pai com minha mãe, fui uma época para São Paulo, fui morar com doutor (Ciro) [00:05:19], com a (Marinha) [00:05:20], trabalhei quatro anos com eles, depois voltei embora. (inint) [00:05:24]. Agora, graças a Deus, estão todos aí, todos criados, não me arrependi de nada porque Deus deu bastante força para mim, graças a Deus, e estamos aí com a vida.
P/1 - Nunca teve vontade de ter um esposo, companheiro?
R - Falar a verdade para você. O primeiro que eu tive, que é pai dos meus filhos, que é pai (inint) [00:05:47] faleceu, morreu. Para começar, nós não nos dávamos muito bem porque ele era mais velho do que eu e eu era mais nova, mas eu caí em um problema que não era para acontecer naquela época, arrumei o primeiro menininho com ele. Depois deu meningite, morreu.
P/2 - No menino?
R - É, no menino que eu tive. Depois não arrumei mais, também. Agora, esses tempos atrás, apareceu um também, esqueci até de falar. O Tadeu. Minhas meninas tinham vindo da Finlândia, estavam aí, elas vêm com o carro, estacionam ali na casa do meu tio e deixam os carros para nós andarmos a pé, porque elas não andam a pé nem a pau. Virei e falei: “esse aqui é o fulano que falei para vocês, que quer namorar comigo”. “Ah, mãe, pensa bem, que a senhora está muito bem sem sofrer, viu?” Quer dizer, uma já me alertou. Ele bebe demais, vou arrumar uma coisa dessa para quê? Para eu sofrer mais do que já sofri? Então não precisa. Agora estou, graças a Deus, eu com meus filhos, com meus netos. Já enche a casa. Minha casa é cheinha.
P/2 - Dona Alzira, quantos filhos a senhora teve?
R - Eu? Seis. Vivos tenho seis.
P/2 - Netos?
R - Ai meu Deus, neto tenho 15. É 15 mesmo. Bisneto eu tenho seis.
P/2 - O que são seus filhos para a senhora?
R - O que são meus filhos?
P/2 - É, o que eles são na vida da senhora?
R - Para mim, tudo é filho. Não tem como você dividir as coisas porque, geralmente, (inint) [00:07:37] que estão lá fora, então a gente sabe que vem aquela saudade que a gente tem, então a gente vai matar a saudade. Agora esses que estão comigo, que moram junto comigo, dentro de casa, não tem como dividir as coisas. Para começar, minha menina é mãe solteira. Eu faço mais para as crianças.
P/2 - Quantos filhos ela tem?
R - Cinco. Tem cinco. Eu (inint) [00:08:08] bem branquinho. Esse branquinho é bem branquinho mesmo, só ele de branco no meio de nós, o resto não tem jeito. (inint) [00:08:17]: “vai filho, para a casa da tua vó um pouco”. “Ah, eu não, vou ficar aqui mesmo”. Ele fica. Ele acostumou mais com a vó preta, que ele fala, do que a casa branca lá. Então ele fica mais comigo do que com a outra. Foi nascido e criado ali comigo mesmo. E a mãe (inint) [00:08:32] que faleceu que ficou. A primeira faleceu e deixou seis. Eu pensei: “agora o pai vai pegar”. Não foi embora nenhum.
P/2 - Os seis também moravam com você.
R - Tudo comigo. Eu fiquei tão louca que abandonei minha casa. Eu tinha uma casa lá na Estação, era coisa boa. Eu trabalhei no (inint) [00:08:55], no mutirão, para fazer essa casa. Perdi a casa. Não tinha jeito. Eu trabalhava também, não tinha jeito de chegar em casa e deitar, descansar, não tinha como.
P/2 - Por quê?
R - Barulho demais, muita anarquia de criança. Aquele barulhão, aquele entra e sai. Aluguei uma casa para mim e vim embora para baixo da cidade, na descida, perto do tiro de guerra ali.
P/2 - Quem morava na casa nessa época que tinha bastante gente?
R - Tudo.
P/2 - Quem são? Fala todo mundo.
R - Morava Vilmar.
P/2 - Seu filho?
R - Não, neto. Vilmar, Letícia, Liliane, Elivelton, Diego e Marcelo.
P/2 - São os netos.
R - Esses são os netos que a mãe morreu e deixou.
P/2 - E ela morreu nova?
R - 32 anos. Deu esclerose múltipla, ela varria rua. Morreu novinha.
P/2 - E a outra filha?
R - Morreu na vilinha aqui embaixo. Essa foi de repente, não é, (inint) [00:09:59]? Deixou mais seis.
P/2 - Foi doença também.
R - A outra foi, agora essa outra bebia um pouquinho demais.
P/2 - Sei.
R - Então ela já não podia também e, no momento, o filho dela foi preso, ela começou a botar tudo aquilo na cabeça e não comia mais. Então a vida dela foi: “mãe do céu, preciso ir lá, preciso ir lá” e com isso foi embora (inint) [00:10:23]. Ficou seis. Agora dessa que ficou por último, o mais novo dela vai fazer 12 anos agora e tem uma moça de 18, que está comigo, e tem mais um que está viajando, que trabalha na Special Dog. Tem outro, um malvado, negro, que está dando trabalho para mim. É malvado esse negro, ô meu Deus.
P/2 - Neto?
R - Neto, dela. Só um que está dando trabalho, porque o resto... (almoço) [00:10:49] você nem fala que tem mulher dentro de casa.
P/2 - E você quem criou todos?
R - Tudo, mulher, tudo, graças a Deus, porque eu não paro de trabalhar também. Esses dias mesmo eu fiquei ruim na cidade, vim embora. Cheguei aqui e me levaram para o UPA. Eu cato reciclagem para não parar, porque só minha aposentadoria não dá. Para eu ficar correndo aqui, correndo ali, eu acho que não tem jeito. Já tem os cinco dela lá, mais esses que ficaram. A (inint) [00:11:18] agora está atrás de um serviço, porque ela fez 18 anos, então agora ela está atrás de um serviço. Eu tenho que dar um jeito. Cheguei e me levaram ruim para lá, por causa de quê? Porque eu não gosto de ver as coisas. Se está precisando, (inint) [00:11:34]. “Você me dá? Você faz isso?” Eu não tenho natureza para essas coisas, então eu prefiro ficar correndo mesmo. Agora eu estou parada. Tenho que acabar de beber esse remédio que estou bebendo (da época) [00:11:47] que eu fiquei ruim, mas semana que vem já vou outra vez. Meu carrinho está parado na porta lá. A hora que melhorar eu vou.
P/2 - A gente vai voltar para sua história. Posso perguntar?
P/1 - Pode, fica à vontade.
P/2 - Voltando lá para quando você veio do sítio para a cidade. Como foi quando você fez essa mudança, que lembranças você tem, que sensação você teve vindo morar aqui? Você morava no sítio aí veio para cá. Como foi? Você lembra o dia que você chegou?
R - Ah, eu me senti muito bem porque eu tinha o meu pai e minha mãe vivos. Ali estavam todas as irmandades, não estava faltando nenhum. Nós viemos todos do sítio, aquele mundão. O pai comprou e ainda teve que mandar aumentar dois quartos ainda porque tinha bastante filho. Nós nos sentíamos muito bem porque meu pai não deixava faltar nada para nós. Graças a Deus. O que ele fez, o que ele ganhou no tempo que nós trabalhamos no sítio, nós aproveitamos tudo ali. Ele aumentou, já tirou uma carroça boa, tirou um animal bom e continuou puxando as lenhas para os outros por aí. Ninguém parou, só minha mãe que nós não deixávamos trabalhar.
P/2 - Você sentiu diferença de quando você morava no sítio e aqui na cidade?
R - Senti.
P/2 - Que diferença?
R - A diferença que no sítio não precisava comprar nada. Lá a senhora plantava e a senhora mesmo colhia. Agora na cidade já tudo tinha que comprar.
P/2 - E aí?
R - Aí que foi a diferença que teve. Se trabalhava um pouco, tinha que trabalhar dobrado porque não tinha jeito. Minha mãe, naquele tempo, ainda tinha bastante criança pequena.
P/2 - E vocês trabalharam aqui na cidade?
R - Aqui? Na roça, do mesmo jeito, cortando cana em cima dos caminhões.
P/2 - E em outras casas, outras roças?
R - Trabalhei muito tempo também no (inint) [00:13:35], não sei se você ouviu falar. Você não lembra, não é do seu tempo.
P/1 - Nunca ouvi falar.
R - Então, (inint) [00:13:43] do doutor Moco. Trabalhei muito tempo com eles. Depois saí de lá e vim para a rua, varrer rua. Fui varrendo, varri três anos. Depois entrou outro prefeito novo e mandou as mulheres de mais idade embora, já foi colocando mais novas no lugar. Eu saí de lá e pulei para a (loma) [00:14:02]. Lá eu fiquei dez anos, aposentei lá.
P/2 - O que é (loma) [00:14:07]? Eu não sei.
P/1 - A (loma) [00:14:08] é um posto.
R - É um posto de comida, de self-service. É beirada da estrada. É o posto mais movimentado, é gigante, que vem daqui e vai para Bauru.
P/1 - Que função a senhora fazia lá?
R - Eu era auxiliar dos salgados.
P/2 - Como que era?
R - Tinha a senhora que mandava em nós e ela: “fulano, você vai fazer isso, você vai fazer aquilo, você aquilo”. Então ela escalava o serviço e eu ia fazer.
P/1 - Tem alguma coisa que, nessa época, foi engraçado ou que a senhora ficou triste, algum acontecimento lá que marcou a senhora?
R - Tem. Tem meu patrão. Ele tinha um tipo de comida que passava uns dias e ele tinha aquele tipo de comida para ele comer. O meu apelido lá no serviço é Isidoro, por eu ser (canhoteira) [00:15:09]. “Isodoro veio hoje?” “Veio”. “Então manda Isodoro fazer aquele frango para mim, que eu vou querer aquele frango”. Era dia de polenta, então ele queria frango e a couve picada bem fininha, só arroz, sem feijão, sem nada. Ele (inint) [00:15:25], acho que já casou com outro, parece. Eu fazia para ele, judiação. Quando ele ficou doente, ele chamou todo mundo e falou assim: “olha Isodoro, amanhã você vai lá em casa. Dá uma mão para a Zé para mim, que eu vou ficar aqui. Eu vou ajudar o Pedro”, é o seu Pedrinho da cabeça pelada, não sei se você sabe. Tem um restaurante. Eu fui para lá, ele veio para cá. Cheguei lá e falou para mim: “olha Alzira, sabe o que você vai fazer para mim? Vamos comigo lá em Ourinhos em uma benzedeira muito boa que diz que é muito boa. Quero levar o Júlio lá. Você tem parente lá? Você chega no seu parente lá e pergunta se conhece alguma pessoa que benze lá, porque eu acho que vou levar o Júlio”. Falei: “mas para que a senhora quer?” Ela falou: “ah, Alzira, porque o Júlio está com câncer e ele não está sabendo. Ele tem fé, ele quer andar atrás das coisas. A senhora vai comigo?” Eu falei: “vou, dona Zé”. Aí fomos. Saí outro dia, coloquei outra menina para trabalhar e fomos para Ourinhos. Ele foi dirigindo, conversando, e ele não sabia. Quando chegou no dia ele falou: “eu vou vender isso aqui, estou cansado de trabalhar”. Ela falou: “vamos mesmo?” Ele falou: “vamos”. (inint) [00:16:35]. Não sei o que deu nele de fazer isso aí.
P/2 - E vendeu.
R - Veio o seu Antônio e ele passou a parte dele para o seu Antônio. Aí ele falou: “quem quiser ficar com o Antônio, fica. Quem quiser ir embora comigo, vamos”. Como tinha dez mais velhas, ele falou: “vamos fazer o seguinte, as mais velhas eu vou deixar todo o papel arrumadinho para elas”. Aí mandou eu, a mãe do Carlão, uma turma. Nos mandou embora, mas nós saímos aposentadas. Quando ia fazer 11 anos eu fui embora. E isso aí ficou marcado, eu não esqueço dele, tadinho. Foi muito bom. Sem ser isso aí, era uma pessoa demais para lidar com ele. Às vezes ele não queria falar, tinha dias que não estava bom, escrevia um bilhete e deixava pregado, a gente já sabia. (inint) [00:17:20] na parede e olhava o que o seu Júlio tinha mandado fazer. Quando ele não estava bom, às vezes estava com dor, decerto, não é?
P/2 - Com certeza.
R - É.
P/2 - Agora Isodoro, você sabe por que chama esse nome?
R - Por causa de eu ser canhoteira.
P/2 - Eu não sei que história é essa de ser canhoto.
R - Diz que é um rapaz que jogava, Paulo Isidoro, que era canhoteiro. Puseram esse apelido em mim e não saiu nunca mais. Até agora encontro (inint) [00:17:44]: “Isodoro, está bom?” Ai meu Deus, falar para você. Fico meio sem graça.
P/1 - Dona Alzira, a gente sabe que a senhora faz parte do carnaval e tudo. Como que começou, como é que foi?
R - O carnaval que começou mesmo foi na usina do São Luís. Ia o Carlo, que é o periquito, iam mais dois que, aquele tempo, ia, o (inint) [00:18:14], mora aqui também. Eles abriram a escola lá, lá que começou o samba. Depois o Fernando (inint) [00:18:21] deu uma mãozinha para eles, veio vindo, chegou aqui, aí conheceram o Waltinho, a turminha aí que foi (inint) [00:18:29]. Foi atrás do (Andrioli) [00:18:30], que mora lá perto da cadeia. Ali que colocou o nome da escola de samba Califórnia. Primeira escola chamava Califórnia.
P/2 - Por que esse nome, você sabe?
R - Ele que pôs, o (Andrioli) [00:18:45]. Acho que é por ele ser italiano, sei lá. Ele pôs escola de samba Califórnia. Vou falar para você, parece que desocupou a cidade. Tudo quanto é (poeira) [00:18:59] estava ali. Acho que ele pôs Califórnia por causa disso aí mesmo. Deu uma escola de mais de quarteirão. Nós descíamos de lá para cá. A escola foi muito boa e passou para o João Pitaca, não tinha um braço. Nós descíamos para ele também. Foi assim, meio que o fundador da escola de samba aqui.
P/2 - Você lembra a primeira vez que você desfilou?
R - Lembro.
P/1 - Isso que eu ia perguntar.
P/2 - Conta os detalhes.
R - Nossa, eu tinha 15 anos. Nós fomos uma escola de samba, nós ganhamos o carnaval lá em Santo Antônio da Platina. Eu tenho fotografia, mas agora mesmo (inint) [00:19:42] de achar. Nós ganhamos lá, bandeira, aquelas coisas de escola, aqueles prêmios bonitos, com uma fitona. Nós saímos daqui 3:00 da tarde para chegar lá e desfilar 10:00 da noite. Nós desfilamos domingo, nós saímos daqui de madrugadinha para 3:00 da tarde todo mundo chegar. Tem as baianas vestindo (inint) [00:20:12], tinha 15, 16, 20 baianos. Agora morreu tudo, não tem mais. Então a gente fica meio abobado, não é?
P/1 - Qual era a função da senhora no desfile? O que a senhora fazia?
R - Eu toda vez fui passista, eu nunca vesti roupão. Nunca dancei de saia e blusa, essas coisas. Eu gosto de calça comprida. Toda a vida, nunca dancei de roupa.
P/2 - O que significa o carnaval para a senhora?
R - Para mim, é o movimento. Eu gosto. É tradição de (inint) [00:20:42].
P/1 - Ele é importante?
R - Para mim é, eu gosto, viu? Acho que agora, daqui uns dias, eu vou ter que pagar para (inint) [00:20:50], mas por enquanto, ainda estou teimando.
P/2 - E você era passista?
R - Toda a vida.
P/2 - Dançava bastante.
R - Dançava muito.
P/2 - Aprendeu a dançar com alguém, a ser passista?
R - Eu dancei um ano em São Paulo, depois parei. Tenho prima também que vem de lá para dançar aqui. Acostumei.
P/2 - Quando você está desfilando e as pessoas assistindo, qual é a sensação, Alzira?
R - É muito bom. Para mim, (inint) [00:21:26] para eu dançar gostoso, não dá, porque às vezes eu penso uma roupa (inint) [00:21:31], então (inint) [00:21:32], vou arrumar o cinto daquele ali, então (inint) [00:21:35] não dá tempo de nada. Às vezes vou lá onde (inint) [00:21:37], volto para trás.
P/2 - Agora você arruma?
R - É. Não tinha baiana, não é, dona Teresa? Vai fazer três anos que as baianas saíram. Eu não estava no meio, agora que voltei. Eu falei com o Jarbas, ele falou: “você quer ir?” Eu falei: “se fosse para eu voltar, eu queria (inint) [00:21:57], porque só (inint) [00:21:58]”. Aí deixaram isso aí, mas (inint) [00:22:04] dá dor de cabeça para a gente, menina, nossa. Agora não tem baiano que bebe, mas de primeira, nossa senhora. Você esquecia (inint) [00:22:14] em cima mesmo. Agora não. Agora, graças a Deus, está tudo certinho. Eu já não bebo, não fumo.
P/2 - E teve alguma história marcante dessa época também?
R - Isso que eu estou falando. Aqui em cima, agora não tem mais, ela morreu. Nós tivemos que prender (inint) [00:22:33] dentro do carro. Chegou a hora do prefeito falar, a mãe do Babo, ah meu Deus do céu. O filho dele escuta. “Alzira”, eu falei: “oi”. “A mãe vem vindo aí”. “Aonde?” Vinha vindo. Já tinha vestido a roupa, tinha que ficar afastado para nós podermos escutar o homem apresentando as escolas. Foram 17 escolas. Não era só a nossa. Quando eu olho para trás, vem vindo. Cambeteando. O saiote é grande. Agora conforme andava, o vestido ia para lá, voltava para cá, ia para trás, vinha para frente. O meu primo começou a chorar. Eu falei: “agora não adianta, filho, vamos sumir com ela daqui”. E nós a tiramos. Ele falou: “tenho um remédio para a mãe. Eu tranquei a mulher dentro do carro”. Nós passamos (inint) [00:23:34] fazia assim, querendo sair. Deus que me perdoe. A gente sofre, mas também a gente se diverte bastante. Credo. E acabou essa turma, morreu quase tudo. Não tem mais quase ninguém.
P/1 - Agora é tudo baiana nova, não é?
R - Agora é tudo baiana nova.
P/2 - Mas você agora veste de baiana.
R - Eu? Não visto.
P/2 - Não.
R - Não, eu faço a minha roupa. Eu bordo ela, tudo as manhas de bordar. Às vezes bordo (inint) [00:24:10], esse ano bordei para a dona Teresa. (inint) [00:24:11] igual eu.
P/2 - Está vendo umas perguntas boas aqui.
P/1 - É, estou vendo se eu tenho alguma aqui. A gente não falou muito dos seus pais. Eles eram daqui de Santa Cruz?
R - Meu pai era daí mesmo, perto da usina de Três Barras, aonde eu nasci. Minha mãe era daí também, quase do mesmo lugar. Minha mãe era de Santa Teresa, meu pai era das Três Barras. Conheceram e casaram por aí mesmo, se amando ao outro. Meu pai tinha saúde boa, minha mãe também. Acabou de repente.
P/2 - Lembranças da escola, dos professores.
P/1 - Da escola, a gente comentou. Será que tem mais?
P/2 - Além dos professores, quando você ia na escola, tem alguma lembrança? O que você lembra da época da escola? Se tem alguma lembrança, porque às vezes a gente não lembra.
P/1 - Os amigos, teve alguma travessura?
R - Ah, teve, mas não lembro mais não. A única coisa que eu sei, que me matou, foi a boneca. A boneca foi triste.
P/2 - E brincadeiras aqui na cidade, vocês brincavam aqui na cidade quando eram crianças?
R - Quando a gente veio para a cidade, a gente veio quase mocinhos, então a gente já trabalhava e tinha que voltar embora de tarde.
P/2 - Que idade você tinha? 13?
R - 13, é.
P/2 - Mas aí já não brincava mais.
R - Aí já não brincava mais. Aí já ajudava a mãe a fazer serviço e depois nós não saíamos mesmo de casa.
P/2 - E como era essa vida de trabalhar, estudar?
R - Gostoso.
P/2 - Estudar muito pouco e ter que trabalhar na roça, no sítio.
R - Muito pouco. Nós estudávamos mais de noite, com a luz de querosene. Todo mundo jantava e todo mundo tinha um dia para arrumar a cozinha. Um dia era uma, outro dia era outro, outro dia era outra, minha mãe não aceitava a cozinhar amanhecer suja. Ela levantava de madrugada para arrumar a comida, então ela não aceitava. Cada dia era um. Então aquele um acabava de arrumar, os outros que já jantavam já iam sentar na mesa para estudar. Meu pai tinha uma mesa grande, que ele mesmo fez, sentava todo mundo em roda e tinha quatro, cinco luzes em cima. Estudava ali.
P/2 - E as histórias da roça, como que eram?
R - Da roça?
P/2 - De ter que trabalhar na roça, sempre tem histórias de como era.
R - Da roça era colocar o café, (inint) [00:27:01], rastelar, levantar. Então isso a gente aprendeu tudo, eu sei tudo. Ano passado eu (inint) [00:27:13] café aí perto de (inint) [00:27:16].
P/2 - Trabalhou?
P/2 - Trabalho. Cada vez que tem café na roça eu vou embora para a roça. Eu (bando) [00:27:23] café juntinho com os homens, não tenho preguiça. O meu pai ensinou, eu vou. Não é um bicho de sete cabeças. O (duro) [00:27:32] rastelar. Dois, três rastelam, três batem folha e três já vêm com a peneira. Quando você termina, você leva um (inint) [00:27:42], quem fuma, fuma, quem bebe água, vai no banheiro. Aí volta e (inint) [00:27:47].
P/2 - Quantas horas direto?
R - O dia inteiro. Só para para tomar café e para almoçar. Começa às 7:00, quando a gente chega lá. Você almoça, depois leva um descanso bom, depois pega (inint) [00:28:04] só 01:00. Aí só as 5:00 para parar.
P/2 - Além de café, você trabalhou em outras plantações?
R - Trabalhei no corta soja, arranca feijão, cortar arroz. Eu passei por tudo na vida. Às vezes eu falo lá em casa, quando meus meninos: “ah, estou tão cansado de trabalhar”, “gente, vocês não passaram metade do que eu passei, vocês estão começando agora”. Não, ninguém passou o que a gente passou para ver o quanto é duro.
P/2 - De tudo isso, o que era mais difícil dessas plantações todas? Desse trabalho todo, o que era mais difícil?
R - Arroz nas costas, por causa do cacho. O cacho pinica. Onde você vai passando a ponta do arroz vai pinicando e levantando aqueles calombos, então é mais difícil. Quando a gente chega cedo, a gente corta. Escalava três: “vai fulano, fulano e fulano para cortar”. Correia grande com uma fivela na ponta. Você vai pegando aqueles maços que a gente cortou e já vai colocando ali para você carregar. Depois você pega aquela corrente, enfia na argola, serra e joga no ombro. Na hora que você joga no ombro que pinica. Fica tudo grosso, queima, mas nós fazíamos. Aquele tempo não tinha coisas para cortar, agora tem. Antigamente não tinha. Fincava quatro paus no chão, fazia aquela (furquia) [00:29:46], amarrava com cipó e batia o arroz ali, o cacho caía todo no chão. E nós trabalhávamos. Às vezes você carregava até bicho no meio, lugar que tem cobra, essas coisas, eles entram (inint) [00:30:02], você pega, (inint) [00:30:03], põe nas costas.
P/2 - Você viu isso acontecer alguma vez?
R - Já vi com um homem que morava lá, dono do sítio, que ele foi conosco, falou: “vou dar uma mãozinha para as meninas carregarem aqui, até dar a hora de eu descer, ir embora, dar água para os animais”. Já pegou uma cascavel junto.
P/1 - Mas picou ele?
R - Não picou porque ele escutou a batida do bicho e jogou o feixe. Quando jogou o feixe ela saiu andando. Não deu nem tempo de matar. Eu tenho medo daquilo lá, nossa. Meu Deus do céu. Agora eu acho que não tenho mais coragem igual eu tinha não. Trabalhar no arroz não. Arrancar feijão dói a coluna. Fica agachado. Quando termina lá que a gente levanta o corpo para cima, mas não é fácil não.
P/2 - Você falou, agora há pouco, que as máquinas agora estão fazendo.
R - Agora tem.
P/2 - E como é que fica o trabalho?
R - Então, ficou mais difícil para a gente que é pobre, porque agora você não corta mais a cana. Só quando fica (inint) [00:31:17], que fica naqueles barrancos, que sobe e planta a cana aqui em cima, então vem uns quatro, cinco, seis nos talhões cortando aquelas canas porque a máquina não sobe lá para cortar. O resto embaixo leva tudo. Deixa uns tocos desse tamanho. Esse toco você vem reparando e catando os pedaços que ela pica. Ela pica tudo desse tamanho. Você vai catando e jogando na carreta. O único serviço que tem da cana agora é esse aí, que pode fazer é isso. Não tem mais.
P/2 - E algodão, feijão?
R - Algodão tem, mas muito longe agora. Não dá mais igual tinha antigamente, agora não tem mais. É difícil. Milho verde também. O milho tem a máquina também. O pé está em cima, ela já passa e já leva espiga. Não fica uma. O que cai, larga. Eles vão pagar você por dia ou por saco. Seis, sete, dez reais o saco de milho, para você catar os pedaços que ficaram no chão. É o ganho que tem, não tem mais.
P/2 - Pensar que: “ah, então melhorou porque agora você não vai sofrer tanto”.
R - Ah, não, piorou. Eu acho, porque antigamente você saia em um ponto aqui, colocava uma sacola no ombro a hora que estava precisando trabalhar e parava um caminhão: “fulano, vai para onde? Trabalhar?” “Vamos embora”. Você já sabia onde ia. Teve dia aqui na (Divineia) [00:32:52], quando eu mudei aqui, que essas minhas meninas eram tudo pequenas, era difícil. Não tinha serviço, não tinha. Eu, (essa Neuza) [00:33:06], minha irmã, e as (inint) [00:33:07]. Nós morávamos tudo perto, eu ali, ela aqui, ela aqui. Levantava cedo, tinha essas garrafinhas de Guaraná, antigamente, e você colocava um tantinho assim de garapa ou café, pegava um pedaço de pão, colocava ali e era o almoço. Por quê? Nós trabalhávamos o dia inteiro só com aquele almoço, aquele pedaço de pão. Comia um pedaço na hora do almoço, a hora do café comia outro pedaço. Chegava de tarde, era por dia. Eram 12 cruzeiros por dia. Olha como era mais fácil viver antigamente, você pegava aqueles 12 reais, aqueles 12 cruzeiros e nós comprávamos arroz, feijão, açúcar, sal, óleo, tudo que estava precisando lá em casa, e levava. Chegava de tarde: “mãe, já demos banho nas crianças, a água está no fogo, agora nós vamos fazer comida”. Esperavam eu chegar para fazer comida, porque não tinha. Você entendeu? A vida era essa. Agora não tem. Quando (inint) [00:34:15] no céu. Isso aí não foi (inint) [00:34:17], de jeito nenhum.
P/1 - Agora com um dia de serviço...
R - ...é, antigamente era assim. Agora, nossa, você sofre para pegar uns 100 reais na mão. Agora é duro.
P/1 - E aquela história da mina? Quando a senhora chegou na vila não tinha água na torneira, como é que foi?
R - Não tinha torneira, não tinha nada.
P/1 - Conta para nós como é que foi.
R - Não tinha luz, não tinha água. Era aquela escuridão. Aquela rua, que é minha casa agora, era um trilho. Aquele trilho vinha aqui na casa da Maria (inint) [00:34:53], que vocês falaram, na ponta, descendo, e ia lá descendo como quem vai para o matador. Lá naquela ponta era a minha casa. Eu morava (inint) [00:35:03] da minha tia nessa distância. Por quê? Porque o Zé da Gruta que deu para nós fazermos a casa. Ele morava aqui e morreu. Zé da Gruta falou: “tem esse pedaço aqui, depois pega lá”. Eu falei: “aonde o senhor der para mim está bom”. Ele me deu. Eu peguei e fiz a casa. Meu tio (inint) [00:35:23], o inquilino que mora aqui, o Arlindo, que trabalha no Correio, me deu telha, me deu umas coisas. Meu pai teve derrame e já não falava muito mais. Dodói, não é? Não deixava ele fazer serviço. Ele falava: “vou lhe ajudar a carregar”. Eu falei: “não, o senhor fica aqui olhando para as crianças não quebrarem a telha e nós vamos (bardear) [00:35:44]”. Juntamos esse (Belo) [00:35:47], esse Tadeu, meus primos tudo para ajudarem a levar as telhas para lá. Atravessa telha, levava direto lá. Fiz a casa lá na ponta. Depois meus irmãos vieram, foram fazendo e começaram a vir de lá para cá, mas não tinha, era só a minha casa.
P/1 - Ah, a casa da senhora foi a primeira.
R - Então o que nós fazíamos? Tinham as pedras lá embaixo. Eu lavava roupa aqui junto com a minha tia. (inint) [00:36:16] as pedras. Eu vim de lá para cá, colocava a bacia na cabeça, lata para ferver e nós vínhamos na mina aqui. Bem lá embaixo, no buraco. Então nós lavávamos a roupa (inint) [00:36:28] para beber. Daqui eu levava lá a água, eu com as crianças. Arrumava um baldinho para cada um, todo mundo trabalhava. As meninas, todas trabalharam na vida. Para tomar banho, tinha essa água, essa (inint) [00:36:44] que tinha descendo no buraco lá, tinha uma mina, umas pedras, descia água e (inint) [00:36:51] onde as crianças tomavam banho, porque não tinha jeito de ir no rio. Naquele tempo não tinha. Depois apareceu o tio Grilo. Ele trabalhava há um tempo na prefeitura. Nós pedimos para ele. Ele falou: “jogo sim. Espera amanhã, quando eu descer com o trator, eu jogo para vocês”. Aí jogou 15 pedras. Aonde jogava, de tão pesada, ela parava. Ela parava onde a água já dava até aqui em nós. Vocês acreditam que lá nós lavávamos a roupa. Nossa roupa era branquinha. Lavava lá, todo mundo. “(inint) [00:37:27] fulano?” “Vou”. “Você vai, fulano?” “Vou”. “Então amanhã vocês lavam depois nós trocávamos. Um dia dez lavavam, outro dia dez lavavam e assim nós íamos. Nossa vida foi ali. Melhorou a situação depois que jogou as pedras.
P/1 - Ficou mais perto, não é?
R - Ficou mais perto. Nós descíamos só o barranco e nós íamos lá embaixo. Ali é onde (inint) [00:37:48] derrubou tudo, está derrubando ali. Ali que nós vivíamos.
P/2 - E quando vocês se reuniam para lavar a roupa, como é que era?
R - Era bastante mulher. Cada uma na sua pedra, (inint) [00:38:01] não podia esquecer, porque a água batia aqui. A pedra é dessa altura assim, então ficava o pé dela. Se você colocava a roupa ali, um pouquinho que você (inint) [00:38:10], já ia embora. (inint) [00:38:13] lavasse, esfregar, limpar e dar um jeito, porque se deixasse ali ela levava, vinha muito forte a correnteza. Nós lavamos roupa ali por muitos anos. Depois que inventaram de colocar água (inint) [00:38:26]. Acho que foi no (inint) [00:38:28], não lembro mais. Depois colocaram água para nós ali.
P/2 - E enquanto lavava roupa, conversava, cantava?
R - Ah, lavava, cantava, uma reclamava da vida. A outra: “meu marido não sei o quê”. A outra: “ah, não sei o quê”. Aquela anarquia. Passava o dia e ninguém via. Trabalhava gostoso.
P/1 - E energia, lampião?
R - Lampião, minha filha, e olhe lá.
P/2 - Alzira, você falou que a sua casa foi a primeira em que lugar? Como é que chama esse lugar que a sua casa foi a primeira?
R - Aqui?
P/2 - É.
R - A vila mudou de uns tempos para cá, mas é Vila Taturana.
P/2 - Por quê, você lembra?
R - Não sei. Era Taturana, antigamente. Depois que mudou Divineia, mas não era esse nome. Uma época que (inint) [00:39:23] puseram Vila do Esqueleto por causa do cemitério. É isso aí. Na época mudou, mas não era, era Vila Taturana. “Fulano, vai no Vila Taturana?” Sabia que era ali porque era ali mesmo.
P/2 - Você nunca soube por que que era.
R - Nunca soube.
P/2 - Aí virou Divineia por quê, você sabe?
R - Aí puseram Divineia, mas não era isso aí não. Não sei nem por que mudaram o nome.
P/2 - Era Taturana o nome, não é?
R - Era Taturana. O tempo que eu criei os meus filhos, as minhas meninas todas aqui, tudo era Taturana.
P/2 - Você falou que tinha um trilho.
R - Tinha, o trilho da minha tia e da minha casa.
P/2 - E o que passava nesse trilho?
R - (inint) [00:40:02]. Bem no fundo, bem na beirada do rio, tinha uma casa do seu Américo, um homem que tomava conta do tiro de guerra, antigamente.
P/2 - Fala desse tiro de guerra.
R - A turma vinha treinar ali. Tinha aquele barranco, eles iam dar tiro ali. Eles passavam marchando ali. (inint) [00:40:27] tinha esse mato para separar a estrada de eles passarem.
P/2 - Tinha um caminho então.
R - Tinha um caminho. Era gostoso, tempo bom.
P/2 - O que era bom?
R - Porque não tinha essa coisa que tinha agora, porque agora (inint) [00:40:44], meu Deus, não tem jeito. Está demais as coisas. Para começar, (inint) [00:40:50] de drogas, essas coisas. Agora se não abre os olhos não sei como é que faz, você entende? Eu crio moleque homem, minha cabeça vive quente porque não tem mãe para tratar, não tem pai, a mãe e o pai sou eu. Se eu soltar como é que fica? Então eu acho que agora está mais difícil para viver. Eu acho, do que antigamente, porque antigamente não tinha essas coisas, não é?
P/1 - Na época que a senhora era moça, onde que vocês iam passear, paquerar?
R - Ah, tinha o jardim.
P/1 - Como é que era?
R - É o jardim de antigamente, onde tem mesmo. Só que aquele tempo tinha banda de música, no coreto, e nós andávamos ali. Um pouco por cima, um pouco por baixo. Armava parque, quando tinha, onde é aquele negócio que faz cachorro quente. Ali armava os parques.
P/2 - As mulheres ficavam andando e os homens?
R - Os homens todos parados na beira da calçada, para cá e para cá. Era até gozado. Muda tanto na vida da gente. Pensando bem, meu Deus.
P/2 - Por que era gozado?
R - Porque ficavam virando (inint) [00:42:04], que tempo besta, não é? Ai, meu Deus do céu.
P/2 - Mas tinha um objetivo.
R - Dali saia namorado, saia casamento tudo dali. Eu nem andei muito, já arrumei uma tentação, um diabo. Agora nem lembro mais das coisas, credo.
P/2 - Conta a parte boa.
R - A parte boa é melhor mesmo, porque nossa, eu arrumei uma tentação de um negro, que é o pai das crianças, meu Deus, que sofrimento, meu Deus do céu.
P/2 - Espera aí, vamos contar melhor essa história.
R - Você não podia fazer nada, e eu trabalhava. Meu pai, graças a Deus, era meu marido. Ele que me ajudava. Ele que ajudava a criar meus filhos e os netos dele. Minha mãe. Ela falou: “sabe o que você faz? Arruma um emprego, vai firme para o emprego que das crianças eu cuido”. Aquela gordona que está naquele vestido de bolinha que a senhora viu na fotografia ali, aquela é a minha filha, a primeira filha, que tinha só duas, essa que faleceu e aquela lá.
P/2 - Você tinha duas meninas, não é?
R - É.
P/2 - Conta como você conheceu ele, depois vai ter a parte difícil.
R - Conheci no baile.
P/2 - Conta como foi.
R - No baile era (sede) [00:43:16] antigamente. Tinha o (Suarema) [00:43:18], onde é a prefeitura. Lá é o salão dos brancos. Dos ricos, aliás. Em cima da sede, aquele prédio que tem, ali era nosso. Eu não sei se você sabe, acho que você ouviu falar, você eu não sei. O seu Ramos, pai do Betão, da dona Nena, cunhado da Cidoca. A Maura, que trabalha no Fórum.
P/1 - Não sei.
R - Não? Aquela casona em frente ao jardim ali, na esquina do jardim. Era deles, antigamente. Eu trabalhei naquela casa e colocaram meu nome no nosso salão de baile.
P/2 - Qual era?
R - No nosso salão o senhor Ramos colocou. Ele era bem (inint) [00:44:01], gostava de ficar no meio dos pretos. Ele falou: “eu vou pôr o nome lá”. Pôs de Suarema e (inint) [00:44:07] Bafo de Corvo. Menina, mas você precisa ver o que é a gente nesse Bafo de Corvo. Ele (inint) [00:44:15] ele ia bater lá onde nós estávamos.
P/2 - E como que era lá, o baile?
R - Ele ajudava muito a escola de samba.
P/2 - Ah, era a escola de samba que tocava.
R - Ele ajudava muito mesmo, nossa, demais. Ele dava, chegava (inint) [00:44:27]: “veja o que está faltando, para ajudar a inteirar e comprar”. Aí no meio saía andando daqui até ali com a gente, depois saía e ficava em pé no portão. O Betão vocês também não conheceram?
P/1 - (inint) [00:44:39].
R - Tinha mato de arroz lá em cima.
P/2 - (inint) [00:44:42].
R - Nossa, são fundadores daqui da cidade.
M1: Tira só a toalha daqui porque está em cima do microfone.
R - É mesmo. Está querendo tampar tudo.
P/2 - Alzira, você conheceu seu marido nesse baile.
R - No baile eu conheci aquela coisa.
P/2 - Como foi o dia?
P/1 - Como que foi? Conta para a gente com detalhes.
R - Então, eu fui no baile. Como toda vida eu dancei bem, ele me tirou para dançar. Chegou no outro baile: “nós vamos ficar juntos, eu vou dançar”. Lá vai eu. Com isso, minha filha, foram 30 anos esse nego, mas esse nego era uma tentação. Deus que me perdoe, agora já morreu, não quero nem saber.
P/2 - Por quê?
R - (inint) [00:45:32] que deu nessa praga. Você precisava ver que ruindade que era. Ele era ruim, nossa. Não sei se aqui desse lado eu tenho a faca que ele atacou aqui dentro. Nisso minha irmã chegou e deu (inint) [00:45:48], derrubou, tonteou, aí meu pai chegou. Ele veio para matar mesmo.
P/2 - Por que ele ficava assim tão nervoso?
R - Ele era muito atendado. A realidade tem que ser certa, a mentira tem que ser certa, a verdade tem que ser certa. Ele casou com a mulher dele quando eu estava com esse filho que morreu de meningite no meu colo. A senhora entendeu como é?
P/2 - Entendi.
R - Eu fui ao casamento dele e levei o menino. O casamento foi aqui na igreja São Benedito. Nós fomos ao casamento. Depois que ele saiu do casamento eu fui ao baile também, nas Três Ilhas. Chegou lá e ele falava assim para o meu cunhado, que foi o padrinho dele de casamento: “fala para a nega ir embora e levar o menino”. Eu não fui e meus filhos ele sabia porque todos tinham 12 dedos. Todas elas tinham 12 anos. Era assim, se tivesse dedo era dele, se não tivesse dedo, não era dele, entendeu?
P/2 - Aí ele continuou com você? Todas as filhas são dele?
R - Todas, só essa caçula minha que não é porque eu o chutei de vez e vivi 12 anos com esse pai da minha menina menor. Eu vou até largar essa toalha para lá. Eu costumo colocar aqui. É, eu larguei mão daquela coisa.
P/2 - 30 anos?
R - 30 anos.
P/1 - Ele largou a mulher dele para ficar com a senhora.
R - Olha, perdi a minha vida ali a troco de nada.
P/2 - Mas ele foi morar depois com vocês?
R - Não saía de dentro da minha casa. Junto com o meu pai, minha mãe, ele ia dentro da minha casa, ajudava meu pai, ajudava minha mãe, fazia as coisas, mas ele queria mandar muito em mim e largava esquecida a mulher dela. Ele ia me buscar na porta do serviço, às vezes levava até o menino junto.
P/2 - O filho dele com a mulher.
R - É, uma tentação. Ô, nego, meu Deus do céu.
P/2 - E com ele você teve quantas filhas?
R - Tenho essas seis. Tenho cinco dele, porque a Josiane não é, que é a Biju que eles falam.
P/2 - Fala o nome das suas filhas, todas, mesmo as que não estão mais.
R - Essa mais velha chama Amarílis, a outra chama Isabel Cristina, essa que faleceu, Tatiane, Francislene, Albertina e Josiane.
P/2 - Aí acho que podia contar de quando elas eram pequenas, do que você lembra.
R - Eu fiquei muito tempo com eles, porque minha vida era no serviço. Chegava de tarde e elas já tinham tomado até banho porque a minha mãe cuidava, tadinha. Chegava à noite e ela estava morta de canseira, judiação.
P/2 - Você morava junto.
R - Morava com a minha mãe. Nunca deixei deles. A gente moramos no sítio do Betão, saindo da cidade, pertinho da entrada do (Pau Sujo) [00:49:00]. Aconteceu um problema e a minha irmã pegou a casa do meu pai. Esse tempo nós éramos menores ainda, porque se fosse aquela época e agora, nossa senhora, não ia prestar. O pai chorava, tadinho. Ele não falava direito, mas a gente, que era de casa, entendia o que ele falava. Ele falava para mim assim: “como é que nós vamos fazer? Nós vamos embora, filha. Não fala nada para a sua mãe, mas nós vamos embora”. O (Andó) [00:49:35], que é pai desse Betão, fui lá e falei com ele: “seu (Andó) [00:49:41], o senhor não deixa a gente fazer uma casa naquele terreno vazio do senhor? Meu pai toma conta para o senhor”. Ele falou: “nossa, justamente o que eu estou precisando. Pode fazer a casa lá”. Fizemos a casa de pau a pique. Eu sei fazer uma casa de pai a pique. Você pode chegar (inint) [00:49:57]: “você faz uma casa para mim? Você cobre, você..”. eu: “eu lhe dou a casa pronta”, porque eu sei fazer aquele trançado, jogar barro, começar do começo ao fim, eu faço. Qualquer casa eu cubro aí, eu sei fazer porque a gente aprendeu tudo. Nós morávamos nessa casa de pau a pique. À noite fechava a porta e só colocava o pau, pronto, a porta estava fechada. Por dentro nós barreamos tudo, eram quatro cômodos.
P/2 - Quem fez? Você com quem?
R - Eu, meu pai, minha mãe e meus irmãos. Todo mundo amassava barro. Fomos arrancar (inint) [00:50:32] com uma rodona, lá ia jogando água, pisando ali, já cortando o (inint) [00:50:39] picadinho para jogar, sapatear, o barro ficar macio e poder jogar. Aí você começava de baixo para cima. Se começar de cima para baixo não para, então você tem que ir daqui para cá. Eu sei fazer.
P/2 - Quatro cômodos.
R - Quatro cômodos. Por fora nós cercamos tudo, barreamos tudo. Por dentro minha mãe colocava lençol. É, já sofri na minha vida, por isso que tem hora que eu fico revoltada, mas (inint) [00:51:05] de Deus, Deus é maior.
P/1 - Aí vocês fizeram essa casa e moraram lá?
R - Moramos.
P/1 - Quantos anos a senhora tinha nessa época?
R - Ah, eu já tinha minhas crianças. Tinha a Isabel e a Amarílis. Minha mãe tomava conta deles e de nós. Minha patroa falou: “fica três dias para você poder ajudar eles a fazer a casinha, então, olha que judiação”. A dona Iolanda, que é dona do hotel (inint) [00:51:29]. “Fica três dias, dá uma mão para o pai ajudar a fazer a casinha”. Cobrimos.
P/2 - Você falou de um mutirão.
R - Mutirão nós fizemos aqui na estação. Eu vendi minha casa ali no mutirão.
P/2 - Sim, para morar aqui, não é? Para alugar aqui.
R - É, eu vendi. Você sabe o que é viver em um lugar atormentado, você não tem sossego para nada? Eu não tinha, aí aqui estou vendo que vou fazer a mesma coisa daqui uns dias, é só eles começarem a me (atormentar) [00:52:00] demais, eu faço, eu largo mão.
P/2 - E no mutirão?
R - No mutirão nós trabalhamos dois anos e pouco na casa.
P/2 - Mas era o quê? Quem organizou esse mutirão?
P/1 - Como que era isso?
R - A Sônia, conheceu a Sônia? A Betinha aqui. Ela é minha comadre, ela é madrinha dessa Josiane minha. Ela que era a fiscal geral lá na estação, ela e a Sônia, que eu não sei onde a Sônia está morando. Parece que é São Pedro, não sei. Nós trabalhamos dois anos, de sábado, domingo, segunda, feriado, não tinha dia.
P/2 - Era da prefeitura, alguma coisa?
R - É onde era o campo de aviação, onde desciam os aviões. É ali que nós fizemos aquelas casas. (inint) [00:52:42] foi quitando para nós e nós fomos fazendo as casas.
P/2 - Como começou esse mutirão, como que organizou?
R - Eles puseram na rádio. (inint) [00:52:54], aí depois foi colecionando a turma. Os que queriam trabalhar, queriam ter sua casinha, então foi adaptando. Aí você leva o registro, seu nome, tudo certinho, e é onde você pega para trabalhar.
P/2 - Trabalhava final de semana?
R - Trabalhava no final de semana. Aí o pai da Josiane, que eu já estava morando com ele, trabalhou. Ele era pedreiro, então ele pegou o serviço mais forte. Quer dizer que as minhas horas foram poucas, porque ele ganhava mais horas do que eu, por ser pedreiro. Eu carregava tijolo, bloco na carriola.
P/2 - Cada um fazia sua casa?
R - Não, era tudo misturado. Juntava e fazia essa aqui, depois juntava naquela, juntava naquela. “Vamos rebocar amanhã?” Juntava dez, 12 e rebocavam, era assim.
P/1 - Quem pagava vocês?
R - Ninguém, a gente estava fazendo para nós.
P/1 - Faziam para vocês mesmo.
R - É, para nós. Aí eu larguei a casa lá.
P/2 - Tinha algum momento especial nesse trabalho, nesse mutirão? Algum momento que era todo mundo junto? Estavam fazendo as casas, aí tinha alguma situação...
P/1 - ...que se reuniam, batiam papo?
R - Só em dia de reunião, porque tinha reunião também. Às vezes faltava um, dois, três dias: “fulano, quero saber por que você não veio. Fulano trabalhou no seu lugar, então amanhã você vai trabalhar para fulano”. Era assim. A comadre Bete. Ela não está mais aqui porque Deus já tirou, mas ela dava a ordem dela e todo mundo entendia. Estava certo. Por que um ficava parado e outro não? Eu acho que estava certo.
P/2 - E quando você entrou na sua casa?
R - Eu não queria largar daqui, não queria largar do barraquinho aqui. (inint) [00:54:42] para ir embora. O caminhão veio, não tinha mudança, mas o que tinha, graças a Deus, foi. Aí fui para lá, mas foi duro de acostumar, porque já estava acostumada para cá. Depois, quando minha filha morreu, desgostei. Ela tinha a casinha dela no fundo, a gente se dava muito bem. Não quis ficar mais lá não. Depois um neto meu desandou a fumar droga, minha filha. Droga daqui, droga dali, e levou homem que eu não conhecia na porta da minha casa. Falei: “não, isso eu não aguento”. Aí vim e conversei com o (Manel) [00:55:19], investigador. Chega nele e fala de mim, para você ver. Trabalhei um tempo com ele na delegacia também, de faxineira. Conversei com ele e ele falou assim: “sabe o que você faz? Você vê se dá. Se você achar que não dá, minha filha, se você ver que vai prejudicar mais do que você já está prejudicada, você larga a mão. Você não vai voltar mais? Vende. Vende, quero ver essa negada para onde vai, como é que eles vão judiar de você”. Aí vendi lá e comprei duas, comprei essa que estou e a outra lá embaixo que morava minha filha que faleceu. Adiantou? Cada semana chegava um.
P/2 - Aqui onde você comprou a casa.
R - Aqui. Estão todos aí.
P/2 - Quem mora aqui com você agora? Não precisa nem falar os nomes, mas quantos filhos, quantos netos?
R - Só uma filha que eu tenho agora aí, porque as outras não moram aí. O resto tudo é neto. Encheu. Tem gente até no chão. Que ódio que eu fico. Às vezes eu quero levantar e estão com aquelas caras pretas deitadas. Que ódio que eu fico. Também não posso falar nada. Se eu falar: “ai, meu Deus, estou com uma dor”. “Ô, vó, quer ir no UPA?” “Vó, a senhora precisa de remédio?” “Vó, a senhora quer que eu chame gente para levar a senhora?” É assim, graças a Deus.
P/2 - Carinho com você.
R - É, nesse ponto. E também não me respondem não, principalmente se estiver errado.
P/2 - Querem tudo ficar perto da vó.
P/1 - Respeitam.
R - Ficam. Vai um dia lá para você ver como que é?
P/1 - Quando que a senhora conheceu o pai da Josi, já que o pai dela é outra?
R - O pai da Ju? O pai da Ju eu conheci aqui, ele morava aqui mesmo. A Edna, minha irmã, que é doente lá no fundo, não tem o Joel? Então, é o irmão do Joel. Era eu com o Daniel e a Edna com o Ju. A (inint) [00:57:16], minha irmã, era com o (Tonho) [00:57:19] e a Neusa era com o Dirce, os dois irmãos. Nós dois irmãos, os dois irmãos. Éramos em quatro.
P/2 - E aí você ficou bem.
R - Com o Daniel fiquei bem, nós vivíamos bem, só que o malvado queria bater o outro. Via o outro na rua, o outro era pedreiro. Não podia nem pensar em sair, o malvado do nego estava querendo bater no outro.
P/2 - Vocês vivem juntos ainda?
R - Nós vivemos 12 anos.
P/2 - E depois?
R - Aí morreu. Não sei o que deu nele também, foi de repente. Morreu com 42 anos. Depois não arrumei mais nada. Pensei em arrumar (inint) [00:57:51] com a cara cheia, (inint) [00:57:53] diabo, essa tentação.
P/1 - Quantos anos a Jô tinha quando ele faleceu?
R - Nove.
P/1 - E ela, como é que foi?
R - Até agora ainda fala do pai dela. “Se o pai estivesse aqui a gente não estava sofrendo desse jeito”, ela fala até agora. Nós nos dávamos bem, ele era caseiro também, não saia, não era esses homens que ficam em boteco. Ele trabalhava o dia inteiro, chegava de tarde, tomava o seu banho e ia cantar os hinos da igreja dele no violão, ele era crente. Não dava trabalho. Só chegava o tempo do carnaval e nós virávamos um brigueiro porque ele era crente e eu queria ir ao carnaval, nossa senhora.
P/2 - E aí, como era?
R - Um dia ele falou assim: “quebrei a perna em saber (inint) [00:58:33]”. Ai, meu Deus do céu. (inint) [00:58:36] nossa senhora, esse cara (inint) [00:58:39]. Ele era pequeno, meio japonês, olhos puxadinhos, o homem virava um negócio.
P/1 - E a senhora ia mesmo assim?
R - Não, depois ficava com dó. “Vai então, mas só vai na rua e vem embora”. E eu ia e levava a Ju, porque se eu não levasse a Biju ele não me deixava ir. Nós íamos. Acabava ali, minha filha, olhava para a esquina perto do Correio e a bicicleta estava parada, ele já estava por ali. Ela vinha: “o pai vai me levar na garupa, mãe”. Ele: “não vou levar não. Você não veio com a sua mãe? (inint) [00:59:11] a pé”. Só de raiva (inint) [00:59:14]. Ai, meu Deus do céu. Eu sinto falta, ele era bom, coitado.
P/2 - E você não frequentou a igreja.
R - Não. EU não ia porque eu trabalhava. Às vezes ele falava para mim: “olha, nega, amanhã os irmãos querem vir aqui em casa fazer oração” e era domingo. Eu falei: “Daniel, deixa que venha. Você está aí, as meninas estão aí, pede para as meninas fazer um suco para você”. “Não, (inint) [00:59:41] isso aí, ajuda eu a fazer”. Às vezes eu levantava cedinho, às vezes falava: “peguei o suco, vou deixar tudo arrumadinho, você sabe a dose e você faz o suco”. Às vezes eu fazia salgado à noite, coxinha, risole, para deixar pronto e ele poder dar para os irmãos da igreja dele. Deixava tudo em cima da mesa coberto e saia trabalhar. Eu chegava: “foi bonito?” “Foi bonito, um mundão de gente, gostaram das coisas que você fez”. “Então está bom”. Então era assim. Ele nunca me prejudicou, então a gente vivia bem. Eu fazia o que ele queria, agora minha sogra era triste. Ô velha cricri, Deus me livre.
P/2 - Morava com vocês?
R - Não era ruim para mim, nós nos dávamos muito, mas o negócio dela é por causa de ela ser crente e ela desfazia do meu santo. Eu tenho eles comigo. Se você tem uma religião e eu tenho outra, eu não vou botar defeito no que você tem dentro da sua casa. Então não. Ela falava: “Daniel, fala para a Zira jogar aquela Aparecida fora. Aparecida não presta não, não gosto daquele bicho”, que era a minha santa. Eu virei e falei para o Daniel: “Daniel, se tu mãe quiser ter amizade comigo, fala para ela cuidar da vida dela que eu cuido da minha. Amizade minha é uma coisa, o meu santo é outra”.
P/1 - Aí ela passou a respeitar?
R - Passou, teve que passar, senão eu não ia mais na casa dela e ela precisava de mim porque ela sofria de bronquite. Eu largava até dela lá, se continuasse falando. A minha devoção é a minha devoção. Cada um tem a sua devoção, não é? Eu acho. Então, de fato, ela era meio cricri por causa disso aí.
P/2 - E a sua devoção é a Nossa Senhora Aparecida.
R - Eu sou católica. Nossa. Outro dia ganhei uma desse tamanho. A mulher virou crente, deu para mim e eu catei, levei embora. Eu não deixo. Só Deus mesmo.
P/1 - Se tivesse que mudar alguma coisa da vida da senhora, a senhora mudaria alguma coisa?
R - Da minha vida?
P/1 - É. A senhora é feliz como é?
R - Ah, só o problema é a doença, não é? Porque o resto eu sou feliz, graças a Deus. Estando tudo com saúde a gente vive bem. E trabalhar tem que trabalhar mesmo. Então Deus na frente e a gente vai em frente.
P/2 - Tem uma associação de moradores?
R - Tem.
P/2 - E você participa?
R - Ali?
P/2 - Onde você mora tem uma associação de moradores.
R - Tem. Minha companheira está até dormindo já.
P/2 - Quer que eu acorde ela para contar?
R - Não.
P/2 - Você participa de algum movimento?
R - Participo nesse (inint) [01:02:27]. Como é que é quando nós viemos aqui? Comunidade.
F3: Eu estou até cochilando.
R - Eu estou vendo mesmo.
P/2 - Você participa?
R - Participo.
P/2 - E como é? Fala rapidinho.
R - Sempre ela que vem, ela toma conta de tudo, mexe com o café de manhã cedo. Quando eu posso fazer alguma coisa para ajudá-la eu faço, quando eu não posso eu nem vou. Agora mesmo faz tempo que não vou mais. Cada dia uma coisa para mim, menina. Quem tem pouca gente é mais fácil, mas é duro para mim, nossa senhora. Tem domingo que eu lavo roupa. Tem gente que trabalha na segunda-feira, então tem que lavar aquela roupa e deixar pronta. Não é fácil.
P/2 - O mais velho, ou mais velha, neto, que idade tem, Alzira?
R - Neto?
P/2 - O mais velho neto que mora com você, que idade tem?
R - Tem 32, que é esse que está dando trabalho. O mais velho que está dando trabalho para mim. Tem um que trabalha no Special Dog, é difícil até ver dentro de casa. Hoje mesmo já foi para São Paulo, agora só sábado. Ele trabalha muito. Ele falou para mim: “vó, não esquenta a cabeça não. Se (inint) [01:03:48] não der as coisas para os dois moleques eu vou ajudar a senhora a cuidar dos dois”, que é a minha moça e o menino. Agora a menina quer arrumar serviço também, deixa ela trabalhar. Ela quer trabalhar, então a hora que aparecer ela vai, não é?
P/1 - E da reciclagem, o que a senhora tem para falar para a gente?
P/2 - Ah, é.
R - Ah, menina, a reciclagem dá um dinheiro sim. Inclusive, até para você pagar uma água se está apurado, para você pagar uma luz. Às vezes está faltando um arroz, um açúcar, uma coisa, dá sim, mas você tem que puxar também, porque se você não catar, não dá.
P/2 - Como começou, como você fez a carroça?
R - O periquito pretinho que arrumou o carrinho para mim e eu saio cedo. Quando é meio dia, 11:00, 11 e meia eu já venho para casa com o carrinho cheinho. Esses dias eu fui sozinha, por isso eu fiquei ruim na rua. Eu não estava me sentindo bem, mas eu queria ir. Tem um dia na cidade que dá bastante, que dá mais movimento.
P/1 - Vocês têm um cronograma que vocês seguem, não é? Cada um tem seu dia, como é o da senhora?
R - O meu não tem dia. Ali você passou e: “a senhora quer essa caixa? A senhora quer levar? A senhora vai levar hoje? Eu tenho aqui”. É assim. Onde você passar que dê para você, você já (inint) [01:05:10].
P/2 - Papel, alumínio?
R - Papel, alumínio, latinha, plástico, tudo.
P/2 - E depois para onde vende?
R - O homem vem, a gente cata, recicla, separa tudo, e ele vem com o caminhão, compra e vai embora. Agora mesmo, se Deus quiser, semana que vem vou começar outra vez.
P/2 - E é longo o caminho que você faz?
R - É lá para a cidade que eu vou.
P/1 - Vários bairros ou é um só? Como é?
R - Só vou lá perto do cinema, perto da igreja Nossa Senhora de Fátima, perto do ginásio de esportes, descendo para aquela Vila Nova, atravessando a ponte que vai para a Vila (Saú) [01:05:51]. Por ali tudo eu vou. Quando é descida você não sofre tanto, o duro é a subida. Então você escolhe sempre lugares que não tenha subida para você atravessar. Lugar que tem subida você para o carrinho (inint) [01:06:04] minha casa. Você pega o saco, põe no ombro e vai catando. Com (inint) [01:06:10] você leva lá. Você descer lá na baixada para subir tudo depois, nossa. Então você larga lá em cima. Lá não tem subida.
P/1 - E a senhora vai sozinha?
R - Eu vou, esses dias estava indo. Vou com Deus. Às vezes quando chega na metade do caminho para subir, eu mando vir avisar eles para eles me encontrarem, porque não aguento subir o morro.
P/2 - Seus netos.
R - Meus netos. Aí eles vão ajudar. Quando eles querem, algum vai catar comigo. Quando não quer, não vai. Muito pequenos, têm escola também. Eles saem cedinho para chegar 3:00, três e meia. Dois já saem cedinho, não tem como tirá-los da escola por causa disso também. Não dá.
P/1 - Como que é na hora de entregar essa reciclagem, vocês separam tudo e depois?
R - Depois o dono vem, vai pesando e marcando. Depois só me paga ele mesmo.
P/1 - É tudo na hora.
R - É tudo na hora, mas é bom.
P/2 - E agora, para finalizar.
P/1 - Eu ia perguntar do casamento. A senhora nunca quis casar de véu e grinalda, na igreja?
R - Nunca quis não, porque não dá certo. Quem foi para casar, me largou com filho no colo e casou com outra. Achei que para mim isso aí já passou. Então fui criando meus bichinhos do mesmo jeito, graças a Deus.
P/2 - Se pudesse dizer a sensação que a senhora tem de ter criado elas todas.
R - (inint) [01:07:52] que é tão bem, mulher. Elas me querem tão bem, a senhora precisa ver. Eu me sinto dona de mim, porque quando está tudo assim é muito bom. Eles vêm e ficam um mês certinho. É um mês, eles vão correndo, dormem na cidade, chega de dia e eles vêm para cá. Eu vou arrumar comida para eles. “Mãe, eu queria comer salada de chuchu”, “mãe, eu queria comer uma abobrinha”, “mãe, isso, isso e aquilo”, então eu vou fazer. Com isso, meu genro também, que nunca comeu, experimenta um pouquinho. “Muito bom”.
P/2 - Conta rapidamente dessas meninas que casaram com outros.
R - Da Finlândia? Eu fiquei conhecendo assim, porque a minha Tatiana foi embora lá para Campinas, chegou lá e foi dançar na boate. De fato, ela saiu daqui até meio esfarelada, sabe? O rapaz que estava namorando ela ia casar no sábado. Trabalhando tudo junto e eu não sabia que ele ia casar e estava com a minha filha, você entendeu? Eu servindo um abençoado de salgado e não sabia. O patrão me chamou e: “fulana está com dois anos de serviço aqui, é uma caixa muito boa, e quer ir embora, como é que eu faço?” Falei: “Seu Pedro, ela quer ir?” “Quer”. “Senhor Pedro, o senhor quem sabe. Eu não queria não, mas ela quer ir, então deixa ela. O senhor pode dar a conta para ela, então”. Ela pegou só um pouco do dinheiro, o resto largou lá para mim na portaria: “fala para minha mãe que eu vou embora e (inint) [01:09:29]”. Ela saiu de lá 3:00, eu tive que ficar até mais tarde porque era tempo de festa, então eu tive que fazer salgados para a noite. Eu falei: “está bom”. Quando cheguei em casa dez e meia da noite, ela já tinha ido. Passa mês, passa mês, nada. Quando foi quatro meses, eu já estava (inint) [01:09:53] ficar louca. O nego saia daqui para ligar lá no meu serviço e falar para mim, sabe? Falar bobagem para mim no meu serviço. Meu patrão o xingou um dia, perguntou se ele não tinha nada para fazer, para ele trabalhar. “Alzira, tem telefone para você no escritório”. Corri lá e era ela, a Tatiana. “Mãe, perdão, não deu para eu ligar para a senhora porque eu estou trabalhando”. Eu falei: “está trabalhando, filha?” “Eu estou, mãe”, mas não me contou também onde estava trabalhando. Eu falei: “então está bom, minha filha”. “Mãe, esse mês eu não vou poder mandar um dinheiro para a senhora, mas o mês que vem eu vou mandar um dinheiro para a senhora”. Toda vida eles mandaram.
P/2 - Ela mandou, mesmo não telefonando ela mandava.
R - Mandava. Falei: “então está tudo bem”. Aí voltei contente, cheguei aqui e já contei para as minhas meninas todas. Chegou outro dia, levantei de madrugada para trabalhar. Estava chovendo, abri o guarda-chuva. Quando olhei para trás eu vi aqueles dois pés na sombra da árvore, no escuro. Olhei bem, o nego lá. “Espera um pouquinho”. Eu falei: “você não está vendo que está na hora de eu trabalhar? O ônibus está chegando, eu tenho que trabalhar. Não tenho tempo para ficar na rua igual você não”. Nisso a Fatinha chegou, ele ficou sem graça que ela estava ali, comecei a falar alto também. Ele saiu e foi embora. “Eu vou viajar”, ele falou para mim: “ia perguntar se você não queria que eu olhasse se a nossa filha não estava por aí”. Falei: “você tinha que olhar quando estava aqui dentro”. Não ajudava, nunca ajudou. Ele veio de lá para cá, passou nessa boate e minha filha estava dançando, que ela era dançarina e dança até hoje na escola de samba. Agora pode ser que dance, não sei. Ele viu. Aquilo montou no caminhão que era uma tentação. Chegou, ao invés de ir para a casa dele foi direto para a minha porta. Como aquele dia eu fiz hora extra, não deu para sair cedo. Cheguei em casa e a Biju, essa minha menina, estava assim: “mãe, aquele seu Pedro lá veio correndo aqui xingar e falar as coisas da senhora aqui”. Eu falei: “é? O que ele falou?” “Falou para o pai. Pergunta para o pai para você ver”. Aí ele estava jururu, não gostava muito de conversa. Falei: “o que foi, Daniel? O que aconteceu?” “O Pedrão veio aí falar bobagem de você, negócio do serviço da Tatiana”. “É?” “Mas ele falou que vai voltar. Disse que 3:00 está aqui”. Eu falei: “então deixe que venha. Não esquenta a cabeça não”. De vez em quando eu saia no portão. Ele não é tonto, ele não foi na minha porta, ele foi na esquina. Eu vi o raio da bicicleta parada e falei: “é agora”. Primeiro peguei um pedaço de cabo de vassoura, coloquei no portão e falei para a Ju: “se a mãe fizer assim com o braço para trás você vai” e falei para o Daniel também: “vamos comigo lá”. “Ah, mas é teu”. Falei: “não, vamos comigo lá para você escutar o que é, para depois você não ficar pensando as coisas más de mim”. Aí fomos eu, ele e a menina. “Então, sabe o que eu vi falar para você? Você olhou tão bem suas filhas, que sua filha está dançando na zona”. Mulher do céu, nossa, quase que eu fui lá em cima e voltei. Falei para ele: “escuta, você saiu da sua casa essa hora, eu cansada de trabalhar, para você vir falar isso aqui para mim? Se você prestasse não estava lá. Estava? Não estava?” Aí eu comecei a falar, começou a encher de gente, esse homem foi embora. Falei: “agora não volta mais”. Aí passa, minha filha um dia ligou: “mãe, minha patroa quer falar com a senhora”. Falei: “pode falar”. A patroa é brasileira, o patrão é finlandês. Por isso que (inint) [01:13:46], porque o patrão da minha menina era. “Minha senhora, sua filha está aqui comigo, a senhora não precisa se preocupar não porque ela não é mulher de programa, ela está dançando para nós, nós pagamos ela, ela dorme no quarto com a minha moça. A senhora pode ficar sossegada, viu?” Falei: “então está bom”. “Ela vai mandar um dinheirinho para a senhora”. Falei: “deixa que quando ela vir ela traz”. Eu não estava tão apertada, graças a Deus eu trabalhava. Foi indo, aí ela apareceu. “Mãe, estou namorando um rapaz aí. Ele apareceu aqui e meu patrão falou que ele está gostando de mim e eu não sei como é que eu faço com o homem”. Falei: “ai Tatiana, o que tem esse homem?” Ela falou: “ai, mãe do céu, eu não entendo nada que o homem fala. Eu saí com ele antes de ontem, eu e a filha da minha patroa. Fomos lanchar. Mãe, estou com fome, (inint) [01:14:38] esquentando ovo, esquentando arroz para comer na minha casa”. Não comeu nada do que ele comeu, porque ele chegou lá e era peixe cru com catchup. Essas besteiradas. Ele comeu, até agora ele come. Você descasca a batata, lava ela bem lavadinha, joga vinagre, sal, põe patê de cebola, ele come peixe cru com aquela batata. Agora ela acostumou.
P/2 - Aí ela casou e foi?
R - Casou. Não, ele veio aqui. Ele sumiu um par de tempo. Ela falou: “ele foi embora, agora não vai mais voltar mesmo”. Aí apareceu, perguntou para ela: “você tem pai?” Ela falou: “tenho”. “Você tem mãe?” “Tenho, mas eu tenho só mãe, porque o pai não mora com a minha mãe”. “Eu queria conhecer sua mãe, porque falaram que sua mãe (inint) [01:15:47]”. “Quer conhecer minha mãe?” “Quero”. Aí ela ligou para mim: “mãe, estou indo aí”. “Mas para quê, Tatiana? Você vem passear?” “Não, mãe, eu vou aí com o fulano”. “Com quem?” “Mãe, eu vou com o Matt”. Meu genro chama Matt. Falei: “pronto, agora danou”. Nós lavamos a casa, limpar a gente limpa mesmo, mas eu falei para as crianças: “tira o pó de cima das coisas, que eu vou trabalhar e chegar com tudo limpinho”. Ela deixou para chegar as 4:00, quatro e meia. Então eles passaram pelo (Paloma) [01:16:21] eu já tinha saído. A rua ficou assim de gente para vê-lo. Eu falei para ela: “minha Nossa Senhora da Aparecida, que que vai fazer com esse homem aqui dentro, Tatiana do céu? Pergunta para mim o que vai fazer com esse homem?” Minha filha, desceu do carro, um carro preto, de terno preto e gravata, de ray-ban, do jeito que ele é na fotografia, não sei se você reparou, que ele está de colete. Parou em frente a porta do carro e ficou olhando. Nossa, o que choveu de nego. Ele não sabia também, nunca viu preto daquele jeito. Fechou a rua. Ele falou: “agora estou perdido”. Eu falei para ela: “meu Deus, como é que vai fazer, Tatiana?” Ela falou: “pode falar, mãe, que ele não entende nada. Quem entende ele é só eu”. Eu falei: “mas como é que vai fazer com esse homem, Tatiana, o que você vai dar para esse homem comer aqui dentro, criatura? Pelo amor de Deus”. “Mãe, pode deixar que as coisas dele eu faço. Comida dele eu faço, pode deixar que eu cuido dele”. Falei: “então está bom”. Aí chamou ele e ele veio. Ela falou por ele, ele pôs ela na escola, ela sabe falar qualquer língua, ela falou com ele, ele pegou na minha mão, depois perguntou para ela se podia me abraçar, ela falou que podia. Aí foi pegando. (inint) [01:17:40] como é que vai, só fazia assim com a cabeça. Ele não fala pelo amor de Deus, ele: “pelo amor de Deus”. (inint) [01:17:58]. Vou trazer ele aqui para você ver que bacana que ele é. Ela falou: “mãe, nós vamos lá alugar um lugar para ficar e depois nós voltamos”. (inint) [01:18:12] as malas de dentro do carro. Eles ficam só no hotel São Juan, eles não ficam em outro lugar. Foram para lá. Eu falei: “e agora, como é que nós vamos fazer?” “Não precisa se preocupar, nós não vamos jantar hoje aqui. Amanhã nós vamos almoçar, mas a comida dele eu faço, a senhora vai fazer abobrinha com arroz para mim”. Foram para lá, eu fiquei: “minha Nossa Senhora da Aparecida, meu Deus do céu”. Outro dia apareceu com aquele sorriso bonito dele, os olhos azuis, tirou os óculos e veio: “ai, muita saudade você, eu abraçar você, eu saudade de você”. Eu falei: “minha nossa senhora”, eu com vergonha dele. E para entrar na igreja então, mulher, um sofrimento, minha Nossa Senhora da Aparecida. A minha menina falou: “vai de sapato de salto, mãe, a senhora tem”. Trouxe um vestido muito bonito para mim. É aquele da fotografia, não sei se vocês viram. Quem viu a fotografia de casamento ali? Então: “veste ele, mãe, para a senhora ir”.
P/2 - Aqui, a igreja?
R - Aqui. Ele: “mãe”. Falei: “o quê?” “Olha que (inint) [01:19:23]”. “É?” “É”. (inint) [01:19:26], que ele mandou tocar esse órgão para entrar, eu tenho o ta-ta-ta dele, não sei como é que chama lá, mas ele (inint) [01:19:32] trazer, colocar o órgão tocar. Ele trouxe de lá já. Como é que fala?
P/2 - Para tocar a música?
R - Do jeito deles lá. Aí chegou aqui, ele desceu mais cedo para (inint) [01:19:43] para tocar a música dele lá. Eu falei: “mas o que tem, meu Deus? Tem cada coisa nesse mundo”. Começou a tocar lá e ele veio para me abraçar, segurar a mão dele. Eu falei: “ah, minha nossa senhora”, segurei embaixo. Todo contente, sorrindo. A Tati falou: “você não faz graça”, ele falou: “eu fazer graça não”. (inint) [01:20:04]. Você precisa ver, você não fala que ele tem o que tem na vida. Você não fala. A senhora não fala, devia ver que coisa mais bacana.
P/2 - Aí você entrou com ele na igreja.
R - Entrei com ele na igreja, no lugar da família dele.
P/1 - Ninguém veio da família dele.
R - A velhinha não pode. Só veio um, mas chegou em (inint) [01:20:22] ficou internado. Não aguentou a quentura. Só veio um. Agora ele fica aqui porque (inint) [01:20:30] direto, ele corre para tomar banho, fica no ar-condicionado lá e fica bem, mas para sair de lá, coitado, é um sofrimento cada vez que ele vem aqui.
P/2 - Aí você entrando na igreja, e a sensação?
R - Entrei na igreja com ele. Chega lá, esse casamento, foi ótimo, nós damos risada depois que passou. Alugou um ônibus para poder levar todo mundo em casa. Ele com o carro dele na frente, (inint) [01:20:57] para dirigir, ficou em pé no carro, olhando aquele mundão de gente. Ela dirigindo e ele em pé, fora do carro. Ia olhando tudo. Falar para vocês, dá um trabalho, mas é bom.
P/2 - Foi bom. Aí a sua outra filha mudou para lá?
R - Não. Olhe para ver que coisa. A vida é um livro aberto. Ela tinha outro marido aqui. O marido dela mexia com drogas. Ela não morava aqui, ela morava (inint) [01:21:34] cidade que atravessa (inint) [01:21:36], como é que chama essa cidade para frente que fala tudo enrolado também, como que é? Paraguai.
P/1 - Ah, Paraguai.
R - Isso. Está morando lá. Essa menina teve festa, morria parente meu aqui e não a deixava vir. Um belo dia ela apareceu em casa. Ela falou assim para mãe: “mãe, a senhora tem dinheiro aí?” Falei: “tenho, por quê? Não tenho muito não, mas tenho”. “Quanto a senhora tem?” “Tenho 100 reais”. “A senhora não empresta para mim, depois dou para a senhora? Só vou lá tirar e depois dou outro para a senhora”. Falei: “tudo bem”. Aí pegou, chamou a moto. Ela foi lá, começou com minha outra irmã e veio. A minha irmã falou: “você conta para a sua mãe. Você não vai esconder nada disso aí. Você vai contar tudo para a sua mãe”. Chegou em casa e ela falou para mim: “olha mãe, eu fui lá tirar consulta para mim, agora vim falar com a senhora”. Falei: “o que está acontecendo?” Ela tirou a blusa e você precisa ver que judiação. Agora ela está clarinha, mas sinal de pancada nela, no meio do cabelo. Estava ficando aquele vergão. Ele não estourou para fora, para ficou um vergão. Essa veia dos olhos encostou uma na outra. Ela todo dia chorava de dor de cabeça. (inint) [01:22:57], toda machucada. Falei: “seja o que Deus quiser, lá com ele você não volta mais”. E deu certo porque ele saiu e, graças a Deus, a polícia pegou e levou, prendeu lá mesmo. Eles pegaram com caminhão de maconha, tomara que apodreça lá. Essa menina bonita que vocês viram na fotografia é filha dele. Menina do céu, veio. Minha Nossa Senhora da Aparecida. Falei: “você não vai voltar mais para lá”. Fui na casa dela e falei: “o que tanto você tem lá na sua casa?” “Mãe, tenho isso, isso e aquilo”. “Nós vamos vender”. Vendemos tudo, guarda-roupa, televisão, tudo. Acabei com tudo. Fui no meu ex patrão, conversei com ele direitinho e ele falou para mim: “eu empresto para a senhora sim”. Ele emprestou para mim. Inteirei uma passagem, deu certo que minha menina ligou. (inint) [01:23:54] tudo certinho, a hora que a Tati ligar eu peço para a Tati dar um jeito de buscar você. Você não vai voltar mais lá. Depois a outra ligou, contei para ela a situação. Ela falou: “mãe, vou conversar com o Matt agora. A hora que ele chegar do serviço eu vou conversar com ele”, que ele é dono da firma de telefone celular. Conversou com ele, quando foi dez e meia o sargento do tiro de guerra ligou para mim porque estavam me chamando no telefone. Eu fui lá ver e era minha filha: “pode arrumá-la, vai para Bauru, compra o passaporte que eu vou esperar ela em Amsterdã”. Foi dito e feito. Compramos certinho, chegou em Amsterdã e ele estava esperando-a já. Ela falou: “mãe, até São Paulo eu falo com a senhora, depois de São Paulo já não falo mais com a senhora”. Falei: “então está bom”. Em São Paulo ela ligou para mim: “mãe, já estou entrando no avião”. Falei: “então vá com Deus, pelo menos você não fica apanhando, aguentando mais tapa e murro dos outros”. Hoje em dia casou muito bem, graças a Deus. Meu genro é muito bom para ela, já tem a filhinha desse genro meu. A outra tem a Helena e ela tem a Alice. Acabou, está sossegada. Estão para vir depois do carnaval, parece. (inint) [01:25:30] dar ao menos um pintadinha, uma ajeitadinha. Aqueles olhos azuis andam por tudo.
P/2 - Muito bom. Acho que terminou, não é?
P/1 - É.
P/2 - Terminou, depois do Matt.
P/1 - A senhora tem algum sonho?
R - Sonho? Se eu tenho? Mas que beleza. (inint) [01:25:56]. Não tenho sonho difícil não. Sonho ter minhas coisinhas, arrumar bem minha casa, ficar por ali mesmo, se aparecer alguma coisa mais a gente faz. Só isso.
P/1 - Como que foi a senhora contar a história da senhora para a gente?
R - Eu me senti bem, pelo menos assim a gente põe para fora uma coisa que a gente guarda há tanto tempo. Senti bem, porque se você guardar, você guarda só para você. De vez em quando a gente pensa e chora, outra hora pensa e fala. A gente falando já descansa.
P/2 - A senhora falou que quando o pessoal todo está na sua casa, a senhora se sente dona da senhora?
R - É.
P/2 - Fala de novo isso.
R - Então, porque eles ficam todos ali: “mãe, não sei o que, não sei o que”, “mãe, não sei o que” e a gente se sente bem porque encontrou tudo. A gente se sente bem, mas ainda falta, porque faltam essas duas filhas que eu tenho. Para mim eu tenho elas ainda. Não esqueço meus filhos.
P/2 - Muito bom. Então parabéns pela sua história, viu?
R - Muito obrigada.
P/2 - Parabéns mesmo, é uma inspiração.
[01:27:14]
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