Programa Conte Sua História
Entrevista de Thaynara Conceição Fernandes
Entrevistada por Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 13/02/2025
Entrevista nº: PCSH_HV1443
Realizado por Museu da Pessoa
Gravado por Alisson da Paz
Revisado por Bruna Piera
P/1 Thaynara, vamos começar de uma maneira bem tradicional. Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Bom, meu nome é Thaynara Conceição Fernandes. Me chamam de Tay, ou Thaynara Fernandes. Eu nasci no Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro e desde que nasci até hoje, resido na favela do Jacarezinho. Nasci no dia 4 de outubro de 1995, dia dos animais.
P/1 E os seus pais são aqui do Rio de Janeiro?
R - Os dois, os dois são também do Rio de Janeiro.
P/1 E seus avós maternos? Vamos falar dos seus avós, um pouco das suas origens. Vamos falar dos seus avós maternos. Você sabe a origem deles?
R - Bom, acho que é um contexto um pouco complicado de falar da família materna, porque a parte materna é a parte negra da minha família. Infelizmente, a gente sabe que falando do Brasil, a árvore genealógica negra, ela tem uns apagões. E a gente tem um pouco disso. A minha avó, ela nasceu em Cabo Frio. A gente tem essa noção que ela nasceu em Cabo Frio, mas a gente não tem muita certeza aonde. E o meu avô, não sei, eu conheci meu avô vivo ainda, morava aqui na favela do guarda, que fica no Rio de Janeiro, mas não tenho conhecimento de aonde que ele nasceu. E nem dos seus bisavós e pra cima.
P/1 Mas você chegou a conviver com a sua avó e com o seu avô?
R - Eu convivi só com meu avô, já no final da vida dele. Ele morava na favela do Guarda e quando a gente ia visitar minha avó postiça, que na verdade não era minha avó sanguínea, que era irmã dele. A gente o via seu Samuel, Samuca. Tenho uma lembrança muito grande dele, ele era catador de material reciclável de rua, com uma carrocinha. E eu o via, de vez em quando, ele morreu, eu tinha uns 7 anos, então não tenho muitas lembranças...
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Entrevista de Thaynara Conceição Fernandes
Entrevistada por Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 13/02/2025
Entrevista nº: PCSH_HV1443
Realizado por Museu da Pessoa
Gravado por Alisson da Paz
Revisado por Bruna Piera
P/1 Thaynara, vamos começar de uma maneira bem tradicional. Qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R - Bom, meu nome é Thaynara Conceição Fernandes. Me chamam de Tay, ou Thaynara Fernandes. Eu nasci no Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro e desde que nasci até hoje, resido na favela do Jacarezinho. Nasci no dia 4 de outubro de 1995, dia dos animais.
P/1 E os seus pais são aqui do Rio de Janeiro?
R - Os dois, os dois são também do Rio de Janeiro.
P/1 E seus avós maternos? Vamos falar dos seus avós, um pouco das suas origens. Vamos falar dos seus avós maternos. Você sabe a origem deles?
R - Bom, acho que é um contexto um pouco complicado de falar da família materna, porque a parte materna é a parte negra da minha família. Infelizmente, a gente sabe que falando do Brasil, a árvore genealógica negra, ela tem uns apagões. E a gente tem um pouco disso. A minha avó, ela nasceu em Cabo Frio. A gente tem essa noção que ela nasceu em Cabo Frio, mas a gente não tem muita certeza aonde. E o meu avô, não sei, eu conheci meu avô vivo ainda, morava aqui na favela do guarda, que fica no Rio de Janeiro, mas não tenho conhecimento de aonde que ele nasceu. E nem dos seus bisavós e pra cima.
P/1 Mas você chegou a conviver com a sua avó e com o seu avô?
R - Eu convivi só com meu avô, já no final da vida dele. Ele morava na favela do Guarda e quando a gente ia visitar minha avó postiça, que na verdade não era minha avó sanguínea, que era irmã dele. A gente o via seu Samuel, Samuca. Tenho uma lembrança muito grande dele, ele era catador de material reciclável de rua, com uma carrocinha. E eu o via, de vez em quando, ele morreu, eu tinha uns 7 anos, então não tenho muitas lembranças vívidas, assim.
P/1 Mas você chegou a ver ele com a carrocinha na rua?
R - Sim.
P/1Que imagem que você lembra?
R - Eu lembro… Foi uma vez só, ele carregando, acho que chegando em casa com a com a carrocinha. E eu sentia que ele tinha vergonha. Vergonha da gente. Vergonha do trabalho, na verdade, da gente ter visto essa situação. Mas era um pouco disso, assim. Foi um momento pontual e o momento que ele visitava a gente na casa da irmã dele. A gente não ia na casa dele porque ele tinha vergonha, pelo contexto, que ele morava num barraco, enfim. Era uma situação pobre mesmo, mas ele tinha um carinho com a gente assim, muito grande.
P/1 E a sua avó, a mãe da sua mãe. O que aconteceu com ela?
R - Não conheço a minha avó. Ela faleceu quando a minha mãe tinha 18 anos. Minha mãe, nasceu na favela da Guarda também e depois veio pra cá, pro Jacarezinho. E também era uma situação um pouco precária assim de vida, de não ter muito trabalho, de viver também, de vez em quando, catando o lixo do papel, papelão, pra poder trocar por moedas e sobreviver. E ela faleceu com seus 18 anos. Desculpa. Minha avó faleceu quando a minha mãe tinha 18 anos. Então, a gente… Nem eu, nem a minha irmã, a gente conheceu a minha avó.
P/1 E que que a sua mãe conta da infância dela? Você sabe histórias?
R - A minha mãe, ela evita um pouco de falar, mas tem um ponto que ela lembra muito, que inclusive quando a gente estava na favela do Guarda, ela falava que ela brincava muito na linha do trem e ficava os trens parados. Aí ela: “Ah, eu passava por baixo do trem, jogava pedra por debaixo do trem.” Então, tem essa relação muito com o trem, assim, que tinha na favela. E ela não tinha muitos brinquedos, ela falava que brincava com pedrinhas, o jogo de jogar pedrinhas assim. E que sempre estava com a minha avó, onde a minha avó estava perambulando, andando na rua, catando, ela estava com ela, assim. Ela dizia que era muito guerreira, era muito parceira da minha avó.
P/1 E aí, ela morreu, seu avô casou?
R - Não. Minha avó morreu e minha mãe foi morar com os irmãos dela, os irmãos maternos, que não são filhos do meu avô. E então, veio morar aqui no Jacarezinho, que eles tinham uma casa, e aí ela veio para cá. Nos finais, assim, dos últimos anos da minha avó viva, que saiu a casa, ela e a minha avó vieram morar aqui no Jacarezinho. E minha avó faleceu com seus 18 anos, os meus tios mais velhos, tomaram conta da minha mãe, assim. Ela já era… Não era adulta, 18 anos, ainda é adolescente, né? Mas estavam ali com ela, acompanhando. E as esposas, no caso as cunhadas da minha mãe, teve esse papel muito presente de materno. E a irmã do meu avô, a minha avó Otília, ela teve um papel muito grande também como mãe, assim, era a mãe da minha mãe, era a minha avó. Tanto que ela eu conheci, a madrinha, a avó Otília. E a gente, eu e minha irmã, a gente sempre tratou ela como vó. E depois de alguns anos, desde pequena eu sempre chamei. Depois de alguns anos que eu fui entender, não, ela na verdade é mãe do coração, porque ela nasceu de outra pessoa e a vó Otília é a madrinha que adotou ela. Mas ela sempre tratou a gente como netas, sempre foi assim.
P/1 E seus avós paternos, os pais do seu pai?
R - Então, meus avós paternos é o seu Ramires, que é o meu irmão, do meu pai e Dona Juraci. O seu Ramires, ele faleceu muito novo.
P/1 O seu Ramires, é seu pai?
R - Na verdade, o seu Ramires e o meu avô, porque eles tem nomes parecidos? Então, o meu avô, ele tem o nome igual do meu pai. Os dois são Ramires. E aí, ele e Dona Juraci tiveram seus 12 filhos, e aí ele faleceu quando meu pai deveria ter uns 10 anos e deixou alguns filhos. Então, meu pai perdeu o pai muito novo. Meu avô morreu muito novo. E aí, teve que se desenrolar, teve que trabalhar cedo, enfim. E eram muitos irmãos. E a minha avó, Juraci, tinha uma responsabilidade muito grande, até porque o filho mais velho, ele tinha uma necessidade especial, que na época não se entendia muito bem, até para lidar. E então tinha uma responsabilidade muito grande com os filhos, e com um dos mais velhos PCD. Então, ela tinha essa responsabilidade, na época. Eles tinham frigorífico aqui no Jacarezinho, e pela responsabilidade maior de lidar com as crianças, teve que vender o frigorífico. E isso passou anos, assim. Minha avó, ela viveu por muito tempo. Eu conhecia minha avó Juraci, eu e minha irmã. E ela, se eu me engano, até meus 8 anos, minha avó Juraci, estava aí. E eu lembro muito dela assim, porque ela tinha uma brincadeira de colocar a gente na nas pernas e ficar levantando, sabe? Tem muito dessa lembrança, muito da lembrança de ter uma… Era uma mesa de costura, não sei se vocês lembram, que botava o pezinho, então tinha muito, sabe, essa lembrança dela. E ela era uma mulher muito séria. Mas faz sentido ela ser séria, ela tinha responsabilidade com muitos filhos, desde nova. Perdeu o marido muito cedo. E ela era uma mulher séria, mas tinha aquele ar de doçura. Eu lembro um pouco disso, que quando eu ia visitá-la, era sempre cheio assim de criança, muitos netos, muitos filhos, eram netos. E com a gente ela tinha essa doçura, assim. Tinha a cara meio rabugenta, meio fechada, mas sabe, tinha aquele aquele lugar de vozona.
P/1 E seu pai começou a trabalhar muito cedo? Você falou.
R - É, ele começou a trabalhar muito cedo. Se eu não me engano, era um trabalho assim de freela, criança seus 14, 10 anos. Ia pra escola. Ele e meu tio falam que eles, às vezes, os irmãos trocavam, porque tinham muitos filhos, então quando um voltava da escola, trocava o uniforme, porque o outro à tarde ia pra escola. E aí, depois eles faziam os seus trabalhos. Mas ele não fala muito do que ele fazia quando mais novo. Eu acho que tem essa questão de pegar a responsabilidade muito grande, assim, quando novo e deixar um pouco isso lá nas memórias, porque mesmo que tenha aquela questão do orgulho, tem a questão também da dureza, assim. Porque era questão mesmo de colocar comida dentro de casa. Então, acho que é um assunto um pouco sensível, que ele não desenvolve muito. Como a minha mãe também não desenvolve muito, como que era a infância dela, sabe? Que acredito que ela passou fome, mas também não… É uma parte que fica ali. Porque muito do que eles ofereceram para gente foi ao contrário. Nem sempre foi fartura, mas sempre tinha comida. Então, era sempre diferente do que eles tiveram, pela falta.
P/1 Você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R - Bom, eu acho que foi no lance aqui de adolescência, os seus 17, 18 anos. Andanças pelo Jacarezinho, minha mãe já morava aqui, meu pai nasceu aqui. Eu acho que foi assim, nos rolés dos bailes que antigamente tinha. Eu acho que foi bem nesse lugar. Não lembro se foi um ponto principal, mas foi em momentos de rolé que eles se conheceram, da galera. Acho que da mesma forma que a gente, galera.
P/1 E eles casaram quando?
R - Eles casaram minha mãe tinha 21 anos. Eles se conheceram quando minha mãe tinha de seus 17 anos. E se não me engano, casaram com 21.
P/1 Nesse momento sua mãe ainda catava?
R - Não, minha mãe só foi na infância mesmo, bem criança.
P/1 E aí, quando eles casaram, você nasceu logo?
R - Eles casaram e logo depois a minha irmã nasceu, a Tainã. A gente tem 5 anos de diferença. Veio a Tainã, meu pai queria muito um menino, muito menino, mas veio ela. Super feliz também. Já tinha um nome até para o garoto, que era Cauê. Mas o universo faz aí a conspiração, e aí veio a Tainã. E o nome dela, ele conta que eles não tinham o nome certo, e aí o Marcos Frota estava no Domingão do Faustão, e acho que as coisas dele tinha acabado de falecer, e ele estava ali contando um pouco da sua história, e falou que o filho dele, Tainã, tava aí, tinha nascido. E aí, minha mãe anotou o nome e guardou. Aí, no dia que minha irmã nasceu, ela deu o nome para ela de Tainã. Depois de 5 anos, eu vim. E aí, meu nome veio ser Taynara. É algo especial? Não. É porque já que tem Tainã, tem que ser par de jarro, Tainã e Taynara. Foi bem nesse rolé. Então, foi um pouco disso. E só temos nós 2. E somos uma duplinha de garotas na vida deles 2.
P/1 Aí, vocês continuaram aqui no Jacarezinho?
R - Então, hoje a gente mora na mesma casa onde a minha mãe e minha avó vieram morar. E essa casa teve muitas transformações, era apenas um cômodo e foi se criando. Assim, com o trabalho dos meus pais durante o tempo, foi criando a parte de cima, nosso quarto. E até hoje eu e meus pais moramos nessa casa. Minha irmã já criou suas asas e já foi viver em outro lugar, mas mora aqui no Rio, sempre está com a gente. A família é bem próxima mesmo, assim, de estar final de semana juntos. Inclusive, hoje eles trabalham juntos. Mas a gente criou até hoje essa raiz aqui no Jacarezinho. Então, a gente está na mesma casa.
P/1 Você ficou esses 30 anos, 29 anos, na mesma casa? Olha eu já aumentando. Você ficou esse período todo aqui em Jacarezinho, na mesma casa?
R - Eu moro meus 29 anos na mesma casa.
P/1 Me fala uma coisa, como que era… A sua lembrança de infância aqui de Jacarezinho?
R - Então, minha lembrança de infância é engraçada, porque o meu pai trabalhava à noite, então durante o dia eu ficava com ele, minha mãe trabalhava, eu ficava com ele. E eu lembro do meu pai me levando pra alguns lugares. Ele trabalhava com projeto social, no centro cultural, que ainda funciona, mas hoje em dia não está mais lá. E aí, eu lembro de estar lá no centro cultural, com ele, sentada no escritório, ou sentada vendo as aulas acontecerem. Meu pai dava aula de escolinha de futebol. Então, eu lembro de estar ali sempre do lado, participando ou vendo, ou esperando também, porque tinha cursos para adultos, e eu sempre ficava ali xeretando as coisas e correndo, porque também era num espaço de terreno baldio, assim. Era uma antiga fábrica, então era muito grande. Então, eu lembro de ficar brincando muito, correndo. Era um local que não tinha muita coisa assim, então eu ficava correndo entre as colunas do lugar, e aí eu lembro que meu pai, ele tinha um espaço fechado que era só de plantas. Porque há uns anos atrás, ele teve uma floricultura aqui perto, uma floricultura que acabou não dando certo, mas como todo dedo verde, continua cultivando as plantas. E aí, ele levou as plantas que sobraram da floricultura pro centro cultural, pro espacinho lá. Então, virou um grande canteiro, assim. E aí, eu lembro que vez em quando eu entrava lá. Sabe o Jardim Secreto? Aquele antigo filme. Era bem isso, assim, da sessão da tarde. Eu tinha esse sentimento, que abria a portinha lá era muita planta, era muita planta de você se perder e ter que gritar, “ô pai, você tá aí?” Então, era um pouco disso assim. Eu lembro dessa parte da minha infância, de andando sempre com ele para os lugares, e no centro cultural, e lá dentro, desse lugar no meio das plantas. E isso tem uma relação muito grande assim, com o que eu faço hoje. Porque além desse lugar, do centro cultural, que tinha essas plantas, ele acabou também desenvolvendo um grande jardim na nossa laje de casa. E aí, eu acho que se o Google passar pra fazer o mapeamento do Google Maps, vai ter um ponto de Jacarezinho, na laje, que é cheio de planta, que é a minha casa. E aí, tem foto minha pequenininha, com muita planta, brincando, regando. E essa paixão que eu acabei desenvolvendo e levando pra minha vida profissional, tem muito a ver com ele, porque ele é a pessoa que sempre gostou e sempre teve em casa. Então, era uma coisa… Sabe, orgânico? Foi isso, foi osmose.
P/1 Ele que criou esse assento cultural?
R - Não, o centro cultural, ele foi desenvolvido em parceria com outras pessoas. E uma delas, das pessoas que estão… O centro cultural, foi desenvolvido por parceria com muitas pessoas. E no início ele estava lá. E aí, ele participou dando gerência em alguns projetos e também como o coordenador do projeto, essa escolinha que eu te falei de futebol, ele estava lá. Ah, e tinha reforço escolar. Eu lembro que tinha confeitaria, se eu não me engano. Tinha bastante coisa, assim. Era pra muitos públicos, então era um local grande, e ele sempre estava ali, movimentando as coisas. E aí, uma delas, que ele movimentou, foi abrir um pequeno centro de reciclagem de garrafas pet. O espaço era muito grande, e aí ele começou esse movimento de catar aspectos, e outras pessoas levarem. Tinha uma máquina… Eu lembro muito pouco assim, mas eu lembro que tinha uma máquina que fazia a compactação das pets. Mas infelizmente pegou fogo. Pegou fogo, só que isso não acabou por ali. A partir desse projeto das pets, a ideia da reciclagem começou a crescer. E aí, esse grupo da cooperativa, junto com meu pai, eles foram chamados para conversarem e desenvolver uma cooperativa.
P/1 Mas espera aí, deixa eu só voltar. Seu pai, ele começou, ele catava esses plásticos? Como é que foi isso?
R - Então, ele catava esses plásticos e tinham pessoas…
P/1 Por onde que ele recolhia?
R - Ah, eu não lembro. Não lembro. Mas eu sei que também tinham pessoas que levavam. Eram mais pessoas que levavam.
P/1 Mas na sua casa?
R - Não. Lá na no centro cultural. No centro cultural, era muito grande, tinha um espaço que ele reservou pra fazer essa reciclagem de pet, nessa catação, esse centro. E aí, eu lembro que as pessoas levavam pra lá. Ele também catava, mas ele ficava mais ali fazendo o gerenciamento de receber e compactar na máquina.
P/1 E essa máquina, ele que comprou?
R - Não, essa máquina veio também de parceiros. Porque eram máquinas na época, muito caras, eram máquinas enormes. Não, ele não comprou, foi um parceiro, parceria que trouxe, uma pessoa de fora, que elaborou junto com ele esse projeto da reciclagem de garrafas.
P/1 E de onde você acha que nasce esse interesse dele? Primeiro com as plantas. Depois… Ele era uma pessoa já conectada com questões ambientais. De onde que nasce isso?
R - Então, eu acho que isso é um pouco… Ser conectado com a questão ambiental, depende muito do olhar do mundo que a gente vive, porque meio ambiente é tudo que a gente está vivendo e pisando. Então, eu acho que o amor dele foi em reparar as coisas, assim. As plantas foi mais um hobby, que ele sempre gostou, e aí começou a trabalhar. E a pet, eu acho que foi uma sacação, foi entender que o jogo estava virando e o mercado estava começando a se falar sobre a reciclagem. Foi muito antes do plano. Antes de 2010. Mas eu acredito que teve uma sacação de uma pessoa também de fora, conversar. “Olha, isso aqui está acontecendo, vamos por esse caminho.” E foi! E foi até o que a gente tem hoje, que é a cooperativa. A cooperativa nasce nesse lugar. Tinha esse movimento das garrafas pet, a COP da UFRJ.
P/1 Espera ai, vamos só voltar um pouco. Aí, tinha lá no centro cultural, que tinha já essa reciclagem, queimou a máquina, e aí?
R - Na verdade, não queimou a máquina. Teve um incêndio, um incêndio nesse local que lambeu as coisas, assim. Lambeu. Mas o movimento não parou, ele continuou. A pessoa que trabalhava com ele saiu, que tinha a máquina, mas ele continuou com esse movimento.
P/1 Quem que fazia parte desse movimento?
R - Aí! Eu não vou lembrar o nome da pessoa. Eu tenho lembranças de 2 mulheres que trabalhavam lá com ele. Mas eu era muito nova, eu deveria ter os meus 5, 6 anos. Porque são lembranças assim, de flashback. E hoje que ele vai falando, hoje a gente vai conversando, ele vai falando dessa história. E eu acho que tem essa questão também, como pegou fogo, e parte do que eles já estavam desenvolvendo, que era uma coisa que já estava grande, se apagou em chamas. Eu acho que também tem o movimento dele não fala muito, que ele tem essa chateação, essa dor de não querer falar abertamente do processo que aconteceu. Mas teve esse marco do do incêndio nesse mini galpão, nessa parte do galpão. E depois dali ele foi movimentando outras coisas, foram aparecendo oportunidades. Mas teve esse momento. Não lembro muito bem de quem eram as pessoas que trabalhavam com ele, eu era muito nova. E hoje também eu fico evitando de fazer essas perguntas tão específicas.
P/1 E a sua mãe fazia o quê nesse momento, ela trabalhava junto?
R - Não. A minha mãe, ela trabalhava num depósito de uma empresa, também era aqui num Jacarezinho, perto de casa, ela morava muito perto de casa, na esquina de casa. E aí, ela trabalhava como estoquista, no estoque mesmo, eram móveis e utensílios de casa que vinha pro Brasil e era vendido em São Paulo. Aqui era só o centro de estoque mesmo. E ela trabalhava nesse galpão. E era muito parto de casa, na esquina. Então, ela almoçava em casa, ela voltava cedo, então a gente tinha a presença dela também muito forte. Na hora de resolver os B.Os da escola, ela estava presente porque ela tinha essa facilidade de estar morando perto e estar perto da casa e daquele cotidiano que a gente tinha durante os dias.
P/1 Com quantos anos você entrou na escola?
R - Ah, engraçado, porque eu tenho uma pequena lembrança da creche, assim, tipo a chupeta, chupeta não, mamadeira no chão. E era aqui no pé do morro. Eu lembro onde era. Então, eu entrei na creche porque meus pais trabalhavam, ficava um pouco lá, e depois eu fui estudar aqui no Instituto Educacional Imaculado Conceição, que também é bem aqui na entrada do Jacaré. Estudei lá até os meu 2 anos, depois eu fui estudar um pouco mais longe de casa, assim. Fui estudar no Méier, e aí comecei a andar de ônibus sozinha, pegando mais essa esperteza de saber que eu tô sozinha. Depois que eu sai da creche, eu já vim pro Instituto Imaculada Conceição, que fica aqui em Jacaré. E depois…
P/1 E como é que foi esse momento da escola? Que lembranças que você tem? A gente tá falando de primário, do ensino fundamental.
R - Ah, eu lembro muito do momento que eu mais gostava, que era o início do ano, que era material escolar novo, carrinho novo. Tinha essas coisas de mochila. Mais das festas que tinha, sabe? Festa das mães, festa de São João, porque a gente ensaiava. E aí, na escola tinha um grande pátio, que ele era fechado, ecoava. Então, no intervalo, assim, nos ensaios, eu lembro da gente gritando no meio do pátio de um lado pro outro, porque fazia muito barulho. E eu acho que essa escola me dá essa lembrança gostosa, porque eu brinquei muito de correr, era uma escola… Acho que foi a única escola que eu frequentei que tinha um espaço amplo, sabe? Então, a gente brincava muito de correr, subir na arquibancada. E aí, eu era a ajudante da professora, e ela mandava muito eu ir passar xerox dos materiais. É aquele cheirinho do álcool, daquele instrumento. Esqueci o nome daquilo.
P/1 Mimeógrafo.
R - Mimeógrafo. Tinha na minha época um mimeógrafo. E aí, eu ia lá na secretaria e pedia pra tia, fazia xerox no papelzinho da professora. Então, o cheiro do mimeógrafo me lembrava muito. E do jardim, como eu falei, eu sai da creche e fui estudar direto lá. E na parte de trás da escola, tinha uma casinha, que era Jardim 1, Jardim 2, Jardim 3. Sabe casinha de desenho mesmo? Era assim, aquelas do telhado triangular, e tinha o escorrega, o balanço. E aí, onde a gente lanchava, tinha uma mesa grandona assim, de todos os jardins as crianças lanchavam juntos. Então, é essa lembrança que eu tenho de correr, de brincar, de ter um pouquinho do que seja de uma escola igual de desenho, assim, de filme. Era muito cimentado, era uma escola que não era, sei lá, dos padrões mais altos, mas tinha lá seu encantamento. E era isso, assim. Recentemente eu fui nesse local, que hoje não é mais uma escola, tá abandonado. E aí, bateu essa nostalgia assim, tipo, cara, essa aqui foi minha sala, eu ia ali pegar lanche, eu corria aqui. Então, eu tenho um pouco disso, assim, dessa lembrança de correr, de ter uma infância ali muito ativa.
P/1 Você tinha amigos da escola que frequentava aqui? Amigos na rua? Como é que era seus amigos, amigos da infância?
R - Ah, amigos da infância era muito da rua. A minha rua era uma rua que ela é fechada. Então, era muita criança brincando. Tanto que moravam ali, ou que vinham de outras partes. E aí, a gente brincava muito assim, só no final de semana, ou sexta-feira, porque meus pais não deixavam eu brincar durante a semana. E era umas brincadeiras assim, de polícia e ladrão mesmo, de ficar se escondendo. E tinha uma coisa engraçada, que a gente brincava de tática assim, como se fosse militar. Os meus primos, eles tinham barraca, minha irmã e meus primos tinham barraca de acampar, porque a gente foi escoteiro, então a gente aproveitava as barracas pra montar e fazer tipo um campo assim de militar, fingia que tinha… Qual o nome daquilo? Rádio. Aí, a gente pegava resto de teclado de computador e ficava tipo, bem, fazendo a brincadeira como se fosse um escritório mesmo, sabe? Então, era um pouco do que eu tenho assim de lembranças de rua, brincar de rua, polícia e ladrão que rolava muito, e de esconderijo assim. E aí, como eu era mais nova, do meio dos mais velhos, eu ficava dentro da barraca, meio que aqui, na parte da inteligência. Na verdade eles não queriam me deixar correr com os mais velhos, então eu ficava muito nesse lugar. E além dos amigos da rua, eu tinha muito amigo escoteiro, que desde nova eu fui pro movimento de escoteiros, minha irmã já era, minha irmã mais velha do que eu, então fui acompanhando ela. E aí, minha infância também foi muito ali. Então, sei lá, eu lembro do Anderson, eu lembro do Gabriel, que durou muito tempo na minha vida, até o início da minha fase adulta a gente estava juntos. Então, são amizades que ficaram assim, porque a gente tinha essa conexão muito grande com o movimento Escoteiro. E era momentos de acampamento, momentos de cair no chão, de correr, então tem um pouco disso.
P/1 E na sua casa? Como é que era a convivência com seu pai, com a sua mãe? Como é que eles eram dentro de casa, com você, com a sua irmã?
R - Engraçado. Normalmente falam que o pai de menina acaba sendo muito molenga. E realmente, meu pai foi um cara muito carinhoso com a gente, apesar de ser duas meninas, porque acaba tendo aquela responsabilidade de, “ó, não tenho menino, mas vou segurar aqui pra não vir muitos outros garotos em cima delas e tal.” Mas meu pai foi muito carinhoso com a gente, muito mesmo. E minha mãe também. E eu lembro que eles tinham um momento mais rígido, muito mais a minha mãe, quando era questão do estudo, assim. Ela ficava bem assim, de acompanhar os cadernos. Teve uma época dela colocar as folhas numeradas pra saber se já tinha rasgado uma folha ou outra. Era bem nesse lugar, assim, de acompanhar fazendo os deveres de casa. Mas era muito nesse lugar do carinho. Mas também, “ó, você tem essa responsabilidade aqui.” E a responsabilidade com a casa também, a gente começou a cuidar da casa já com seus 9 anos, de deixar as coisas limpas, chegar antes do final da noite, pra manter a casa bem arrumada. Então, era bem isso, assim, dessa lembrança de meus pais na infância.
P/1 E tinha festas na sua casa? Comemorava Natal, aniversário, vinha parente. Como é que era?
R - A minha casa ficava mais cheia nos dias de festas, assim, de aniversário. Minha mãe é a pessoa que ama festa. Por exemplo, ela ganhou uma passagem para viajar, ela vai fazer uma festa em casa com, sei lá, com um churrasquinho, uma cerveja. Acho que a minha mãe é uma das pessoas mais felizes que eu conheço, assim. Ela sempre está com sorrisão, é a última a sair da festa. É a primeira a chegar, é a última a sair da festa. E aí, lá em casa era bem assim, aniversário sempre teve muita coisa. Eu lembro que teve o aniversário da minha irmã, que tinha aquele balão que você estourava e caía, o farelo de trigo, mas também tinha bala. E lembro também, balão mesmo, sabe? Com o nome dela. Então, assim, eu tenho umas lembranças muito fortes assim, em relação à minha casa, porque sempre é um lugar que tinha festa. É isso. Minha família é muito grande, então a gente sempre tem uma desculpa pra estar junto, pra festejar qualquer coisa. E eu moro num quintal com os irmãos da minha mãe. Então, também ali é um local que a gente sempre está fazendo alguma coisa, está sempre junto.
P/1 E você foi crescendo e vendo aí esse trabalho do seu pai com reciclagem. Como é que ele foi se desenvolvendo? Você foi crescendo vendo isso?
R - Então, é isso, eu fui crescendo, vendo isso, tendo esses flashes assim, dos momentos que ele trabalhava com a pet. Depois, quando o centro cultural acabou se desenvolvendo e nascendo a cooperativa de material reciclável. Porque depois do incêndio ele… Veio a COP da UFRJ, de potencial do trabalho…
P/1 O que que é COP da UFRJ?
R - Após o incêndio, veio a oportunidade de desenvolver um projeto mais robusto, pensando numa cooperativa. E institucionalizar o trabalho também e ampliar. E veio da COP da UFRJ, que é um instituto de pós-graduação de engenharia, das engenharias da UFRJ. Então, teve um processo de capacitação onde os diretores dessa cooperativa estavam se formando. E um deles foi o meu pai. E aí, a cooperativa nasce, que é a Cooperativa Amigos do Meio Ambiente, mais conhecida como Copama. Ela sai daquele do centro cultural e nasce aqui, nesse espaço que antigamente era a antiga fábrica da Itachi, e hoje ela é…
P/1 Que fábrica?
R - Itachi. Foi uma fábrica de refrigeradores. Que estava abandonada.
P/1 Vocês já moravam aqui?
R - Já!
P/1 Em cima?
R - Em cima. A gente morava muito perto. E aí, veio esse trabalho há 21 anos atrás, nasceu. E aí, quando veio para cá…
P/1 Vocês ocuparam o espaço, como é que foi?
R - Não teve um acordo com o dono do espaço. Ela estava abandonada porque ela estava desativada, no caso, mas tinha um dono. E aí, teve um acordo pra ceder e gerenciar esse espaço. Que ele é muito grande, então, além dessa nossa cooperativa da Copama, veio também outra cooperativa, que é a Coopideal. Veio algumas empresas também se instalarem. E aí, a Copama…
P/1 Como é que foi juntando todo mundo aqui?
R - Na verdade foi por conexões, porque quando a Copama nasceu, ela começou a entrar no mercado do resíduo, de outras cooperativas. E aí, inclusive, parte dos cooperados que até hoje estão aqui, são cooperados do antigo lixão de Caxias, que foi desativado. Então, as pessoas, na época, que foi desativado, vieram pra cá. Então, teve uma conexão também com outras cooperativas, porque ali começou a se fomentar muitas movimentações. E aí, dessas movimentações veio pra cá a Coopideal, que também ela reside nesse galpão. E aí, a Copama, ela vem administrando também o espaço. Como espaço condomínio.
P/1 O que é um espaço condominio?
R - É porque aqui é um espaço muito grande, então, além dessas 2 cooperativas, tem 2 empresas também. Então, ela acaba…
P/1 Empresa do que?
R - Empresa de outdoor, se eu não me engano. E a outra, não sei se é um centro de estoque. Mas tem 2 aqui dentro. E aí, essas 2 empresas que estão aqui, elas acabam sendo gerenciadas e administradas pela Copama. Já estava aqui antes, então parte do acordo com o dono também foi gerenciar o espaço, o condomínio, né? Que se fala. Então, tem a questão dos porteiros, que porteiros também trabalham, que trabalham aqui 24 horas, porque recebe resíduo em todos os momentos dos dias, e também o atendimento das outras empresas. Então, tem essa questão aqui. E aí, a cooperativa, ela acaba desenvolvendo outros trabalhos além da pet, ela acaba trabalhando com papelão, com papel, vidro, até trabalhar com o lixo eletrônico.
P/1 Me fala uma coisa, vamos voltar. Como é que convive várias cooperativas no mesmo espaço? Elas não competem, são materiais diferentes? Como é que acontece?
R - A competição sempre existe, né? Mas as cooperativas, elas têm acordos, elas têm contratos com empresas. Então, o público que a Copama, a empresa que a Copama recebe os resíduos, é diferente da Coopideal, porque as conexões de descarte, ou como chega os resíduos, vem diretamente por indicações de uma empresa à outra. Então, a Coopideal, antes de vir pra cá, ela tinha outra sede, então ela já tinha os seus clientes. E a Copama foi criando seus clientes. E tem momentos que… Quando o resíduo é muito grande, que uma cooperativa não vai conseguir lidar, as 2 conseguem administrar e dividir. Então, existem lá seu leque de clientes, de contatos, e também existem momentos, de outros projetos muito grandes, que se dividem. Por exemplo, no Carnaval do Rio de Janeiro, os blocos, eles acabam contratando, os blocos oficiais, no Sambódromo, acabam contratando as cooperativas. Então, tem muitos resíduos para muitas delas. Então, existe essa divisão de trabalhos e de serviço.
P/1 Deixa eu voltar atrás. Quando foi criada a Copama… Dá para você voltar um pouco nesse modelo de negócio? É pioneiro no Rio de Janeiro, esse tipo de cooperativa?
R - É complicado dizer pioneiro, porque as cooperativas já existem há muito tempo. A necessidade de tratar os resíduos, principalmente os aterros sanitários, já estão aí há anos. Mas quando a gente está falando de institucionalizar, quando a gente está falando de estar ter documentação para poder tirar o resíduo de uma empresa, ou de receber. Sim, ela teve um protagonismo muito grande, foi uma das primeiras a ter essas relações, até com repartições públicas, como o hospital da Uerj, que é o Pedro Ernesto, como a própria Uerj. Então, ela foi uma das primeiras assim, a ter esse tipo de relação.
P/1 No começo, tinha essa coisa de vir o que era o carrinheiro, o catador que catava nas ruas, de lixão? A Copama teve isso no começo ou ela já nasce nesse…
R - Ela nasce muito no contexto de aqui, quando veio para cá, teve alguns cooperados do território, mas 90% deles vieram quando o lixão de Gramache foi desativado, porque na época teve um grande… “Fechamos as portas, não recebe mais material.” A gente sabe que depois foi retornando. E as pessoas que trabalhavam lá não tinham muito pra onde ir, porque eram muitos catadores. Catadores, assim, que nasceram no lixão, trabalhando desde criança no lixão. E aí, quando teve essa desativação, esses catadores de Caxias vieram pra cá. E até hoje tem muitos deles que ainda trabalham aqui.
P/1 Por que eles vieram pra cá?
R - Os catadores vieram pra cá, porque Gramacho, o lixão de Gramacho foi desativado. E aí, eles ficaram durante muito tempo sem serviço. E aí, o pessoal acabou vindo pra cá. E aí, continuam. Acho que esse movimento de imigração, se eu posso dizer? Ele fomentou também a criação e a construção de outras cooperativas. E aí, isso acaba também sendo importante, porque quando está falando de cooperativa, também é formalização de um trabalho, da segurança e da autonomia para eles. E é o caso que aconteceu aqui. Hoje muitos trabalham com carteira assinada, trabalham de carteira assinada, fazem curso de capacitação, de administração financeira, têm acompanhamento com médicos que estão trabalhando, falando sobre saúde da família. Então, tem essa questão mais próxima com o trabalhador cooperado, humanizando o seu trabalho. No lixão as pessoas não tinham nem segurança do que estavam fazendo a catação. Então, aqui se formou uma construção de segurança para essas pessoas. Só que o contexto de hoje mudou muito do que tinha uns anos atrás, porque a gente já teve, aqui, já teve um quadro de mais de de 100 cooperados, e hoje está entre os seus 80, 70, porque tem essa oscilação dos valores dos materiais. E como as pessoas aqui recebem por produção, isso também afeta no trabalho e afeta também no quadro de pessoas.
P/1 De onde que nasceu esse modelo de negócio, de começar a fazer contrato com empresas para retirada de resíduos?
R - Então, esse modelo, ele nasceu justamente pela formação de capacitação da UFRJ, da Cop. Porque eles tinham esse projeto de estar ali dando o apoio institucional, de como trabalhar com essas pessoas, que elas conseguissem desenvolver esse negócio de impacto, que a gente chama. E isso vai sendo atualizado durante os anos. A Petrobras também tem projeto. Então, dentro dos projetos de editais que recebem, também tem essa atualização de capacitação.
P/1 Como que você vê a diferença hoje? Quer dizer, é a geração do seu avô, que catava lixo por aí, com a separação e a reciclagem de lixo? O que é essa mudança?
R - Acho que essa mudança é uma grande mudança, não uma pequena mudança. No sentido que há muito tempo atrás, meu avô, por exemplo, ele já fazia essa catação. Outros avós também faziam essa catação, sem saber a importância do que estava fazendo, sem saber de como que isso mitiga, diminui o impacto da degradação ambiental, do dia a dia das pessoas. Como que aquele resíduo, que eu acho que é a questão. Como que aquele resíduo é dinheiro? E pode ser desenvolvido como uma remuneração de uma família? Então, antigamente não tinha muito esse lugar, parecia que 1 kg aqui de papel, ou menos, era para trocar por pão. Porque não tinha essa valorização do que a gente tem hoje. Hoje, no contexto que a gente tem, no contexto ambiental, que está muito mais avançado, de degradação, dos avanços dos impactos climáticos, a gente está pensando muito mais nos nossos processos de consumo e de descarte. Então, os valores começam a mudar. E aí, o olhar para o resíduo já muda. Então, esse processo das leis começaram a fomentar também a logística reversa, já muda também o valor desse trabalho. Não é o ideal, mas já muda. Então, o meu avô, o avô de ciclano e beltrano, que já era um agente ambiental, que nem sabia que era agente ambiental, hoje já teria um papel fundamental. E aí, esse contexto está mudando, mas ainda existe uma invisibilidade, porque os cooperados que a gente tem hoje, ainda não sabem o valor do trabalho que eles têm, o valor de que separar esse resíduo e voltar pra linha de produção, diminui a temperatura do clima, que não vai estar liberando tanto gás carbônico pra produzir mais material. Então, esse “time” de processo, as pessoas, infelizmente ainda não entendem muito o quão importante que é. Muitas empresas que trabalham com ESG, faltando a sustentabilidade, entendem, mas ainda não valorizam esse trabalho ainda como fundamental. E eu acho que isso tá no caminho de mudança. Mas ainda precisa mais. Precisa colocar mais em evidência. Eu Acredito que precisa colocar mais em evidência o trabalho desses agentes, que estão aí no dia a dia, não só dentro das cooperativas, mas também no dia a dia, debaixo de sol, catando pet, catando latinha nas ruas, nos finais de festa. A gente não dá esse valor para essas pessoas. E eu fui durante um tempo, uma dessas. Durante a minha faculdade, eu fiz biologia.
P/1 Porque você escolheu fazer biologia?
R - Eu fiz biologia porque está muito linkada com o meu pai. Como eu falei, ele era uma pessoa que tinha muitas plantas em casa. Então, ali, sem querer, eu estava vendo o processo de uma folha nascer, de uma flor brotar, dos animais que estavam ali ao redor. E por conta do movimento dos Escoteiros, que também estava muito conectada com floresta. Então, eu fui criando esse amor e esse respeito. Mas no final da faculdade, eu comecei a fazer uma reflexão, dando uma pausa assim, no gatilho, porque eu fui tentar explicar pros meus pais o que eu estava estudando, o meu TCC. Ele não estava conseguindo entender. E eu fiquei assim, cara, que doideira. Eu tô falando de meio ambiente, meio ambiente todo mundo deveria saber.
P/1 Qual era o seu TCC?
R - Era a importância das árvores isoladas pra uma paisagem degradação. Como que as árvores elas mesmo em uma em separadas e distantes, elas conseguiam conectar a ecologia e sustentar a recuperação de uma área degradada. Só que eram termos muito técnicos na hora de explicar. E além de ser termos técnicos, não tava dentro da realidade dos meus pais, dos meus vizinhos. Quando a gente fala de meio ambiente, normalmente a gente pensa no que? Na Floresta, na Amazônia. E a gente não conecta com o que a gente vive, que o asfalto quente também é meio ambiente, que esse lugar aqui também é meio ambiente. Então, quando eu não consegui explicar para eles, eu falei: Tem alguma coisa errada, essa linguagem não tá certa. Esse contexto, esse conceito, ele precisa ser melhorado. E aí, eu fui entendendo o processo do que é racismo ambiental. E dentro do processo de racismo ambiental, eu entendi também a invisibilidade de alguns trabalhos, que aí foi que eu linkei com o trabalho dos meus pais. Minha mãe já trabalhava aqui na cooperativa. O que sustentava a nossa casa era basicamente o valor do lixo. E aí, sabe quando você dá um estalo assim brilhante? Parece que você descobriu o mundo. Eu falei: os meus pais são agentes ambientais há muito tempo, e eu estou estudando algo que não relaciona com o dia a dia dessas pessoas, que são tão importantes quanto pesquisadores e analistas de grandes órgãos públicos. E aí, o jogo foi virando, aquela insatisfação começou a virar um movimento de eu preciso trabalhar, eu preciso ler, eu preciso entender o que é racismo ambiental. E foi me linkando com o tema de justiça climática. Porque não tem como a gente falar de meio ambiente no contexto que a gente está vivendo de ebulição ambiental, de ebulição climática. E aí, foi nesse lugar assim, que o jogo virou, que eu comecei a olhar com mais carinho pro que eles faziam, e pro que eu deveria fazer. Porque eu vivo numa favela. E normalmente a favela não entra no contexto de meio ambiente, do conceito. E essa parte socioambiental é muito marginalizada mesmo. Então, foi o momento que eu comecei a me adentrar muito mais no ativismo, e também nessa parte da ciência, que agora está começando a ser falada, mas precisa ser mais falada. Falar de justiça climática, falar de racismo ambiental, falar de tecnologias que já existiam, e a gente ainda não dá valor. São tecnologias ancestrais, tecnologias sociais. Porque a reciclagem é uma tecnologia social e ancestral. Só agora que a gente está começando a olhar para ela, porque tá dando dinheiro, mas por muito tempo ela sempre foi solução de reverter o que a gente gera muito dentro de casa pra outro fim. Então, foi esse caminho que eu fui seguindo.
P/1 Quando você fala do ativismo, o que você foi fazer como ativismo? Com a sua tese, com a sua dissertação?
R - Então, no meu projeto TCC, eu finalizei, não caminhei com o que eu queria encaminhar, porque quando eu comecei a querer contextualizar, a falar sobre o paisagismo, ecologia de paisagem urbana… Teve ainda um bloqueio assim, tipo a gente… A orientadora, eu acho que na época, falou assim: Eu não tenho ainda conhecimento pra falar sobre isso. E o tema de racismo ambiental não estava tão em alta. E depois de alguns meses eu fui para uma palestra, aí foi o momento que eu entendi que era o conceito. Peguei um livro que é sobre justiça climática. E falei: Hum, isso aqui é interessante. E aí, o ativismo, ele começa pela indagação, pela leitura, até que eu começo a fazer um curso de políticas públicas, que foi na casa Fluminense. Sem também muito entender o que eu queria fazer. Eu só queria entender como que se move. A gente tem indagações, mas o que que a gente faz com isso? Aí, eu fiz o curso de políticas públicas, e aí no meio desse processo, teve uma enchente aqui no Jacarezinho. O Jacarezinho é uma favela que ela é grande e tem uma parte que é alta e baixa. E a parte baixa é do lado de um rio, que corta o jacaré. E aí, em fevereiro de 2023, a gente teve essa enchente, e eu fui trabalhar como voluntária. E durante a enchente eu vi que tinha muito lixo na rua. Era lixo, resíduos mesmo das pessoas, e do que sobrou da casa delas, quando a água entrou e a lama entrou. E a preocupação era que no dia seguinte pudesse chover, então esse resíduo ia de novo pro rio e ia encher mais ainda. E aí, foi quando teve todo o processo de assistência às pessoas, mas me deu um start, de entender que trabalhar com resíduo também era uma ferramenta para lidar com o clima, para tentar frear esses impactos. E aí, eu, junto com colegas do curso de políticas públicas, a gente desenvolveu um coletivo, que é o coletivo Simbiose, que ele fala sobre educação ambiental. E a gente começou a movimentar um projeto pensando num plano de gestão de resíduos pro Jacarezinho, porque a gente tem planos pra cidade, tem um plano diretor aí. Mas entender a dinâmica das favelas é diferente. A logística, a Geografia, era muito diferente. E quando eu percebi que as enchentes que estavam ali, estavam muito linkada com os resíduos, e que o Jacarezinho, ao redor dele, tinha outras cooperativas, inclusive essa. A gente falou: Pera aí, tem um problema e tem a solução. Vamos linkar essas cooperativas com o Jacarezinho. E a gente está elaborando nesse plano, pensando em como fomentar essa captação de resíduos, principalmente resíduos recicláveis, da favela para cá, e fomentar também dinheiro, para as pessoas que trabalham aqui. Então, tirar o problema e gerar solução. E aí, foi esse movimento do ativismo que começou, essa indignação, essa dor, e isso foi puxando uma coisa a outra. Depois de alguns meses, eu conheci o programa Jovens Negociadores pelo Clima. O programa Jovens Negociadores pelo Clima, ele é um programa que foi desenvolvido pela Secretaria do Meio Ambiente, pela organização Perifalab, URFJ. E eu me inscrevi. Vou lá! Vou lá fazer, vou entender o que está acontecendo. E o programa era justamente capacitar jovens periféricos, para lidar com a pauta climática. E pra estar também nos espaços de negociação. Porque não adianta a gente está entendendo, mas sem tá ali dentro desses lugares, colocando também as nossas realidades como pautas para serem discutidas. Porque normalmente nessas conferências são muitas instituições, pesquisadores brancos, ricos, que não tem um olhar apurado pra população que é a marginalizada, que é a mais impactada, que é a população negra, periférica e comunidades indígenas, ribeirinhas e tradicionais. Então, foi nesse lugar dos jovens negociadores, que a gente começou a ser capacitado, a lidar nessas conferências, a saber onde procurar, a saber lidar com o tema climático. Mas entendendo que falar sobre clima e meio ambiente a gente já sabe, porque a gente vive isso na pele o tempo todo. É calor de sensação de 40° na nossa casa, são as enchentes, inundações, o medo da chuva. A gente entende isso tudo. Mas como que a gente pega essas movimentações e usa como ferramenta pra poder desenvolver tecnologias e políticas pro nosso território. Então, Jovens Negociadores, foi esse processo de capacitação. E daí foi indo. Eu tive oportunidade de ir na Cúpula da Amazônia em 2023, no diálogo. Desculpa! Eu tive oportunidade de conhecer os Diálogos Amazônicos em 2023. E no mesmo ano, foi quando eu fui à COP, em Dubai.
P/1 Quando foi o Diálogos Amazônicos?
R - O Diálogos Amazônicos foi em 2023, em agosto.
P/1 Que que se discutiu lá?
R - Então, eu fui participando dos painéis, principalmente para entender as realidades dos territórios amazônicos, que é muito diferente do nosso. O clima do Brasil é o mesmo, mas já existe uma diversidade de realidades e dinâmicas, né? Então, eu fui participar de observadora dos painéis, conhecer algumas organizações. E tive oportunidade também de fazer uma fala, especificamente trazendo o contexto do Rio de Janeiro e da periferia do Rio de Janeiro. Foi quando eu contei um pouco sobre as enchentes que a gente sofreu e como que é também a dinâmica do Rio, considerando os impactos das mudanças climáticas. Como que é a gerência e a falta de adaptação que os locais marginalizados ainda não tem esse planejamento tão fiel à realidade. Então, os diálogos, eu tive a oportunidade de trazer um pouco da realidade do que acontece aqui no Rio de Janeiro, o que falta e o que precisa ser feito. E também levando o que a gente já tem como solução, mas que precisa ainda ser investida, falando das cooperativas, falando das movimentações e organizações que levantam dados, ou que precisam ser oficializadas para que as políticas públicas realmente sejam implementadas nos espaços.
P/1 E aí, na COP? Como é que foi o convite, como é que você foi participar da COP? A COP?
R - A COP 28 em Dubai. Os Jovens Negociadores, é um programa que no final dele tem uma seleção que alguns jovens podem ter a oportunidade de ir nas conferências das partes de mudanças do clima.
P/1 Como é que você entrou para esses jovens negociadores, como é que você chegou lá?
R - Ah, então, foi no meu momento de… Na época que eu estava querendo entender o que era racismo ambiental, justiça climática. Eu fui me colocando em várias palestras. E aí, chegou em uma que estava falando: “Olha, é discussão sobre os Jovens Climáticos.” E eu fui sozinha, normalmente eu não sou a pessoa que vai sozinha, mas eu fui sozinha. E foi no Centro do Rio. E aí, lá me explicou que aquele momento era o lançamento do programa Jovens Negociadores. E aí, eles estavam contextualizando a necessidade de ter jovens periféricos nesses espaços, e numa dessas eles abriram uma fala pra pergunta. E eu perguntei, se dentro do programa, seria fomentado a ideia de uma educação ambiental que não fosse romantizada, que fosse uma educação ambiental crítica, decolonial, que falasse sobre a realidade que a gente vive. Não olhar nas páginas do conceito de meio ambiente e não considerar as favelas e baixadas, por exemplo. E foi nesse lugar ali que eu percebi que eu tinha potencial, mesmo estando nesse lugar, nesse espaço dos Jovens Negociadores. E aí, tinha uma inscrição, eu participei, era uma seleção, você tinha que passar o seu currículo, uma carta, tinha uma entrevista com os organizadores do programa. E aí, eu fui selecionada. E durante esse processo, o Jornal Nacional veio até aqui fazer uma entrevista comigo também, pra falar um pouco sobre o contexto do Jacarezinho e de como que a juventude poderia estar nesses espaços da COP. E aí…
P/1 Como é que a Globo chegou aqui? Porque você já estava em destaque?
R - Porque no dia do lançamento do programa, eu fiz uma pergunta, que eu expliquei de como que o programa poderia trabalhar a ideia de educação ambiental de uma forma crítica, considerando todo o processo das favelas e baixadas como conceito. E aí, tinha uma repórter que estava fazendo acompanhamento do lançamento do programa, e aí no final ela me chama pra fazer uma entrevista. Aí, eu dei, eu acho que foi pra GloboNews. E depois teve uma conexão que eles mandaram meu contato pro Jornal Nacional. E aí, eles vieram aqui, a gente foi no rio que tem aqui, rio Jacaré, explicar todo o contexto de protagonismo da periferia nesses espaços de conferência climática. E aí, foi quando fui falando, né? Aí, comecei a falar, como eu tô aqui falando.
P/1 E aí, como é que foi ir pra COP em Dubai? Como é que aconteceu, como é que foi lá?
R - Então, a COP… Foram escolhidos 5 jovens no final do programa, de 50 alunos, 5 foram escolhidos, eu fui uma delas. E primeiro que foi assim: isso está acontecendo? Não está acontecendo. Eu não imaginava que ia para Dubai, assim, não mesmo. E aí, a ansiedade já bateu antes, porque durante o programa a gente vai entendendo o que que é uma COP, como que ela funciona. É um espaço muito grande? É uma grande bienal? Aonde que a gente pode estar, o que a gente não pode estar? A gente pode participar das negociações? Não pode? O que a gente pode fazer? Então, era isso. Era muitas informações que a gente estava aprendendo. E quando você chega lá, é muito mais do que você imagina. A conferência é muito maior do que fisicamente eu imaginava. E além de ter muitas pessoas de muitos países, eu acho que eu nunca ouvi tantas línguas diferentes na minha vida. Mas foi um lugar muito interessante, porque eu pude entender os trâmites das negociações, que não é tão simples. Eu fiquei numa das salas, e eu percebi o quanto que era vagaroso você mudar uma linha, uma vírgula, pra entrar em consenso com outros países. Então, assim, eu entendi que o processo que a gente está vivendo hoje, é um processo muito burocrático, que vai além de reivindicações, vai no lugar da diplomacia, e como fazer essa diplomacia. Então, eu tive esse choque assim, calma que as coisas têm uma hierarquia muito grande, mas isso não quer dizer que a gente não pode estar ali. A gente precisa entender muito mais pra estar ali dentro do processo, reivindicar uma linha que coloque população negra e mulheres dentro do contexto da negociação, por exemplo. Então, foi esse baque. E foi uma surpresa muito grande, porque tinha muito brasileiro. Essa COP 28, se não me engano, foi uma das maiores delegações, a delegação brasileira foi uma das maiores delegações da COP. E eu conheci muitas organizações, muitos ativistas da Juventude e não Juventude, que trabalhavam e que estavam falando no mesmo nível do que eu.
P/1 Brasileiros ou internacionais?
R - Brasileiros. Muitos brasileiros. Eu conheci muita juventude mesmo, assim.
P/1 Quem?
R - Ah, eu lembro da Jasara, de São Paulo, da Thalia.
P/1 A Jásara e de onde?
R - Jasara de São Paulo.
P/1 De alguma organização?
R - Ela é. Ela mudou a organização agora. To com o medo de falar o nome da da organização errada. Eu conheci a Jasara. Eu esbarrei com a Valeska, que é da rede Jandiras de Belém do Pará. Já tinha conhecido ela nos Diálogos Amazônicos, mas quando eu encontrei lá na COP, foi um sentimento muito bom assim, de entender que a gente está ali organizando, sabe? Se organizando. E junto com meus companheiros também, que foram comigo pra COP, que foi o João Pedro, que também é Jovem Negociador, que foi a Marcela Oliveira, que foi a Beatriz Estriane o Gari Jorge, que eles também são aqui do Rio. Então, foi um movimento muito de cooperação, da gente se ajudar o tempo todo, porque era muita informação, muitas línguas pra tentar entender. E também....
P/1 Como é que vocês entendiam? Falava inglês?
R - É! A gente, em diferentes níveis, cada um falava um pouco de inglês. E aí, no começo todo mundo estava meio com vergonha. E tinha a Bia que sabia falar muito bem, o João também. E aí, a gente se ajudava, na hora de pedir comida, ou pedir uma informação, ou até conversar com outra pessoa que estava ali na COP. Mas teve um momento que a gente se desprendeu, assim, a gente começou a falar e sair andando. E aí, cada um foi para um canto, porque tinha muitos painéis interessantes, diferentes temas, e a gente se dividiu. Aí, teve um momento que eu e o Gare Jorge, a gente foi com o amigo Matheus Fernandes, que a gente conheceu também lá. E aí, a gente foi andar para conhecer mais espaços, e a gente acabado conhecendo um indiano, que ele tinha acabado de ganhar um prêmio da sua pesquisa.
P/1 Esse contato todo que você teve, você chegou a ter alguma fala lá? Como é que foi?
R - Nessa COP não. A gente não teve um momento de fala. A gente teve muitas conversas institucionais, a gente conversou, inclusive com o hoje presidente da COP, que é o Andre Corrêa Lago, ele na época era diplomata, e a gente fez uma conversa apresentando o projeto, entendendo também a dinâmica da diplomacia no contexto climático. Então, a gente teve muitas conversas pra entender diferentes aspectos de atuação na COP. A gente teve essas conversas institucionais, inclusive, com a juventude também, de como que a gente consegue incidir nos espaços e se organizar. Então, foi um pouco disso. E acho que teve uma curiosidade muito grande, porque a gente já tinha os nossos nomes, que a gente já referenciava muito antes de ir pra COP, tanto ativistas, pesquisadores, mobilizadores, e ali você tá num espaço, que está todo mundo igual, sabe? Todo mundo andando no mesmo sol, todo mundo comendo quase a mesma comida, passando o mesmo sufoco. E isso foi muito gratificante, sabe? De conhecer as pessoas nesse lugar. Eu conheci a pessoa que movimentou muito o meu estudo no clima, a autora do livro, “Quem precisa de justiça climática no Brasil, que é Andréa Coutinho. Eu conheci a Selma Dealdina, que é a coordenadora nacional da CONAQ, que é a coordenação quilombola. E aí, foi um lugar, assim, eu caí no chão sem querer, tropecei, e ela estava do meu lado e a gente conversou. Então, sabe, foi nesses nuances que a gente foi conhecendo as pessoas que a gente já tinha vislumbre e respeitava muito o trabalho. E nesse lugar da COP eu me conectei muito com a Andréia Coutinho, que é a autora do livro, “Quem precisa de justiça climática no Brasil?” Ela já tinha me dado aula no curso de políticas públicas, mas ali na COP a gente trocou mais. E foi um momento que me deu mais motivação de trabalhar. Eu acompanhei um pouco do trabalho dessas pessoas ali no dia a dia, sabe? Então, eu vi que aquilo também era pra mim, que eu queria trabalhar com isso. E naquele contato a gente foi se envolvendo, fomos trocando, e hoje eu trabalho com ela no Centro Brasileiro de Justiça Climática, uma organização que ela fundou, que é pensando na população negra dentro da agenda climática, pensando justiça climática e equidade racial dentro da agenda. Então, a COP me deu também essa oportunidade de entender o lugar que eu posso trabalhar e fazer essas conexões. Então, foi um lugar muito importante, assim. E um lugar também de entender quanto que a gente pode ser destemido. Eu tinha muito medo de falar inglês, e teve momentos que só ali no grupo eu consegui desenrolar. A gente acabou conhecendo o indiano, jogamos Totó com indiano, e a gente acabou descobrindo que ele tinha acabado de ganhar um prêmio, ele era biólogo Marinho, tinha acabado de ganhar um prêmio na COP. Então, ali foi um lugar que a gente se colocou em prova. Em prova do que a gente poderia aprender e do que a gente poderia fazer, sabe? De conexões, onde que a gente podia chegar. Então, eu acho que essa oportunidade dos Jovens Negociadores, foi um pontapé muito importante pra vida profissional. Absurdamente muito importante.
P/1 Como que é seu cotidiano lá de trabalho?
R - No Centro Brasileiro? Então, hoje o meu cotidiano é na parte do eixo de pesquisa, eu sou analista de pesquisa. Então, a gente trabalha desenvolvendo produtos que trabalha com eixo climático e racial, mas pensando nas diferentes perspectivas e biomas do Brasil. A nossa organização é uma organização nacional, então é desenvolver produtos que trabalham com diferentes realidades, mas ao mesmo tempo com participação, a metodologia de participação das comunidades dentro dos processos de pesquisa. Então, eu tô ali cooperando com o desenvolvimento de boletins informativos que a gente acabou de desenvolver, que é boletim sobre saúde, raça e clima, segurança alimentar, emprego e renda. A gente está no processo agora de desenvolvimento dossiê também. Um dossiê sobre as diferentes soluções e impactos nas regiões do Brasil, com diferentes pesquisadores também. Então, eu estou nesse lugar de estar ali na construção, na cooperação, na construção de pesquisas, pensando justiça climática na pauta racial no Brasil.
P/1 Qual que você acha que é a grande questão hoje da justiça climática e a questão racial?
R - Então, a grande questão é que as políticas que são pensadas em promoção de justiça climática, elas não usam a lente racial, elas não consideram as populações, e onde essas populações vivem. Não consideram que além do impacto climático, existe uma cadeia de processos sociais, que é o racismo estrutural, que só evidencia mais essa vulnerabilidade. Então, quando a gente está falando de políticas públicas e pesquisas, esses indicadores não estão relacionados. Precisa dessa intersecção tanto da raça, do gênero, pra conseguir realmente desenvolver a promoção da justiça climática. Então, eu acho que essa falta dessa lente, ela move essa organização dela nascer, e move essas pesquisas e essas incidências também. Porque vamos colocar aí que 52% da população brasileira é do grupo afrodescendente. Essas pessoas estão sendo pensadas quando estão sendo desenvolvidas políticas públicas e soluções para o clima? Será que estão considerando as realidades das mães e mulheres negras que estão à frente dos impactos dentro do contexto das soluções? A gente tá vendo que não. Quando acontece as tragédias, ou quando existe a falta, são essas pessoas que são as mais impactadas e continuam sendo. Porque esse histórico já é um histórico de anos e que não existe mudança. Porque existe uma estrutura muito grande que viabiliza que essas promoções cheguem a essas pessoas. Então, é preciso falar disso sim, da pauta climática, mas considerando as intersecções que geram essas pessoas, que impactam essas pessoas. Então, a gente está falando de gênero, a gente está falando de raça, classe social. Então, eu acho que isso é uma questão que precisa ser mais desenvolvida e mais pensada, até mesmo nas negociações. Porque falar que, “Ah, a gente precisa ter financiamento climático para as zonas desfavorecidas, vulnerabilizadas.” Mas o que que é essas zonas vulnerabilizadas? Quem faz parte dessas zonas vulnerabilizadas? Quem são essas pessoas? Me diz aí o CPF delas, a cor, o gênero? Então, o que falta pra que essa justiça realmente comece a alavancar o movimento, é desmistificar esses dados e começar a dar cara pra esses dados. Além de considerar que os saberes dessas pessoas que a gente considera que é um saber que não é o tradicional, que não é o científico, também é ciência. Considerar que a produção de conhecimento dos territórios, são soluções sim, e são, e precisam ser colocadas em pauta e dentro da valorização desses conhecimentos, pra começar a ter os efeitos benéficos de adaptação e mitigação latona. Porque se você fala do território e das pessoas, sem considerar a construção dessas pessoas, nessa problemática, você tá falando por falar. Você precisa falar do território como território. A construção dessas soluções, dessa intelectualidade, precisa ser feita com pé no chão, com o saber ancestral, como o saber popular, com a tecnologia social. Pra ter realmente uma justiça climática, a gente precisa valorizar a produção de conhecimento de territórios e aumentar a lente de quem são essas pessoas. De quem são essas pessoas que são vulnerabilizadas. Que não são vulneráveis. Vulneráveis é quem nasce no local, mas vulnerabilizadas é quando colocam essas pessoas nessa condição. Então, quando a gente está falando de impactos estruturantes sociais, está dizendo que essas pessoas são colocadas nessas condições. Então, é um pouco disso.
P/1 E aqui, como é que foi? Paralelamente, como que é a sua atividade aqui, esse espaço? Como que ele nasceu? Você participa das decisões da cooperativa?
R - Na verdade, a minha relação com a cooperativa, como eu falei, ela está muito relacionada com a construção do trabalho dos meus pais. Já trabalhei aqui há um tempo, mas hoje eu tenho um trabalho mais de parceria. Eu faço parte do coletivo Simbiose, construo junto com outros colegas. E a gente trabalha aqui com a cooperativa, alavancando algumas oficinas, pautando a sustentabilidade, pautando a questão dos resíduos, da educação ambiental, principalmente nesse museu aqui, que é o espaço que a gente consegue sensibilizar muito mais, de uma forma imersiva, do que sentado numa palestra falando alguma coisa. Então, a gente tem esse trabalho em cooperação, de uma forma assimbiótica também. E ajudando também a fomentar o conhecimento do museu, que é um museu que já tem há mais de 5 anos e ainda não é conhecido pela comunidade, ainda não é reconhecido por outros espaços.
P/1 Como é que nasceu esse museu? De quem foi a ideia?
R - Eu acho que é muito interessante você conversar com o Luiz, ele vai poder desenvolver muito melhor isso. O Luiz, ele foi idealizador do museu, Luiz Fernandes, ele é atualmente o diretor da cooperativa, e ele sempre quis trabalhar com a questão da arte. Porque ele percebia que vinha muitos materiais de valor para cá. Era quadro, era um tampão de mesa, era cadeiras. E aí, ele percebia que aquilo tinha muito valor. Então, ele foi construindo essa ideia junto com o Rogério, que é o artista plástico do museu, pra poder desenvolver o que a gente tem aqui hoje. E aí, isso também está muito relacionado com os resíduos que são descartados pelas empresas, por exemplo. A gente tem aqui muitos frascos de perfume. E aqui conta também uma história de consumo, de como que as embalagens foram se reconstruindo, foram se remodelando. Então, aqui tem um lugar muito de afeto, sabe? Do dia a dia, tipo, cara, eu tinha… Tem um telefone, por exemplo, antigo. “Nossa, eu tinha esse telefone há muitos anos na minha casa.” Ou uma criança vem aqui hoje em dia e nem sabe o que é, no que isso foi utilizado. Então, é essa ideia do museu foi de conectar também com o que já passou, o que tá vindo também, mas com a necessidade de reconhecer que os materiais existem seus fins, mas que ele também pode ter novas caras, e novos usos. Além também de sensibilizar sobre o consumo, assim, que nem tudo tem um fim, então é preciso a gente saber lidar com o que a gente compra, com o que a gente vai fazer, porque esse espaço aqui, ele conta a história do nosso dia a dia.
P/1 E pra COP 30, você vai participar? Como é que você tá vendo a COP 30?
R - Bom, muitos enigmas pra COP 30, né? Eu tenho muita vontade de participar, ainda estou pensando, a gente está elaborando como é que vai ser essa participação, justamente porque é a COP que vai pautar o que a gente está vivendo atualmente no Brasil, o contexto ambiental do Brasil, depois de alguns anos de degradação, de grande desmatamento. E implicação de negociações que são muito importantes pra biodiversidade, que é o que a gente está fomentando o ano inteiro. Então, tenho planos pra COP 30. Vamos ver se vão ser concretizados. Mas é pra esse ano, eu estando nela, eu vou estar ali realmente focando na agenda da biodiversidade da população negra.
P/1 Obrigada! O que você achou de contar a sua história de vida para o Museu da Pessoa?
R - Sei lá, eu senti um resgate, porque quando a gente fala da nossa história de vida, parece que tem uma história já contada na nossa cabeça, porque a gente é da onde a gente vai. Parece que tem um script, mas quando as perguntas vão sendo feitas, vai desencadeando outras lembranças que às vezes a gente nem está preparado para ter. E aí, teve momentos que eu segurei também aqui o choro, ou emoções, porque a gente não imagina como que que essa conversa ela vai se desdobrar, sabe? Então, foi um lugar gostoso, apesar de, humm, que que essa pessoa vai me perguntar? Mas foi um lugar gostoso, assim, na surpresa dos sentimentos que eu senti, e até de revisitar quem eu sou, acho que teve muito disso, né? Revisitar o que que a Thaynara é, não só pelas coisas que eu vivi, mas do que eu senti nesses momentos. Eu gostei do convite. Eu me surpreendi bastante. Foi muito fora do convencional, do que eu já participei. Obrigada pela oportunidade.
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